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O objeto do processo: O princípio daindivisibilidade ou unidade do objeto doprocesso
The object of the criminal process: The principle of indivisibility or unity of the object
INÊS ALEXANDRA DA COSTA MACHADO
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 2 · 1st July Julho – 31st December Dezembro 2021 · pp. 169‑178
regra23, em definitivo o objeto do processo ou, nas palavras de Damião da Cunha24, “o objeto
do julgamento”25.
Deste modo, a definição do thema decidendum na acusação é, pois, “uma consequência da
estrutura acusatória do processo penal”26-27.
A variação e a inconstância do objeto do processo pode colidir severamente com o
direito de defesa do arguido, com o princípio do acusatório e com o princípio da confiança,
podendo lesar, de igual modo, o princípio da lealdade processual28.
De modo a garantir o exercício pleno do direito de defesa29, é imperativo que a
sentença apenas incida sobre os factos constantes da acusação notificada ao acusado
e, consequentemente, do julgamento, a sentença, não podendo incidir sobre factos não
contidos no processo30. O arguido não pode ser surpreendido com alterações de factos
relevantes para a sua defesa31, o contraditório tem que ser assegurado32.
A descoberta da verdade material, apesar de ser uma das finalidades do processo
penal33 (artigos 53.º , n.º 1, 299.º , n.º 1 e 2 e 340.º , n.º 1 do CPP), não é um fim que justifica
todos e quaisquer meios. Nas palavras de Teresa Beleza e Costa Pinto, “não é um fim absoluto,
mas sim um fim a prosseguir de forma condicionada, nos limites dos factos acusados”34.
Desta forma, a identificação do objeto do processo com a acusação é uma garantia do
cidadão, que tem o direito de conhecer os factos que lhe são imputados na acusação, de
saber que não será julgado para além do objeto inicial e de que pode preparar uma defesa
digna e ter um julgamento justo e adequado, “sem surpresas e deslealdades”35.
23 A utilização da expressão “em regra” deve-se ao facto de a identificação e determinação do objeto do processo
não ser absoluta: na verdade, quer na fase de instrução, quer na fase de julgamento, pode existir uma alteração
não substancial (artigos 303.º e 358.º do CPP) ou substancial dos factos (artigos 309.º e 359.º conjugados com a
al. f) do n.º 1 do artigo 1.º do CPP).
24 CUNHA, José Manuel Damião da. O Caso Julgado Parcial (...), p.470.
25 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Do Objeto do Processo (...), p.92.
26 SILVA, Germano Marques da. Direito Processual Penal Português – Noções e Princípios Gerais, Sujeitos Processuais,
Responsabilidade Civil conexa com a Criminal, Objeto do Processo, 2.ª ed. Lisboa: Universidade Católica Editora,
2019, p.369.
27 Pelo contrário, num processo penal de estrutura inquisitória, os OPC e o MP teriam um papel de menor destaque,
visto que, neste modelo, é ao juiz que cabe identificar e fixar o objeto do processo.
28 BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I (...), p.14.
29 O direito de defesa é uma das exigências do processo penal de estrutura acusatória, típica de um Estado de
direito democrático, que a nossa Lei Fundamental garante com a máxima amplitude, conforme o artigo 32.º ,
n.º 1 da CRP.
30 SILVA, Germano Marques da. Direito Processual Penal Português (...), p.388.
31 Ibidem.
32 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.95.
33 Neste sentido, Guedes Valente ensina que o Processo Penal tem quatro finalidades: “a descoberta da verdade
judicialmente válida, a realização da justiça, a defesa dos direitos fundamentais (de todos os cidadãos) e o alcance da paz
jurídica” (VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.91).
34 BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I (...), p.16.
35 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Do Objeto do Processo (...), p.94.