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Pacifismo e constitucionalismo global
Pacifism and global constitutionalism
LUIGI FERRAJOLI
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXIII · Issue Fascículo 1‑2 · 1st January Janeiro – 31st December Dezembro 2022 · pp. 11‑21
Tampouco se trata de uma invenção, nem de uma mudança do atual paradigma cons-
titucional. Se trata, ao contrário, de um seu cumprimento, isto é, de uma implantação do
princípio da paz e do universalismo dos direitos humanos como direitos de todos já con-
sagrados na Carta da ONU e em tantas cartas constitucionais e internacionais. A lógica
intrínseca do constitucionalismo, com os seus princípios de paz e de igualdade nos direi-
tos humanos, não é nacional, mas universal. Os Estados nacionais e as suas constituições
são, por outro lado, impotentes diante dos desafios globais, os quais requerem respostas e
garantias jurídicas, por sua vez, globais. E o pacto de convivência pacífica estipulado com
a Carta da ONU e com as tantas cartas internacionais dos direitos humanos fracassou por
duas razões: porque contradito pela persistente soberania dos Estados e pelas suas cida-
danias desiguais, e porque não foram instituídas as necessárias garantias globais, sem as
quais os direitos e os princípios de justiça, ainda que solenemente proclamados, se redu-
zem a enganosa ideologia.
Nessa perspectiva vem contraposta, em nome do realismo político, a ideia do seu
caráter utópico e irrealizável. Eu penso que devemos distinguir dois tipos opostos de rea-
lismo: o realismo vulgar da quem naturaliza a realidade social e política com a tese “não
há alternativas a quanto de fato acontece”, e o realismo racionalista, segundo o qual as
alternativas existem, depende da política adotá-las e a verdadeira utopia, a hipótese mais
irrealista, é a ideia que a realidade possa permanecer por muito tempo como está: que
podemos continuar a basear as nossas democracias e os nossos despreocupados padrões
de vida com fome e a miséria do resto do mundo, com a força das armas e o desenvolvi-
mento ecologicamente insustentável das nossas economias. Tudo isso não pode durar. É o
mesmo preâmbulo da Declaração dos direitos de 1948 que estabelece, realisticamente, um
nexo de implicação recíproca, como só uma Constituição da Terra e as suas instituições
de garantia podem assegurar, entre paz e direito, entre segurança e igualdade e, devemos
acrescentar hoje, entre salvação da natureza e salvação da humanidade.
Por outro lado, a humanidade forma já um único povo. Faz sessenta anos, eu lembro,
éramos, no planeta, dois bilhões de pessoas, mas o que sucedia na outra parte do mundo
não nos preocupava. Hoje a população mundial chegou a 8 bilhões, mas estamos todos
interconectados, submetidos ao governo global da economia e expostos às mesmas emer-
gências e catástrofes planetárias. Somos, portanto, um único povo, mestiço e heterogêneo,
mas unificado pelos mesmos interesses na sobrevivência, na saúde, na igualdade e na paz,
que só a miopia dos poderes políticos não é capaz de ver e que, assim, se esconde com a
defesa das fronteiras. A lógica schmittiana do amigo/inimigo é uma construção propa-
gandística em apoio dos populismos e dos regimes autoritários que está hoje contagiando,
infelizmente, também as nossas democracias. Se os máximos governantes do planeta, ao