GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXIV · Issue Fascículo 1‑2 · 1st January Janeiro – 31st December Dezembro 2023 · pp. 237‑241 237
Recensão Crítica dos artigos: A dignidade da pessoa humana na
persecução criminal: os princípios democrático e da lealdade processual
penal” e“A esquizofrenia dos meios investigatórios invasivos dos direitos
fundamentais pessoais”.
Critical review of the articles: “The dignity of the human person in criminal
prosecution: the democratic principles and the fairness of criminal proceedings”
and “The schizophrenia of investigative means that invade personal fundamental
rights”.
1 Aluna do Mestrado em Direito, especialização em Ciências Jurídico-Criminais. Recensão crítica apresentada na
UC de Direito Processual Penal Avançado.
2 Valente, M. M. G. (2022). A dignidade da pessoa humana na persecução criminal: os princípios democrático e da
lealdade processual penal. In Alves, C. A., Morão, H., Leite, I. F., Caires, J. G., Costa, J. N., Palma, M. F., Mendes, P.
S., Pereira, R. S., Brito, T. Q., & Ramos, V. C. (Eds.), Prof. Doutor Augusto Silva Dias – In Memoriam. Lisboa: AAFDL, p…..
3 Silva, G. M. (2022). Ética e estética do processo penal: as investigações ocultas e o contraditório sobre as provas. In
Albuquerque, P. P., Cunha, J. M. D., Faria, P. R., Cunha, C. F. & Ferreira, E. (Eds,), Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Américo Taipa de Carvalho. Porto: Universidade Católica Editora, pp. …...
4 Valente, M. M. G. (2022). A esquizofrenia dos meios investigatórios invasivos dos direitos fundamentais pessoais.
In: Moutinho, J. L., Salinas, H., Sequeira, E. V. & Marques, P. G. (Eds.), Homenagem ao Professor Doutor Germano
Marques da Silva. Lisboa: Universidade Católica Editora, pp.
TELMA VIRIA1
vitoria.telma1999@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXIV · 1st January Janeiro–31ST December Dezembro 2023 · pp.237‑241
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXIV.1/2.01
Submitted on September 8th, 2023 · Accepted on December 31st, 2023
Submetido em 8 de Setembro, 2023 · Aceite a 31 de Dezembro, 2023
A presente recensão crítica versa sobre os seguintes textos: “A dignidade da pessoa
humana na persecão criminal: os princípios democrático e da lealdade processual penal”, escrito
por Manuel Monteiro Guedes Valente2, “Ética e estica do processo penal: as investigações
ocultas e o contraditório sobre as provas, escrito por Germano Marques da Silva3, “A
esquizofrenia dos meios investigatórios invasivos dos direitos fundamentais pessoais” de Manuel
Guedes Valente4.
Perante a leitura dos três textos enunciados, é evidente que toda a problemática
apresentada pelos autores tem como base a discussão da proteção dos direitos
fundamentais e a consequente ameaça dos mesmos perante a aplicação de meios de prova
e de obtenção de prova que podem trazer fortes ameaças a todo o conjunto de direitos,
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liberdades e garantias do cidadão que devem sempre assentar no princípio da dignidade da
pessoa humana5.
Para analisar qualquer questão de Direito e, mais concretamente, qualquer questão
de Direito Processual Penal não podemos demitir-nos da norma mãe que orienta o Estado
português, a Constituição da República Portuguesa (CRP), que deve ser impreterivelmente
respeitada em todas as fases do processo criminal e em toda a atuação tanto dos Órgãos
de Polícia Criminal (OPC), assim como do Ministério Público (MP), do Juiz de Instrução
Criminal (JIC), do Juiz de Julgamento e demais participantes.
Como refere Manuel Guedes Valente, “a pessoa é um sujeito e não um objeto, é fim e não
meio de relações jurídico-sociais6 e, como tal, no decorrer de um processo criminal não deve
prevalecer a ideia da descoberta da verdade a todo e qualquer custo em detrimento de se
verem violados os direitos constitucionalmente consagrados e os princípios subjacentes e
inerentes a um Estado de Direito Democrático como é o caso do Estado português. Assim,
como alude Germano Marques da Silva é necessário ter presente que a verdade no processo
não pode procurar-se por quaisquer meios, mas tão-só pelos meios processualmente admissíveis,
ainda que dessa limitação possa resultar algumas vezes o sacrifício da verdade7.
Acompanhamos, neste sentido, também a linha de pensamento de Manuel Guedes
Valente quando nos dois textos apresentados se retira que a intervenção do Estado e dos
atores judiciais deve ser limitada, consoante o princípio democrático e o princípio da lealdade
consagrados no artigo 2.º e n.º 8 do artigo 32.º da CRP, conjugando este último com o artigo
125.º e 126.º do Código de Processo Penal (CPP) quanto ao princípio da inadmissibilidade da
prova8.
Germano Marques da Silva reforça “a necessidade de transparência e registo processual
de todos os atos da investigação criminal9 dando ênfase à importância de combater qualquer
atuação que ultrapasse os limites perentórios quanto à produção da prova. Neste sentido,
a aplicação de qualquer medida ou do procedimento de qualquer obtenção de prova deve
ser imperativamente acompanhada de fundamentação, conforme o artigo 205.º da CRP.
5 Cf. Artigo 1.º da Constituição da República Portuguesa.
6 Valente, M. M. G. (2022). A dignidade da pessoa humana na persecução criminal: os princípios democrático e da
lealdade processual penal. In Alves, C. A., Morão, H., Leite, I. F., Caires, J. G., Costa, J. N., Palma, M. F., Mendes, P.
S., Pereira, R. S., Brito, T. Q., & Ramos, V. C. (Eds.), Prof. Doutor Augusto Silva Dias – In Memoriam (pp. 406). AAFDL.
7 Silva, G. M. (2010). Princípio da investigação ou da verdade material. In G. M. Silva, Curso de Processo Penal I –
noções gerais, elementos do processo penal (6.º edição, pp. 101). Verbo.
8 Neste sentido, “não podemos olhar para a prova apenas como resultado, mas acima de tudo como um processo
comunicacional probatório dialético límpido e transparente: leal e democrático. (Valente, 2021).
9 Silva, G. M. (2022). Ética e estética do processo penal: as investigações ocultas e o contraditório sobre as provas. In
Albuquerque, P. P., Cunha, J. M. D., Faria, P. R., Cunha, C. F. & Ferreira, E. (Eds,), Estudos em homenagem ao Professor
Doutor Américo Taipa de Carvalho. (pp. 562). Universidade Católica Editora.
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Isto permitirá saber em concreto as razões que levaram à aplicação de determinado
meio de obtenção de prova e saber se os mesmos respeitam o princípio da legalidade, da
proporcionalidade10 (com os subprincípios da necessidade, adequação e proporcionalidade em
sentido estrito), procedendo à devida fiscalização. Só em concordância e em dlogo com
estes pilares constitucionais (sempre em harmonia com os demais princípios e direitos
que se tornam imprescindíveis) é que se poderá prosseguir com um processo, investigação
e julgamento justos e credíveis.
Após a leitura atenta dos três textos constata-se que ambos os autores acompanham
o mesmo pensamento no que se reporta à defesa dos direitos fundamentais quando a
discussão se impõe entre optar por métodos mais eficazes e reveladores da verdade11 ou
assegurar os limites que devem afigurar-se intransponíveis quanto às questões da prova.
O próprio recurso a meios ocultos de investigação criminal (agente encoberto, agente
inltrado, videovigincia, gravação de voz, entre outros) e invasivos da esfera jurídica
do individuo e dos seus direitos deve, como indica Manuel Guedes Valente12, respeitar a
reserva da intimidade da vida privada e familiar, consagradas no artigo 26.º da CRP, sendo
que estes direitos estão incluídos na própria dignidade da pessoa humana explanado no
artigo 1.º da norma constitucional. Neste sentido, deve ser aplicado conjuntamente o n.º
8 do artigo 32.º da CRP quanto à nulidade de qualquer prova que coloque em causa os
direitos e princípios já mencionados.
Germano Marques da Silva, no que diz respeito à atuação do agente encoberto,
refere que o mesmo deve ser “excecional13. Adiciona que é inaceitável que os agentes
sejam revestidos pelo anonimato, revelando novamente a necessidade da transparência
para que o arguido saiba quais os atos que foram realizados com vista a que se possa
defender e denunciar caso se verifique a ocorrência de ações provocatórias. Na mesma
linha de pensamento quanto à transparência, Manuel Guedes Valente afirma que
a fundamentação dos requerimentos e das decies, como manifestação de transparência da
administração da justiça em nome do povo, é essência medular do princípio democrático.”14
10 Cf. n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
11 Falamos de uma verdade que, nos dias de hoje, o próprio povo aclama conhecer perante a sensação de injustiça e
insegurança que assola o nosso e tantos outros países. Verdade esta questionável e, no nosso entender, duvidosa
por se obter através do afastamento do indivíduo (arguido e vítima) da sua dignidade humana.
12 Valente, M. M. G. (2022). A dignidade da pessoa humana na persecução criminal: os princípios democrático e da
lealdade processual penal. In Alves, C. A., Morão, H., Leite, I. F., Caires, J. G., Costa, J. N., Palma, M. F., Mendes, P.
S., Pereira, R. S., Brito, T. Q., & Ramos, V. C. (Eds.), Prof. Doutor Augusto Silva Dias – In Memoriam (pp. 417). AAFDL.
13 Silva, G. M. (2022). Ética e estética do processo penal: as investigações ocultas e o contraditório sobre as provas.
In Albuquerque, P. P., Cunha, J. M. D., Faria, P. R., Cunha, C. F. & Ferreira, E. (Eds,), Estudos em homenagem ao
Professor Doutor Américo Taipa de Carvalho. (pp. 557). Universidade Católica Editora.
14 Valente, M. M. G. (2022). A dignidade da pessoa humana na persecução criminal: os princípios democrático e da
lealdade processual penal. In Alves, C. A., Morão, H., Leite, I. F., Caires, J. G., Costa, J. N., Palma, M. F., Mendes,
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Acompanhamos este pensamento por considerarmos que estando inseridos num Estado
de Direito Democrático, como consagra a própria CRP, e sendo o próprio povo quem escolhe
os seus representantes também ele deve ter conhecimento das decisões proferidas e das
medidas aplicadas, bem como dos argumentos que as sustentam para a plena verificação
do princípio democrático.
Chamamos à colação o pensamento de Costa Andrade, citado pelo Acórdão do
Tribunal da Relação de Lisboa15, indicando que “o deixa de ser pertinente, e continuar atual
pese embora reportada à revisão do Cód. Processo Penal de 2007, a crítica vertida por Costa Andrade
ao direito português «Tomado no seu conjunto, o direito português dos meios ocultos de investigação
caracteriza-se pelas lacunas e descontinuidades, incongrncias e inconsistências e, sobretudo,
por insustentáveis contradições e assimetrias normativas, axiológicas e politico-criminais.”. Ora,
sendo a aplicação de meios ocultos uma forma de limitação dos direitos fundamentais
não nos parece admissível que se mantenham presentes incongruências e lacunas quanto
a estas matérias.
Temos consciência das mudanças que a sociedade e o mundo em geral têm sofrido e
sabemos, como menciona16 Manuel Guedes Valente, que enfrentamos um período muito
crítico no que diz respeito ao aparecimento de discursos de punibilidade mais gravosa,
refletindo no aumento das penas e na aplicação de medidas violadoras de direitos. A ideia
da necessidade de um sistema penal mais severo que promova eficácia dos processos sem
limites é como refere o autor “enferma17, percebendo que “os meios maus corrompem até os
melhores fins18.
Nos próprios meios de comunicação social proliferam discursos de uma solução
ilusória que vem cada vez mais a ser admitida e apoiada pelo povo, sem a noção que
poderão ser os próprios a colocar em causa os seus direitos e a sua dignidade. Olhar para
o Direito Penal como um instrumento de garantia apenas da segurança coletiva e dos
mais fracos é esquecer por completo o verdadeiro sentido do sistema e descartar um
passado, ainda recente, que deixou marcas quanto à violação grave de direitos, liberdades
e garantias. Essa perspetiva histórica deve, no nosso entender, ser sempre analisada
quando abordamos estas questões. Enquanto cidadãos de um Estado, já antes abalado
P. S., Pereira, R. S., Brito, T. Q., & Ramos, V. C. (Eds.), Prof. Doutor Augusto Silva Dias – In Memoriam (pp. 418). AAFDL.
15 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – Processo 4/22.2AALSB-B.L1-5 de 08-11-2022
16 Valente, M. M. G. (2022). A esquizofrenia dos meios investigatórios invasivos dos direitos fundamentais
pessoais. In Moutinho, J. L., Salinas, H., Sequeira, E. V. & Marques, P. G. (Eds.), Homenagem ao Professor Doutor
Germano Marques da Silva. Universidade Católica Editora.
17 Valente, M. M. G. (2022). A esquizofrenia dos meios investigatórios invasivos dos direitos fundamentais
pessoais. In Moutinho, J. L., Salinas, H., Sequeira, E. V. & Marques, P. G. (Eds.), Homenagem ao Professor Doutor
Germano Marques da Silva (pp. 1584). Universidade Católica Editora.
18 (BOBBIO, 1999, citado por Manuel Monteiro Guedes Valente, 2022, p.1584)
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por sistemas inquisitórios e persecutórios19, não nos podemos demarcar dessas raízes
e renunciar aos esforços que outrora fizemos (e que esperemos continuar a fazer) para
assegurar a liberdade e a dignidade do ser humano.
Perante o pensamento refletido nos textos, percebemos que toda a problemática dos
direitos fundamentais coordenada com a questão da prova e da obtenção da mesma ainda
é20 um debate importante da atualidade, principalmente por estarmos a assistir cada vez
mais a ideias e discursos de implementação de um sistema penal mais severo no combate
ao crime.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Portugal. Presidência da República (2019). Constituição da Reblica Portuguesa (6.ª Edição). Coimbra:
Almedina.
Portugal. Presidência da República (2022). Código de Processo Penal (13.ª Edição). Coimbra: Almedina.
SILVA, G. M. (2010). Princípio da investigação ou da verdade material. In G. M. Silva, Curso de Processo Penal
I – noções gerais, elementos do processo penal (6.º edição, pp. 101). Verbo.
SILVA, G. M. (2022). Ética e estética do processo penal: as investigações ocultas e o contraditório sobre as
provas. In Albuquerque, P. P., Cunha, J. M. D., Faria, P. R., Cunha, C. F. & Ferreira, E. (Eds.), Estudos em
homenagem ao Professor Doutor Arico Taipa de Carvalho. Lisboa: Universidade Católica Editora.
VALENTE, M. G. (2021). Cadeia da custódia da prova (3.ª Edição). Coimbra: Almedina.
VALENTE, M. M. G. (2022). A dignidade da pessoa humana na persecução criminal: os princípios
democrático e da lealdade processual penal. In Alves, C. A., Morão, H., Leite, I. F., Caires, J. G., Costa, J.
N., Palma, M. F., Mendes, P. S., Pereira, R. S., Brito, T. Q., & Ramos, V. C. (Eds.), Prof. Doutor Augusto Silva
Dias – In Memoriam. Lisboa: AAFDL.
VALENTE, M. M. G. (2022). A esquizofrenia dos meios investigatórios invasivos dos direitos fundamentais
pessoais. In Moutinho, J. L., Salinas, H., Sequeira, E. V. & Marques, P. G. (Eds.), Homenagem ao Professor
Doutor Germano Marques da Silva. Lisboa: Universidade Católica Editora.
19 A história demonstra que esse modelo benevolente e de tutela dos fracos se converteu no modelo mais feroz na e de perseguição
e na e de tortura e destruição dos mais fracos.” (Valente, 2022, pp. 1584)
20 E, no nosso entender, deve continuar a ser uma questão de preocupação geral – não só dos “técnicos do direito”,
mas também dos restantes cidadãos de um Estado democrático.