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Efeitos extraprocessuais do estado de inocência – limites aos juízos paralelos condenatórios
Extraprocedural eects of the presumption of innocence – limits to condemnatory parallel judgments
NEREU JOSÉ GIACOMOLLI, ROGER MACHADO
GALILEU · e-ISSN 2184-1845 · Volume XXIII · Issue Fascículo 1-2 · 1st January Janeiro – 31st December Dezembro 2022 · pp. 39-62
diferenciam-se de emissão de juízos de culpa antes de uma sentença definitiva com trân-
sito em julgado, em face da exigência da preservação da presunção de inocência (art. 5.º,
LVII, CF)12.
Assim, o campo de aplicação da presunção de inocência não se limita ao âmbito do
Poder Judiciário e às autoridades que venham a decidir sobre a culpabilidade do acusado.
A liberdade de expressão assegura, tanto o direito de receber como o de comunicar infor-
mações, mas respeitada a presunção de inocência13. O que importa, efetivamente, é o sen-
tido real das declarações14, o relato das circunstâncias particulares com as quais foram
formuladas, bem como a ideia será percebida pelos comunicados e neles incutida. Insuflar
a opinião pública, criar uma imagem ou opinião negativa15 por uma mera suspeita, trans-
mitindo uma concepção prévia de culpa revela o estágio patológico e desmaterializador da
informação16. Decisões ou declarações que refletem um sentimento de culpabilidade, um
pré-julgamento17 sobre o suspeito diferenciam-se daquelas que se limitam a descrever um
estado de suspeita18.
Além de marcadores procedimentais objetivos como o arquivamento de inquérito poli-
cial, rejeição da denúncia, absolvição sumária, sentença e acórdãos (primeiro elemento),
12 Vid. Caso Allenet de Ribemont v. France, §§ 36/41 (1995), do TEDH.
13 Vid. Caso Svetlana Zhuk v. Bielorússia, do Comitê de Direitos Humanos da ONU (Comunicação n.º 1910/2009), An-
drei Zhuk, ainda quando suspeito foi exposto pelos meios de informação estatais, inclusive pelo principal canal
de televisão, sendo chamado de criminoso desde o começo da investigação. Em entrevista, o Ministro do Interior
referiu-se a Andrei e aos corréus como criminosos antes de que fossem declarados culpados. O Comitê reconhe-
ceu afronta à presunção de inocência, diante da precipitação de juízos por parte de agentes estatais.
14 Vid. Caso Saidova v. Tajiquistão (2004) do Comitê de Direitos Humanos da ONU. O ex-esposo da comunicante,
Sr. Saidov, foi preso, acusado e condenado à morte por diversos crimes (bandoleirismo, associação criminal,
usurpação de poder mediante recurso à violência, incitação à quebra da ordem constitucional, aquisição e posse
ilegal de armas e munições, terrorismo e assassinato). Dentre as várias irregularidades mencionadas na denún-
cia (tortura, maus tratos, confissão forçada), apontava-se que durante a investigação se difundiu e publicou,
constantemente, nos meios de comunicação nacionais, controlados pelo Estado, informação em que se tratava
o Sr. Saidov e a outros acusados de “criminales, amotinados, etc” contribuindo desta maneira a criar uma opinião
pública negativa. Diante da falta de manifestação do Estado quanto a isso, o Comitê considerou relevantes as
alegações da parte requerente e advertiu que o comportamento estatal atinente à ampla cobertura midiática
contra o Sr. Saidov violou a presunção de inocência prevista no art. 14. 2, PIDCP.
15 Vid. Caso Gridin v. Rússia (1997) do Comitê de Direitos Humanos da ONU. Em 25/11/1989, suspeito foi preso por
ser suspeito de abuso e de assassinato de uma mulher. Depois da prisão, outras seis acusações lhe foram feitas.
No período entre 26 a 30 de novembro de 1989, foi apresentado em emissoras de rádio e em periódicos como “el
temible asesino de los ascensores que había violado a varias muchachas, dando muerte a tres de ellas”. Em 09/12/89, o chefe
de polícia anunciou que estava convicto de que Gridin era o assassino, o que foi difundido pela televisão. O in-
vestigador afirmou a culpabilidade em diversas oportunidades públicas, prévias à audiência judicial, insuflando
a opinião pública contra o suspeito, o que resultou, inclusive, num comportamento hostil de parte do público
presente no dia do julgamento. V. Comunicação n.º 770/1997 do Comitê de Direitos Humanos da ONU, o qual
concluiu que houve violação ao art. 14. 2, PIDCP, pois as autoridades estatais não atuaram com o comedimento
exigido pela presunção de inocência e assinalado na Observação Geral n.º 13/84.
16 Vid. Caso Gutsanovi v. Bulgarie, § 192 a 197 (2014), do TEDH.
17 Vid. Observação-Geral n.º 13 de 1984 e Observação Geral n.º 32 de 2007, do Comitê de Direitos Humanos da ONU.
18 Vid. Observação Geral n.º. 32 do Comitê de Direitos Humanos da ONU.