GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXIII · Issue Fascículo 1‑2 · 1st January Janeiro – 31st December Dezembro 2022 · pp. 107‑122 107
Implementação da Lei de Proteção do Clima
– Tribunal Federal Constitucional da Alemanha exige respostas mais céleres
Análise da Decisão do Primeiro Senado de 24 de Março de 2021 –
Implementation of the Climate Protection Act
– Germanys Federal Constitutional Court demands faster responses
Analysis of the First Senate Decision of 24 March 2021 -
ANJA BOTHE1
abothe@autonoma.pt
DANILA GONÇALVES DE ALMEIDA2
danilaalmeida@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–31ST December Dezembro 2022 · pp.107‑122
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXIII.1/2.7
Submitted on November 2nd, 2022 · Accepted on November 22nd, 2022
Submetido em 2 de Novembro, 2022 · Aceite a 22 de Novembro, 2022
RESUMO O Tribunal Federal Constitucional da Alemanha decidiu pela
inconstitucionalidade parcial da Lei Federal do Clima. A insuficiente limitação das
emissões de gases com efeito de estufa até 2030, e a falta de estipulações legais mínimas a
partir de 2030, comprometem as liberdades fundamentais, porque a ausência de medidas
mais contundentes neste futuro próximo implica a necessidade de reduções drásticas de
CO2 e equivalente depois de 2030, que afetarão potencialmente todas as áreas da sociedade.
PALAVR AS CHAVE Lei do Clima; Tribunal Constitucional; Liberdades Fundamentais;
Direito do Ambiente; Emissões CO2 e equivalente
ABSTRACT The Federal Constitutional Court of Germany ruled the Federal Climate
Act to be partially unconstitutional. The insufficient limitation on the greenhouse gas
emissions until 2030, and the lack of minimum legal stipulations after 2030, compromise
1
Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Hamburgo; Pós-doutoramento financiado pela
FCT; Docente da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL); Investigadora no Ratio Legis (Centro de Investigação do
Departamento de Direito da UAL); advogada na hdprm.com.
2 Juíza Federal da Subseção Judiciária de Barra do Garças, no Estado de Mato Grosso – Brasil, Mestre em Ciências
Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa.
Abreviaturas mais usadas: ONGA = Organizações Não Governamentais do Ambiente; CRP = Constituição da
República Portuguesa; RFA = República Federal da Alemanha.
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Implementação da Lei de Proteção do Clima
Implementation of the Climate Protection Act
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fundamental freedoms, because the absence of more forceful measures in the near
future implies the need for drastic CO2 and equivalent reductions after 2030, which will
potentially affect all areas of society.
KEYWORDS Federal Climate Act; Constitutional Court; fundamental freedoms;
Environmental Law; greenhouse gas emissions
SUMÁRIO Introdução 1. Sujeitos e objetos da ação; 2. Alegadas insuficiências da legislação
de proteção do clima; 3. Constitucionalidade quanto ao artigo 2, n. 2 da Constituição
Federal Alemã: Dever do Estado de proteger a vida e a integridade física das pessoas; 4.
Constitucionalidade quanto ao artigo 14, n. 1 da Constituição Federal Alemã: Direito de
propriedade privada; 5. Constitucionalidade quanto ao dever de proteção dos residentes no
Bangladesh e no Nepal; 6. Inconstitucionalidade da transferência de significativa parcela
dos encargos de redução de gases com efeito estufa para períodos posteriores a 2030; 7.
Inconstitucionalidade decorrente de um prejuízo futuro?; 8. Foram reconhecidos direitos
às gerações futuras?; 9. O princípio da equidade intergeracional; 10. Mandado de proteção
objetiva e a proteção das gerações futuras; 11. Inadequação dos requisitos legais para a
continuação da trajetória de redução após 2030; Conclusão
Introdução
Em 24 de março de 2021, o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha deu provimento
parcial a quatro queixas apresentadas contra partes da Lei de Proteção do Clima e contra
alegadas omissões do Estado na mitigação das alterações climáticas. O tribunal negou pro-
vimento, considerando que a Lei de Proteção do Clima e o restante desempenho do Estado
são capazes e suficientes, e não violam os deveres estatais de proteção da vida e da inte-
gridade física das pessoas (artigo 2, n.º 2), o Direito ao desenvolvimento da personalidade
(artigo 2, n.º 1), a Dignidade humana (artigo 1, n.º 1), a Liberdade de escolha de profissão
(artigo 12, n.º 1), o Direito de propriedade privada (artigo 14, n.º 1) e o Dever do Estado de
proteger o ambiente (artigo 20 a) por exporem as pessoas às consequências ecológicas que
as alterações climáticas estão a trazer consigo. O tribunal considerou, no entanto, que o
direito fundamental da liberdade pode ser inconstitucionalmente ameaçado se as dispo-
sições legais resultarem em emissões de CO2 demasiado generosas num futuro próximo,
de modo que os encargos de redução necessários seriam transferidos para o futuro em
detrimento da liberdade futura.
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Implementação da Lei de Proteção do Clima
Implementation of the Climate Protection Act
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A publicação do Acórdão situa-se seis meses antes das eleições para o Parlamento Fede-
ral e quinze semanas antes das inundações torrenciais que mataram 200 pessoas e causa-
ram uma destruição tremenda.
1. Sujeitos e objetos da ação
Foram analisadas em conjunto quatro queixas. Em Portugal, apenas alguns órgãos cons-
titucionais têm legitimidade ativa para requerer a apreciação da constitucionalidade. Na
Alemanha, qualquer pessoa pode apresentar queixa perante o tribunal constitucional,
quando alega a violação dos seus direitos constitucionalmente garantidos, e esgotadas as
instâncias judiciais.
Objeto das ações são certas cláusulas da Lei Federal de Proteção do Clima e um desem-
penho inconstitucionalmente fraco, do Estado, na luta contra o aquecimento global. Parte
das queixas já foram apresentadas em 2018, enquanto a Lei de Proteção do Clima data
de 2019. Mas, como os autores das queixas consideram o conteúdo da Lei de Proteção do
Clima insuficiente, entendem que continua a existir inconstitucionalidade.
Os queixosos são Organizações Não Governamentais do Ambiente (ONGA), jovens,
residentes na Alemanha e residentes no Bangladesh e no Nepal. O Bangladesh e o Nepal
são países que já estão a sofrer danos especialmente graves causados pelas alterações cli-
máticas. Eles estão sujeitos, de forma destacada, à subida do mar, a trovoadas, a ondas de
calor extremo, a derrocadas de terra, etc. Quanto às ONGA o tribunal negou a legitimidade
ativa porque, no Direito Processual Constitucional da Alemanha não se encontra prevista
a ação popular (constante em Portugal no artigo 52.º Constituição da República Portu-
guesa (CRP). Na República Federal da Alemanha (RFA) apenas são analisadas queixas de
quem alega uma violação dos seus direitos subjetivos próprios.)
Na Constituição da RFA, não se encontra explicitado nenhum direito ao ambiente de
vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado. Existem sim o objetivo e a tarefa funda-
mental do Estado de proteger o ambiente. Para além deste dever de proteção do ambiente,
enquanto parte objetiva, há o direito ao ambiente saudável como condição prévia para cer-
tos direitos explicitamente garantidos. No contexto da presente análise é invocado um
direito a um mínimo de existência ecológica baseado no direito ao desenvolvimento da
personalidade juntamente com o princípio da dignidade humana.
A Lei de Proteção do Clima assenta em dois mecanismos principais: nos objectivos
nacionais de protecção do clima (§ 3) e nos níveis de emissão anuais admissíveis (§ 4).
Quanto aos objetivos, “(1) As emissões de gases com efeito de estufa devem ser progressi-
vamente reduzidas em relação a 1990. Será aplicada uma quota de redução de pelo menos
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55% até ao ano alvo de 2030.” Este objetivo encontra-se instrumentalizado via reduções
anuais, que especificam emissões admissíveis para os setores da energia, indústria, trans-
porte, edifícios, agricultura, gestão de resíduos e outros.
O instrumento das reduções anuais, § 4, traz consigo vários mecanismos de flexibili-
zação, que integram o objeto das alegadas inconstitucionalidades aqui analisadas. “(2) O
Governo Federal terá poderes para alterar a atribuição de fontes de emissão aos setores
referidos no Anexo 1. (3) Se, a partir de 2021, as emissões […] excederem […], a diferença
será creditada igualmente às restantes quantidades anuais de emissões do setor até ao ano
seguinte […] (5) O Governo Federal tem poderes para alterar os níveis anuais de emissões
dos sectores enumerados no Anexo 2 por decreto regulamentar […]”.
2. Alegadas insuficiências da legislação de proteção do clima
Os requerentes apresentam três níveis de insuficiência de atuação: 1.º a finalidade da limi-
tação da subida da temperatura: “se possível a 1,5 graus acima do nível pré-industrial”. Esta
finalidade assenta no “Acordo de Paris baseado na Convenção-Quadro das Nações Unidas
sobre Alterações Climáticas, segundo a qual o aumento da temperatura média global deve
ser limitado a muito menos de 2 graus Celsius e, se possível, a 1,5 graus acima do nível pré-
-industrial, a fim de manter os efeitos das alterações climáticas globais tão baixos quanto
possível, bem como o compromisso da Alemanha, na Cimeira das Nações Unidas sobre o
Clima, em Nova Iorque, a 23 de Setembro de 2019, de prosseguir a neutralidade dos gases
com efeito de estufa até 2050 como um objetivo a longo prazo.” (§ 1 Finalidade da Lei)
Quanto a esta primeira insuficiência, alegam os demandantes, que aceitando que este
limite de 1,5 graus possa não ser alcançado, implica pôr em risco a vida de milhares de
pessoas e implica que sejam ultrapassados os pontos de viragem, apresentados pelo painel
intergovernamental sobre mudanças climáticas.
A segunda insuficiência de atuação, objeto da ação, implica a incoerência entre a fina-
lidade e o referido objetivo da lei, significando que será impossível alcançar a finalidade
do limite de 1,5 graus de subida da temperatura com a quota de redução de 55% até ao ano
alvo de 2030.
A terceira alegada insuficiência é refletida nas emissões máximas anuais, que não
alcançarão o objetivo legalmente determinado. Assim, a “quantidade máxima expressa em
milhões de toneladas de CO2 e equivalente” foi indicada, pelo painel intergovernamental
sobre mudanças climáticas, com 336 giga toneladas de emissões de CO2 e equivalente para
o nível global, o que significa em termos de direitos de emissões, per capita, da Alemanha
a partir de 2020, uma quantidade de 3,465 giga toneladas de CO2 e equivalente. Tomando
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apenas as medidas de redução previstas na lei, este budget, i.e., esta quantidade máxima,
será atingida nos próximos anos, incumprindo os objetivos da lei.
Os juízes analisaram detalhadamente as referidas três insuficiências da lei e da atua-
ção do Estado, que são os objetos da alegada inconstitucionalidade: a finalidade, os objeti-
vos e as reduções de emissões previstas.
Fundamento das análises da matéria de facto, realizadas pelos magistrados, são os
relatórios do painel intergovernamental sobre as alterações climáticas, segundo os quais
as consequências das alterações climáticas têm demonstrado a enorme vulnerabilidade
das pessoas perante ondas de calor, secas, chuvas extremas, inundações, ciclones, incên-
dios. Facilmente é provocada uma rutura do abastecimento de alimentos e água, são cau-
sados danos nas infraestruturas e no alojamento, há doentes e há mortos. Aumentaram
já, de forma relevante, as doenças infecciosas, doenças cardiovasculares e respiratórias,
alergias, entre outras.
Quanto à Alemanha, destaca-se, na presente alise do Acórdão, apenas a preocupação
dos magistrados com o nível das águas subterneas, bem mais baixo do que aquilo que
era normal.
O tribunal afirma a obrigação constitucional do Estado de tomar medidas contra os
perigos, que resultarão das alterações climáticas. Assim, o Estado tem de tomar medidas
contra o aumento da temperatura e outras de adaptação às alterações climáticas.
Também, da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, resultam obrigações dos
Estados de proteção contra a degradação ambiental que possa causar perigo para a vida e
a saúde. Estas obrigações, no entanto, não vão mais longe do que as respetivas obrigações
na Constituição da RFA.
O facto de a Alemanha apenas conseguir travar o aquecimento global com os outros
países, não faz com que deixe de ter as suas obrigações, mesmo constitucionais. A Alema-
nha, representa 1,1% da população mundial e é responsável por perto de 2% das emissões
de gases com efeito de estufa.
3. Constitucionalidade quanto ao artigo 2, n. 2 da Constituição Federal
Alemã: Dever do Estado de proteger a vida e a integridade física das
pessoas
Como já se referiu, o tribunal concluiu que os deveres do Estado de proteger a vida e a
integridade física das pessoas, constantes no artigo 2, n. 2 da Constituição Federal Alemã,
se encontram cumpridos. As obrigações constitucionais do Estado incluem a proteção das
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gerações futuras mas, objetivamente, não há direitos subjetivos de pessoas que ainda não
nasceram. O Estado tem de promover medidas no seio dos atores internacionais.
É importante ter em conta, que existem vários níveis de densidade dos conteúdos dos
diferentes tipos de direitos fundamentais. Assim, os direitos fundamentais de defesa
implicam uma atuação determinada na Constituição. Há deveres de abstenção muito con-
cretos como, por exemplo, a proibição da expulsão de cidadãos, ou a inviolabilidade do
domicílio. Tomando como objeto, no entanto, a parte objetiva dos direitos fundamentais,
i.e., os deveres de proteção do Estado, o grau de concretização é muito menor. Trata-se de
um conteúdo indeterminado, atribuindo ao Estado uma ampla margem de como analisar,
avaliar e atuar. Dentro desta margem ampla, apenas há inconstitucionalidade no caso de
medidas incapazes ou insuficientes para alcançar o fim de proteção devido. Deste modo,
tratava-se de um conceito incapaz, se a lei não tiver em vista a neutralidade climática. A
redução em 55% de CO2 e equivalente, em comparação ao ano 1990 é, claramente, um obje-
tivo intermédio e, como tal, a determinação legal das quantidades de emissões, após 2030,
apenas num momento mais tarde deve ser considerada uma técnica legislativa admissível.
Quanto à alise da suficiência das medidas, consideram os juízes que a Constituição
não implica uma necessidade absoluta de travar o aquecimento com um aumento de 1,5.ºC.
Pode uma parte da população considerar que a limitação do aumento da temperatura de 2
graus, e possivelmente 1,5 graus, seja pouco ambiciosa, no entanto, o legislador tem uma
ampla margem de avaliação dos riscos e determinação das medidas. A partir do aumento
de 1,5 .ºC cresce exponencialmente o risco de pontos de viragem – tipping points – com
consequências qualitativas para maiores subsistemas ecológicos.
O tribunal refere-se a um relatório especial do painel intergovernamental sobre as
mudanças do clima de 2018, em que compara as consequências de um aquecimento de 1,5
graus com as consequências de um aquecimento de 2 graus. Até a publicação deste relató-
rio, o essencial do trabalho preparatório do Direito Internacional e nacional assentava na
finalidade de evitar um aumento de 2 graus. Resulta do referido relatório especial, do pai-
nel intergovernamental sobre as mudanças do clima de 2018, que um aumento acima dos
1,5 graus provocará alterações qualitativas para maiores subsistemas ecológicos. Trata-se
de sistemas com significado especialmente relevante para o clima global, e que podem
sofrer ruturas drásticas que, por sua vez, poderão provocar outras ruturas, assim num
tipo de cascata de consequências irreparáveis e imprevisíveis. Exemplo destas ruturas são
a instabilidade dos lençóis de gelo marinho na Antárctica e ou a perda irreversível dos
lençóis de gelo marinho na Groenndia que aumentará a altura do nível do mar em vários
metros. Outros sistemas são a floresta Amazónica, ou sistemas de correntes de ar e ou do
mar.
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Na sua análise da constitucionalidade do direito fundamental à vida humana e à inte-
gridade física, os magistrados focam-se na identidade e na diferença entre a proteção da
vida humana e da integridade física por um lado, e da proteção do clima, por outro. Assim,
sublinham uma interseção relevante entre a proteção do clima e a proteção dos bens tute-
lados no artigo 2 n.º 2, 1ª frase da Constituição, mas os bens tutelados não são inteiramente
idênticos: a vida humana e a integridade física podem ser protegidas por medidas de adap-
tação ao aumento da temperatura.
Para salvaguardar as suas obrigações constitucionais de proteção da vida e da inte-
gridade física das pessoas, governo e legislador estabeleceram as devidas estratégias de
adaptação às consequências das alterações climáticas. Como tal, os juízes referem medi-
das de planeamento urbanístico e paisagístico, para diminuir o aquecimento das cidades,
apresentam a construção de diques junto as costas, construções de drenagens, renaturali-
zação, reflorestação, entre outras.
Quanto à insuficiência das medidas para alcançar os objetivos legalmente determi-
nados, admite o tribunal que, de facto, há indícios de que a Alemanha não conseguiria
cumprir o compromisso assumido para fazer a sua parte para limitar o aquecimento do
planeta aos 1,5.ºC. Conseguiria 52,2% em vez dos 55% assumidos. Os objetivos, por sua vez,
que servem de base para as medidas de diminuição de emissões, foram elaborados em
2010, quando a meta global do aquecimento máximo se encontrava determinada em 2 .ºC.
Conclui o tribunal que o legislador está a cumprir as suas obrigações de proteção da
vida e da integridade física das pessoas, porque ele não produziu apenas medidas de miti-
gação das alterações climáticas – a lei de proteção do clima e outras leis de diminuição das
emissões de gases com efeito de estufa – como acrescentou medidas de adaptação.
4. Constitucionalidade quanto ao artigo 14, n. 1 da Constituição Federal
Ale: Direito de propriedade privada
Nas ilhas e zonas costeiras da Alemanha, a subida do nível do mar ameaça propriedades.
A insuficiente proteção destas propriedades é apresentada pelos queixosos como violação
do legislador na proteção do direito de propriedade privada. Os magistrados consideram,
no entanto, que o legislador tem uma ampla margem de determinação, quando pondera os
interesses dos proprietários e outros interesses afetados por uma proteção mais rigorosa
do clima. Assim, mais uma vez, a atuação do legislador está situada dentro da constitucio-
nalidade.
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5. Constitucionalidade quanto ao dever de proteção dos residentes no
Bangladesh e no Nepal
Dois terços do território do Bangladesh encontram-se a menos de cinco metros acima do
nível médio do mar e o país encontra-se altamente ameaçado pela subida do mar. Vários
rios recebem água da cadeia montanhosa das Himalaias e o degelo dos glaciares provoca
cada vez mais inundações. Há monções e turbilhões, há derrocadas de terra devido a chu-
vas extremas que causam destruição de vidas, alojamentos, solos agrícolas, dificultam o
acesso à água potável, entre outras. Nas cidades, especialmente nos bairros de lata, qual-
quer aumento mínimo da temperatura fragiliza mais a população. Há imensas mortes
causadas por disenteria.
Todo o poder soberano do Estado Alemão se encontra vinculado à Constituição, i.e.,
não há nenhuma limitação quanto ao território alemão. Apesar desta vinculatividade, há
dimensões diversas de direitos fundamentais, quanto aos seus efeitos: diferencia-se entre
direitos de defesa, direitos de prestações, valores e princípios constitucionais e os deveres
de proteção como base para direitos subjetivos.
O Estado Alemão cumpre as suas obrigações para com os residentes na Alemanha atra-
vés de medidas de mitigação do e de adaptação ao aumento da temperatura do planeta.
A parte da proteção via adaptação não é realizável no Bangladesh e no Nepal pelo Estado
Alemão, i.e., o Estado Alemão pode contribuir com ajudas, mas não tem poder de decisão.
Através da participação, a nível internacional, no combate ao aquecimento global, o
Estado Alemão cumpriu as suas obrigações de proteção dos queixosos residentes no Ban-
gladesh e no Nepal.
6. Inconstitucionalidade da transferência de significativa parcela
dosencargos de redução de gases com efeito estufa para períodos
posteriores a 2030
Embora o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha não tenha considerado inconsti-
tucionais as disposições da Lei de Proteção do Clima quanto às alegações dos queixosos
de violação do “direito fundamental a um futuro digno”, ou que os esforços de proteção do
clima pelo legislador alemão tenham sido insuficientes, reconheceu a existência de ameaça
inconstitucional ao direito fundamental de liberdade, na medida em que a Constituição,
sob determinadas condições, garante uma proporcional distribuição de oportunidades de
liberdade decorrentes dos direitos fundamentais ao longo do tempo e das gerações.
Tendo em vista o compromisso da Alemanha de alcançar a neutralidade dos gases de
efeito estufa até o ano de 2050, é necessário um planeamento e uma progressiva trajetória
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de redução desses gases, de modo que, quanto mais rápido forem adotadas medidas para
reduzir as emissões, menos drásticas deverão ser as alterações impostas no estilo de vida
das pessoas.
Contudo, a Lei de Proteção do Clima transfere proporções significativas dos encargos
de redução de gases com efeito de estufa para períodos posteriores a 2030. Isso pode impli-
car novos encargos de redução no futuro, que deverão ser adotados a curto prazo, o que
pode exigir enormes esforços ameaçando, assim, a liberdade fundamentalmente prote-
gida dos atingidos.
Isso ocorre porque, a redução das emissões de gases com efeito estufa afeta potencial-
mente toda a forma de liberdade, tendo em vista que, hoje, quase todas as áreas da vida
humana provocam a emissão de gases com efeito estufa e podem, portanto, ser ameaçadas
por restrições drásticas após 2030.
Nessa senda, o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha considerou que o direito
fundamental da liberdade pode ser inconstitucionalmente ameaçado, considerando que
as atuais disposições legais permitem emissões de gases de efeito estufa em proporções
demasiado generosas num futuro próximo, o que implica que os encargos de redução
necessários seriam transferidos para o futuro, em detrimento da futura liberdade.
Com efeito, as quantidades de emissão de gases com efeito estufa autorizadas até ao
ano 2030 já têm consequências para os encargos de redução subsequentes. Desta forma,
já estão a determinar futuras restrições aos direitos fundamentais, conforme os próprios
termos legais. Isso porque os gases emitidos geram efeitos irreversíveis na temperatura
da Terra. Além disso, deve-se seguir um caminho progressivo até à neutralidade climática,
de modo que não se pode deixar tudo para o último momento. A ausência de ações mais
contundentes nos anos mais próximos implica, inevitavelmente, a necessidade de tomada
de ações mais drásticas de redução no futuro em condições potencialmente mais desfavo-
ráveis, o que atingiria drasticamente o direito à liberdade.
As restrições à liberdade são mais brandas quanto mais tempo houver para a mudança
para alternativas sem gases de efeito estufa; quanto mais cedo for iniciada, mais se reduz
o nível global de emissões. Se, por outro lado, uma sociedade caracterizada por um modo
de vida intensivo em gases de efeito estufa tiver de mudar para comportamentos neu-
tros em termos climáticos, no mais curto espaço de tempo possível, as restrições à liber-
dade seriam, então, enormes. Neste caso, as metas de redução de emissões para o período
após 2030 teriam de ser muito mais ambiciosas e as medidas daí derivadas teriam que ser
muito mais drásticas para a liberdade dos detentores de direitos fundamentais, conside-
rando que a determinação das emissões totais admissíveis a nível nacional afeta todas as
áreas de vida dos titulares dos direitos fundamentais.
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Partindo dessas premissas, o tribunal, no acórdão, considerou a necessidade de salva-
guarda da liberdade futura (no caso, após 2030), numa perspetiva intertemporal, tendo em
vista a necessidade de distribuição equitativa desse direito à liberdade ao longo do tempo
e das gerações.
7. Inconstitucionalidade decorrente de um prejuízo futuro?
Considerando que essa transferência de encargos de redução de emissões para depois de
2030 se trata de uma situação que somente vai afetar o futuro, não se poderia dizer que é
inexistente um dano atual? Ou seja, que não há uma atual violação de direitos fundamen-
tais já que a lesão ainda não ocorreu?
No entanto, o tribunal alemão entendeu que, como já existe uma legislação em vigor
que conduz a essa situação no futuro, a preocupação já se faz válida no presente. A liber-
dade após 2030 está ameaçada precisamente porque já existe uma legislação que permite
a emissão de gases de efeito estufa em níveis ainda elevados até o ano de 2030, o que gera
consequências irreversíveis. Assim, se houvesse uma queixa constitucional no futuro con-
tra essas restrições à liberdade, esta seria inócua diante da situação de irreversibilidade, de
modo que é preciso reconhecer, já no presente, o direito de reclamar em juízo.
As obrigações estatais de proteção decorrentes da função objetiva dos direitos fun-
damentais, não intervêm portanto apenas quando já ocorreram lesões, mas são também
direcionadas para o futuro. Inclusive, a obrigação de proteger contra riscos para a vida e
a saúde pode igualmente justificar o dever de proteção das gerações futuras, mormente
quando estão em causa eventos irreversíveis.
8. Foram reconhecidos direitos às gerações futuras?
Embora tenha sido reconhecida a necessidade de se resguardar as liberdades futuras, isso
não significa que o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha tenha reconhecido direi-
tos às gerações futuras.
No caso, os juízes consideraram que os requerentes estavam, eles próprios, defendendo
as suas próprias liberdades, por se tratar predominantemente de adolescentes e adultos
jovens. Ou seja, esses autores estão, eles próprios, sujeitos às medidas necessárias para
reduzir as emissões de gases de efeito estufa depois de 2030. Não estavam eles, portanto,
a afirmar os direitos dos que ainda não nasceram, ou de gerações futuras inteiras. Pelo
contrário, eles estavam a procurar defender os seus próprios direitos fundamentais.
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Aqui, porém, deve-se fazer uma ressalva, pois aqueles queixosos com residência no
Bangladesh e no Nepal, por não poderem ser afetados pelas medidas mais restritivas na
Alemanha depois de 2030, não têm legitimidade nesse aspeto.
Segundo o acórdão, o dever constitucional de proteger a vida e a saúde dos perigos
das alterações climáticas pode também estabelecer uma obrigação objetiva de proteger
as gerações futuras. E, na hipótese de incerteza científica sobre as causas relevantes das
ameaças ambientais, o dever especial de cuidado conferido ao legislador, pelo artigo 20.ºa
da Constituição alemã, também deve ser interpretado em benefício das gerações futuras,
tendo em conta indicações já fiáveis da possibilidade de consequências graves ou irrever-
síveis ao ambiente. Este artigo, inclusive, contém uma norma jurídica que se destina a
vincular o processo político a favor de preocupações ecológicas, tendo em vista, também,
as gerações futuras. O mandato objetivo de proteção do artigo 20.ºa, da Constituição Fede-
ral alemã, abrange a necessidade de lidar com os fundamentos naturais da vida e de os
deixar, à posteridade, num estado tal que as gerações seguintes não se vejam obrigadas a
preservá-las apenas ao preço da uma abstinência radical.
Segundo o posicionamento do tribunal alemão, a obrigação intergeracional do Estado
de proteger é portanto apenas de natureza objetiva, uma vez que as gerações futuras não
são atualmente capazes de direitos fundamentais em termos subjetivos, quer como grupo,
quer como soma das pessoas singulares que viverão apenas no futuro. No entanto, tendo
em conta os grandes perigos que as alterações climáticas podem implicar, como os peri-
gos relacionados a ondas de calor, inundações, furacões etc., o Estado é obrigado a atuar
para proteger tanto as pessoas que vivem hoje, como, de uma forma objetiva, as gerações
futuras.
9. O princípio da equidade intergeracional
Embora não constem do acórdão ora analisado as observações que seguem, é interessante
observar, para fins de comparação, que Brasil e Portugal reconhecem um direito funda-
mental ao meio ambiente, independente do direito à vida, à saúde, à integridade física
etc. Isso torna mais fácil, em tese, reconhecer-se um direito difuso ao ambiente, o qual diz
respeito não apenas às gerações atuais, mas também às gerações futuras, principalmente
quando se considera o princípio da equidade intergeracional, que é previsto tanto na Cons-
tituição portuguesa, como na brasileira.
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Implementação da Lei de Proteção do Clima
Implementation of the Climate Protection Act
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Segundo EDITH BROWN WEISS,3 advogada e autora americana, o princípio da equi-
dade intergeracional compreende os seguintes princípios:
a) princípio de conservação das opções – segundo o qual, cada geração é obrigada a
preservar a diversidade de sua base de recursos naturais e culturais, de forma a não
limitar indevidamente o leque de opções de que disporão as gerações futuras para
resolver seus próprios problemas;
b) princípio da conservação da qualidade – o qual estabelece que se preserve a qua-
lidade do planeta para transmiti-lo em um estado que não seja inferior àquele a que a
geração presente teve acesso, de forma que cada geração possa beneficiar de um pla-
neta comparável em qualidade àquele do qual beneficiaram as gerações anteriores; e
c) princípio da conservação do direito de acesso – de acordo com o qual, cada gera-
ção humana tem o dever de assegurar a todos os seus membros, de forma equitativa,
direitos de acesso à herança planetária, além de conservar tais direitos de acesso às
gerações futuras.
O jurista e filósofo belga FRANÇOIS OST,4 por sua vez, entende a responsabilidade em
relação às gerações futuras sob a forma da transmissão de um património comum, ligando
todos os membros da espécie humana (presentes, passados e futuros), pois todos têm igual
dignidade, de forma que todos também têm direito de beneficiar desse património comum
e, ao mesmo tempo, cada geração tem o dever de transmitir esse património para as gera-
ções futuras. Assim, cada geração é apenas usufrutria dessa herança planetária, e não
sua titular/proprieria.
Nesse contexto, embora a proteção das gerações futuras possa ocorrer sem que lhes
sejam conferidos direitos, WEISS defende que reconhecer direitos às gerações futuras
(ainda que direitos em um sentido mais amplo) é mais eficaz para a defesa dos interesses
das gerações futuras e do meio ambiente, do que a previsão unicamente de deveres.
Essa autora define os direitos intergeracionais (ou planetários) como os direitos de cada
geração de receber o planeta numa condição que não seja inferior àquela da qual benefi-
ciou a geração precedente, de herdar uma diversidade comparável de recursos naturais e
culturais e de ter acesso equitativo ao uso e aos benefícios desse legado.5 Quanto aos deve-
res intergeracionais, ela menciona os seguintes: dever de conservar os recursos; dever de
assegurar uma utilização equitativa; dever de evitar efeitos prejudiciais; dever de evitar as
3 EDITH BROWN WEISS, Justice pour les générations futures. Paris: Sang de la terre (1993) 35.
4 FRANCOIS OST, La nature hors la loi: l’écologie à l’épreuve du droit. Paris: La Découverte (2003) 297-298.
5 EDITH BROWN WEISS, Intergenerational fairness and rights of future generations. Generational Justice! N.º 3 (nov.
2002) 6.
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catástrofes, de limitar os desgastes e de fornecer uma ajuda de urgência (cooperação entre
países no caso de desastres ecológicos); dever de reparação em caso de danos ao ambiente.
10. Mandado de proteção objetiva e a proteção das gerações futuras
Fazendo-se uma analogia, dentre os deveres intergeracionais indicados por WEISS, o de
assegurar uma utilização equitativa é o que mais se assemelha ao fundamento adotado
pelo Tribunal Federal Constitucional Alemão ao considerar que se deve salvaguardar a
liberdade ao longo do tempo, assim como a distribuição proporcional de oportunidades
de liberdade ao longo de gerações, não sendo razoável criar-se riscos desproporcionais no
decurso do tempo, violando a equidade entre atuais e futuras liberdades fundamentais.
Desta forma, embora não reconheça direitos às gerações futuras e tenha reduzido a
análise à possibilidade de lesão da liberdade futura dos próprios queixosos, o tribunal ale-
mão admite, em tese, que o mandado de proteção objetiva derivado do artigo 20a, da Cons-
tituição Alemã, inclui também a necessidade de lidar com atenção com os fundamentos
naturais da vida, de modo a deixá-los à posteridade num estado tal que não obrigue as
gerações seguintes a preservá-los somente ao custo de uma privação radical.
11. Inadequação dos requisitos legais para a continuação da trajetória de
redução após 2030
Segundo a Lei de Proteção do Clima, a continuação do caminho de redução de gases de
efeito estufa nos períodos anuais após a trajetória regulamentada até 2030 será discipli-
nada por decreto, de modo que o governo federal deve definir as quantidades anuais de
redução de emissões em 2025 para períodos adicionais após 2030 por meio de um decreto
regulamentar.
Dessa forma, tendo em vista que o processo de redução após 2030 é orientado pela
autorização para emitir decretos, tal disposição deve ser capaz de criar o horizonte de pla-
neamento exigido pelo Direito Constitucional. Isso implica que disposições transparen-
tes para o desenvolvimento de opções de emissões remanescentes e requisitos de redução
para após 2030 devem ser formuladas o mais cedo possível, a fim de se possibilitar um
planeamento e desenvolvimento em grande escala em tempo útil, de modo a não se res-
tringir a liberdade futura de forma abrupta, radical e sem possibilidade de substituição.
De acordo com o que foi decidido pelo Tribunal, é compreensível que, quando da ela-
boração da Lei de Proteção do Clima, não fosse possível determinar especificamente os
caminhos de redução para além do ano de 2030 até o ano de 2050, definido como o ano em
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que deve ser atingida a neutralidade climática. Isso porque o desenvolvimento técnico e a
mudança comportamental não podem ser previstos com suficiente previsão, de forma que
estabelecer muito cedo caminhos rígidos de evolução, mormente em áreas do Direito que
estão constantemente sujeitas a mudanças, pode até mesmo comprometer o potencial de
desenvolvimento e revelar-se prejudicial à proteção dos direitos fundamentais.
Por outro lado, os caminhos que até agora só foram regulamentados por lei até 2030
devem ser desenvolvidos continuamente ao longo do tempo num processo gradual, o que
deve acontecer em tempo hábil para que surjam horizontes de planeamento claros, com
a especificação das quantidades anuais adicionais de emissões e as medidas de redução
necessárias, de modo a ser criada uma orientação suficientemente concreta, permitindo
reconhecer quais os produtos e comportamentos que terão de ser significativamente
remodelados.
Partindo dessas premissas, o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha conside-
rou que os parâmetros previstos na lei para a continuação da trajetória de redução após
2030 não atendem aos requisitos constitucionais de um projeto que forneça orientação
suficiente para desenvolvimentos futuros. Embora não se possa exigir que as quantida-
des de emissão sejam determinadas especificamente até que a neutralidade climática
desejada seja atingida em 2050, não é suficiente a previsão de que o governo federal esti-
pule, em 2025, as emissões decrescentes anuais para períodos adicionais após 2030 por
meio de decreto. Isso porque o caminho de redução dificilmente poderá ser determinado
definitivamente em 2025, de forma que ao menos teria que restar determinado na lei em
que intervalos de tempo outras especificações devem ser feitas de forma transparente.
Ademais, o planeamento para períodos além de 2030 somente ocorreria em 2025, o que
resulta em um tempo de preparação de apenas cinco anos para o período seguinte. Assim,
é improvável que haja um horizonte de planejamento hábil em muitas áreas de produção,
consumo e infraestrutura.
A previsão legal não garante, portanto, que as estipulações sejam realizadas com a
antecedência necessária e nada é dito sobre a duração dos períodos a serem regulamen-
tados pelo governo federal. Assim, a lei deveria fornecer estipulações mais abrangentes,
regulando tudo o que é necessário para a trajetória de redução no futuro em tempo hábil.
A Constituição alemã permite que o Governo Federal seja autorizado por lei a emitir
decretos regulamentares. Entretanto, o conteúdo, a finalidade e a extensão da autorização
legal concedida devem ser determinados na própria lei. O grau de especificidade da lei
quanto à autorização em cada caso depende também da intensidade dos efeitos da regula-
mentação sobre os afetados. Quanto mais graves forem os efeitos, mais numerosos serão
os requisitos para autorização. No presente caso, a princípio, o legislador pode estipular
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que novos regulamentos, para determinação das quantidades de emissões anuais para
períodos posteriores a 2030, sejam feitos por decreto. Entretanto, o princípio constitucio-
nal da reserva de lei impõe que o próprio legislador determine as bases decisivas do espaço
jurídico a regulamentar, que afetam essencialmente o espaço de liberdade e igualdade dos
cidadãos, não podendo deixar isso a cargo da administração.
Assim, para que a determinação adicional das quantidades de emissões anuais possa
ser realizada por meio de decreto, o legislador deve definir a extensão da autorização de
forma mais precisa, determinando a amplitude das quantidades de emissões anuais a
serem determinadas ou especificando requisitos mais detalhados para a sua determina-
ção espefica. Isso implica que as disposições da Lei do Clima, neste aspeto, são incons-
titucionais, diante da ausência de determinação das bases essenciais para a regulamen-
tação sobre a atualização das metas de redução de 2031 até ao momento da neutralidade
climática.
Conclusão
A partir da alise do que foi decidido pelo Tribunal Federal Constitucional da Alema-
nha quanto às queixas apresentadas contra certas cláusulas da Lei de Proteção do Clima
e contra alegadas omissões do Estado na mitigação das alterações climáticas, observa-se
que, por inexistir na Constituição da República Federal da Alemanha uma previsão explí-
cita de um direito a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado, a questão foi anali-
sada a partir dos deveres estatais de proteção da vida e da integridade física das pessoas,
do direito ao desenvolvimento da personalidade, da dignidade humana, da liberdade de
escolha de profissão, do direito de propriedade privada e do dever do Estado de proteger o
ambiente, os quais foram considerados como atendidos pelo legislador.
Além disso, foi analisado, ainda, o direito fundamental da liberdade, o qual foi con-
siderado como inconstitucionalmente ameaçado pelas disposições da Lei de Proteção do
Clima, por transferirem proporções significativas dos encargos de redução de gases com
efeito de estufa para períodos posteriores a 2030, comprometendo a liberdade futura.
Embora o Tribunal Federal Constitucional da Alemanha não reconheça direitos às
gerações futuras, admite, em tese, que o mandado de proteção objetiva derivado do artigo
20a, da Constituição Alemã, inclui também a necessidade de cuidar dos fundamentos
naturais da vida, de modo a deixá-los à posteridade em um estado tal que não obrigue as
gerações seguintes a preservá-los somente ao custo de uma privação radical.
Foram também consideradas inconstitucionais certas disposições da Lei de Proteção
ao Clima por estabelecerem que a determinação adicional das quantidades de emissões
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anuais de gases de efeito estufa seja realizada por meio de decreto sem que o legislador
tenha definido a extensão da autorização de forma mais precisa, no que se refere às bases
essenciais para a atualização das metas de redução de 2031 até o momento da neutralidade
climática.
Em 24 de junho de 2021, o Parlamento Federal e no dia a seguir o Conselho Federal,
aprovaram a primeira alteração da Lei Federal de Proteção do Clima. Conforme exigido
pelo Tribunal Federal Constitucional, foram elevadas as metas de redução de gases com
efeito estufa e equivalente de 55% até 2030 para 65%, e para 88% até 2040 em comparação
com os valores de 1990. A neutralidade carbónica deve ser alcançada em 2045 em vez de
2050. Em consonância com estes valores, foram adaptadas as quantidades de emissões
anuais para cada setor para os anos 2023 a 2030. O Governo Federal fica obrigado a deter-
minar os valores anuais para 2031 a 2040 até 2024, e para 2041 a 2045 até 20326.
Para além das alterações introduzidas na Lei Federal de Proteção do Clima, o Acórdão
do Tribunal Federal da Alemanha e as inundações em junho 2021 fizeram com que as alte-
rações climáticas se tornassem o tema central para as campanhas eleitorais das legislati-
vas, agendadas para o dia 26 de setembro de 2021, na Alemanha.
6 PARLAMENTO FEDERAL ALEMÃO, Boletim do Parlamento Federal Alemão (Drucksache) 19/30230, Entwurf eines Ersten
Gesetzes zur Änderung des Bundes-Klimaschutzgesetzes (Projeto de uma primeira lei de alteração da Lei Federal de Proteção
do Clima), dserver.bundestag.de/btd/19/302/1930230; CONSELHO FEDERAL ALEMÃO, Boletim Federal do Conselho
Federal Alemão 576/21, www.bundesrat.de/SharedDocs/drucksachen/2021/0501-0600/576-21.