GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 2 · 1st July Julho – 31st December Dezembro 2021 · pp. 11‑19 11
O impacto da COVID-19 na livre circulação
de pessoas na UE e restrões justicadas por
razões de saúde pública: uma breve análise1
The impact of COVID-19 on free movement of people in theEU
and restrictions justied by public health reasons: a brief analysis
CONSTANÇA URBANO DE SOUSA2
mconstanca@autonoma.pt
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st July Julho–31ST December Dezembro 2021 · pp.11‑19
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.2.1
Submitted on November 18th, 2021 · Accepted on December 28th, 2021
Submetido em 18 de Novembro, 2021 · Aceite a 28 de Dezembro, 2021
RESUMO A pandemia COVID 19 na União Europeia implicou, praticamente em todos os
Estados-Membros, a adoção de medidas para controlar a propagação e gerir o seu impacto
nos sistemas nacionais de saúde. As medidas adotadas (confinamento, quarentenas,
encerramento ou controlo de fronteiras, exigência de Certificado Digital COVID, com ou
sem teste negativo complementar, entre outras) tiveram uma inegável repercussão na livre
circulação de pessoas no interior da União, afetando um dos seus princípios estruturantes.
Objetivo deste artigo é analisar a conformidade de algumas destas medidas com o Direito
da União Europeia, em especial com os princípios que regulam a possibilidade de restrições
à livre circulação de pessoas com fundamento em razões de saúde pública.
PAL AVR AS-CHAVE Liberdade de circulação de pessoas; cidadania da União; controlos de
fronteiras; COVID 19
ABSTRACT The COVID 19 pandemic in the European Union led practically all Member
States to adopt measures to contain the spread and manage its impact on national health
systems. The measures adopted (confinement, quarantines, closing or controlling borders,
requiring a COVID Digital Certificate, with or without a complementary negative test,
among others) had an undeniable impact on the free movement of people within the EU,
1 Este artigo foi entregue a 18 de novembro de 2021 e aceite a 28 de dezembro de 2021, sendo que, tendo em conta a
data da publicação deste número da revista e a imperiosa e necessária atualização do artigo, a direção da revista
concordou que fosse inserida nova documentação, doutrina e legislação posterior à data da sua aceitação publi-
cada até março de 2022.
2 Professora Associada da Universidade Autónoma de Lisboa. Investigadora integrada no Ratio Legis, coordenado-
ra do Projeto “Migrações, Direitos Humanos e proteção de pessoas vulneráveis”.
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O impacto da COVID ‑19 na livre circulação de pessoas na UE e restrições justificadas por razões de saúde pública
The impact of COVID‑19 on free movement of people in theEU and restrictions justified by public health reasons: a brief analysis
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affecting one of its structural principles. The aim of this article is to review the compliance
of some of these measures with European Union law, in particular with the principles
governing the ability to restrict the free movement of persons on public health grounds.
KEYWORDS Free movement of persons; citizenship of the Union; border controls;
COVID19
I. Introdução
Em 2020 e 2021, praticamente todos os Estados-Membros da União Europeia adotaram,
com maior ou menor intensidade, medidas para tentar controlar a propagação da pande-
mia da COVID 19 e gerir o seu impacto nos sistemas de saúde. Assim, um pouco por todo
o lado, adotaram-se medidas de confinamento3, as fronteiras foram, por vezes, encerradas
e reintroduziram-se controlos nas fronteiras internas. Mais tarde, com a generalização
das campanhas de vacinação, vários Estados-Membros passaram a fazer controlo sistemá-
tico das pessoas, por razões de saúde pública, através da exigência de Certificado Digital
COVID, muitas vezes cumulativamente com um teste negativo.
Ao nível da UE, a Comissão e o Conselho adotaram, em 2020, várias medidas de soft
law4, para assegurar uma abordagem coordenada. Em particular, tentou-se garantir que a
proibição de viagens não essenciais entre os Estados-Membros excluía os trabalhadores
transfronteiriços, os trabalhadores de setores vitais, como o da saúde ou transporte, bem
como pessoas com uma situação familiar particular5.
Todas estas medidas tiveram um inegável impacto na liberdade de circulação de pes-
soas, em geral, e de trabalhadores, em particular, que é uma liberdade fundamental dos
cidadãos da União e um dos pilares do mercado interno.
3 Em Portugal, o primeiro confinamento foi decretado no dia 18 de março, quando se registaram cerca de 450 infe-
tados e um morto. Sobre as medidas restritivas da livre circulação de pessoas adotadas pelos países nórdicos para
fazer face à pandemia e sua compatibilidade com o Direito da União Europeia, ver H S  H
T – The Impact of Covid-19 on Free Movement Regime in the North – Analysis of Border Closures in Denmark,
Finland, Norway and Sweden. In: Nordic Journal of International Law. 91 (2022), pp. 80-100.
4 Por exemplo, Comunicação da Comissão, COVID 19 - Orientações sobre a aplicação da restrição temporária das
viagens não indispensáveis para a UE, sobre a facilitação de regimes de trânsito para o repatriamento de cidadãos
da UE e sobre os efeitos na política de vistos, JOUE C 102 I, 30.3.2020, pp.3-11; Recomendação (UE) 2020/1475 do
Conselho de 13 de outubro de 2020 sobre uma abordagem coordenada das restrições à liberdade de circulação em
resposta à pandemia de COVID-19, JOUE L 337, 14.10.2020, pp.3-9.
5 Sobre estas medidas ver  E H  R JJ –Stopping a Virus from Moving Freely: Border Con-
trols and Travel Restrictions inTimes of Corona.In: Utrecht Law Review, 17(3), 2021, pp.34–50. DOI:http://doi.
org/10.36633/ulr.686; Duić, D., & Sudar, V. –THE IMPACT OF COVID-19 ON THE FREE MOVEMENT OF PERSONS
IN THE EU.EU and Comparative Law Issues and Challenges Series (ECLIC),5, 2021, pp. 30–56. https://doi.org/10.25234/
eclic/18298.
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O impacto da COVID ‑19 na livre circulação de pessoas na UE e restrições justificadas por razões de saúde pública
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Sem querer discutir a importância das medidas de contenção da pandemia para a pro-
teção da saúde e da vida dos cidadãos, não podemos ignorar que também conduziram a
uma forte restrição aos movimentos de pessoas no interior dos Estados (com confinamen-
tos obrigatórios), bem como à liberdade de viajar no interior da União Europeia ou para ela.
Objetivo deste artigo é analisar, de forma genérica, a compatibilidade de algumas
medidas restritivas da liberdade de movimentos de pessoas, adotadas em 2020 e 2021, para
conter a COVID 19 com o direito de livre circulação dos cidadãos na União Europeia, conce-
bida como um espaço sem fronteiras internas. Muitas destas medidas já não se encontram
em vigor ou em aplicação, pelo que a presente alise está temporalmente datada, embora
possa ter eventuais reflexos em futuros desenvolvimentos desta ou de outras pandemias.
II. A liberdade de circulação de pessoas na União Europeia como
um direito fundamental inerente à cidadania da União e restrições
justificadas por razões de saúde pública
Muitas medidas nacionais de gestão da pandemia, como o encerramento de fronteiras ou
a imposição de períodos, mais ou menos longos, de quarentena afetaram direitos funda-
mentais do cidadão europeu, como a liberdade de circulação, a livre escolha de residência,
a liberdade de aceder ao mercado de trabalho em qualquer Estado-Membro: São direitos
que estão no centro da cidadania da União.
Concebido, nos primórdios da integração europeia, como elemento do mercado interno,
inerente à livre circulação de trabalhadores, profissionais liberais ou prestadores de ser-
viços, o direito de circular livremente pelo espaço da União Europeia é, hoje, um direito
de qualquer cidadão da União e dos membros da sua falia, independentemente da sua
nacionalidade, garantido pelo Direito da União Europeia.
Com efeito, a livre circulação de pessoas é um princípio estruturante do processo da
integração europeia e pedra angular do estatuto de cidadão da União Europeia, que tende a
ser, de acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça da União Europeia “o
estatuto fundamental dos nacionais dos Estados-Membros6. Nos termos da anea a) do artigo
20.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), o cidadão da União
tem “o direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados membros. O mesmo
direito está previsto no número 1 do artigo 21.º do TFUE, “sem prejuízo das limitações e condi-
ções previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação. Por fim, o n.º 1 do artigo
6 Cf. por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça da UE, de 18 de janeiro de 2022 (proc. C-118/20), n.º 38.
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45.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra o direito do cidadão
da União a “circular e permanecer livremente no território dos Estados membros”.
O direito de livre circulação e permanência também é garantido pelo Direito da União
derivado ou secundário. Assim, os artigos 5.º e 6.º da Diretiva 2004/38/CE, de 29 de abril,
relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros
das suas famílias7, garantem o direito de entrar e permanecer até três meses sem qualquer
condição ou formalidade (para além da titularidade de um documento de identificação ou
de um passaporte válido). Esta Diretiva consagra, no seu artigo 7, o direito de residência
do cidadão da União no território de outro Estado-Membro, para exercício duma atividade
profissional (subordinada ou independente) ou que aí estude ou seja inativo e disponha de
meios de subsistência e cobertura de saúde.
Por outro lado, o n.º 3 do artigo 45.º do TFUE e o Regulamento 492/2011 relativo à livre
circulação de trabalhadores preveem o direito dos nacionais dos Estados-Membros a entrar e
residir no território de outro Estado-Membro para aí exercer uma atividade assalariada, bem
como o direito a procurar livremente emprego. Esta liberdade de deslocação no espaço euro-
peu também é particularmente relevante para trabalhadores sazonais ou transfronteiriços.
Mas a livre circulação, como direito fundamental do cidadão da União, não é um
direito absoluto, pois o Direito da União Europeia permite que os Estados-Membros pos-
sam, dentro de certos limites, restringi-lo por razões de ordem pública, segurança pública e
também de saúde pública. Assim, nos termos do número 3 do artigo 45.º do TFUE, o direito
do cidadão europeu de se deslocar livremente a fim de responder a ofertas de emprego ou
de residir no território de um Estado Membro para aí exercer uma atividade assalariada
é garantido “sem prejuízo de limitações justificadas por razões de (...) saúde pública”. Por outro
lado, o artigo 29.º da Diretiva 2004/38/CE permite que doenças com potencial epidémico
definidas pela Organização Mundial de Saúde ou doenças infeciosas que sejam objeto
de medidas de proteção aplicáveis aos nacionais dos Estado-Membros possam justificar
medidas restritivas da livre circulação.
A pandemia da COVID 19 pode, sem dúvida, ser considerada um perigo genuíno, atual
e suficientemente grave para a saúde pública, que justifique medidas restritivas da livre
circulação dos cidadãos da União. Mas tais medidas têm de obedecer aos princípios gerais
do artigo 27.º da Diretiva 2004/38/CE. Em especial, não podem ser discriminatórias e
devem ser proporcionais8. De acordo com a jurisprudência constante do Tribunal de Jus-
7 Versão retificada, publicada no JOUE L 229, de 26 de junho de 2004, p. 35.
8 Assim também, van Eijken, H. & Rijpma, J. J. – Op. Cit., p. 42; Lang, Goldner I. – “Laws of Fear” in the EU: The
Precautionary Principle and Public Health Restrictions to Free Movement of Persons in the Time of COVID-19.
In: European Journal of Risk Regulation 2021, pp. 1-24.
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tiça da UE as disposições que permitem restrições a liberdades fundamentais garantidas
pelo Direito da União Europeia devem ter interpretação e aplicação restritivas e observar
o princípio da proporcionalidade.
Assim, qualquer medida restritiva da livre circulação justificada por razões de saúde
pública deve ser necessária, proporcional, temporária e não discriminatória. Salvo
melhor opinião, a conformidade da exigência de quarentena com o Direito da União
Europeia exige que esta tenha de ser necessária para preservar a saúde pública, o que
depende, em cada momento, da situação epidemiológica. Por outro lado, nunca poderia
ter carácter discriminatório, ou seja, devia aplicar-se indistintamente a cidadãos nacio-
nais e a cidadãos de outros Estados-Membros que entrem no território do Estado-Mem-
bro em causa. Também são questionáveis, sob o ponto de vista do princípio da propor-
cionalidade, algumas medidas, como avisos generalizados para as pessoas não viajarem
para determinados Estados-Membros, que não encontram justificação suficiente na
situação epidemiológica9.
Não obstante, em 2020 e 2021, a liberdade de circulação na União Europeia ficou sujeita
a um emaranhado de medidas nacionais mais ou menos restritivas, que iam da exigên-
cia de testes negativos a quarentenas de duração variável. À medida que novas variantes
foram surgindo, os Estados-Membros continuaram a restringir a mobilidade, não apenas
no interior do seu território, mas entre eles.
Durante a pandemia, os Estados-Membros não se limitaram a introduzir controlos nas
fronteiras internas (que podem constituir um obstáculo, mas não impedem a livre circu-
lação de pessoas) ou a impor quarentenas. Alguns chegaram a fechar as suas fronteiras,
abrindo poucas exceções para viagens essenciais. Tal constitui não apenas um obstáculo
ou uma restrição à livre circulação de dos cidadãos da União, mas a sua negação. Significa
uma suspensão de uma liberdade fundamental do mercado interno que não pode sequer
ser justificada pela cláusula de salvaguarda do artigo 347.º do TFUE, que permite aos Esta-
dos-Membros, de comum acordo, estabelecer medidas excecionais em caso de guerra ou de
ameaça de guerra. Por outro lado, embora nos termos do artigo 4, n.º 2, do TUE e do artigo
72.º do TFUE os Estados-Membros tenham competência para adotar medidas de manuten-
ção da ordem pública e de segurança nacional, tal não legitima medidas restritivas da livre
circulação de pessoas em caso de ameaça à saúde pública provocada por uma pandemia.
A introdução da vacinação, do Certificado Europeu COVID e a progressiva transfor-
mação da pandemia num fenómeno endémico tornaram mais difícil, de um ponto de
vista jurídico, sustentar a necessidade e proporcionalidade de medidas restritivas da
9  E H  R J J – Op. Cit., p. 42. Duić, D., & Sudar, V. – Op. Cit., p. 41.
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livre circulação de cidadãos da UE. Sem embargo, em novembro de 2021, para fazer face
à propagação da variante Omicron, o Governo adotou o Decreto-Lei n.º 104/2021, de 27
de novembro, que alterou o Decreto-Lei n.º 28-B/2020, de 26 de junho (regime contraor-
denacional, no âmbito da situação de calamidade, contingência e alerta), introduzindo
novos deveres e contraordenações. Assim, as empresas de transporte (aéreo, marítimo,
fluvial ou terrestre) passaram a ter a obrigação de não embarcar pessoas com destino
a Portugal sem Certificado Digital COVID, sem preenchimento do formurio de loca-
lização de passageiro e sem teste COVID negativo realizado antes do embarque, sob
pena de pesadas sanções pecunrias entre 20.000 a 40.000 € por passageiro embarcado
sem o teste (artigos 2, al. q), e 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, na redação dada
pelo Decreto-Lei n.º 104/2021). Também foi imposto aos titulares de Certificado Digi-
tal COVID o dever de possuir teste COVID, realizado antes do embarque, sob pena de
aplicação de uma coima de 300 a 800€ (artigo 3.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 28-B/2020, na
redação dada pelo Decreto-Lei n.º 104/2021). Embora estas medidas só fossem aplicadas
durante a verificação de estado de emergência ou da situação de alerta, contingência
ou calamidade determinadas pela Lei de Bases da Proteção Civil no contexto da situa-
ção epidemiológica originada pela COVID 19, a exigência cumulativa de um teste nega-
tivo COVID e de vacinação atestada pelo Certificado Europeu COVID como requisito de
entrada em território nacional, sob pena de aplicação de sanções pecuniárias, não foi,
em minha opinião, conforme ao Direito da União Europeia. Para além da questão da
sua proporcionalidade, contrariou, de forma inequívoca, o artigo 11.º do Regulamento
(UE) 2021/953 relativo ao Certificado Digital COVID, que atesta a vacinação, a recupe-
ração ou um teste negativo (na redação em vigor à época). Com efeito, esta disposição
do Direito da União Europeia estabelece uma clara obrigação para os Estados-Membros
que aceitem este certificado de se abster de impor restrições adicionais à livre circula-
ção de pessoas, tais como realização de testes ou quarentenas, salvo se tais restrições
forem necessárias para salvaguardar a saúde pública (por exemplo, rápido agravamento
da situação pandémica devido a uma variante do SARS-COV-2 que suscite preocupa-
ção). Neste caso, o Estado-Membro pode adotar tais medidas, mas apenas após a entrada
em território nacional do titular do Certificado Digital COVID (e não como requisito de
entrada, como exigido por Portugal) e desde que informe a Comissão e os outros Esta-
dos-Membros sobre as razões dessas restrições, o seu âmbito e a sua duração (artigo 11,
n.º 2, do Regulamento (UE) 2021/953).
Mas as medidas nacionais de controlo da COVID 19 não afetaram apenas o direito de
livre circulação de pessoas na União Europeia. Também colocaram em causa o princípio
da proibição de controlos nas fronteiras internas da União, que abordarei de seguida.
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III. A União Europeia como espaço de liberdade de circulação: proibição de
controlos de pessoas nas fronteiras internas e reintrodução de controlos
justificados por razões de saúde pública
Um dos objetivos mais relevantes da União Europeia é, de acordo com o disposto no n.º 2
do artigo 3.º do Tratado da União Europeia (TUE), proporcionar “aos seus cidadãos um espaço
de liberdade, segurança e justa sem fronteiras internas, em que seja assegurada a livre circulão
de pessoas ...”. O espaço de liberdade, segurança e justiça é um desenvolvimento do cha-
mado Espaço Schengen, criado pelo Acordo de Schengen de 1985 e pela sua Convenção de
Aplicação, de 1990, que, à margem das então Comunidades Europeias, introduziu entre os
Estados signatários a obrigação de abolição de controlos documentais de pessoas nas suas
fronteiras, acompanhada de medidas compensatórias, como a harmonização do controlo
da fronteira externa, da política de vistos, de alguns aspetos da política de imigração e
asilo ou o reforço da cooperação policial e judicria em matéria penal10.
O princípio de que a União é um espaço sem fronteiras internas, sendo, portanto, proi-
bidos controlos de pessoas nas fronteiras entre os Estados Membros, está consagrado na
alínea a) do n.º 1 do artigo 77.º do TFUE. Nos termos desta disposição, a União desenvolve
uma política que visa “assegurar a auncia de qualquer controlo de pessoas, independentemente
da sua nacionalidade, na passagem das fronteiras internas. O mesmo princípio está expresso
no artigo 22.º do Regulamento 2016/399, de 9 de março de 2016, que estabelece o Código
de Fronteiras Schengen11, ao determinar que “as fronteiras internas podem ser transpostas em
qualquer lugar sem que se proceda ao controlo das pessoas, independentemente da sua nacionali-
dade”.
Este não é, no entanto, um princípio absoluto, já que o Regulamento 2016/399 permite
aos Estados-Membros a reintrodução de controlos nas fronteiras internas, em circunsn-
cias excecionais e por um período limitado. Assim, de acordo com o disposto no artigo 25.º
do Regulamento 2016/399, os Estados-Membros podem reintroduzir, a título excecional e
como medida de último recurso, controlos temporários nas fronteiras internas em duas
situações:
(1) Em caso de ameaça grave à ordem pública ou à segurança interna (por ex. terro-
rismo), desde que a medida seja necessária e proporcional e o seu impacto sobre a livre
circulação de pessoas objeto de avaliação (artigo 26.º);
10 Sobre a evolução do espaço de liberdade, segurança e justiça como desenvolvimento do espaço Schengen, ver, por
exemplo, S C U– A cooperação policial e judiciária em matéria penal na União Europeia:
Evolução e perspectivas. In: Polícia e Justiça, (2003) n.º 2, pp. 9-53.
11 Alterado pelos Regulamentos (UE) 2016/1624, 2017/458 e 2019/817.
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(2) Em circunstâncias excecionais que coloquem em risco o funcionamento global do
espaço Schengen devido a deficiências graves e persistentes de controlo da fronteira
externa, em especial, em caso de afluxo maciço de imigrantes (artigo 29.º).
No primeiro caso, a reintrodução de controlos nas fronteiras internas pode ter uma
duração máxima de seis meses e, no segundo, de dois anos. Por outro lado, a reintrodução
de controlos nas fronteiras internas por motivos de ordem pública ou segurança pública
está subordinada a um procedimento específico de notificação prévia e fundamentada
aos demais Estados-Membros e à Comissão Europeia (artigo 27.º), salvo quando se trata
de uma ação imediata para fazer face a uma ameaça grave, caso em que existe um proce-
dimento especial e os controlos não se podem prolongar por prazo superior a dois meses
(artigo 28.º).
Ou seja, o Regulamento 2016/399 apenas permite a reintrodução de controlos nas fron-
teiras entre os Estados-Membros por razões de ordem pública ou segurança pública, ou
em caso de afluxo maciço e incontrolado de imigrantes que coloque em causa o funciona-
mento do Espaço Schengen. Não o permite por razões de saúde pública. Embora o consi-
derando número 6 deste Regulamento refira que o controlo fronteiriço também serve para
prevenir ameaças à saúde pública, tal é exclusivamente aplicado ao controlo da fronteira
externa da União, ou seja, na fronteira com países terceiros, mas não aos controlos nas
fronteiras internas.
Durante a pandemia, muitos Estados-Membros invocaram circunsncias especiais
para reintroduzir controlos nas suas fronteiras internas ou prolongar aqueles que já esta-
vam a ter lugar devido a ameaça terrorista. Um número reduzido de Estados-Membros
cumpriu o procedimento previsto no artigo 27, que impõe que tais decisões sejam devi-
damente fundamentadas e comunicadas a Bruxelas e aos outros Estados-Membros.
A menos que se possa considerar que uma pandemia, ou seja, uma ameaça à saúde
pública, é, igualmente, uma ameaça à ordem pública, as decisões tomadas de forma unila-
teral por vários Estados-Membros de reintroduzir controlos ou mesmo encerrar as fron-
teiras com outros Estados-Membros não foram, em minha opinião, conformes ao Código
de Fronteiras Schengen, que não prevê este tipo de situação.
IV. Conclusão
A gestão da pandemia da COVID 19 constituiu um enorme desafio para os Estados-Mem-
bros e colocou em crise um dos princípios estruturantes da União Europeia: a liberdade de
circulação de pessoas num espaço sem fronteiras internas.
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Nem os Estados-Membros, nem a UE estavam preparados, de um ponto de vista jurí-
dico, para fazer face a esta pandemia, que nos apanhou, a todos os títulos, desprevenidos.
Em especial, o regime jurídico da livre circulação de pessoas não estava concebido para
este tipo de situação excecional, tendo conduzido a soluções nacionais, mais ou menos
coordenadas ao nível da União Europeia através de instrumentos de soft law.
Para fazer face a futuras pandemias, é necessário que a União Europeia atualize o
seu regime jurídico da livre circulação de pessoas, para evitar a insegurança jurídica que
resultou de medidas nacionais avulsas. Existem muitos aspetos que carecem de clarifica-
ção jurídica como uma melhor definição das situações que ameaçam de forma generali-
zada a saúde pública, o conceito de viagem essencial ou de trabalhador essencial para efei-
tos de reintrodução de restrições a viagens no seio da União Europeia12. Por fim, impõe-se
a previsão da saúde pública como motivo justificativo da reintrodução de controlos nas
fronteiras internas e o estabelecimento de regras específicas que garantam um melhor
controlo da necessidade e da proporcionalidade de medidas restritivas da liberdade de cir-
culação de pessoas, a ser aplicadas em situação de pandemia13.
BIBLIOGRAFIA
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12  E H  R J J – Op. Cit., p. 49.
13 Assim, também, Duić, D., & Sudar, V. op. cit., p.50.