GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXIV · Issue Fascículo 1‑2 · 1st January Janeiro – 31st December Dezembro 2023 · pp. 169‑178 169
O objeto do processo: O princípio
daindivisibilidade ou unidade do objeto
doprocesso
The object of the criminal process: The principle of indivisibility
or unity of the object
INÊS ALEXANDRA DA COSTA MACHADO1
machado.ines11@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXIV · 1st January Janeiro–31ST December Dezembro 2023 · pp.169‑178
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXIV.1/2.9
Submitted on May 15th, 2023 · Accepted on july 31st, 2023
Submetido em 15 de Maio, 2023 · Aceite a 31 de julho, 2023
SUMÁRIO: I. Considerações iniciais; II. O objeto do processo e o princípio da indivisibilidade
ou unidade do objeto do processo; III. Valores inerentes ao princípio da indivisibilidade
ou unidade do objeto do processo; IV. O problema concreto da alteração substancial da
matéria de facto; V. Conclusão.
PALAVRAS-CHAVE: objeto do processo; indivisibilidade; unidade; matéria de facto
SUMMARY: I. Initial considerations; II. The subject matter of the proceedings and the
principle of indivisibility or unity of the object of the criminal process; III. Values inherent
in the principle of indivisibility or unity of the object of the criminal process; IV. The
specific problem of substantial changes in the facts; V. Conclusion.
KEYWORDS: object of the criminal process; indivisibility; unity; facts.
I. Considerações iniciais
A problemática que envolve a questão do objeto do processo assenta na necessidade de
os factos, que serão imputados ao arguido, através do processo penal, não estarem em
constante mutação ao longo do processo, mas ficarem cristalizados a partir de certo
momento, em regra, a partir da acusação2. Esta cristalização dos factos imputados ao
1 Aluna do Mestrado em Direito, especialização em ciências Jurídico-Criminais. Trabalho apresentado no âmbito
da UC de Direito Processual Penal Avançado.
2 BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I. Objeto do processo,
liberdade de qualificação jurídica e caso julgado. Lisboa, 2001, p.8.
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arguido implica igualmente que não deve existir variações sensíveis ou intoleráveis,
à luz da lei e dos princípios regentes, desses factos durante o processo, em especial,
variações que possam descaracterizar o complexo de factos anteriormente imputados
indiciariamente ao arguido na acusação3. Neste sentido, este comenrio científico visa
responder à seguinte questão: será o princípio da indivisibilidade ou unidade do objeto do
processo garantido pelo Código de Processo Penal?
Para responder a esta problemática iremos começar por estudar, de forma breve,
o que é o objeto do processo, fazendo destaque ao relevante papel dos Órgãos de Polícia
Criminal (OPC) e do Ministério Público (MP) na identificação e determinação do objeto
do processo. De seguida, iremos analisar qual a essência e as implicações do princípio da
indivisibilidade ou unidade do objeto do processo, bem como quais os valores inerentes ao
mesmo. Por fim, iremos dar resposta à questão de partida.
II. O objeto do processo e o princípio da indivisibilidade ou unidade do
objeto do processo
A jurisprudência tem entendido que o objeto do processo diz respeito “aos factos imputados
ao arguido, aos factos pelos quais o mesmo responde, ou seja, ao objeto da acusação (ou da pronúncia),
visto que, é esta que define e fixa, perante o tribunal, o objeto do processo4.
A questão que se levanta é que antes da acusação já existe processo, pelo que, noutra
perspetiva, Guedes Valente5 e Damião da Cunha6 consideram que o objeto do processo não
começa com a acusação, mas muito antes, com a notícia do crime.
Sendo assim, a identificação, determinação e fixação do objeto do processo está
fortemente dependente do “desenho” esboçado pelos OPC7, isto é, da aquisição da notícia
do crime pelos OPC, que deve ser comunicada ao MP, no menor prazo possível8, cabendo
a este, por determinação constitucional9 e processual10, o exercício da ação penal em
3 Ibidem.
4 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22 de abril de 2015, processo n.º 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1, acessível na
base de dados do IGFEJ em www.dgsi.pt.
5 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo: fusão funcional na identificação e determinação do
objeto do processo. In: Direito Processual Penal, Da Sociedade Internético-Personocêntrica, 2020, p.86-87.
6 CUNHA, José Manuel Damião da. O Caso Julgado Parcial – Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo
de Estrutura Acusatória. Porto: Publicações da Universidade Católica, 2002, p.810 e VALENTE, Manuel Monteiro
Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.110.
7 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.86.
8 Artigo 248.º , n.º 1 do CPP e artigo 2.º , n.º 3 da LOIC.
9 Artigo 219.º , n.º 1 da CRP.
10 Artigos 262.º e 263.º conjugados com a al. c) do n.º 1 do artigo 55.º do CPP)
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observância do princípio da legalidade da promoção processual, mediante abertura de
inquérito11.
Verifica-se, assim, que a polícia é imprescindível para a identificação e fixação do objeto
do processo, tendo a importante função de descrever o mais realisticamente possível a
factualidade, que se deve expressar num só “pedaço de vida”, utilizando a expressão de
Guedes Valente12, pois será este “pedaço de vida” que irá vincular a primeira cognição
jurídica do MP.
Ora, a identificação e determinação do objeto do processo obedece a princípios que
Castanheira Neves apresentou nos anos cinquenta do século XX, e que Guedes Valente13
tem vindo a desenvolver neste século. São eles: o princípio da identidade do objeto, o
princípio da indivisibilidade ou da unidade do objeto, e o princípio da consumpção do
objeto.
Iremos discorrer, tal como nos comprometemos, apenas sobre o princípio da
indivisibilidade ou da unidade do objeto, que obriga o MP a dar conhecimento da totalidade
do objeto do processo, quando acusa, definindo, presumidamente, em definitivo, o mesmo,
pois só assim este pode ser fixado unitária e indivisivelmente14.
Como escreve Guedes Valente15, todos os elementos reais e pessoais, objetivos e
subjetivos, sociais e antropológicos, que possam constituir a unidade e a indivisibilidade
do objeto do processo, devem ser descritos ab initio no auto de notícia levantado pelo OPC,
de forma clara e explícita, e as provas reais examinadas de imediato e apreendidas para
prova ou para futura perícia ou futuro reconhecimento, de modo a que a jurisdição seja
chamada a julgar uma só vez aquele pedaço de vida poliédrico16. Só assim é possível
promover a indivisibilidade ou unidade do objeto do processo e garantir que a identidade
do mesmo não venha a sofrer alterações de grande dimensão.
Exige-se, para além disto, um comportamento ético e leal, por parte do MP17, que deve
procurar, na linha de Figueiredo Dias18, a verdade prática, material, processual e judicialmente
válida, de modo a identificar e determinar com total clareza e lealdade o objeto do
processo. Caso contrário, passamos a estar perante um processo desleal, antidemocrático
11 Competindo ao MP, por determinação constitucional (artigo 219.º , n.º 1 da CRP), a função de promoção
processual, só a ele poderá caber a decisão de abertura do inquérito, sob pena de nulidade insanável do processo
(artigo 119.º , al. b) do CPP).
12 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.88.
13 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.96-107.
14 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.101.
15 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.102-103.
16 Dimensão poliédrica – fundamento (e pressuposto), fim e limite do Direito.
17 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.87 e 95.
18 DIAS, Figueiredo. Direito Processual Penal I, 1981, p.194.
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e inquisitório, que adota o método de ocultação de factos, de deixar no ar a expectativa de
um novo trunfo ou de uma prova que não conste da acusação.
Neste sentido, Guedes Valente19 afirma que a equivalência do objeto do processo com
o objeto da acusação, deste com o objeto de pronúncia (quando seja requerida abertura
de instrução), daqueles com o objeto de julgamento e, eventualmente, de recurso, não
deve ser mera coincidência processual, mas deve ser o reflexo de uma correta aquisição
e transmissão da notícia do crime e, sobretudo, da qualidade científica, jurídica e técnica
dos operadores judiciários, sendo de destacar os OPC e o MP.
III. Valores inerentes ao princípio da indivisibilidade ou unidade do objeto
do processo
O problema em causa é, nas palavras de Castanheira Neves, “saber em que termos – de que
modo ou mediante que critérios – se pode dizer assegurada a identidade entre o acusado, o conhecido
e o decidido20.
Assim, nos três momentos do processo penal (acusação, julgamento e decisão) deve
existir uma estabilidade do “pedaço de vida” levado para o processo. Esta pretensão de
estabilidade factual é uma pretensão da manutenção da identidade do objeto do processo,
bem como da sua indivisibilidade e unidade, que é o foco de análise deste comentário.
E porque razão esta exigência é tão premente? A resposta a esta questão passa pela
identificação dos valores inerentes ao princípio da indivisibilidade ou unidade do objeto
do processo.
O problema da indivisibilidade ou unidade do objeto do processo revela especial
importância nos modelos de processo penal de estrutura acusatória, ao ponto de
Castanheira Neves21 afirmar que se trata de um problema específico deste modelo de
processo penal.
Neste sentido, sendo o nosso Código de Processo Penal de estrutura essencialmente
acusatória22, implica, necessariamente, uma relação entre a acusação e a decisão final,
em sede de julgamento, pelo que, se impõe ao MP que proceda à acusação que irá fixar, em
19 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.87-88.
20 NEVES, CASTANHEIRA. Sumários de Processo Penal. Coimbra, 1968, p.208
21 Ibidem.
22 Artigo 32.º , n.º 5 da CRP.
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regra23, em definitivo o objeto do processo ou, nas palavras de Damião da Cunha24, “o objeto
do julgamento25.
Deste modo, a definição do thema decidendum na acusação é, pois, “uma consequência da
estrutura acusatória do processo penal26-27.
A variação e a inconstância do objeto do processo pode colidir severamente com o
direito de defesa do arguido, com o princípio do acusatório e com o princípio da confiança,
podendo lesar, de igual modo, o princípio da lealdade processual28.
De modo a garantir o exercício pleno do direito de defesa29, é imperativo que a
sentença apenas incida sobre os factos constantes da acusação notificada ao acusado
e, consequentemente, do julgamento, a sentença, não podendo incidir sobre factos não
contidos no processo30. O arguido não pode ser surpreendido com alterações de factos
relevantes para a sua defesa31, o contraditório tem que ser assegurado32.
A descoberta da verdade material, apesar de ser uma das finalidades do processo
penal33 (artigos 53.º , n.º 1, 299.º , n.º 1 e 2 e 340.º , n.º 1 do CPP), não é um fim que justifica
todos e quaisquer meios. Nas palavras de Teresa Beleza e Costa Pinto, “o é um fim absoluto,
mas sim um fim a prosseguir de forma condicionada, nos limites dos factos acusados34.
Desta forma, a identificação do objeto do processo com a acusação é uma garantia do
cidadão, que tem o direito de conhecer os factos que lhe são imputados na acusação, de
saber que não será julgado para além do objeto inicial e de que pode preparar uma defesa
digna e ter um julgamento justo e adequado, “sem surpresas e deslealdades35.
23 A utilização da expressão “em regra” deve-se ao facto de a identificação e determinação do objeto do processo
não ser absoluta: na verdade, quer na fase de instrução, quer na fase de julgamento, pode existir uma alteração
não substancial (artigos 303.º e 358.º do CPP) ou substancial dos factos (artigos 309.º e 359.º conjugados com a
al. f) do n.º 1 do artigo 1.º do CPP).
24 CUNHA, José Manuel Damião da. O Caso Julgado Parcial (...), p.470.
25 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Do Objeto do Processo (...), p.92.
26 SILVA, Germano Marques da. Direito Processual Penal Português – Noções e Princípios Gerais, Sujeitos Processuais,
Responsabilidade Civil conexa com a Criminal, Objeto do Processo, 2.ª ed. Lisboa: Universidade Católica Editora,
2019, p.369.
27 Pelo contrário, num processo penal de estrutura inquisitória, os OPC e o MP teriam um papel de menor destaque,
visto que, neste modelo, é ao juiz que cabe identificar e fixar o objeto do processo.
28 BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I (...), p.14.
29 O direito de defesa é uma das exigências do processo penal de estrutura acusatória, típica de um Estado de
direito democrático, que a nossa Lei Fundamental garante com a máxima amplitude, conforme o artigo 32.º ,
n.º 1 da CRP.
30 SILVA, Germano Marques da. Direito Processual Penal Português (...), p.388.
31 Ibidem.
32 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.95.
33 Neste sentido, Guedes Valente ensina que o Processo Penal tem quatro finalidades: “a descoberta da verdade
judicialmente válida, a realização da justiça, a defesa dos direitos fundamentais (de todos os cidadãos) e o alcance da paz
jurídica” (VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.91).
34 BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I (...), p.16.
35 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Do Objeto do Processo (...), p.94.
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Volta-se, portanto, a alertar para a necessidade de os operadores judiciários, em especial,
aos OPC e ao MP, atuarem de acordo com o princípio da lealdade36, não procedendo,
nas palavras de Guedes Valente “com esquemas ardilosos e maquiavélicos adequados a fazer
prevalecer a dúvida (...) desarmando completamente a defesa37.
Deste modo, recai sobre o MP o ónus de identificar e determinar com total clareza
e lealdade o objeto do processo, cabendo-lhe esgotar totalmente a investigação sobre a
unidade dos factos submetidos a jurisdição.
Acresce que, numa estrutura acusatória38, integrada pelo princípio da investigação,
não cabe ao Tribunal compor livremente o objeto do processo, a sua atuação não pode ir
para além dos limites traçados pela acusação (artigo 379.º , n.º 1, al. b) do CPP), cabendo-
lhe conhecer e julgar o objeto que lhe foi proposto na sua totalidade, isto é, unitária e
indivisivelmente39.
O princípio da unidade do objeto, além disso, impõe-se pela necessidade de garantir a paz
jurídica do arguido, prevenindo a possibilidade de o mesmo poder ser consecutivamente
submetido a novos processos e a novos julgamentos40, mas não só, visa também assegurar
a paz jurídica e social de toda a comunidade41.
Podemos então afirmar que a indivisibilidade ou a unidade do objeto do processo é uma
condição essencial para garantir o direito de defesa do arguido, o princípio da acusação e
a estrutura acusatória do processo, bem como para proteger o arguido de alargamentos
arbitrios da atividade cognitiva e decisória do tribunal. Estes aspetos dependem ainda da
efetivação do contraditório, do respeito pelo caso julgado, da aferição da litispendência e do
respeito pela proibição da dupla condenação pelo mesmo crime (princípio ne bis in idem42).
IV. O problema concreto da alteração substancial da matéria de facto
Face ao exposto, podemos verificar que o princípio da indivisibilidade ou unidade do
objeto do processo é garantido pelo Código de Processo Penal, contudo, a indivisibilidade
ou unidade do objeto do processo não é absoluta, pois, quer na fase de instrução, quer na
36 SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal, Vol. II, p.109 e VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Processo
Penal, Tomo I, p.253.
37 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.94-95.
38 Como afirma Guedes Valente, “em que quem acusa não é quem julga e quem julga não teve contacto prévio e decisório
anterior com o processo” (VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Do Objeto do Processo (...), p.90)
39 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.102 e BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico
de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I (...), p.15.
40 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.115.
41 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Direito Processual Penal I (...), p.120.
42 Artigo 29.º , n.º 5 da CRP.
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fase de julgamento, pode existir uma alteração não substancial (artigos 303.º e 358.º do
CPP) ou substancial dos factos (artigos 309.º e 359.º conjugados com a al. f) do n.º 1 do
artigo 1.º do CPP)43.
Relativamente à alteração não substancial dos factos, o juiz pode conhecer da mesma,
desde que ressalvados os direitos de defesa do arguido, nos termos do artigo 358.º do
CPP. Já quanto à alteração substancial, o tribunal só pode levar em conta a mesma se o
MP, o arguido e o assistente estiverem de acordo em prosseguir quanto aos novos factos,
conforme o artigo 359.º do CPP.
No fundo, sendo o nosso processo penal de estrutura acusatória, a regra é de que não é
admitida a valoração de factos e circunstâncias que alterem substancialmente os factos44,
é o que resulta do artigo 359.º do CPP. No entanto, o mesmo preceito apresenta uma
exceção: o MP, o arguido e o assistente estarem em concordância em prosseguir quanto
aos novos factos45.
No que diz respeito à vinculação temática, a técnica utilizada pelo nosso CPP
traduziu-se em definir o conceito de alteração substancial de factos na alínea f) do n.º 1
do artigo 1.º do CPP46, usando esta noção ao longo do seu texto para limitar certos atos ou
poderes de cognição do tribunal47.
Assim, a pronúncia (artigo 303.º do CPP) está tematicamente vinculada pela acusação
(artigos 283.º , 284.º e 285.º , todos do CPP) e pelo requerimento para abertura de instrução
(artigo 287.º , n.º 1 do CPP). Tal como o tribunal de julgamento está tematicamente
vinculado pela acusação ou pela pronúncia (caso tenha existido abertura da fase de
instrução) (artigos 311.º , 358.º , 359.º e 379.º , todos do CPP).
A violação desta regra da vinculação temática é “condenada” pelo CPP de diferentes
formas48:
Nulidade mista – no caso da pronúncia (artigo 309.º ), já que depende de arguição e
se sana com o decurso do prazo de 8 dias;
Nulidade absoluta – no caso da decisão final do julgamento (artigo 379.º ), de
conhecimento oficioso, e que afeta parcialmente a decisão (artigos 379.º , n.º 2 e
414.º , n.º 4), isto é, na parte em que representar uma alteração substancial de factos;
43 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.93 e BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico
de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I (...), p.8-9.
44 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.118.
45 Ibidem.
46 O artigo 1.º , n.º 1, al. f) define o que se deve entender por alteração substancial dos factos: “aquela que tiver por
efeito a imputação ao arguido de um crime diverso ou a agravação dos limites máximos das sanções aplicáveis”.
47 BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I (...), p.35.
48 BELEZA, Teresa Pizarro. PINTO, Frederico de Lacerda da Costa. Direito Processual Penal I (...), p.36.
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Rejeição parcial da acusação – no despacho de saneamento do processo (artigo 311
, n.º 2, al. b)) por violação dos limites do objeto do processo aferida à luz do conceito
de alteração substancial de factos.
Apesar da existência do artigo 359.º do CPP, Guedes Valente49 considera que a solução do
n.º 1 do artigo 309.º do mesmo diploma ao considerar nula a pronúncia por facto diverso
do acusado preenche melhor as finalidades do processo penal e garante de forma mais
adequada e proporcional os direitos, liberdades e garantias processuais do arguido,
assegurando com maior rigor o princípio do acusatório, a vinculação temática associada
à estrutura acusatória, a imparcialidade do tribunal de julgamento, o direito de defesa do
arguido e o princípio do contraditório.
Já Germano Marques da Silva50 considera que por razões de economia processual e
interesse do arguido, a lei processual admite a consideração de factos ou circunstâncias
que não foram objeto da acusação, por parte do tribunal, desde que destes não resulte
grave afetação da defesa do arguido, o que sucede sempre que o núcleo fundamental da
acusação não se altere.
Quanto a isto, consideramos que a identificação e determinação do objeto do processo
é uma garantia do arguido que não pode ser frustrada, nem por questões de economia
processual, nem pela prossecução do interesse público na realização da justiça, nem por
razões de celeridade na descoberta da verdade e reposição a qualquer custo da norma
jurídica violada. Em primeiro lugar, tem que estar a garantia dos direitos e liberdades
fundamentais do cidadão (arguido ou não), bem como o alcance da paz jurídica e social de
toda a comunidade, pelo que, o objeto final tem que ser uno e indivisível.
Neste âmbito, Guedes Valente e Damião da Cunha afirmam que não se pode falar
verdadeiramente de objeto do processo a partir do momento em que se admite as alterações
substanciais dos factos (artigos 358.º e 359.º do CPP), pois, a partir desse momento, o objeto
do processo passa a ser dinâmico, enquanto um conjunto de vários objetos dentro do
mesmo processo.
Veja-se que o objeto da notícia do crime ao passar pelo crivo do MP, passa a ser o objeto
do inquérito, que no final pode ser o objeto da acusação (artigo 285.º , n.º 4 do CPP), que se
for aberta fase de instrução, passa a ser o objeto da pronúncia (artigo 309.º , n.º 1 do CPP)
que, em princípio, será o objeto de julgamento inicial, contudo, se existirem alterações
49 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.118.
50 SILVA, Germano Marques da. Curso de Processo Penal. Vol. III, p.267.
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substanciais (artigos 358.º e 359.º do CPP) então vamos passar a ter o objeto da condenação,
que vai servir de base ao objeto do recurso.
Por outro lado, como vimos anteriormente, os OPC têm um papel preponderante na
identificação e fixação do objeto do processo, uma vez que coadjuvam o MP na fase de
inquérito51, o JIC na fase de instrução e o juiz na fase de julgamento.
É quanto a isto que também se levantam sérios problemas, desde logo, quando temos
observado a uma deturpação das funções atribuídas constitucionalmente ao MP e à
Polícia, admitindo-se a policialização da ação penal, como algumas tendências legislativas
o demonstram52-53.
Os OPC são órgãos auxiliares de administração da justiça, mas, enquanto órgãos
coadjuvantes da AJ, não são atores principais, não devem, por isso, atuar no sentido de
fomentação da policializacao da investigação criminal, mas sim no sentido de contribuir
para a realização do direito penal material e para uma identificação e fixação do objeto
do processo como uno e indivisível, devendo este ser, nas palavras de Guedes Valente,
totalmente judiciarizado e jurisdicionalizado54.
V. Conclusão
Face ao exposto, podemos concluir que, embora o princípio da indivisibilidade ou unidade
do objeto do processo seja garantido pelo Código de Processo Penal, desde logo, pelo regime
legal da alteração dos factos e a consequente vinculação temática, bem como pela regra
51 Usando a expressão de Guedes Valente, “os OPC são os braços e os olhos do MP, Cf.: VALENTE, Manuel Monteiro
Guedes. Do Objeto do Processo (...), p.119.
52 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Do Objeto do Processo (...), p.120-121.
53 Quanto a isto, Guedes Valente fala-nos da nova redação do n.º 1 do artigo 248.º , que veio abrir portas para um
regresso ao inquérito policial, uma vez que, permite aos OPC que detenham a informação ou a notícia de um
crime, obtida sem ser em flagrante delito, durante 10 dias, sem que o MP, que é dominus do da ação penal, tenha
conhecimento da mesma e das diligências que os OPC estão a promover. Diligencias essas que podem afetar
direitos, liberdades e garantias fundamentais pessoais, que estarão na total alçada da polícia, sem qualquer
fiscalização judiciária ou judicial. Face a isto, Guedes Valente entende que a dilação do prazo para 10 dias,
prevista nos artigos 248.º , n.º 1, 243.º , n.º 3 e 245.º , n.º 1 do CPP, está aferida de inconstitucionalidade material,
por violação dos artigos 26.º , n.º 1, 32.º , n.º 1 e 4 e 219.º da CRP, por desjudiciarizar a ação penal por meio da
policialização da mesma. Cf.: VALENTE, Manuel Monteiro Guedes. Processo Penal I, Tomo I, 3.ª ed. Almedina:
Coimbra, 2020, p.296 a 298.
No mesmo sentido, Figueiredo Dias e Nuno Brandão, defendem que devem ter-se como constitucionalmente
inadmissíveis, por violação do art. 219.º , n.º 1 da CRP, “normas legais que abram caminho à possibilidade de a decisão de
abertura do inquérito caber a um órgão de polícia criminal ou que sejam interpretadas no sentido de permitir que o Ministério
Público delegue tal decisão num órgão de polícia criminal” (DIAS, Figueiredo. BRANDÃO, Nuno. Direito Processual Penal
– Os Sujeitos Processuais, 2022, p.159).
54 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes, Do Objeto do Processo (...), p.20.
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O objeto do processo: O princípio daindivisibilidade ou unidade do objeto doprocesso
The object of the criminal process: The principle of indivisibility or unity of the object
INÊS ALEXANDRA DA COSTA MACHADO
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 2 · 1st July Julho – 31st December Dezembro 2021 · pp. 169‑178
constitucional do ne bis in idem (artigo 29.º , n.º 2 do CP), a verdade é que não é garantido
de forma absoluta.
A indivisibilidade ou unidade do objeto do processo não é absoluta, nem se verídica
em definitivo, pois, tal como vimos, quer na fase de instrução, quer na fase de julgamento,
podem existir alterações substanciais dos factos.
Certo é que, a partir do momento em que se admite alterações substanciais, o objeto
do processo deixa de ser indiviso e uno e passa a ser dinâmico, correspondendo a um
conjunto de vários objetos dentro do mesmo processo, pelo que, falar do objeto do processo
torna-se lírico.
Verificámos, também, que o princípio da indivisibilidade ou unidade do objeto do
processo é posto em causa sempre que os operadores judiciários, em especial, os OPC e
o MP, não atuam de forma leal e ética. A equivalência do objeto do processo no decorrer
das diversas fases processuais espelha uma correta aquisição e transmissão da notícia do
crime, devendo corresponder a uma visão total do “pedaço de vida” indiviso e uno.
Em suma, a descoberta da verdade e a realização da justiça só são de louvar quando
obtidas de forma judicialmente válida, o que ocorre quando o processo se desenvolve para
a construção de uma sociedade mais livre, mais solidária, mais justa (artigo 1.º da CRP) e,
acrescenta Guedes Valente, mais humana e mais democrática, onde os fins não justificam
os meios.
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