GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXIII · Issue Fascículo 1‑2 · 1st January Janeiro – 31st December Dezembro 2022 · pp. 63‑79 63
Aquisição de provas criminais eletrônicas
no Brasil à luz da Convenção de Budapeste,
do Cloud Act dos Estados Unidos da América
edoDireito da União Europeia1
Acquisition of electronic criminal evidence in Brazil in the light
of the Budapest Convention, the Cloud Act of the United States
of America and European Union Law
WILSON ANTONIO PAESE SEGUNDO2
wpaese@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–31ST December Dezembro 2022 · pp.63‑79
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXIII.1/2.4
Submitted on September 2nd, 2022 · Accepted on September 21st, 2022
Submetido em 2 de Setembro, 2022 · Aceite a 21 de Setembro, 2022
RESUMO O escopo do trabalho, centrado na etapa oficial da investigação preliminar
de crimes de competência do Brasil, busca verificar se, a obtenção de metadados e de
conteúdo eletrônico diretamente com o ente privado que a armazena, encontra paralelo
nas disposições da Convenção de Budapeste, na legislação pertinente da União Europeia e
no Cloud Act dos Estados Unidos da América. O tema assume relevo atualmente, porquanto
a autoria da maioria das infrações penais comuns somente pode ser descoberta e seus
autores identificados, mediante a obtenção célere de provas eletrônicas, invariavelmente,
armazenadas em território estrangeiro, ao passo que os tradicionais instrumentos de
cooperação mútua são considerados obsoletos para lidar com o problema.
PALAVRASCHAVE investigação criminal; provas eletrônicas; dispensa do MLA; obtenção
direta com o ente privado; Brasil e Direito comparado.
1 Este artigo corresponde ao trabalho apresentado na Unidade Curricular de «Teoria Geral do Direito Policial», mi-
nistrada pelo Professor Doutor Manuel Monteiro Guedes Valente, no âmbito do Mestrado em Direito – Ciências
Jurídico-Policiais. O estudo foi desenvolvido no âmbito do Projeto de I&D: Corpus Delicti – Estudos de Criminali-
dade Organizada Transnacional, sediado no Ratio Legis – Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências
Jurídicas da Universidade Autónoma de Lisboa.
2 Delegado da Polícia Federal. Mestrabndo em Direito – Ci~encias Jurídico-Policiais da Universidade Autónoma
de Lisboa. Invetsigador colaborador do Ratio Legis, projeto de I&D: Corpus Delicti – Estudos de Criminalidade
Orgnaizada Transnacional.
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Aquisição de provas criminais eletrônicas no Brasil à luz da Convenção de Budapeste, do Cloud Act…
Acquisition of electronic criminal evidence in Brazil in the light of the Budapest Convention, the Cloud Act…
WILSON ANTONIO PAESE SEGUNDO
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ABSTRACT The scope of the research, related to the Brazilian pre-trial investigation, aims
to verify whether obtaining of metadata and content data directly from a private storage
establishment is in line with the Budapest Convention, European Union Law and the
U.S. Cloud Act. This is relevant because, in most cases, it is only possible to determine
who committed a crime and obtain evidence that can be used in Court, when electronic
evidence, invariably stored abroad, are quickly collected. On the other hand, traditional
mechanisms for mutual cooperation are considered obsolete to solve the problem.
KEYWORDS criminal investigation; digital evidence; non-essential MLA; obtaining
directly from the private entity; Brazil and comparative law.
1. Introdução
O fenómeno da globalização, compreendido como “o facto de vivermos cada vez mais num
único mundo, na medida em que os indivíduos, os grupos e as nações estão a tornar-se
cada vez mais interdependentes” (GIDDENS, 2013, p. 131), produz impacto nos mais diver-
sos campos da vida em sociedade, num processo de retroalimentação que é impulsionado
pelo desenvolvimento tecnológico, especialmente pelo advento da internet, computadores,
smartphones e seu amplo espectro, permitindo o fluxo de dados, voz e imagem, ao arrepio
de quaisquer limitações territoriais existentes entre os países.
A par disso, a multiplicidade de empresas transnacionais, a economia eletrônica e a
velocidade nos deslocamentos para superar grandes distâncias, influenciam nesse pro-
cesso de compressão do tempo/espaço3.
Inegavelmente, os avanços da computação e da tecnologia da informação transfor-
maram e continuam transformando com rapidez exponencial todos os aspectos da vida
moderna, constituindo-se em elementos essenciais para a economia e a sociedade. A uti-
lização da internet e, especialmente das mídias sociais, webmails e aplicativos para uma
gama inndável de situações tornou-se corriqueira em quase todo o planeta4.
No entanto, concomitantemente aos benefícios econômicos, sociais, culturais e de
lazer, essas tecnologias passaram a ser utilizadas também de maneira desvirtuada, como
supedâneo para a criação de novos crimes, próprios deste ambiente5 ou como ferramentas
para transmudar a natureza, escala e alcance de crimes já conhecidos. Quando isso acon-
3 Expressão cunhada por David Harvey, apud Bauman (1999, p. 63).
4 Segundo a International Telecommunication Union (agência especializada das Nações Unidas), aproximadamente
4,9 bilhões de pessoas (63% da população mundial) estão usando a internet. Disponível em: https://bit.ly/3QeKr4H
(Consult. em 14 de agosto de 2022).
5 Os designados cibercrimes. v.g. denial of service (DoS) e distributed denial of service (DDoS); ransomwares; propagação
de vírus, etc.
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tece, o ambiente virtual costuma ser o único lugar onde podem ser encontrados elementos
para determinar quem cometeu um crime.
Especificamente, os serviços em rede podem ser fornecidos de qualquer espaço, dis-
pensando infraestrutura física, pessoal ou instalações no país dos usuários. Eles também
não carecem de local específico para o armazenamento de dados, que é eleito segundo as
conveniências do provedor de serviços, majoritariamente no intento de reduzir custos,
otimizar lucros, proteger dados e oferecer melhor acesso e desempenho.
Na consecução dessas estratégias empresariais, os fornecedores privados, percebendo
a fragilidade da regulação estatal no ambiente virtual, comumente adotam dois caminhos:
(a) prestam serviços em determinado país sem a presença de estabelecimento físico ou;
(b) criam subsidrias para funcionar no local, apenas com a função de vender serviços,
mantendo o armazenamento sob o encargo de outro ente do grupo econômico, em país
com a legislação que mais lhe beneficie. O intento é claro, maximizar as oportunidades,
afastando qualquer empecilho em sentido contrário.
Por conseguinte, as provas aptas a elucidar delitos cometidos em determinado país,
estão ordinariamente armazenados em território estrangeiro6, sem conexão entre o caso
sob investigação no Estado em questão e o Estado do local de armazenamento ou da sede
principal do prestador de serviços, originando o que se tem chamado de globalizão das
evincias criminais.
De outro lado, os investigadores estão limitados aos seus territórios7 e as formas tra-
dicionais de obter provas em jurisdições alienígenas não são eficazes. Isso gera extrema
dificuldade na promoção da justiça, ante a incapacidade estatal de proteger a vítima e os
bens jurídicos agredidos.
Nesse diapasão, o Brasil tem buscado soluções jurídicas para enfrentar o problema. A
questão que se coloca é aquilatar a adequação da postura brasileira frente aos instrumen-
tos jurídicos previstos na Convenção de Budapeste, nos Estados Unidos da América (EUA)
e na União Europeia (UE).
Em linha com o objeto da pesquisa, será realizada sucinta exposição jurídica do tema
no Brasil, nas disposições da Convenção de Budapeste, no Cloud Act dos EUA e na legisla-
6 Ante a computação em nuvem, as maiores empresas globais mantêm data centers em múltiplos países, com arma-
zenamento fracionado de dados e trânsito automatizado quase constantemente entre eles, no intuito de aprimo-
rar o desempenho ante a diminuição da latência, por exemplo.
7 Smuha (2018, p. 85, tradução nossa) é contundente a respeito: “Embora os criminosos muitas vezes deixem evi-
dências úteis online e sejam capazes de mover dados de um servidor localizado de um país para outro com o
clique de um mouse, as forças policiais devem interromper sua busca na fronteira virtual e buscar assistência de
outro estado. Se o objetivo é obter justiça criminal rápida, essa situação parece ridícula na melhor das hipóteses
e perigosa para a sociedade na pior.
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ção corretada da UE, para então verificar a existência de elementos comuns, em prol do
direito fundamental à segurança e a justiça8, estabelecendo critérios a serem observados
por todos os Estados.
2. Abordagem no Brasil
No trato da questão de obtenção de provas eletrônicas envolvendo prestadores de serviços
estrangeiros em funcionamento no Brasil, a Corte Especial do Superior Tribunal de Jus-
tiça (STJ), harmonizando a legislação federal, tem entendimento consolidado no sentido
de que o local de armazenamento não afasta a jurisdição do país para requisitar direta-
mente o fornecimento de metadados ou dados de conteúdo, imprescindíveis a descoberta
de crime ocorrido em território nacional, envolvendo brasileiros.
O leading case9 que levou ao entendimento acima, tratava de recusa do Google Brasil em
fornecer, diretamente às autoridades brasileiras, o conteúdo de e-mails trocados entre bra-
sileiros investigados pela prática de crimes graves (associação criminosa, corrupção, lava-
gem de dinheiro etc), sob a justificativa que os dados estavam armazenados em território
americano, ao abrigo da controladora Google Inc. Nesse passo, a subsidiária argumentou
que além de não ter acesso ao conteúdo, a legislação americana proibia sua divulgação,
salvo por meio da assistência jurídica mútua (MLA, sigla para mutual legal assistance).
Posteriormente, a Lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet (MCI) regulou
o assunto no Art. 11,caput,§§1.º e 2.º:
Art. 11. Em qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda e tratamen-
to de registros, de dados pessoais ou de comunicações por provedores de cone-
xão e de aplicações de internet em que pelo menos um desses atos ocorra em
território nacional, deverão ser obrigatoriamente respeitados a legislação bra-
sileira e os direitos à privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das
comunicações privadas e dos registros.
§ 1.º O disposto no caput aplica-se aos dados coletados em território nacional
e ao conteúdo das comunicações, desde que pelo menos um dos terminais esteja
localizado no Brasil.
8 O trabalho adota a concepção de “[...] plurinormatividade da segurança: [que] atravessa todo o ordenamento jurí-
dico – [...] nacional e supranacional – e assume-se nele como fundamental para a vida em comunidade; e absorve,
como bem a preservar e essencial ao desenvolvimento harmonioso da comunidade, o domínio público e o domí-
nio privado do Direito.” (VALENTE, 2012, p. 79).
9 STJ/Inq/784/DF, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJe 28/08/13.
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§ 2.º O disposto no caput aplica-se mesmo que as atividades sejam realiza-
das por pessoa jurídica sediada no exterior, desde que oferte serviço ao público
brasileiro ou pelo menos uma integrante do mesmo grupo econômico possua
estabelecimento no Brasil.10
Como se percebe, o MCI alarga os critérios da jurisprudência, sujeitando as pessoas
jurídicas estrangeiras à lei brasileira, ainda quando não tenham sede no Brasil, desde que
prestem serviço no país, sempre que qualquer operação de coleta, armazenamento, guarda,
tratamento de metadados ou dados de conteúdo tenha ocorrido em território nacional.
3. Abordagem na Convenção sobre Cibercrime
A Convenção sobre Cibercrime (Convenção de Budapeste)11 12, de caráter universal, prevê que
as partes estabeleçam poderes e procedimentos para obter provas eletrônicas13 e prestar
assistência jurídica mútua, não limitada a crimes cibernéticos. Ainda, no Art. 18.1, “b”, cria
injunção para que as Partes ordenem ao fornecedor, que preste serviços no seu território,
com ou sem sede física, a entrega de dados de assinante na sua posse ou sob seu controle14.
Além disso, a Convenção prevê, nos artigos 16 e 17, ordens de preservação quando houver
motivos para acreditar que os dados de computador são particularmente vulneráveis a
perda ou modificação.
Todavia, os avanços tecnológicos e o incremento da complexidade supra referidos, vem
exigindo maior celeridade na obtenção de provas eletrônicas, especialmente porque atual-
mente elas são imprescindíveis na maioria das infrações penais comuns.
Segundo dados compilados pelo Conselho da UE15, mais da metade de todas as
investigações criminais atuais incluem uma solicitação transfronteiriça para aces-
sar evidências eletrônicas, como dados de identificação, textos, mensagens, e-mails ou
10 Antes dela, o Art. 11, §1.º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro e o Art. 21, parágrafo único do Có-
digo de Processo Civil Brasileiro preveem que a pessoa jurídica estrangeira que tiver agência, filial ou sucursal
no Brasil, fica sujeita à lei nacional.
11 Convenção de Budapeste (ETS n.º 185) de 23 de novembro de 2001.
12 O Brasil somente aprovou o texto da Convenção em 16 de dezembro de 2021, por meio do Decreto Legislativo n.º
7. Registre-se que ainda não foram concluídos os trâmites necessários para internalização.
13 Para uma visão ampla sobre provas eletrônicas em grande parte dos Estados-Membros da UE [definição, proce-
dimento nacional e internacional tanto para obtenção quanto para guarda; autoridade competente para execu-
ção, etc] ver o sítio: https://bit.ly/3Jnku16. Acesso em: 19 de jul. de 2022.
14 Para interpretação deste dispositivo, consultar a Nota de Orientação n.º 10, intitulada Production orders for subscri-
ber information (Article 18 Budapest Convention), emanada pelo Cybercrime Convention Committee (T-CY).
15 Vide: E-evidence – cross-border access to electronic evidence: improving cross-border access to electronic evidence.
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aplicativos. E, as provas eletrônicas são relevantes para aproximadamente 85% das
investigações criminais16.
Ilustrativamente, os relatórios de transparência do Facebook (Meta) e do Google, concer-
nentes a evolução do número de solicitações recebidas para fornecimento de provas ele-
trônicas por autoridades do Brasil e globalmente, são capazes de dimensionar o fenômeno:
Facebook/Brasil
Figura 1. Facebook. Transparency Center. Brazil
Google/Brasil
Figura 2. Google. Relatório de Transparência. Brasil
16 Vide: Commission Sta Working Document Impact Assessment.
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Facebook/Global
Figura 3. Facebook. Transparency Center. Global
Google/Global
Figura 4. Relatório de Transparência. Solicitações globais.
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Atenta a essa realidade, a Comissão da União Europeia propôs o segundo protocolo
adicional à Convenção sobre Cibercrime [CETS n.º 224]17, firmado, até 10 de julho de 2022,
por 24 (vinte e quatro) países18 19.
Em síntese, o segundo protocolo aborda a divulgação de informações de registro de
nomes de domínio, medidas de cooperação direta com provedores de serviços para obten-
ção de informações de usuários, meios eficazes para obtenção de informações de usuá-
rios e dados de tráfego, cooperação imediata em emergências, ferramentas de assistência
mútua, bem como salvaguardas para a preservação dos direitos humanos no ambiente
digital (SANTOS, 2022, p.11).
4. Abordagem nos Estados Unidos da América
O Cloud Act20, aprovado em março de 2018, pelos EUA, altera o Stored Communications Act,
de 1986 (18 U.S. Code Chapter 121)21, permitindo que as autoridades americanas obtenham
prova eletrônica para fins criminais, independentemente do local onde o prestador do ser-
17 O Preâmbulo do mencionado protocolo corrobora o que vem se afirmando: “Reconhecendo a utilização crescen-
te das tecnologias da informação e da comunicação, designadamente os serviços de internet, e o aumento da
cibercriminalidade, que constitui uma ameaça para a democracia e o Estado de direito e que muitos Estados
também consideram uma ameaça para os direitos humanos; Reconhecendo igualmente o número crescente de
vítimas da cibercriminalidade e a importância de obter justiça para essas vítimas; Recordando que os governos
têm a responsabilidade de proteger a sociedade e as pessoas contra a criminalidade não só fora de linha (oine),
mas também em linha (online), nomeadamente através de investigações e ações penais eficazes; Cientes de que
os elementos de prova de qualquer infração penal são cada vez mais armazenados em formato eletrónico em
sistemas informáticos situados em jurisdições estrangeiras, múltiplas ou desconhecidas, e convencidos de que
são necessárias medidas adicionais para obter licitamente esses elementos de prova, a fim de permitir uma
resposta eficaz da justiça penal e defender o Estado de direito; Reconhecendo a necessidade de uma cooperação
reforçada e mais eficaz entre os Estados e o setor privado, e que, neste contexto, é necessária maior clareza ou
segurança jurídica para os prestadores de serviços e outras entidades no que diz respeito às circunstâncias em
que podem responder a pedidos diretos das autoridades de justiça penal de outras Partes para a comunicação
de dados eletrônicos; [...].
18 Dentre eles, Portugal e, como não integrantes da UE: EUA, Chile, Colômbia, Japão e Marrocos, consoante o Chart
of signatures and ratifications of Treaty 224.
19 O protocolo entrará em vigor no primeiro dia do mês seguinte ao termo de um período de três meses a contar da
data em que 5 (cinco) Estados-Partes tenham manifestado seu consentimento em ficarem vinculadas ao mesmo
(Art. 16.3 do segundo protocolo adicional a Convenção de Budapeste).
20 U.S. Clarifying Lawful Overseas Use of Data Act, H.R. 4943, 2018.
21 O Stored Communications Act (SCA), dispõe sobre o tratamento legal aplicável a comunicações armazenadas, ve-
dando a divulgação de dados de conteúdo, exceto nas 8 (oito) exceções especificadas no §2702(b) do 18 USC,
das quais, destacam-se: as situações de emergência envolvendo perigo de morte ou lesão grave de pessoa e; a
exploração sexual e outros abusos de crianças e adolescentes, reportadas, no último caso, ao National Center for
Missing and Exploited Children (NCMEC) (18 USC 2258A). Nessas situações, os dados de conteúdo são transmitidos
diretamente as autoridades estrangeiras responsáveis pela persecução penal.
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viço, sob sua jurisdição,22 a mantenha armazenada (18 USC §2713)23. Ainda, prevê a possibi-
lidade de países estrangeiros firmarem acordos executivos com os EUA [acordos bilaterais],
permitindo que o conteúdo de comunicações de cidadãos não americanos e não residentes
seja obtida diretamente junto aos prestadores de serviços com sede principal nos EUA24.
Por outro lado, quanto aos metadados, subdivididos pela UE, em dado de assinante,
de acesso e transacional, não há impedimento legal para que sejam fornecidos voluntaria-
mente pelos provedores americanos diretamente as autoridades criminais do país onde
prestam serviços.
Desse modo, a cooperação voluntária para fornecimento de dados que não sejam de
conteúdo é recorrente com prestadores de serviços americanos. Mas sendo discricionária,
despida de mecanismos legislativos cogentes para cumprimento e entrega tempestiva, o
Estado requerente fica inteiramente a mercê do prestador de serviços25 26.
O Cloud Act não alterou esse panorama. Os acordos executivos firmados sob sua égide
servem tão somente para eliminar os conflitos legais existentes entre as legislações dos
países a que o prestador de serviço está submetido. Não são criadas obrigações ao provedor
ou conferidos poderes coercitivos ao Estado requerente27.
5. Abordagem na União Europeia28
Cuidando do tema proposto, traz-se à baila, a Diretiva 2000/31/CE do Parlamento Europeu
e do Conselho, de 8 de junho de 2000, relativa a certos aspectos legais dos serviços da sociedade
de informação, em especial do comércio eletrônico, no mercado interno, a qual, imperiosamente,
deve ser analisada levando em conta as modificações a serem promovidas, brevemente,
pelo Digital Services Act (DAS)29, aplicável a qualquer plataforma digital que preste serviços
22 O que não se confunde com os prestadores sediados em seu território ou constituídos por americanos.
23 O Cloud Act vem na esteira do caso Microsoft v. United States, no qual a Suprema Corte foi provocada a decidir se
o SCA obrigava a Big Tech, sob jurisdição estadunidense, a entregar dados armazenados no exterior, relativos a
crime de tráfico de drogas cometido em solo americano. Com a superveniência do Cloud Act, o caso foi encerrado
sem apreciação do mérito. Para aprofundamento acerca do litígio ver: DASKAL (2018).
24 As condições e procedimentos necessários para firmar o acordo podem ser consultados no ato, antes referido,
que institui o Cloud Act.
25 Nas palavras de Palmieri (2021, tradução nossa): “Os provedores acabam se tornando os verdadeiros guardiões
do poder de implementação do horizonte investigativo.
26 Segundo relatórios atuais de transparência do Facebook (Meta) e do Google o percentual de atendimento dos
pedidos de autoridades brasileiras e globalmente, não atinge 70% e 80%, respectivamente.
27 Conforme consta no Promoting Public Safety, Privacy, and the Rule of Law Around the World: The Purpose and Impact of
the CLOUD Act do Departamento de Justiça dos EUA.
28 Para uma análise abrangente da legislação relativa a proteção dos dados pessoais na UE, acompanhada de farta
jurisprudência, consultar ficha temática do Tribunal de Justiça da UE (2021).
29 Proposta de Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo a um mercado único de serviços digi-
tais – COM(2020) 825 final – 2020/0361 (COD) já aprovado em primeira leitura pelo Parlamento e com expecta-
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intermediários30 a usuários residentes na UE, ainda que não tenha estabelecimento nos
Estados-Integrantes.
O DAS reforça a obrigatoriedade do prestador de serviço, sem sede na UE, designar um
representante legal [pessoa singular ou coletiva], para se fazer fisicamente presente num
dos Estados-Membros [Art. 11], dotando-o de poderes para cumprir as ordens emanadas ao
abrigo do regulamento.
Em consonância, o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD)31, no seu Art.
27 c/c Art. 3.2, também elenca o dever dos responsáveis pelo tratamento32 [ou subcontra-
tante] de dados de titulares [pessoas físicas] residentes no território da União, a designa-
rem um representante num dos Estados-Membros, quando ali não estiverem sediados33,
independentemente do local onde os dados são tratados34.
Com idêntica previsão da obrigatoriedade de designação de representante legal, segue
a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas harmoniza-
das aplicáveis à designação de representantes legais para efeitos de recolha de provas em processo
penal35, conforme previsão contida no Art. 3.236.
Assim, enquanto o DAS não entra em vigor e a proposta de diretiva supra não é aprovada,
alguns Estados-Membros, com fundamento no Art. 3.4. da Diretiva 2000/31/CE, tem esta-
tiva de entrar em vigor no ano de 2024.
30 No Art. 2.º, “f”, do aludido diploma legal, define-se serviço intermediário como: “um serviço de ‘simples transporte
que consista na transmissão, através de uma rede de comunicações, de informações prestadas por um destina-
tário do serviço ou na concessão de acesso a uma rede de comunicações, – um serviço de ‘armazenagem tem-
porária’ que consista na transmissão, através de uma rede de comunicações, de informações prestadas por um
destinatário do serviço, que envolva a armazenagem automática, intermédia e temporária dessas informações,
apenas com o objetivo de tornar mais eficaz a transmissão posterior das informações a outros destinatários,
a pedido destes, – um serviço de ‘armazenagem em servidor’ que consista na armazenagem de informações
prestadas por um destinatário do serviço a pedido do mesmo;”.
31 Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das
pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.
32 O Art. 4.2 do RGPD define tratamento como: “[...] uma operação ou um conjunto de operações efetuadas so-
bre dados pessoais ou sobre conjuntos de dados pessoais, por meios automatizados ou não automatizados, tais
como a recolha, o registo, a organização, a estruturação, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação,
a consulta, a utilização, a divulgação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de disponibilização, a
comparação ou interconexão, a limitação, o apagamento ou a destruição;”.
33 Nos termos do Art. 3.2 do RGPD, a obrigação de designar representante, somente ocorre quando a atividade de
tratamento tenha relação com: “a) A oferta de bens ou serviços a esses titulares de dados na União, indepen-
dentemente da exigência de os titulares dos dados procederem a um pagamento; b) O controlo do seu com-
portamento, desde que esse comportamento tenha lugar na União.” Estão excluídas da obrigação as situações
constantes nos itens “a” a “d” do Art. 2.2 do RGPD.
34 Art. 3.1. do RGPD.
35 COM(2018)226final – 2018/0107 (COD).
36 Art. 3.2 do RGPD: “No caso dos prestadores de serviços que não se encontram estabelecidos na União, os Esta-
dos-Membros devem garantir que aqueles que operarem nos respetivos territórios designam, pelo menos, um
representante legal na União, para receber e dar cumprimento a decisões e ordens emitidas por autoridades
competentes dos Estados-Membros, para efeitos de recolha de provas em processo penal. O representante legal
deve residir ou estar estabelecido num dos Estados-Membros em que o prestador de serviços opera.
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belecido a obrigação das plataformas designarem representante legal em seu território,
bem como outras medidas coercitivas37.
Imperioso mencionar, por fim, a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Con-
selho relativo às ordens europeias de entrega e conservação de provas eletrônicas em matéria penal38
(eEvidence), a qual, na esteira da Cloud Act americana, oferece aos Estados-Membros da UE,
uma alternativa diversa do MLA.
Na realidade, essa proposta, juntamente com a proposta de diretiva que obriga a desig-
nação de representantes legais para efeitos de recolha de provas em processo penal acima comen-
tada, faz parte de um pacote legislativo que implementa dois instrumentos expeditos e
simplificados para a colheita direta de provas eletrônicas pelas autoridades encarregadas
da persecução penal: a Ordem Europeia de Entrega de Provas (OEEP) e a Ordem Europeia de
Conservação de Provas (OECP)39.
A OEEP abarca os dados de assinante, de acesso, transacional e de conteúdo40, sendo que
os últimos dois dispõem de condições e garantias acentuadas, uma vez que o Parlamento
Europeu escalona o grau de afetação dos direitos fundamentais frente a cada uma das
espécies41.
6. Parâmetros comuns
A obtenção de provas eletrônicas para fins de investigação criminal é preocupação pre-
sente há várias décadas na comunidade internacional. Mas a demanda crescente, fluidez
e imprescindibilidade de acesso em tempo útil42, tem exercido forte pressão nos sistemas
37 Caso da Alemanha, que no §5.º n.º 2 da Netzwerkdurchsetzungsgesetz [NetzDG] prevê que os provedores de redes
sociais devem nomear um destinatário autorizado a receber e responder pedidos de informações emitidos pelas
autoridades criminais nacionais.
38 COM(2018) 225 final – 2018/0108 (COD).
39 Vide: E-evidence – cross-border access to electronic evidence: improving cross-border access to electronic evidence.
40 A definição de cada espécie de dados está prevista no Art. 2.º, itens “7” a “10”.
41 Conforme explicita o “Considerando 23” da Proposta de Regulamento referida. Por exemplo, as ordens para
produzir dados de assinantes e dados de acesso podem ser emitidas para qualquer infração penal, enquanto os
dados transacionais e de conteúdo exigem que o crime tenha pena máxima igual ou superior a 3 (três) anos ou
digam respeito aos seguintes crimes graves: (a) terrorismo (Diretiva 2017/541/UE); (b) fraude e a falsificação de
meios de pagamento que não em numerário (Diretiva 2019/713/UE); (c) combate ao abuso e à exploração sexual
de crianças e à pornografia infantil (Diretiva 2011/93/UE) e; (d) ataques contra os sistemas de informação (Dire-
tiva 2013/40/UE).
42 As provas eletrônicas, como é sabido, são voláteis e podem facilmente ser alteradas e eliminadas. O cenário se
agravou após o julgamento do caso Digital Rights Ireland (Acórdão de 8 de abril de 2014, proc. C-293/12 e C-594/12),
ocasião que o TJUE invalidou a Diretiva n.º 2006/24/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de março
de 2006, afastando a obrigação dos prestadores de serviço armazenarem os dados eletrônicos por um período
mínimo.
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de justiça criminal domésticos, especialmente porque o caminho da cooperação jurídica
mútua tem se mostrado anacrônico.
A necessidade premente, obstaculizada pelo armazenamento de dados em nuvem,
com data centers situados em território estrangeiro e estratagemas societários que cindem
as funções de uma pessoa jurídica prestadora de serviços, por meio de subsidiárias, tem
levado a uma reação dos Estados quanto a artificial maneira de definir o território compe-
tente, em evidente prejuízo a soberania e a jurisdição43.
A coletânea de instrumentos jurídicos trazidos à lume, é exemplo disso. A Conven-
ção de Budapeste e os EUA, por meio do Cloud Act, assentam que a jurisdição das partes
e a americana, respectivamente, não são afetadas pelo local de armazenamento de dados
eletrônicos. Na mesma toada, a Diretiva 2000/31/CE, no seu Art. 3.4, já permitia que os
Estados-Membros obtivessem provas eletrônicas independentemente do local onde estão
armazenadas, culminando, recentemente, com a expressa previsão do eEvidence44.
Outra solução engendrada na UE, conforme relatado, tem a ver com a obrigatoriedade
dos prestadores de serviço, que atuam no território dos seus integrantes,45 designar um
representante legal num dos Estados-Membros46. É assim no RGPD, no DAS e na proposta
de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho que estabelece normas harmonizadas aplicáveis à
designação de representantes legais para efeitos de recolha de provas em processo penal.
Em comum, os Estados-Membros da UE e os EUA, para não verem sacrificado o direito
fundamental à segurança47, enveredaram por buscar diretamente, junto aos prestadores
de serviço, as provas digitais relativas aos crimes que são competentes para investigar48.
43 Ramos (2016) chama de Direito Transnacional anárquico a estimulação mecânica e falsamente neutra promovida
pelos agentes econômicos privados, visando manipular os elementos de conexão ou de fixação da jurisdição
tradicionais do Direito Internacional Privado a fim de proteger seus interesses. Como exemplo, cita o armazena-
mento de dados em território da preferência da empresa (forum shopping) e a criação de subsidiárias nos países
onde presta serviço.
44 “[...] a aplicação do presente regulamento não deverá depender da localização efetiva do estabelecimento do
prestador ou da instalação de tratamento ou armazenamento dos dados em causa.” (Considerando 17).
45 Para caracterizar a prestação de serviço no Estado-Membro, exige-se uma ligação substancial que, além da pos-
sibilidade de as pessoas utilizarem o serviço, envolve a orientação das atividades a um dos membros da UE, tais
como: utilização do idioma, moeda; publicidade local ou na língua do local; uso de extensão de um dos Estados-
-Membros (ccTLD).
46 A presença de um representante legal na UE resolve os problemas relacionados à execução, vez que eles ficam
vinculados à sua legislação e, na hipótese de descumprimento, podem ser penalizados.
47 Acerca da importância deste direito fundamental, Valente (2012, p. 80) ensina: “A extensibilidade conceptual da
topologia segurança significa a subordinação a uma topologia valorativa real de construção cognitiva epistemo-
lógica e axiológica como bem vital (mas não absoluto) de toda a comunidade (nacional e supranacional). Uma
comunidade desprovida de segurança é uma comunidade desguarnecida de desenvolvimento e de crescimento
do ser humano.
48 A fortiori porque podem ser acessados de qualquer lugar, o que leva Daskal (2015) a apontar que os dados armaze-
nados nas nuvens são tratados como a-territoriais.
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Destarte, nas situações em que os dados eletrônicos circunscritos a nacionais [mem-
bros no caso da UE] e residentes suspeitos da prática de crime em determinado país, o fato
de as provas estarem armazenadas em outro território não tem o condão de impedir sua
obtenção direta pelas autoridades competentes.
Paradoxalmente, a UE e os EUA refutam a aplicação de idêntico raciocínio para países
terceiros. No caso dos EUA, caso outro Estado queira acessar dados de conteúdo armazenado
em seu território ou de prestadores sujeitos a sua jurisdição, o caminho apontado é firmar
um acordo executivo. A UE, por sua vez, indica o MLA para a obtenção de qualquer espécie
de dado49. Não importa sequer que se trate de caso exclusivamente doméstico, no qual o pres-
tador de serviço atua no Estado requerente e os dados tenham sido ali coletados, tratados
ou recebidos.
O abuso de direito da UE e dos EUA neste ponto é manifesto, ainda que com maior
ênfase para a primeira50. Embora assentem possuírem jurisdição para requisitar direta-
mente provas eletrônicas nas situações supra, constrangem os prestadores de serviço a
não aceitarem requisições idênticas de países terceiros. Quer dizer, sem qualquer vínculo
com o dado [salvo o armazenamento em seu território] ou com o crime investigado, ani-
quilam o direito fundamental à segurança51 e a soberania territorial de outros países na
aplicação das regras penais52, caracterizando o que se convencionou chamar de guarda-
-chuva sueco53, em alusão a um foro exorbitante que se afasta da ideia de acesso à Justiça.
49 Notadamente após a decisão do Caso Schrems II (Privacy Shield) (Processo n.º C-311/18 do TJUE), a doutrina tem
afirmado que a UE vem se aproximando dos modelos autoritários da Rússia e China, assumindo, disfarçada-
mente, uma política de localização de dados ao bradar que os dados europeus devem permanecer na Europa.
Concretamente, depois do julgamento do Caso Schrems II, a Autoridade de Proteção de Dados de Berlim emitiu
uma declaração solicitando aos provedores de serviços sediados em Berlim, que armazenam dados pessoais nos
EUA, para transferir os mesmos para a Europa e parar de transferir dados para os EUA até que o quadro jurídico
seja reformado (ABRAHA, 2021).
50 No caso dos EUA a limitação diz respeito apenas a dados de conteúdo que podem ser obtidos, sem a necessidade de
MLA caso seja firmado um acordo executivo. Contudo, dados de nacionais e residentes americanos não podem
ser obtidos diretamente em nenhuma hipótese. A recíproca não é verdadeira.
51 A UE, no Considerando 8 da eEvidence, manifesta plena consciência disso: “[...] a obtenção de provas eletrônicas
através dos canais de cooperação judiciária é muitas vezes morosa, levando mais tempo do que aquele durante o
qual os indícios poderão estar disponíveis.” (grifo nosso)
52 A UE igualmente tem consciência da obrigação positiva de implementar investigações criminais eficazes, sob
pena de violar o Art. 8.º da Convenção Europeia dos Direitos dos Homens/CEDH. Nesse sentido, consultar o
Guide on Article 8 of the European Convention on Human Rights. O Tribunal Europeu de Direitos do Homem (TEDH),
no caso KU v. Finlândia, reputou violado o Art. 8.º do CEDH, devido à falta de um quadro legislativo adequado
apto a proteger a vítima e fornecer uma resposta efetiva da justiça criminal, uma vez que ao atribuir primazia
absoluta a privacidade e a proteção de dados, ressentiu-se de meios aptos a descoberta da autoria delitiva.
53 Em alusão ao Capítulo 10, Seção 3, do Código de Processo Judicial da Suécia que prevê que uma pessoa poderá
ser demandada no país se possuir qualquer bem móvel ou imóvel lá situado. A partir daí, é jocosamente dito que
se um estrangeiro esquecer um guarda-chuva no aeroporto de Estocolmo, poderá ser julgado pelas Cortes locais
em demanda de cobrança, ainda que a obrigação e o credor não tenham qualquer vínculo com o país.
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Portanto, as balizas que a UE e os EUA adotam para si nesta matéria, deve servir, sem
distinções, para todos os demais países, inclusive o Brasil54. Isso se traduz em dar primazia
ao princípio da territorialidade objetiva55 na definição do território competente para requi-
sição direta de provas digitais, salvaguardando a jurisdição e a soberania do país onde o
prestador de serviços participa da economia local e dirige ativa e voluntariamente suas
atividades econômicas para os consumidores locais56.
7. Conclusão
À luz dos desafios discutidos acima, compreende-se que as investigações criminais domés-
ticas eficazes geralmente dependem de o país investigador ter autoridade sob a legislação
interna para obter dados eletrônicos que os prestadores de servos, sujeitos à sua jurisdi-
ção, possuem, inclusive fora de suas fronteiras, desde que relacionadas com seus nacionais
e residentes.
Destarte, o aparente conflito de jurisdição na produção probatória é solucionado ao
afastar o fictício vínculo criado com o país estrangeiro, decorrente de estratégia empresa-
rial deturpadora dos instrumentos do Direito Internacional Privado.
Assim sendo, a realidade deve se sobrepor as manipulações, a fim de reconhecer os
efetivos elementos de conexão e a maior proximidade jurídica incidentes no caso concreto. Do
contrário, por via transversa, a fixação ou afastamento da soberania de um país estaria
ao talante de entidade empresarial que esgarça os limites da autonomia da vontade, ofen-
dendo a ordem jurídica interna, em detrimento insuportável do direito fundamental à
segurança e a justiça.
A par disso, o critério de jurisdição alicerçado exclusivamente no local de armazena-
mento dos dados, consoante aludido, esbarra em questão de ordem operacional inerente
a computação em nuvem, haja vista que, neste modelo, é praxe sejam os dados particio-
nados em data centers localizados em países distintos e migrem constantemente entre
eles. De mais, o dado eletrônico perseguido, regra geral, foi coletado ou recebido no Estado
requente e dele pode ser acessado pelo prestador de serviço.
54 O Supremo Tribunal Federal irá julgar a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n.º 51 onde, por via
transversa, entidade que congrega empresas de tecnologia de informação, quer ver declarado o MLA como fer-
ramenta necessária, nos casos de armazenamento extraterritorial, para obtenção de dados de conteúdo. Algo que,
conforme verificado, segue na contramão das movimentações da UE e dos EUA.
55 Vide a respeito, acórdão da Suprema Corte da Bélgica (Cour de Cassation), de 1 de dezembro de 2015, que obrigou
o Yahoo! a fornecer dados eletrônicos em investigação criminal, vez que presente o princípio da territorialidade
objetiva ante a utilização de domínio “be”, idioma local, pop-up com anúncios com base em geolocalização, serviço
de atendimento ao cliente direcionado aos usuários belgas etc.
56 Ver nota 44.
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Justamente pelo exposto, as providências da UE e dos EUA ligadas ao legítimo inte-
resse de possuírem instrumentos que propiciem o acesso, em tempo hábil, às provas ele-
trônicas indispensáveis a uma investigação eficaz, garantindo o direito fundamental à
segurança e a justiça numa sociedade democrática e, em última medida, o respeito aos
Direitos do Homem – gravados na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Art. 3.º);
Convenção Europeia dos Direitos dos Homens (Art. 8.º) e na Convenção Americana sobre
Direitos Humanos (Art. 7.º) – deve ser reconhecido aos demais Estados, sob pena de incor-
rerem em abuso de direito.
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