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O sistema europeu de supervisão financeira – algumas questões de governance numa “redepoliárquica” de decisão
The European system of financial supervision – some governance issues in a “polyarchical network” of decision‑making
LUÍS GUILHERME CATARINO
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 2 · 1st July Julho – 31st December Dezembro 2021 · pp. 209‑234
a contrario) –, é divulgado publicamente colocando os não cumpridores “no fundo da Liga”
(sanção soft de naming and shaming que traduz uma coercibilidade indireta)44.
A profusão de instrumentos de soft law típica de um sistema “responsivo”, e a natureza
e efeitos jurídicos de algumas das normas neles contidas têm um profundo impacto
normativo e jurisdicional na União e nos Estados-membros45. Na realidade, para além de
terem impacto na lei (que por vezes antecedem) e na interpretação da lei (que aplicam), com
eventuais efeitos jurídicos vinculativos (i.e., como second best ao direito), o TJUE aceitou a
necessidade de verificar em concreto se uma medida de soft law é “genuína”46.
Mantêm-se assim atuais as n/considerações ex professo sobre o tema da informal law e
da transferência do seu papel de “assistência qualificada” e de “modelação” de condutas
dos supervisionados para a criação de um verdadeiro “direito programador” setorial,
não esquecendo que a sua qualificação como informal law nunca é neutra para o direito.
Salientamos alguns aspetos mais em que a “diferença de qualificação não é despicienda:
i) só às normas jurídicas se aplica o princípio iura novit Curia; ii) só estas têm um período
de vacatio legis; iii) só aos actos normativos se aplica o princípio ignorantia legis non excusat;
44 Aos atos que se verifique conterem decisões ou normas conformadoras de condutas, quer das ANCs quer dos
destinatários, a par da produção de efeitos jurídicos poderemos acrescentar a sanção/coercibilidade indireta,
o que lhes confere vinculatividade podendo requerer-se a sua anulabilidade (artigo 263.º do TFUE). Acerca
deste mecanismo e seus efeitos de forma mais desenvolvida, Luís Guilherme Catarino, 2012, “A “agencificação”
administrativa na regulação financeira da UE: Novo meio de regulação?”, Revista de Concorrência e Regulação,
Ano III, n.º 9, Jan/Mar, pp. 147-203, e AA citados. Sobre o movimento europeu e a administrativização no
amplo movimento de governo da União, Hussein. Kassim, 2003, “The European Administration: Between
Europeanization and Domestication”, AAVV, Jack Hayward & Anand Menon (eds), Governing Europe,
Oxford,Oxford University Press, p,139. Sobre o movimento de networking de 1990 à atual agencificação, i.a.
David Levi-Faur, 2011, “Regulatory networks and regulatory agencification: towards a Single European
Regulatory Space”, Journal of European Public Policy, vol. 18, n.º 6,p. 810acessível in Regulatory networks and
regulatory agencification: towards a Single European Regulatory Space: Journal of European Public Policy: Vol
18, No 6 (tandfonline.com)
45 O Advogado-Geral Michael Bobek destaca nas suas Conclusões de 12 de novembro de 2017 ao Proc. 16/16P,
Reino da Bélgica contra a Comissão, a par da pretensão de conformação de condutas pela soft law, três tipos de
efeitos jurídicos: “i) confiança e expetativas legítimas; ii) o seu papel interpretativo; e iii) a possibilidade de as
recomendações gerarem conjuntos paralelos de regras que se substituem ao processo legislativo e, como tal,
afetam o equilíbrio institucional” (ECLI:EU:C:2017:959, a p.17). Na realidade, para além de, com a interpretação
a soft law preencher conceitos legais que também as autoridades administrativas e os tribunais seguirão (sob
pena de terem de fundamentar interpretação contrária), também no plano legislativo a falta de competência ou
de norma de habilitação com a soft law ultrapassa-se o procedimento legislativo e a competência dos respetivos
órgãos, funcionando como “second best”.
46 O próprio TJUE tem afirmado que deve ser aferido perante cada caso concreto e independentemente do nomem
juris quando estamos perante uma medida genuína de soft law ou perante uma “falsa” medida para efeitos de
sindicabilidade judicial … exceto no caso das Recomendações, onde existe uma prevalência da forma sobre
a substância expressa no artigo 263.º TFUE, Acórdão Bélgica vs Comissão cit, n.º s 29-32), como é o caso das
medidas de que resultam deveres jurídico obrigatórios (acerca da aplicação do “critério AETR” de aferição da
sindicabilidade dos atos atípicos, o Acórdão de 31 de março de 1972, Proc. 22/70, EU:C:1972:32).