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A perda de bens e vantagens na criminalidadeeconómico ‑financeira
The loss of assets and advantages in economic andfinancialcrime
JAQUELINE MARIA MENTA
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 2 · 1st July Julho – 31st December Dezembro 2021 · pp. 53‑64
3. Evolução da perda de bens e vantagens na criminalidade
económico-financeira
Ao se analisar a perda de bens e vantagens na criminalidade económico ‑financeira deve‑
‑se ter presente que a aplicação das penas clássicas, em especial a pena privativa de liber‑
dade, não surte efeito, tanto de forma geral, dar sentido ao aforismo de que o “crime não
compensa”, como de forma especial, porquanto ao ‘deixar’ com o criminoso e/ou seus
familiares ou demais membros da organização criminosa os bens e vantagens advindas
dos crimes praticados, ainda que o escopo da organização criminosa não seja o lucro6, per‑
mite a continuidade delitiva, o reforço da organização criminosa e a introdução de ditos
bens na atividade empresarial, dando ‑lhe uma ‘aparente’ legalidade, resultando, inclusive,
em concorrência desleal no mercado.
A evolução da clássica perda de bens e vantagens do crime para a perda alargada na
criminalidade económico ‑financeira, também nomeada como ‘confisco alargado’ de bens,
deve ‑se à influência dos Estados Unidos e do Reino Unido e aos tratados e atos de organi‑
zações internacionais, tais como as Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito
de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, denominada Convenção de Viena, de 20 de
dezembro de 1988, no art. 5º, nº 7; da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Orga‑
nizado Transnacional, de 29 de setembro de 2003, denominada Convenção de Palermo, no
art. 12.º, nº 7; e Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, de 14 de dezembro de
2005, denominada Convenção de Mérida, no art. 31.º, n.º 87.
Diretivas e Decisões quadro da União Europeia estimularam os Estados do bloco na
adoção de medidas efetivas de confisco alargado. Merece destaque a Diretiva 2014/42/EU,
a qual, tendo por ponto de partida que a ausência dos resultados esperados era consequên‑
cia da diferença de conceituação entre os sistemas normativos dos Estados ‑membros para
os regimes de perda alargada e reconhecimento mútuo, divergências essas que resultam
em dificuldades na cooperação transfronteiriça, reconhece a necessidade de aprofundar a
6 Como bem exemplifica Rodrigues Nunes, a organização pode tanto ter fins lícitos ou ilícitos, com objetivos além
do lucro, dentre eles obtenção de poder, destituição de organização terrorista, disseminação de ódio racial ou
religioso, etc., e que, mesmo não objetivando a obtenção de lucro com a vida criminosa, dele dependem para o
financiamento de suas atividades (Cf. NUNES, Duarte Alberto Rodrigues (2021). “A incongruência do património
no confisco “alargado” de vantagens provenientes da prática de crimes”. In: Recuperação de Ativos [Em linha]. Lis‑
boa: Centro de Estudos Judiciários, 2021. [Consult. 10 ago. 2021]. Disponível na internet: http://www.cej.mj.pt/cej/
recursos/ebooks/penal/eb_RecuperacaoAtivos_7.pdf). p. 15.
7 Listadas pelo seu ano e não por sua maior ou menor importância no cenário do confisco alargado. Ditas dispo‑
sições são muito semelhantes, pese embora extraia ‑se que a contida na Convenção das Nações Unidas contra o
Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas, disponha de forma mais contundente e objetiva ao
prever sobre a possibilidade de cada parte prever a inversão do ônus da prova quanto à origem lícita do suposto
produto ou outros bens sujeitos a confisco, em outras palavras, traz ínsita a desconfiança da origem legítima do
bem.