GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 2 · 1st July Julho – 31st December Dezembro 2021 · pp. 41‑51 41
A autorregulação (compliance) e o Direito Penal
Self regulation (compliance) and Criminal Law
TÂNIA SOFIA DAS NEVES TEIXEIRA CARIMBO1
taniasofiateixeira@hotmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · e‑ISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st July Julho–31ST December Dezembro 2021 · pp.41‑51
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.2.3
Submitted on August 30th, 2021 . Accepted on September 28th, 2021
Submetido em 30 de Agosto, 2021 . Aceite a 28 de Setembro, 2021
RESUMO De forma necessariamente breve, o presente trabalho2 estuda o mecanismo do
compliance e sua relação com o direito penal, tendo presente a preservação do princípio da
ultima ratio. É nessa intervenção a posteriori, quando a lesão do bem jurídico já ocorreu,
que se analisará a responsabilidade penal, quer das pessoas jurídicas, quer das pessoas
singulares que pratiquem crimes de âmbito corporativo.
PALAVRASCHAVE compliance; responsabilidade penal; pessoa jurídica; compliance ocer.
ABSTRACT In a necessarily brief way, the present work studies the compliance mechanism
and its relationship with criminal law, bearing in mind the preservation of the principle
of ultima ratio. It is in this a posteriori intervention, when the damage to the legal interest
has already occurred, that criminal liability will be analyzed, whether of legal entities or
individuals who commit crimes of a corporate scope.
KEYWORDS compliance; criminal liability; legal entity; compliance officer.
1 Procuradora da República. Mestranda em Direito, especialidade em Ciências Jurídico -Criminais da Universidade
Autónoma de Lisboa. Investigadora Colaboradora do Ratio Legis – Centro de Investigação em Ciências Jurídicas
da Universidade Autónoma de Lisboa [Projeto: Corpus Delicti – Estudos de Criminalidade Organizada Transnacional].
2 Este trabalho corresponde com algumas alterações pontuais ao comentário científico entregue no âmbito do
Seminário de Investigação: Direito Penal Económico, do curso de mestrado em Direito, na especialidade em Ciências Jurídico-
-Criminais, regida pelo Professor Doutor Manuel Monteiro Guedes Valente.
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Self ‑regulation (compliance) and Criminal Law
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I. Introdução
A necessidade de punição de determinadas atividades económicas é comummente aceite
pelos diversos atores do espectro político, propugnando -se uma justiça penal que parta
de conceitos como “corporate governance” e “responsability” para o desenvolvimento de
programas de compliance3 e de responsabilidade coletiva.
Esta conceção encontra respaldo na armação de Klaus Tiedemann de que a crimina-
lidade económica4 é um “problema político”5, encontrando reforço em Figueiredo Dias ao
referir que se trata de “direito político de modo acrescido e mesmo exasperado” enquanto
produto do “sistema político -económico estadual”, dependendo diretamente da circuns-
ncia de o Estado ser ou não interventivo no donio económico6.
Um passo significativo e inovador foi dado com o recurso ao compliance, de tal forma
que o presente século tem cunhada a Revolução Digital e a Era do Compliance ou da Integri-
dade7.
Especialmente no “velho continente”, os programas de cumprimento normativo8/9/10
vêm adquirindo imporncia crescente como forma de reação a situações de má gestão
empresarial11 a que se associaram crises financeiras12. Por outro lado, a tomada de cons-
ciência da importância dos referidos programas13 encontra -se intimamente relacionada
com escândalos empresarias de grandes dimensões causadores de prejuízos sociais e eco-
nómicos14, apresentando -se como um contributo para a prevenção da criminalidade prati-
3 Etimologicamente, deriva do latim complere, significando vontade de fazer aquilo que foi pedido ou agir em conformidade.
Foram os norte -americanos quem, de forma pioneira, utilizou o termo no âmbito das instituições financeiras para significar a
necessidade de regulamentar as relações comerciais. A este propósito, M  S  
4 N   na esteira de Schünemann, opera a distinção, na criminalidade económica, entre criminalida-
de de empresa e criminalidade na empresa.
5 Também N (2015) teoriza um “crime económico de carácter político”.
6 R  
7 Neste sentido, C  
8 N M  
9 Sobre o ponto de vista histório, C   
10 R   qualifica -os como “um produto híbrido, público e privado, do Estado e do mundo empre-
sarial” e, no mesmo sentido, Rodrigues (2017: 9).
11 A este propósito veja -se que Edwin Scitado por Saad -Dinis (2018: 171), propugnou que é em função
das janelas de oportunidade e da aprendizagem no âmbito das organizações que os indivíduos encontram as
condições que se afiguram necessárias para praticarem crimes de natureza económica e isso, curiosamente, sem
que os mesmos deixem de reprovar todos aqueles que incorrem na prática de crimes, ditos, tradicionais.
12 Veja -se o sucinto relato a propósito da crise financeira de 2008, por Rodrigues (2017), no capítulo II.
13 S D   refere que, na maioria dos casos, este tipo de programas confunde -se com “outros contro-
les da empresa, reduzidas à “fachada”, ou, o que é ainda pior, “à aparência de “renovação ética””.
14 Como sejam os casos Panama Papers, Parmalat, Enron, WorldCom, Siemens, Lava -Jato, Dieselgate, Volkswagen
e grupo Fiat Chrysler. Retrocedendo à década de setenta do século passado, veja -se o conhecido “escândalo Wa-
tergate.
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cada em contexto empresarial15, pelo que, “a adopção de boas práticas deve fazer parte da
cultura organizacional, seja ela pública ou privada16/17.
Não fugindo à reconhecida necessidade, o XXII Governo Constitucional aprovou a
Estratégia Nacional Anticorrupção para o quadriénio 2020 -202418, contando -se, entre
outras medidas, a adoção de programas de cumprimento normativo no sector público.
No presente trabalho não se abordará exaustivamente a evolução dos programas de
cumprimento nem, tão -pouco, todas as implicações entre os sistemas de compliance e o
Direito Penal. Do mesmo modo, não se abordará o compliance sob a lente da criminologia
económica. Muito mais limitado, é o propósito que pretendemos atingir, qual seja o de
aferir da responsabilidade criminal da pessoa jurídica e dos seus dirigentes por crimes
ocorridos em contexto corporativo.
II. Programas de compliance
Os efeitos da criminalidade económica -financeira extrapolam as fronteiras dos territó-
rios dos países, envolvendo a economia global, daí decorrendo prejuízos que “excedem não
somente a esfera dos interesses individuais, mas a própria ordem econômica, o que a qua-
lifica como uma macrocriminalidade econômica”19, originando a prática de crimes cujos
danos são irrestauráveis20/21/22.
O compliance 23/24 não pode ser considerado de forma niilista como a conformidade ao
Direito, devendo antes ser concebido como a «adopção de regras e processos intraempre-
sariais que garantam que o cumprimento do Direito não é fruto do acaso, de um compro-
misso individual ou de interesses parciais de um departamento, antes corresponde a uma
15 Que S D (2018: 171) refere que “a criminalidade corporativa é fundamentalmente criminalidade do co-
larinho branco”.
16 C (2020: 22).
17 A  S (2019 (2): 123) refere que a pessoa jurídica deve ser “socialmente responsável” devendo criar
“mecanismos de boa governança e de reforço da ética empresarial”. Neste sentido, veja -se, igualmente, Nieto
Mártin (2017: 27).
18 Aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 37/2021, publicada no Diário da República, I.ª Série, de 6
de Abril de 2021.
19 L F (2020: 245).
20 L F (2020: 245).
21 R   os crimes económicos não deixam, no plano físico, sinais externos que tão facilmente os
identificam como crimes que são próprios da generalidade da delinquência convencional.
22 Sobre o que sejam comportamentos desviantes nas organizações, veja -se o estudo de W   
23 A este termo têm surgido associados outros que, de modo semelhante, procuram traduzir a ideia de uma pessoa
jurídica que seja cumpridora e responsável, como sejam: corporate governance, responsabilidade social, risk mana-
gement, código de conduta, código de ética empresarial, mecanismos internos de integridade. A este propósito,
vejam -se, A  S    N M   e M  S  
24 B   refere que o compliancedeve ser encarado como uma prática de conformidade”.
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arquitectura de Compliance” coerente e omnipresente, i. e., referida a todas as actividades
empresariais, internas e externas» 25/26. Trata -se de uma iniciativa voluntária das pessoas
jurídicas: é autorregulação27/28.
Paulatinamente, ocorre a consciencialização de que os litígios, as sanções, as restrições
regulatórias e os danos reputacionais das empresas poderiam ser evitados, acaso fossem
concebidos e colocados em prática programas de cumprimento normativo voluntário.
A adoção de boas práticas e a efetivação de sistemas de controlo interno revelam -se
indispensáveis para que as empresas “não sucumbam às próprias falhas e perderem afinal
a batalha da competitividade”29.
III. Programas de compliance e direito penal
Se é certo que a adoção dos programas de cumprimento normativo constitue uma incum-
bência da pessoa jurídica30, a verdade, é que a sua responsabilidade penal não significa
uma qualquer sanção pela falta ou pela inadequação dos programas de cumprimento nor-
mativo31.
Uma dificuldade que se aponta aos programas de compliance prende -se com o respetivo
grau de concretização e, consequentemente, ao seu maior ou menor grau de efetividade.
Tal depende, desde logo, da sua finalidade32, do tipo de empresa e da sua dimensão e, ainda,
do seu âmbito de atuação económica33.
25 Q  B (2018: 59).
26 Neste sentido, Ribeiro Bruno (2020: 87). Veja -se, igualmente A  S   pp.124 -125) que, citando
Lothar Kuhlen, apresenta como definição de compliance “o conjunto de medidas por meio das quais se pretende
não só assegurar que sejam cumpridas as regras vigentes para as empresas e para o seu pessoal, mas também
descobrir e eventualmente sancionar irregularidades e infracções cometidas o contexto da organização”.
27 S M   refere que o conceito de autorregulação regulada é uma contradictio in adjecto, na
medida em que pretende vincular o Estado à iniciativa das empresas ao adoptarem programas de cumprimento
normativo.
28 S D   elucida que Ian Aires e Braithwaite desenvolveram o conceito de regulação responsiva –
responsive regulation – referindo -se à regulação baseada em escalonamento de condutas e de formas relacionadas
e proporcionais de controle, ou autorregulação regulada – enforced self -regulation.
29 S M   aventa que a finalidade do compliance é a de evitar a prática de vários tipos de ilícitos
e não a de obter qualquer tipo de isenção de responsabilidade – seja individual ou coletiva – ou atenuação de
qualquer sanção, porquanto, se assim não fosse, os referidos programas tornar -se -iam estratégias para fugir à
responsabilidade. Neste sentido, citando Thomas Rotsch, Quintela de Brito (2018: pp.59 -60).
30 Q  B  
31 Q  B   refere que, se assim não fosse, operar -se -ia uma administrativização da responsa-
bilidade criminal da pessoa jurídica.
32 A  S    aponta dois grandes modelos de compliance atendendo à sua “finalidade primária”:
um modelo orientado ao estabelecimento de valores e de princípios éticos e um modelo concebido como um
sistema de “auto -vigilância” da empresa.
33 Acerca da implementação e da concretização dos programas de compliance, veja -se J  M (2018:
125).
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Um programa de compliance que seja indeterminado e genérico aumenta a dificuldade
de imputar o facto que seja criminalmente relevante. Já se antevê, pois, que se o sistema
de cumprimento for preciso, organizado e efetivo – i.e., taylor made – poderá ter repercus-
sões ao nível da responsabilidade penal: seja excluindo a imputação penal, seja atenuando
a pena aplicada. Trata -se de casos, em que os programas de cumprimento normativo se
situam a montante do evento criminal. Todavia, nada impede que tais programas surjam
apenas num momento posterior à prática do facto, já no âmbito de um processo penal,
impondo -se como condição “à decisão de não iniciar ou de suspender o processo”34/35/36.
Não existe impacto automático da existência dos programas de cumprimento norma-
tivo voluntário não apenas ao nível da isenção da responsabilidade dos visados como, de
igual modo, ao nível da determinação da medida da pena37 como consequência das ações
praticadas38.
Haverá, pois, que distinguir quem adote um modelo de responsabilidade por facto e
culpa que sejam próprios da pessoa jurídica, daqueles que adotam um modelo de transfe-
rência do facto da pessoa singular para a pessoa coletiva.
No primeiro modelo, consoante os casos, é admitida a exclusão do ilícito típico coletivo
ou da culpa da pessoa jurídica. No ordenamento jurídico nacional, o artigo 11, nos núme-
ros 2, 4, 6 e 7 do Código Penal, parece consagrar um modelo de responsabilidade penal
direta ou de autorresponsabilidade ou por facto próprio do ente coletivo39, o que permite
a abertura da porta ao denominado Criminal Compliance a nível do ilícito típico coletivo,
mas, também, da culpa do ente coletivo40.
34 A  S   
35 Em comum, note -se, que em qualquer um dos casos apontados, poderá existir um efeito mitigador da responsa-
bilidade penal da pessoa jurídica – ao nível da exclusão da imputação do facto, ao nível da atenuação da pena ou
ao nível da negociação do processo penal – surgindo os programas de compliance “como uma defesa avançada
à responsabilização ou punição criminal da pessoa jurídica” – A  S   pp.10 -11) e (2019 (2): 128
e pp.132 -133). Também neste sentido, L  e S M   
36 Como exemplos de formas de negociação encontramos em Franca, a denominada Lei Sapin II: Lei n.º 2016 -1691,
de 9 de dezembro de 2016.
37 Referimo -nos apenas a penas e não a coimas ou outras consequências jurídicas da prática de infrações, em virtu-
de de nos cingirmos às relações entre os programas de cumprimento normativo e o Direito Penal.
38 Sousa Mendes (2018: 14), refere que o legislador não deve extrair da mera existência de programas de compliance
nas empresas quaisquer efeitos automáticos de dispensa ou de atenuação das sanções a aplicar, dependendo do
modelo de responsabilização penal das pessoas coletivas que seja adotado. No mesmo sentido, Q 
B  
39 M  S   
40 Q  B  
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No segundo modelo, existindo um programa de compliance que seja idóneo e eficaz, é
admitida uma atenuação da responsabilidade do ente coletivo41/42 ou uma isenção da pena,
porquanto o delito praticado pela pessoa singular é concebido como um “acidente”43 para
aquele44.
Seja qual for o modelo que se adote, é certo que a responsabilidade penal das pessoas
jurídicas constitui uma forma de as motivar45 a uma autorregulação correta e, simultanea-
mente, permite o controlo por banda do Estado dessa mesma autorregulação46/47/48.
Na prática, os programas de compliance podem ter impacto na avaliação da respon-
sabilidade – seja coletiva, seja individual – e na determinação das sanções aplicáveis49.
Trata -se de avaliações que, apenas de forma casuística, podem ser efetuadas no processo
decisório50/51/52.
41 É o caso das Sentencing Guidelilines estadunidenses. Cf. A  S    
42 Um exemplo pode ser encontrado no ordenamento jurídico brasileiro, na Lei n.º 12.846, de 13 de agosto de 2013,
incisos VII e VII.
43 Q  B  
44 Veja -se a Circular 1/2016 sobre “la responsabilidade penal de las personas jurídicas conforme a la Reforma del
Código Penal efectuada por la Ley Orgánica 1/2015”, em pp.55 -56.
45 Q  B   acrescenta ainda que, para além de uma forma de motivação, também de trata de
uma forma de coagir as pessoas jurídicas. No mesmo sentido, Nieto Martín (2015: 32).
46 N M    indica que, em 1909, no caso New York & Hudson River v. USA, o Supremo Tri-
bunal dos Estados Unidos da América reconheceu a responsabilidade penal das pessoas coletivas, considerando
que o objetivo da punição residia no incitamento a que se dotassem de mecanismos de controlo interno que lhes
possibilitassem o cumprimento da lei.
47 Em cada caso gerador de responsabilidade, é o visado quem tem o ónus de alegar e provar no processo: a exis-
tência dos programas de cumprimento normativo; que tais programas de compliance são efetivos; a identificação
das medidas que se revelam adequadas e que se encontram efetivamente implementadas contra falhas da orga-
nização e que se revelam suscetíveis de desembocar na prática de infrações e, ainda, a identificação, a avaliação
e o controlo dos riscos que advêm para a empresa.
48 S M   preconiza que não se trata de uma inversão do ónus da prova, na medida em que os
mencionados itens não integram os elementos típicos da infração nem constituem, tão -pouco, quaisquer cau-
sas de exclusão da responsabilidade. No mesmo sentido, Rodrigues (2020: 113).
49 A este propósito, veja -se o artigo 11.º, n.º 6 do Código Penal e, ao nível da determinação da medida concreta da
pena, o estipulado no artigo 71.º do mesmo diploma legal.
50 Em termos de jurisprudência nacional, veja -se a citada por B 
51 Ao nível da jurisprudência alemã, S M   refere o acórdão da 1.ª Secção Penal do Supremo
Tribunal Federal (Bundesgerichtshof – BGH), de 07.05.2017 (BGH 1 StR 265/16), no qual se decidiu que o compliance
pode levar a uma redução da coima aplicada a uma empresa, mesmo que não existam leis ou regulamentos nesse
sentido, porquanto estas estão condicionadas a implementar um sistema de compliance que seja adequado a evi-
tar qualquer conduta imprópria ou ilícita por parte dos seus trabalhadores. Foi estabelecido um critério dual para
a determinação da medida da coima: a) saber se existia um sistema de compliance que fosse, simultaneamente,
efetivo e adequado à prevenção dos riscos da prática daquela infração e, b) saber se a administração da pessoa
jurídica, reagiu de forma pronta, identificou as lacunas do programa de cumprimento normativo e se as corrigiu
de forma imediata para prevenir infrações similares.
52 S M  elenca os perigos dos programas de cumprimento normativo, que podem determinar
um agravamento das sanções aplicadas, acaso aqueles sejam mal concebidos ou implementados de forma de-
ficiente.
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Assim, o maior ou menor efeito que, em matéria de responsabilidade criminal da pes-
soa jurídica53, se deva atribuir aos programas de compliance, relaciona -se com o modelo de
imputação do facto que se venha a adotar.
Com efeito, num modelo de autorresponsabilidade ou responsabilidade direta54 – no
qual se reconhece, de forma autónoma, a responsabilidade da pessoa jurídica – a existên-
cia de programas de cumprimento normativo pode ser sinal de que a empresa “se organi-
zou devidamente na prevenção e detecção de infracções”55, pelo que, uma eventual prática
delituosa por parte das pessoas singulares visando iludir o programa de compliance, ape-
nas se pode imputar a estas. Neste modelo, a pessoa jurídica é passível de responsabilidade
penal por “defeito de organização”56, quer porque permitiu que os seus membros praticas-
sem crimes em seu favor, quer porque “através dos seus mecanismos decisórios, optou por
uma actuação dirigida à prática de crimes”57/58.
No modelo de hetero -responsabilidade, de responsabilidade vicarial ou heterónomo
– adotado pelo legislador português59 – a responsabilidade da conduta levada a cabo por
uma pessoa física60 que representa a pessoa jurídica e que atua na prossecução do inte-
resse coletivo, transfere -se mediatamente para esta. Assim, na medida em que a atribuição
da culpa da pessoa jurídica se mostra dependente da atuação de uma pessoa física qualifi-
cada61, um programa de compliance – ainda que efetivo – apenas dificilmente pode excluir
a imputação do facto àquela se os pressupostos legais da sua responsabilidade estiverem
verificados. Mas diga -se que a existência de um programa de compliance poderá ser tida
em conta na determinação da medida concreta da pena da pessoa jurídica, por via do dis-
posto pelo artigo 71.º do Código Penal62/63.
53 Numa perspetiva criminológica, S D  pp.181 -184).
54 Exemplo deste modelo pode encontrar -se no artigo 31.º bis do Código Penal espanhol e, na lei italiana, no artigo
6.º, 1.º, al. a) do decreto legislativo de 8 de junho de 2001. A propósito do regime espanhol, P F
 pp.72 -85).
55 A  S   pp.128 -129).
56 R  
57 R   fazendo referência a Juan Antonio Lascuraín.
58 Cada um dos modelos é suscetível de críticas, conforme R (2020: pp.111 -112).
59 De que são exemplos, o artigo 3.º do Decreto -Lei n.º 84/84, de 20 de janeiro e o artigo 7.º, da Lei n.º 15/2001, de 5
de junho. Quanto ao regime ou sistema vicarial adotado pelo legislador português em 1984, 2001 e 2007, quanto
à alteração ao artigo 11.º do CP em que se passou a admitir e se ampliou a responsabilidade da pessoa coletiva,
F D    e G V   
60 Administrador, dirigente ou empregado.
61 A  S   
62 Neste sentido, S M   e A  S   
63 M  S    refere que as pessoas coletivas podem ser responsabilizadas independente-
mente da identificação do agente da prática do crime, desde que se prove que este apenas “poderia ocorrer por
vontade de alguma das pessoas por cujos crimes a sociedade responde”.
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IV. Da responsabilidade penal das pessoas singulares
A criação de departamentos de compliance e, consequentemente, dos respetivos progra-
mas, coloca questões relativamente à repartição de responsabilidade criminal, mormente,
ao nível do dever de garante dos dirigentes da pessoa coletiva.
Desde logo, haverá que assinalar, na esteira de Aires de Sousa e Lascuraín Sánchez64,
que detendo o administrador (ou dirigente) da pessoa coletiva um dever de garante65, tal
não se extingue por via de uma delegação de poderes para o departamento de compliance.
A criação deste departamento constitui novos deveres para o administrador (ou dirigente),
como seja, o dever de controlo, que será “tanto maior quanto maior for o risco da actividade
que é delegada (…), atendendo -se nessa avaliação, ao tipo de actividade, à experiência do
delegado, aos seus conhecimentos e capacidade ou à duração da delegação”, valendo aqui
o princípio da confiança66.
No que tange à responsabilidade do compliance ocer67/68, mais uma vez acompanhando
Lascuraín Sánchez considerando que “a delegação é fonte de deveres penais”69, o incumpri-
mento por banda do delegado das funções que lhe foram cometidas ou a falta de controlo
por parte do delegante, podem fazer nascer a responsabilidade criminal pelo resultado que
não se evitou, transformando o omitente do dever em autor do crime por omissão70.
Conclusão
Findo o presente estudo, é imperioso concluir -se que, no teatro da criminalidade econó-
mica, eclodiram novos atores – empresas internacionais com projeção mundial coman-
dadas por grandes empresários – caractesticos de um cenário em que a ideologia que
impera é a do neoliberalismo, apresentando como traços individualizadores a ausência de
uma regulação pública efetiva, o seu caráter transnacional e financiarização da economia
global, buscando “a rentabilidade de quantidades ingentes de capital”71.
A contrapartida não apenas das políticas económicas neoliberais, mas, também, da
desregulação – a que encontram ligados, umbilicalmente, sucessivos escândalos financei-
64 A  S [2019 (2): 136]: “As atribuições que venham a ser legal ou estatutariamente reconhecidas ao
departamento de compliance podem modificar ou alterar o dever de garante do administrador na medida em que
alterem ou restrinjam a capacidade de actuação do dirigente. Porém, não o eliminam”.
65 A  S (2019 (2): pp.68 -75).
66 A  S (2019 (2): 136).
67 No artigo 16.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, fala -se em “responsável pelo cumprimento normativo”.
68 Sobre esta questão, o estudo levado a cabo por N (2020: pp.653 -680).
69 Cf. L S   A  S [2019 (2): 137].
70 Para maiores desenvolvimentos, A  S (2019 (2): pp.137 -140) e Rodrigues (2020: pp.116 -123).
71 R (2017: 11).
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ros não evitados pela supervisão – foram as propostas de autorregulação que se consubs-
tanciaram em orientações de corporate governance e de compliance.
Os programas de compliance visam “a promoção de uma cultura empresarial ética e de
cumprimento, mas o seu objectivo final é evitar a responsabilidade administrativa, civil e,
em última linha, mas sobretudo, penal”72.
Especial destaque colhe a inclusão, nos programas de cumprimento normativo, de
compliance ocers, “pelas implicações que poderão ter na sua (potencial) inclusão no uni-
verso de pessoas que ocupem uma posição de liderança e do subsequente risco de uma
«substituição» do representante pelos compliance ocers73.
No Código Penal português, os programas de compliance não têm consagração direta
apontando, contudo, a Estratégia Nacional Anticorrupção, para a sua relevância substan-
tiva, o que se encontra diretamente dependente do modelo de imputação que se adote.
Assim, apenas nos modelos de responsabilidade direta baseados em defeito da organi-
zação, se pode admitir que a existência de programas de compliance conduza à exclusão da
responsabilidade da pessoa coletiva.
Considerando o modelo de imputação vicarial vigente no ordenamento jurídico portu-
guês, a relevância dos programas de cumprimento normativo poderá ser limitada.
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