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Questões Prementes do Direito Penal: Breve reflexão sobre o Direito Policial
Pressing Criminal Law Issues: Brief Reflection on Police Law
BERNADETE LIMA DOMINGUES
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 2 · 1st July Julho – 31st December Dezembro 2021 · pp. 75‑80
que não é qualquer moral que se torna bem jurídico a proteger. Considerando ser a inter-
venção penal uma excepcionalidade, a conduta humana somente pode ser incriminada
quando os demais instrumentos do âmbito civil e administrativo já tiverem sido aplica-
dos. Tome -se, como exemplo, o consumo de drogas. A criminalização da conduta de consu-
mir drogas não se pode dar com base em critérios morais. Cabe inclusive questionar se ao
Direito penal é legítimo intervir no consumo de drogas, considerando o direito da pessoa
de dispor do próprio corpo.24 Não é objetivo aqui discorrer contra ou favor da criminaliza-
ção do consumo de drogas, mas tão -só levantar discretamente um véu sobre a questão da
legitimidade do Direito penal, quando este intervém na esfera da liberdade do ser humano
e igualmente trazer à reflexão o papel do legislador na formulação da política criminal.
É que a Justiça tem como escopo garantir a liberdade, conforme dito, sendo igualmente
certo que à Política criminal cumpre concretizar o princípio por meio de ações estatais,
preventiva e repressiva, próprias de um Direito penal material, processual e penitenciário,
garantista e humanista. Disso resulta o equilíbrio do Direito penal. A lógica constitucional
é o de respeitar o princípio da não violência, dentre outros, que se pauta na justiça, nos
valores democráticos e no modelo garantista25.
Os princípios da política criminal são axiomáticos e devem reger todas as ações da
Polícia, tanto a preventiva como a penal. É a denominada “política criminal do Ser Huma-
no”26, assentada em quatro princípios constitucionais que a legitimam, tais sejam: i) da
legalidade, ii) da culpabilidade, iii) da humanidade, iv) da recuperação ou ressocialização
ou do tratamento. Daí dizer que é a política criminal que dita o se e o como do Direito
penal, devendo tanto a decisão de criminalizar ou não certa conduta guardar inteira con-
sonância com a dimensão axiológica e teleológica constitucional.
Voltando ao exemplo do combate à droga, o princípio da prevenção vem consagrado
no RCM 46/99 que aprova a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga27, segundo o qual
24 A Lei nº 30/2000, sobre a Estratégia Nacional de Luta Contra a Droga (ENLCD), em seu art. 2º, descriminaliza a
aquisição e a detenção e posse de estupefacientes (drogas) para consumo privado, e dispõe que a conduta consti-
tui contra -ordenação. LEI Nº 30/2000. Diário da República. I -A Série. [Em linha]. Nº 276 (29 -11 -2000), Disponível
em: https://dre.pt/web/guest/legislacao -consolidada/ -/lc/34545875/view?w=2011 -11 -30.
25 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes – Direito Penal: Fundamentos…. pp.25 -27.
26 Uma “Teoria Geral do Direito Policial” é defendida por Guedes Valente, significando, em linhas gerais, a existên-
cia de uma Teoria Geral incidente sobre o “Direito de Polícia ou Direito Policial em sentido estrito, ou seja, aquele
que confere legalidade e legitimidade às suas acções desenvolvidas para materialização da sua tarefa”. É parte da
Teoria Geral do Direito em sentido lato, não podendo se afastar dos “princípios gerais do direito, dos princípios
gerais de cada ramo do direito, do direito positivado (supraconstitucional, constitucional e infraconstitucional),
da jurisprudência e da doutrina”. VALENTE, Manuel Monteiro Guedes – Teoria Geral …. 5ª Ed., pp.33 -35.
27 Cabe destacar que a RCM é de convicção humanista e pragmática que propõe o combate ao tráfico ilícito de dro-
gas ao branqueamento de capitais. RESOLUÇÃO do Conselho de Ministros nº 46/99. Diário da República, I -B Sé-
rie. [Em linha]. Nº 122 (26 -05 -1999), p.2972 -3029. Disponível em: https://data.dre.pt/eli/resolconsmin/46/1999/05/26/p/
dre/pt/html.