GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 1 · 1st January Janeiro – 30th June Junho 2021 · pp. 53‑80 53
Responsibility to protect – r2p – a luz das relações
internacionais e sua aplicação prática nos
uxos migratórios forçados
Responsibility to protect – r2p – the light of relationships
international standards and their practical application in
forced migration ows
CARLOS IMBROSIO FILHO1
carlos.imbrosio@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 21841845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 5380
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.4
Submitted on April 10th, 2021 · Accepted on May 18th, 2021
Submetido em 10 de Abril, 2021 · Aceite a 18 de Maio, 2021
RESUMO A presente pesquisa busca definir e elucidar o instrumento de soft law
designado por Responsabilidade de Protecção (Responsibility to Protect – R2P), bem como
analisar a sua possível natureza complementar à luz do Regulamento Dublin III, do qual
atua na alise e decisão dos pedidos de asilo em sede de direito europeu. Posteriormente,
num cenário internacional de diplomacia entre os Estados soberanos, levando em
consideração a realidade encontrada no contexto europeu, pretende-se demonstrar a sua
aplicabilidade prática no que tange à relativização entre a proteção e garantia dos direitos
fundamentais e o exercício individual da soberania dos Estados que compõem à União
Europeia, culminando assim no esvaziamento/cedência da soberania de certos Estados
– nomeadamente os ditos falidos, responsáveis pelos fluxos migratórios forçados, seja
oriundo da má gestão politica, ou mesmo da omissão da atuação estatal, e que produz caos
no convívio harmónico transfronteiriço – em prol da manutenção da paz e da proteção a
dignidade da pessoa humana.
PALAVR AS-CHAVE Responsibility to Protect; Fluxo Migratório; Direitos Humanos;
Soberania; Dignidade da Pessoa Humana
1 Mestre em Direito da União Europeia – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – FDUNL. Douto-
rando pela Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Artigo desenvolvido no âmbito do projeto de Inves-
tigação e Desenvolvimento (I&D) “Cultura de Paz e Democracia” sediado no Ratio Legis- Centro de Investigação e
Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da UAL – Universidade Autónoma de Lisboa
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ABSTRACT The present paper chases to define and develop the soft law instrument called
Responsibility to Protect (R2P), as well as to analyze its possible complementary nature
based on Dublin III Regulation interpretation, which acts in the analysis and decision of
asylum claims under European Law. Following this, in an international level of diplomacy
between sovereign states, taking into account the European context, we intend to
demonstrate its practical applicability with regard to the balance between the protection
and guarantee of fundamental rights and the individual exercise of sovereignty of the
states that builds the European Union, thus culminating in the emptying/cession of the
sovereignty of certain states – namely the so-called ‘failed states’, liable for compulsory
migration flows, whether from weak or null political management, or even from the
full omission of state action, and which produces chaos in the harmonious cross-border
coexistence – for the sake of maintaining peace and protecting human dignity.
KEYWORDS Responsibility to Protect; Migration Flow; Human Rights; Sovereignty;
Humans Person Dignity
I. Apontamentos preliminares
Em breves apontamentos iniciais, pretende-se extrair deste ensaio alguns conceitos e,
obviamente, fatos históricos relevantes que culminaram no surgimento do designado
mecanismo de soft law por ora analisado, ou Responsibility to Protect – R2P.
A criação de tal mecanismo, encontra guarida em diversas investigações científicas,
bem como experiências práticas dos conflitos humanos num cenário internacional. Even-
tos traumáticos que marcaram a história da humanidade vão desde afrontas à dignidade
da pessoa até ao externio da vida humana. Sejam pautados em crenças, ou mesmo por
preconceitos de diversas origens, o homem pratica ao longo da história atos reprováveis do
ponto de vista da preservação e respeito a vida.
Desta forma, surge em 1863, por força do Comité Internacional da Cruz Vermelha, em
Genebra2, um revolucionário mecanismo de natureza privada, aquando da fundação da
Instituição composta por seus originários 25 membros, dos quais atuavam neste projeto
pioneiro pela proteção e cumprimento da Lei Humanitária Internacional. Entretanto, esta
forma de assistência internacional atuava estritamente nos conflitos armados, internos
2 [consultado em 12.06.2019]. Disponível em: https://www.icrc.org/en/who-we-are/history.
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ou internacionais, preservando a vida do envolvido, assim como protegendo sua digni-
dade.
É importante citar esta Instituição, haja vista que como mecanismo originariamente
privado, impacta na atuação posterior dos Estados, nas políticas a nível internacional, e,
por conseguinte, na criação de mecanismos de soft law3 que provocarão, posteriormente, a
criação de normas com efeito vinculativo – hard law.
Ademais, o movimento da Cruz Vermelha constrói bases sólidas nesta iniciativa
humanitária, sendo certo que já no século XX, por força da Conferencia Internacional de
Viena (1965), faz surgir os ditos sete princípios fundamentais que irão compor seu Esta-
tuto de criação, já em 1986. A importância de citar os aludidos princípios encontra guarida
no cerne do ensaio em tela, ou seja, a criação do R2P está intimamente ligada aos preceitos
dos princípios fundamentais. Vejamos então quais são eles: Humanidade; Imparcialidade;
Neutralidade; Independência; Serviço Voluntário; Unidade; Universalidade.
Para o núcleo do ensaio em pauta, vamos nos ater a dois princípios somente, o da huma-
nidade e o da imparcialidade. Tal decisão possui fundamento nos efeitos resultantes da
sua aplicação, ou seja, se por um lado, o senso de humanidade significa a assistência sem
discriminação, com o fulcro de proteger a vida humana, a integridade física, tendo por
base o respeito a dignidade humana4, por outro, temos a imparcialidade, atuando como
agente de impacto direto nas operações de emergência que exijam uma atuação conjunta
sem qualquer tipo de discriminação, seja por nacionalidade, raça, crença, classe, opinião
politica.
Quando tratamos das relações internacionais, tratamos de assuntos que atravessam
a seara de direito nacional e assumem um patamar em nível internacional, ou seja, tratar
de assuntos de âmbito internacional envolve diplomacia, política entre Estados e, conse-
quentemente, a reestruturação de sua norma em âmbito nacional, bem como cedências no
campo da soberania estatal num cenário macro5.
Com o desenvolvimento do instrumento de R2P não foi diferente no que tange a rees-
truturação da política estadual, aqui jaz a ideia de que o Estado como agente fundamental
na representação em nível internacional carrega consigo a responsabilidade primária de
3 Neste sentido sobre a consolidação da soft power: NEVES, Miguel Santos – “Paradiplomacia, Regiões do Conhe-
cimento e a consolidação do «Soft Power»”. In: JANUS.NET e-journal of International Relations, N.o 1, Outono 2010.
[consultado em 15.06.2019]. Disponível em: www.observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art2
4 PIRES, Alex Sander Xavier – “Fluxos migratórios forçados e cultura de paz: um contributo hipotético baseado na
educação como pilar da democracia e na solução alternativa à crise do estado assistencialista”. In: GALILEU – RE-
VISTA DE DIREITO E ECONOMIA · e-ISSN 2184-1845 Volume XIX · Junho 2019 · pp. 66-87.
5 NEVES, Miguel Santos – Globalização, sociedade do conhecimento e emergência de regiões do conhecimento, in
Anuário Janus 2011-2012, pp. 96-97.
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proteção de sua população contra os crimes em massa, sejam estes cometidos por via do
genocídio, dos crimes de guerra, ou mesmo quando se tratarem de crimes contra a huma-
nidade ou ataques diretos contra raça/ etnia com a intenção de extermínio da mesma.
O R2P também aplica este conceito, como veremos adiante, em sentido amplo, ou
seja, transporta a aludida responsabilidade de proteção à comunidade internacional. Isto
implica dizer que um grupo de estados poderá, a partida, intervir em assistência àquele
estado que carece de meios efetivos para a proteção de sua população6.
Retomando aos eventos que marcaram o surgimento do citado instrumento, foi o fatí-
dico conflito armado mundial (Segunda Grande Guerra Mundial) que marcou as princi-
pais bases para a fundação do que conhecemos de R2P atualmente. Ora, se não fossem
o massacres em massa praticados pelos alemães sob o domínio do regime nazista e sua
doutrina política nacionalista, que fez propagar por longos anos um comportamento emi-
nentemente racista (preservação da raça ariana, dita como pura) e totalitário no plano
mundial, a comunidade internacional não se uniria para discutir os limites da soberania
de um estado7, e tampouco criaria bases fundamentais de carácter humanitário para limi-
tar a atuação de um estado em face à proteção da vida humana.
O ponto de virada veio com o término da 2ª Guerra Mundial, donde se iniciou o movi-
mento de criação da atual Organização das Nações Unidas, naquela altura provisoria-
mente chamada Liga das Nações, bem como em sua sede pela criação – em 1949 – da Reso-
lução de nª 260, de 9 de dezembro, que adotava meios de punição e prevenção aos crimes
de genocídio como forma de resposta direta ao período de horror causado pelo Holocausto.
Posteriormente também encontramos afrontas a dignidade e a vida humana se tra-
zermos os conflitos armados da Indochina, já nas décadas de 1960/ 1970. Lembramos que
este conflito armado teve sua origem com o exato fim da 2ª Guerra, donde os territórios
compostos pelo Vietname, Laos, Camboja foram o palco de conflitos armados por longos
anos, após o governo local ter sido destituído pelas forças armadas francesas. Já em 1954,
diante dos avanços alcançados pela Conferencia de Genebra, houve um acordo para que,
ao menos a parcela norte fosse entregue ao poder de governo local. Entretanto, diante da
dicotomia entre norte e sul sob o ponto de vista de crenças políticas, veio a culminar na
ulterior Guerra do Vietname, ou Segunda Guerra da Indochina.
6 Neste sentido: GARGANO, Maria – “Borders as a practice: The Reform of Frontex and the Re-signification of the
European External Borders” ID: 6121484 European Migration Law and Citizenship. Disponível em: https://www.
academia.edu/32476345/Borders_as_A_Practice_the_Reform_of_Frontex_and_the_Re-signification_of_the_European_Exter-
nal_Borders?email_work_card=view-paper. p. 4. [consultado em 12.06.2019].
7 Sobre a aplicação da soft law como instrumento de revisão dos diplomas de hard law. ABBOTT, Kenneth W.; SNI-
DAL, Duncan – ‘Hard and Soft Law in International Governance.’. International Organization 54, 3, 2000, pp.
422-423. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1402966. [Consultado em 12.06.2019].
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Este conflito tem suma imporncia para o estudo em tela; primeiro, porque represen-
tou a invasão, ou ao menos a tentativa de invadir, do exército norte americano em terri-
tório oriental; segundo, porque foram longos 20 anos de contínuos conflitos armados e
consequentes atrocidades cometidas contra à vida humana (1955 – 1975); terceiro, porque
representava um tensão de cunho internacional camuflada, haja vista que tínhamos pode-
res apoiados pela Rússia e China, ao norte, que iam de encontro aos poderes assistidos
pelos E.U.A. ao sul, portanto aqui mais uma vez vemos a intervenção militar internacio-
nal utilizada sem fundamentos lógico racionais, e restrita somente ao sentimento de ódio
entre os dois núcleos de influência político-económica mundial até então, ou seja, a União
Soviética, até então designada, e os Estados Unidos da América, resumidos no contexto da
guerra fria e do mundo bipolar.
A sequência de conflitos armados alimentados pelo lucro sem precedentes da indústria
bélica não se extingue por aqui. Para o R2P importa ressaltar também a experiência vivida
na Ruanda, já na década de 90, aquando do massacre que culminou na prática de crime
de genocídio, passando a ser alvo então de alise no âmbito internacional com vistas a
erradicação deste tipo de intentona militar. Veremos mais adiante que muitos destes con-
flitos serão citados nos instrumentos de soft law, sem os quais não seria possível a sua criação.
Mais adiante, já no contexto europeu, vimos a intervenção descabida das forças militares da
OTAN, à época, no recém-formado território da Iugoslava (1999), a que fez surgir uma nova preocu-
pação no palco internacional. Ora, se por um lado vimos, anteriormente, situações em que estados
tomavam decies unilaterais que culminaram em intervenções militares invasivas e violadoras dos
direitos fundamentais, mormente àqueles oriundos dos crimes de guerra que violam diretamente a
dignidade da pessoa humana e a própria vida; por outro lado temos neste cenário a decisão tomada
por um organismo comunitário internacional, representado pelo interesse de um grupo de estados
(OTAN), e que portanto, viria a gerar uma instabilidade nas relações diplomáticas em nível interna-
cional.
Precisamente deste fatídico evento que surgem novos instrumentos impulsionadores para a
formação do que chamamos de R2P. Seguindo esta linha de raciocínio, temos o discurso em sede
do Seminário de Bruxelas – 2009, momento em que Kiyo Akasaka, na altura Secretario Geral das
Comunicações e Informação Pública das Nações Unidas, proferiu o indispensável comentário a
cerca da temática, em que afirmou pelo ideal do R2P, não como um instrumento em que os estados
buscariam a proteção de seus povos, mas como uma forma de permitir a comunidade internacional
intervir na proteção dos civis, em casos específicos de afronta a certos direitos fundamentais.
A afirmação proferida por força do discurso de Akasaka não seria possível se não fosse a Cimeira
Internacional de 2005, evento onde os estados-membros representantes se reuniram e discutiram,
dentre os tópicos, a aplicabilidade do R2P na prática. A Cimeira teve como efeito, primeiramente
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a movimentação do Conselho de Segurança da ONU, que já em 2006 formalizara o seu compro-
misso pela aplicação das provisões originariamente extraídas do documento produzido em sede da
cimeira. No mesmo ano o Secretario Geral da ONU, Ban Ki-moon participou ativamente na pro-
dução do relatório sobre a implementação do R2P8, que seria alvo de discussão ulterior pela
Assembleia Geral da ONU, em 2009, resultando na transposição ao rol de normas de soft
law em sede de Direito Internacional, por força da Resolução (A/RES/63/308).
Diante dos fatos elucidados, temos como certo que o mundo exigia uma solução rápida para as
já citadas violações. E então é criado o instrumento de soft law9, designado por Responsabilidade
de Proteção, ou R2P “RtoP” que por ora passamos a analisar.
O atual estudo não ambiciona, tão somente a elucidação do Instituto R2P, mas princi-
palmente sua correlação com o Regulamento Dublin III, que vigora no cenário europeu,
visando revisar os incontáveis pedidos de asilo, advindo dos fluxos migratórios que afe-
tam diretamente as fronteiras do continente europeu.
No âmbito da pesquisa veremos adiante como o Regulamento Dublin III funciona na
perspetiva de revisão dos pedidos de asilo, bem como o devido realojamento populacional
consoante as premissas contidas no diploma.
II. Génese e evolução do instituto responsibility to protect r2p
O processo de construção do diploma por ora analisado não ocorre de forma desconexa,
ou sequer descompassada aos atos políticos, mormente às decisões que culminaram em
intervenções militares sob as quais jazia a pretensa escusa pela proteção da comunidade
internacional.
Ora, se por um lado tínhamos a decisão política pela intervenção militar em estados
terceiros, por outro lado mister seria observar os seus limites, haja vista que sob o véu que
permitira a suspensão da plena soberania do estado intervencionado, suas consequências
seriam certamente irreversíveis.
E assim que, em dezembro de 2001, é publicado o primeiro relatório oficial em sede do
recém-criado instituto Responsibility to Protect, que basicamente cria o primeiro arcabouço de
soft law com intenções reais de preparar sua implementação a hard law.10
8 BAN, Ki-moon – The Role of Regional and Sub-Regional Arrangements in Implementing the Responsibility to Protect,
A/65/877–S/2011/39, 28 June 2011.
9 BERMAN, Paul Schiff – From International Law to Law and Globalization. Columbia Journal of Transnational
Law, Vol. 43, p. 485-556, 2005. Disponível em: SSRN:https://ssrn.com/abstract=700668 [Consultado em 13.05.2019].
10 BERMAN, Paul Schiff – Op. cit., p. 493 ss.
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O relatório é criado com vistas a clarificar o conceito de intervenção humanitária, e
bem assim posicioná-la no debate sobre a relativização da, até então soberania plena dos
estados. É importante lembrar que este diploma fora criado em sede da Comissão ad hoc,
que previa a intervenção da comunidade internacional com vistas a revisão dos falhanços anterio-
res, mormente o lamentável massacre da Ruanda (1994), bem como o da Srebrenica, ocorrido em
território Bósnio (1995).
Portanto, em sede da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estadual, ou já
citada International Comission on Intervention and State Sovereignity – ICISS é que surge o pri-
meiro diploma com vistas a definir o conceito de intervenção humanitária e delinear os seus limites
de atuação.
A. Relatório da comissão internacional sobre intervenção e soberania estadual
O diploma que surge pela criação da aludida comissão ad hoc permite-nos delimitar uma
forma para o conceito de Responsabilidade de Proteção, bem como seus princípios básicos
dentre outras características que por ora passamos a analisar.
Preliminarmente o documento demonstra de forma sucinta os princípios que regem a
responsabilidade de proteção entre os estados soberanos, qual seja, o dever de cuidar e pro-
teger sua população, a princípio, prevenindo e remediando assim os crimes e atrocidades
cometidos contra a vida humana bem como as consequentes violações aos direitos huma-
nos, quando impactarem uma massa da população. Portanto, recorda-se que a soberania
de um estado neste momento não se resume em direitos de dispor e de administrar seu
território, mas de um dever maior para com a comunidade internacional. A relativização
do princípio soberano da não intervenção encontra guarida na ideia de que um estado
que não demonstre vontade, ou que não possui poder para evitar estas atrocidades em
massa, passa a ser interferido pelos demais estados da comunidade internacional para
que, segundo os ditames da responsabilidade de proteção, possa assim dispor de meios
necessários para combater as questões que geram os aludidos crimes.
A justificação para a vigência deste diploma em sede de Direito Internacional se perfaz
tendo em consideração os preceitos do Conselho de Segurança das Nações Unidas no que
diz respeito ao art.º 24º da Carta, pela manutenção da Paz e Segurança na esfera global.
E não somente, são revistos conceitos de soberania estadual, ampliando assim seu rol de
deveres para com a proteção as populações, indo além ao relativizar princípios que antes
eram intangíveis, já agora ganham uma nova dimensão, como é o caso da não intervenção.
Não obstante também os inúmeros diplomas e convenções que ponderam a proteção
dos direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, os Pactos
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Internacionais, sejam os relativos aos direitos políticos e civis, bem como aqueles que
abordam os direitos económicos, sociais e culturais, entre outros.
Em desenvolvimento, os elementos que compõem a Comissão podem ser compreendi-
dos em três esferas de responsabilidades: a. Prevenção; b. Reação; e c. Reconstrução11. Isto
implica armar que o conceito de soberania estadual, outrora limitado a um rol de direitos,
tão somente, passa agora a ter um arcabouço de responsabilidades a que o estado deve
cuidar para que seja considerado soberano.
Para alem dos princípios basilares, temos os chamados princípios de precaução, uma
vez que tratamos de um tema que impactará na intervenção à soberania de um estado, é
preciso que haja elementos limitadores para tal. Dentre os citados temos o princípio da
correta intenção, para que as intervenções militares tenham o exclusivo fim de combater o
sofrimento humano inerente dos crimes em massa tratados pelo diploma. No mesmo viés
temos o princípio do último recurso que permitirá a intervenção militar, somente após
esgotados todos os meios alternativos para o combate aos crimes. Em sendo considerada
necessária a intervenção militar, aplicar-se-ão os princípios dos meios proporcionais, bem
como o das expectativas razoáveis. Portanto, o que se pretende do aludido documento é
vincular as intervenções militares a causas restritas ao rol dos crimes enumerados, sem-
pre proporcionais a dimensão da calamidade, e enquanto forem reais os resultados busca-
dos pelas intervenções militares. Ou seja, é necessário que seja calculado o resultado da
operação e se disponha dos meios mínimos necessários para o seu sucesso.
O relatório em análise buscou, inicialmente, elucidar os eventos catastróficos que cul-
minaram nos massacres, bem como as consequentes afrontas a vida humana. Os já cita-
dos massacres trouxeram à tona já em 1999, em sede da Assembleia Geral das Nações Uni-
das, e logo após em 2000, aquando do discurso proferido por Kofi Annan, Secretario Geral
àquela altura, o questionamento necessário à revisão da até então política internacional.
A ideia primária era a de formar uma “unidade fundida” a que significara justamente a
construção de um arcabouço composto por questões basilares, princípios norteadores,
bem como procedimentos, e assim o foi.
A questão posta pelo secretario geral era de suma importância para todo o deslinde da
temática que veio a se chamar Responsabilidade de Proteção – R2P. Da sua indagação “...
se a intervenção humanitária é, de fato, um ataque inaceitável à soberania, como devería-
mos responder a Ruanda, a Srebrenica – às violações grosseiras e sistemáticas dos direitos
humanos que afetam todos os preceitos de nossa humanidade comum?”, foi que se iniciou
o processo de construção do relatório por parte da comissão.
11 Relatório da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estadual de 2001.
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Em sucinta alise do documento, a comissão teve o cuidado de delimitar, primeiro, os
princípios básicos aplicáveis, ou seja, a mudança de paradigma que jaz a ideia de respon-
sabilidade primária e indisponível dos estados, no corrente exercício da soberania, para
com a proteção das pessoas que se encontram dentro de seu território, independentemente
da nacionalidade ou dos motivos a que foram encontrados. Ora, se as pessoas merecem
a proteção estadual, esta proteção deverá acontecer onde uma população está sofrendo
sérios danos, como resultado de guerra interna, insurgência, repressão ou falha do Estado,
e o estado em questão não está disposto ou se encontra incapaz de detê-lo ou evitá-lo,
momento em que o princípio da não intervenção cede à responsabilidade internacional
de proteger.
Isto não implica tão somente na inversão de valores, mas principalmente na mudança
de fundamentos como princípios guiões inerentes a comunidade internacional de esta-
dos. Portanto, em suma, temos que o conceito de soberania em constante mutação há
de ser visto como obrigação inerente aos estados, entregando assim, por consequência
ao Conselho de Segurança da ONU, por força do art.º 24º da Carta das Nações Unidas, a
responsabilidade pela manutenção da paz e segurança internacional. Nesta fase também
são reconhecidos o efeito vinculativo dos inúmeros diplomas relativamente aos direitos
humanos, as declarações, convenções e tratados que são aplicados pela lei internacional
humanitária, e pelas leis nacionais12. Por fim, a proatividade às boas práticas, sejam por
parte dos estados, das comunidades regionais, ou mesmo pelo Conselho de Segurança,
fazem parte dos fundamentos que irão definir o instituto da Responsabilidade de Proteção.
A comissão divide as responsabilidades em três modalidades, quais sejam: responsa-
bilidade de prevenção; responsabilidade de reação; e responsabilidade de reconstrução.
Entretanto é importante recordar que o relatório posiciona o fator preventivo como único
e mais importante das dimensões.
Em desenvolvimento a análise do documento em pauta vimos que, a Comissão fora
criada com vistas ao combate aos excessos cometidos por força das intervenções milita-
res, que, a priori, tinham o escopo de exterminar as situações calamitosas que punham
em risco a vida das pessoas, sejam aquelas advindas de atos xenófobos ou mesmo outras
formas que culminariam num massacre e na consequente perda significativa de vidas
humanas.
Neste viés que a Comissão invoca o aludido limite da justa causa, ou, o limite a que às
intervenções militares estavam sujeitas a respeitar, e estes limites eram pautados na pro-
12 ABBOTT, Kenneth W.; SNIDAL, Duncan – ‘Hard and Soft Law in International Governance.. In: International
Organization 54, 3, 2000, pp. 444-445.
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teção da vida humana, aplicáveis em carácter excecional e extraordinário. Desta forma, o
risco de dano em larga escala havia de ser aquele risco sério e irreparável ou sua iminência
no que tratava das perdas em larga escala (massacres), sejam advindos de atos genoci-
das, ou mesmo de atos de estado, em que punham em risco uma parcela da população,
incluindo assim também aqueles compreendidos por externio étnico.
Ora, se por um lado o Relatório previa um agente limitador às intervenções militares,
por outro deveria criar princípios que acautelassem também os limites naqueles atos que
constituíssem os preventivos. Os princípios preventivos são outra forma de se evitar os
exageros cometidos nas aludidas intervenções militares.
Dentre eles temos o princípio da correta intenção, ou aquele que mantém a operação
militar adstrita ao seu propósito pririo, ou a busca pelo combate ao sofrimento humano,
unicamente. Consoante as premissas encontradas do documento este princípio havia de
ser aplicado através de operações multilaterais, suportadas por opiniões regionais e pelas
vítimas envolvidas, para se fosse possível delimitar de forma coerente os seus limites.
Nesta linha o princípio do último recurso, cujo qual pautava a aplicabilidade da inter-
venção militar, tão somente após falhados todos os outros meios aplicáveis de combate
aos atos lesivos. Em outras palavras, após exauridas todas as formas de intervenção não
militares, para a prevenção, ou resolução pafica da crise.
Outro princípio encontrado nesta fase dos estudos da Comissão seria o princípio dos
meios proporcionais, ou aquele que previa à intervenção militar com a dimensão, duração
e intensidade necessárias ao combate da crise, ou seu mínimo necessário ao restabeleci-
mento da paz. Portanto, o contingente das tropas, a duração da intervenção, bem como a
forma em sua atuação seriam delimitadas com base na gravidade da crise, sempre como
vistas à proteção da vida humana.
Ainda no tocante aos meios preventivos, temos o princípio das perspetivas razoáveis,
ou aquele princípio que visa prever as possibilidades de sucesso da operação, ou seja, o
exame analítico prévio a operação deverá demonstrar resultados que sejam mais benéfi-
cos se comparados com a sua não atuação.
Ademais, o relatório não se preocupa em somente delimitar um corpo de princípios
para limitar a atuação militar no curso das operações, mas também de entregar compe-
tência aos organismos internacionais, sobretudo no que tange a análise e autorização das
aludidas intervenções militares.
A decisão plausível foi a de entregar este bastão ao Conselho de Segurança da ONU, que
poderia ser provocado por um estado através de uma requisição formal, e não somente; o
próprio Conselho poderia invocar tal operação por sua própria força, bem como também
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poderia ser feito por requisição do Secretario Geral, como alude o artigo 99 da Carta das
Nações Unidas.
Ao Conselho de Segurança cabe a função de análise dos pedidos enviados, para que
sejam verificados os factos e condições que suportam a proeminente intentona militar.
Isto se dará, como consta do diploma pelos cinco membros permanentes do Conselho, aos
quais devem agir de forma coerente a não invocar qualquer poder de veto, naqueles casos
em que não estejam em risco seus próprios interesses vitais, ou seja, nos casos em que há
uma crise, ou a eminência de tal, mas que os estados permanentes não estejam envolvidos,
deverão votar sempre sem o exercício do poder de veto, para se evitem a sobreposição de
questões meramente políticas às de proteção das vidas humanas em risco.
O Relatório proposto pela Comissão em dada altura não previa somente o escopo
do Conselhos de Segurança, mas ia alem ao criar alternativas, caso o Conselho falhasse
dalguma forma. Eis que dentre elas temos: (a) a consideração por foa do procedimento
“unindo-se pela paz, em que permite a abertura de um Sessão Especial de Emergência em
sede da Assembleia Geral da ONU; e/ou, (b) ação interna a área de jurisdição por forca das
organizações regionais ou sub-regionais (por força do capítulo VIII da Carta das Nações
Unidas) na busca de subsequente autorização pela intervenção militar.
O Conselho de Segurança também reconhece o critério de razoabilidade pela aplicação
deste procedimento, em que pese os casos em que o Conselho falhar; assim um estado
em iminente risco pode tomar decisões por sua própria conta e risco, assumindo o antigo
limiar de soberania nacional, com vistas ao combate da crise. Obviamente que isto impac-
tará diretamente na imagem dos órgãos internacionais como o próprio Conselho de Segu-
rança.
Em notas breves a cerca da operacionalização das intervenções militares, o diploma
cria um arcabouço de princípios para abrigar diretrizes sólidas no que tange a prática das
operações. Sendo assim, para além das previsões de competência para análise a autoriza-
ção dos pedidos de intervenção, o diploma contempla também os ditos princípios opera-
cionais, que são divididos em 6 (seis) áreas: (a) objetivos claros; (b) unidade de comando para uma
intentona militar harmonizada; (c) submissão as regras de aplicação à operação, sejam as que limi-
tam ou que permitem o gradual uso da força no combate a crise; (d) regras de comprometimento a lei
humanitária internacional, bem como ao princípio da proporcionalidade no que tange aos conceitos
operacionais da intervenção militar; (e) critério excecional, para que seja cristalina a ideia de que
aos estados cumpre a proteção de suas populações, e a intervenção militar é um critério excecional e
restrito; e por fim, (f) a comunicação e interação direta com as principais organizações humanitárias
(locais, regionais e internacionais).
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Vimos então, que o Relatório advindo da Comissão Internacional sobre Interveão e Sobera-
nia Estadual tinha natureza ad hoc, ou seja, era aplicável a uma situão específica que surgira dos
massacres ocorridos ao longo dos anos 90. A conseqncia prática que surgia a partir da decisão
unilateral de um estado em intervir, sob o vs militar, noutro estado com a mera desculpa de controle
ou combate a crises locais levou aos massacres e ao total descontrole nas operações. Diante desta
preocupação que, alguns anos depois – em 2005 – inicia o debate em sede das Nações Unidas, rela-
tivamente a implantação do instituto Responsabilidade de Proteção – R2P no seio da comunidade
internacional, para que fosse disseminada a ideia num cenário global. Desta iniciativa que passa-
mos a analisar a Resolução da ONU nº63/308 de 2009.
B. Resolução nº 63/677 da Assembleia Geral da ONU
Diante da eminente preocupação dos estados no combate as atrocidades à vida humana, e
com vistas a erradicar qualquer tipo de conduta que levasse a mais perdas de vida em larga
escala, a Cimeira Mundial de 2005 traz à tona a questão da responsabilidade de proteção
(Parágrafos 138 e 139 do relatório conclusivo da cimeira).
Após 4 anos, já em 2009, eis que surge a Resolução nº63/677 da ONU, que delineia a
forma de implementação de tal instituto no seio internacional. O documento está pautado
na premissa anterior cuja qual “cada Estado, individualmente, possui a responsabilidade
de proteção de sua população contra os crimes de genocídio, crimes de guerra, extermínio
étnico (xenofobismo), e quaisquer crimes contra a humanidade.
Daqui se extrai o núcleo de proteção do instituto por ora analisado, são quatro (4) os
tipos de crime em que o diploma faz referência, permitindo assim às intervenções mili-
tares.
Todavia, a inovação trazida pela Resolução encontra guarida na estratégia sobre a
forma de três (3) pilares, quais sejam: (a) as responsabilidades de proteção do Estado; (b) a
capacitação e assistência internacional; e, (c) a resposta oportuna e decisiva.
A Resolução em alise, dentro dos conceitos de estratégia, envereda o fator preventivo
reiteradamente, conquanto considera a resposta rápida e flexível, naqueles casos em que
haja a falha em sua prevenção.
Mister se faz afirmar que os três pilares citados possuem a mesma valoração, sejam
pela sua viabilidade, sua força, ou mesmo sua dimensão.
Ademais, o critério suplementar pela autorização, caso a caso, à intervenção militar
só acontece caso os meios para obtenção da paz sejam ineficazes, ou se for demonstrado
manifestamente que as autoridades nacionais do país/região em crise não são capazes de
proteger suas populações, sejam por se omitir ou por não possuir meios para tal.
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Ao Estado agora incumbe o dever de – dentro do exercício da sua soberania – prote-
ger sua população contra estes crimes contra a humanidade, portanto este “novo” cenário
pode ser visto como um do efeito da globalização, já que agora o conceito de soberania
sofrera uma mutação no que tange os deveres dos estados para com esta, até então auto-
ridade que se aplicava com um rol extensivo de direitos sob seu território, e não como
dever13. Para além disso, um Estado será responsabilizado pela comunidade internacional
em caso de falha na busca destes objetivos, o que implica num impacto em sua imagem
num nível internacional nunca visto antes.
Em desenvolvimento, o Relatório recorda os fatídicos eventos do Holocausto, os mas-
sacres do Cambodja, o genocídio da Ruanda bem como da Srebrenica, estes dois últimos
sob a vigia do Conselho de Segurança da ONU, o que muito preocupou a comunidade
internacional e os fez refletir sobre este diploma.
A experiência advinda destes eventos permite ao Relatório definir alguns pontos em
comum, dos quais: (a) todos os casos tiveram pontos que serviam de sinais pela iminência
daquilo que estava por acontecer; (b) outro fator de contribuição era consoante o contexto
politico, económico ou social, visto que atrocidades desta magnitude exigiam tempo para
o seu planeamento e preparação; (c) todas as hipóteses comungavam da falha por parte dos
órgãos internacionais, dentre eles as Nações Unidas e seu secretariado.
Num outro diapasão, temos que a intervenção humanitária colocou uma falsa escolha
entre dois extremos: ficar de prontidão diante de crescentes mortes de civis; ou, empregar
a força militar coercitiva para proteger as vulneráveis e ameaçadas populações. Os Esta-
dos-Membros têm compreensivelmente conflituado pela escolha dentre essas desagradá-
veis alternativas.
Neste ponto da pesquisa, encontramos um dos principais pilares para fundamentar a
razão pela qual um Estado deve proteger sua população, e isto envolverá, como se conclui
adiante a sua responsabilização, pelo afluxo maciço da população para outros territórios,
quando o motivo pelo qual se dão estes movimentos advêm de falha na administração
interna, principalmente no que tange as crises que têm como efeito a perda de vidas em
larga escala.
O atual estudo envereda, entretanto, no possível enquadramento pela aplicação da
intervenção advinda do R2P no tocante aos fluxos migratórios forçados oriundos de ações
estatais que ocasionem crimes contra vida humana em larga escala.
13 Neste sentido FRANCIS M. Deng et alii – Sovereignty as Responsibility: Conflict Management in Africa (Washington,
D.C.: Brookings Institution Press, 1996).
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Ora, se por um lado o diploma reforça a ideia de proteção da população como um dos
principais deveres do Estado no exercício de sua soberania, por outro deverá implicar no
reconhecimento destes crimes retomando a ideia de aplicabilidade do R2P e todo seu apa-
rato em proteção aos indivíduos envolvidos no fluxo migratório forçado, uma vez que o
agente motivador para este deslocamento advém diretamente da falha na gestão do Estado
origirio.
Em consequência, diplomas como o próprio regulamento Dublin III, dentre outros,
responsáveis por gerir o realojamento dos refugiados, devem ter também a autoridade de
intervir sob o viés do R2P para prevenir novas ondas de fluxo migratório desta natureza,
principalmente se considerarmos o cariz preventivo do atual diploma.
Conquanto vimos, até então que, a soberania sofreu uma desmaterialização no seu
conceito base14, e passou a representar também um dever, ao invés do anterior exclusivo
direito, veremos a seguir que o diploma da Resolução em pauta refere neste sentido ao citar
os pilares condutores de tal relação.
Pilar 1: As responsabilidades de proteção do Estado.
Portanto, reforçando a ideia de que a Resolução da ONU intenciona responsabilizar mais
o Estado para imputar-lhe a condição de violador dos direitos humanos, o referido pilar
aborda exatamente esta ideia, ou seja, o Estado é responsável diretamente pela proteção de
sua população independentemente se são nacionais ou não. Isto se aplica para evitar que
estados criem sistemas racistas e desproporcionais com seus indivíduos.
Pilar 2: Assistência internacional e capacidade de reconstrução
Neste mesmo diapasão, encontramos a elaborada ideia trazida pelo segundo pilar da
estrutura, a que alude a ideia solidária no exercício da soberania estadual. Neste momento,
ao Estado incumbe o dever de assistir e cooperar conjuntamente no combate a estes atos,
e não somente, mas também no dever da comunidade internacional em cooperar com
estes estados envolvidos, auxiliando diretamente no cumprimento destas obrigações. É
a chamada segunda fase do fator preventivo do documento. Aqui jaz o arcabouço para a
construção de procedimentos, práticas e políticas elaboradas para tornar prático e eficaz
tal interação.
14 ABBOTT, Kenneth W.; Snidal, Duncan – ‘Hard and Soft Law in International Governance.’. In: International Or-
ganization 54, 3, 2000, pp. 421-456. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1402966 [Consultado em 16.06.2019].
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Pilar 3: Resposta oportuna e decisiva
Não obstante a ideia de prevenção, esta não se perfaz sem que haja eficácia nas tomadas
de decisão, e, portanto, o terceiro pilar se faz necessário. Este pilar pode ser visto vertical-
mente, uma vez que implica na responsabilização conjunto de vários estados, em resposta
aquele estado que manifestamente falhou no exercício de sua soberania. Sua caracterís-
tica permite não somente reunir estados, mas em acordos bilaterais, regionais e até glo-
bais, como sugere o diploma em voga.
Diante destas bases sólidas, porém, muito conflituantes que o R2P mostra sua pri-
meira face no cenário global. A responsabilidade de proteção surge como resposta para
afinar a relação entre os estados, que até então utilizavam do seu poder soberano para
fazer impor sua vontade no cenário macro sem considerar os riscos à vida humana. O R2P
permite relativizar esta tensão entre os estados e provocar a reflexão no sentido de preve-
nir atrocidades contra a humanidade.
Vejamos então como se estrutura o R2P como instrumento de soft law aplicável.
C. O instrumento de soft law: responsabilidade de proteção (responsibility
toprotectr2p)
Perante a comunidade internacional, em face as incontáveis atrocidades em massa que
violavam diretamente direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e o
próprio direito a vida, foi que o instituto R2P encontrou guarida. Tais violações – pratica-
das principalmente por Estados – possuíam natureza estritamente económica, ou seja, as
ações de afronta a humanidade derivaram de um interesse meramente material. Nestes
termos que os organismos de natureza internacional/ comunitária tomaram a frente e
criaram o instrumento R2P; e precisamente neste momento do estudo trazemos para o
seio da pesquisa o indispensável comentário de Edward Luck, que serve de combustível
a sua criação.
Breaking that cycle of violence is something that everyone has talked about for years
and years, but now it’s an eort to have a comprehensive systematic program to try to do
something about it. Its not easy, but it’s well worth trying.”
É interessante perceber que o instrumento de R2P induz a uma nova dimensão no que
tange a responsabilidade estadual no combate a criminalidade de uma forma geral. Apli-
cável sob a égide do princípio do Estatuto de Roma, a que gere o Tribunal Penal Internacio-
nal, o diploma sugere aos estados aprimoramento continuo no combate a criminalidade
nacional, inclusive no que tange aos sistemas judiciais locais. A aqui um comprometi-
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mento dos estados, não somente no viés de proteção a sua população, mas principalmente
no combate a criminalidade, assistindo assim aos tribunais internacionais para este fim,
ou aos crimes relacionados ao R2P.
Outra característica relevante é o processo de autorreflexão a que sugere o diploma, ou
naquele processo em que convida os estados a alise do comportamento de suas popu-
lações no que diz respeito a qualquer ideia predatória que possa culminar num eventual
massacre. Neste momento é fundamental construir uma relação saudável de dlogo entre
os povos para se possa frutificar harmonia, e não as guerras e os consequentes massacres.
Neste mesmo caminho, o diploma sugere a prevenção dos crimes alimentando a res-
ponsabilidade individual, tendo em vista que isto geraria uma maior consciencialização
no sentido de se evitar a chegar em crimes de larga escala. Ora, se um indivíduo não está
mais protegido pelo manto de uma instituição política, passaria então a agir com mais
cautela a saber que sua punição seria individual e diretamente aplicável a sua pessoa.
Outro fator importante, mas não menos importante é o carácter vinculativo da norma
advinda do R2P, nesta fase, haja vista que o próprio instrumento implica obrigações e
deveres aos estados, e, por conseguintes responsabilidades legais.15
Neste sentido podemos extrair do artigo 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de
Justiça que, como fonte do direito internacional com efeito vinculativo, determina:
“1. O Tribunal (*), cuja função é decidir em conformidade com o direito internacio-
nal as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará: a. As convenções internacionais,
quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos
Estados litigantes; b. O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite
como direito; c. Os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d.
Com ressalva das disposições do artigo 59, as decisões judiciais e a doutrina dos publicis-
tas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das
regras de direito.
2. A presente disposição não prejudicará a faculdade do Tribunal (*) de decidir uma
questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem”.
Todavia, ainda que o Tribunal preveja a aplicação por via das convenções internacio-
nais, e considerando que o R2P pode ser adequado a aclamada categoria, ainda assim não
poderíamos determinar o efeito vinculativo da norma advinda do instrumento R2P.16 O
fundamento para esta afirmação jaz na ideia de que o Direito Internacional não recebe, por
15 HUISINGH, Frank – “A Responsibility to Prevent? A Norm’s Political and Legal Effects”. In: Amsterdam Law Forum,
VU University Amsterdam. Winter issue, 2013. p. 6.
16 HUISINGH, Frank – “A Responsibility to Prevent? A Norms Political and Legal Effects”. In: Amsterdam Law Forum,
VU Universtity Amsterdam. Winter issue, 2013, p.6.
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via de autoridades superioras, poderes coercitivos para reforçar a aplicação das normas
eminentemente internacionais17.
Ao retomar a leitura do Relatório sobre a implementação do R2P, sob as vias da Assem-
bleia Geral das Nações Unidas, e considerando os pilares fundacionais do instituto em
tela, já tratados outrora no estudo, passamos a discursar sobre a questão da intervenção
humanitária – seja oriunda de um conflito conceitual, ou mesmo doutririo. Consoante
o relatório, a aludida intervenção possui dois extremos, sejam eles: (a) manter-se inerte
aos atos de massacre e de afronta a vida humana em larga escala; ou (b) utilizar da força
militar para, coercitivamente, proteger estas populações.
Deste conflito surge uma nova posição doutrinária, que passa a relativizar, como já
citado, a soberania dos estados em prol da manutenção da paz global e da dignidade vida
humana. Ora, se por um lado antes tínhamos a soberania como exercício unilateral da
vontade de um dado Estado, já agora o seu exercício imputará responsabilidades de prote-
ção a sua população. Ao que Francis trata de “soberania como responsabilidade”.18
Desta forma, ao Estado que cumpre a obrigação no exercício da sua soberania, levando
em consideração a proteção de sua população em respeito aos direitos humanos, não have-
ria de se importar com o risco/ iminência de sofrer uma intervenção militar sob a égide
do R2P.
Em desenvolvimento, o R2P vai então atuar nos casos em que seja detetado qualquer
afronta a integridade da vida humana, nomeadamente aquelas em que sejam oriundas
de crimes de guerra, genocídio, crimes de xenofobismo e os crimes contra a humanidade,
conforme consta do pilar 1, sobre as responsabilidades do Estado:
13. The first three sentences of paragraph 138 of the Summit Outcome capture unam-
biguously the underlying principle of the responsibility to protect:
“Each individual State has the responsibility to protect its populations from genocide,
war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity. This responsibility entails the
prevention of such crimes, including their incitement, through appropriate and necessary
means. We accept that responsibility and will act in accordance with it.
Definitivamente o âmbito delineado pelo R2P demonstra com clareza a resposta as
experiências traumáticas históricas que culminaram na morte de milhares de pessoas.
17 Ler sobre a Teoria da Interatividade do Direito Internacional por Brunnée e Toope. (J. Brunnée & S.J. Toope – Le-
gitimacy and Legality in International Law. An Interactional Account. Cambridge: Cambridge University Press 2010a.)
18 FRANCIS, M. Deng et aliiSovereignty as Responsibility: Conflict Management in Africa. Washington, D.C.: Brookings
Institution Press, 1996.
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Ademais, para além do dever imputado aos estados de proteger a sua população, é de suma
importância citar o fator preventivo que se extrai do ponto 14 do relatório sobre a imple-
mentação. Neste diapasão, fica claro que a prevenção, como sugere o relatório, começa “em
casa”, ou seja, ao Estado cumpre o bom trato da sua população, construindo organismos
que venham a gerir as pessoas de forma a lhes entregar condições de vida plausíveis, e,
principalmente que atuem proactivamente na gestão dos conflitos internos, prevenindo
sempre que possível.
Por fim, mas não menos importante, o relatório recorda também que faz parte da mis-
são do Estado na questão da integração social evitar qualquer tipo de tratamento injusto
ou desproporcional, com vistas a evitar os conitos desta natureza. São fatores que devem
ser praticados em nível económico e político, e que não depende, de forma alguma do nível
de desenvolvimento económico. É simplesmente uma questão de princípio.
Então vimos que a ambição da Assembleia Geral das Nações Unidas era a de gerar
um documento capaz de reunir estados e instigar a sua reflexão. Resta concluído que aos
estados incumbe – em fator preventivo – proteger a sua população e gerir os riscos de
quaisquer movimentos que possam vir a causar as já aludidas atrocidades contra a huma-
nidade.
Com base nestas premissas, passamos a analisar o Regulamento Dublin III, que gere
os pedidos de asilo e o realojamento populacional dos indivíduos que ingressam no conti-
nente europeu sob o abrigo do estatuto dos refugiados.
Ao retomar aos objetivos do atual estudo cujo foco principal paira sobre a inter-relação
que existe entre as premissas aludidas do R2P, quais sejam os fatores de prevenção, rea-
ção, e reconstrução relativamente ao exercício da soberania estadual na proteção de sua
população, com as premissas advindas do Regulamento Dublin III na proteção da vida
humana, seja por parte dos estados-membros da União Europeia, ou mesmo pelos estados
responsáveis aos fluxos migratórios (estados de origem).
Diante destas afirmações a que passamos a analisar no seu conteúdo prático o suge-
rido Regulamento.
III. O Regulamento n.º 604/2013, da União Europeia
(regulamentodubliniii)
A. Natureza
Em face aos constantes fluxos migratórios nos terrenos fronteiriços aos estados-membros
que compõem a União Europeia, surgiram questões de interesse global quanto a proteção
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dos direitos humanos dos indivíduos envolvidos, ou seja, surge um movimento em que
reconhecia a necessidade de se proteger os nacionais de países terceiros, ou mesmo os
apátridas sob a égide da proteção internacional.
Neste diapasão criou-se o diploma que passamos a analisar, a cujo principal objetivo
era o de gerir os pedidos de proteção internacional direcionados aos estados-membros,
tendo em vista a determinação do país da UE responsável pela alise do pedido de asilo,
bem como conceder a proteção devida até a aplicação do estatuto.
Outro ponto muito importante, que pode se assemelhar diretamente ao fator preven-
tivo visto outrora a luz do R2P, é o novo sistema de deteção precoce de problemas nos
sistemas nacionais de asilo ou acolhimento, bem como de identificação das suas causas
de origem, no sentido de prevenir crises em grande escala, ponto em que trataremos mais
adiante.
Não obstante a natureza preventiva, veremos a seguir que a possibilidade de detenção
dos requerentes em casos espeficos, bem como os mecanismos de alerta rápido, estado
de preparação e gestão de crises, estes últimos entendidos como inovações da versão ter-
ceira do Regulamento Dublin.
Em vigor desde 2014, o atual regulamento revoga seu antecessor, o regulamento
Dublin II (Regulamento N.º 343/2003), que já se mostrava desatualizado com a realidade
em dada altura. Isto demonstra a direta e real vontade da UE em trabalhar na constrão
do aludido Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA).
Para que o regulamento fosse aplicável, foi necessário criar um arcabouço normativo
para tornar viável as premissas advindas do regulamento, desta forma, vemos as diretivas
do Parlamento Europeu e do Conselho, 2011/95/UE, de 13 de Dezembro, a que trata das
condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem bene-
ficiar de proteção internacional; 2013/32/UE, de 26 de Julho, que aborda os procedimentos
comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional; e a, 2013/33/UE,
de 26 de Junho, que estabelece as normas em matéria de acolhimento dos requerentes de
proteção internacional.
Não obstantes também os regulamentos n.º 603/2013, de 26 de Junho, relativo à criação
do sistema ‘Eurodac’ de comparação de impressões digitais para integrar o processo de
análise dos pedidos de asilo, principalmente no tocante a comparação dos dados coletados
pela Europol na busca da construção do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça – ELSJ19;
19 MARIN, L. – “Policing the EU’s External Borders: A Challenge for the Rule of Law and Fundamental Rights in
the Area of Freedom, Security and Justice? An Analysis of Frontex Joint Operations at the Southern Maritime
Border”. In: Journal of Contemporary European Research. Volume 7, Issue 4, 2011. pp. 468-487. Disponível em: http://
www.jcer.net/ojs/index.php/jcer/article/view/379/305 [Consultado em 15.05.2019].
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o regulamento n.º 1560/2003, de 2 de Setembro, que estabelece os critérios e mecanismos
de determinação do Estado-Membro responsável pela alise de um pedido de asilo; o
regulamento de execução n.º 118/2014 que altera o regulamento n.º 1560/2003 nos mesmos
termos.
Recorda-se do estudo em tela que o atual Regulamento Dublin III, para alem do fator
preventivo, é aplicável de forma a remediar a crise dos fluxos migratórios forçados, sendo
assim considerado um verdadeiro instrumento paliativo a crise que se punha em estados
terceiros geradores dos fluxos migratórios (estados de origem). Ora, se o carácter preven-
tivo está intimamente ligado a ideia de realojar pessoas nos países que compõem o bloco
de União Europeia, por que não seria crível a sua aplicação num carácter paliativo, no sen-
tido de permitir, por arrasto, a aplicação do R2P aos estados responsáveis pela evasão de
seus nacionais, quando o real motivo da sua evasão não se origina numa autonomia da
vontade das partes evadidas, mas meramente na escassez de opções, ou mesmo na afronta
a própria dignidade da pessoa humana.
Obviamente que o regulamento se limita as regras europeias e sua gestão está deli-
mitada pelas fronteiras da UE, entretanto, nada impede que diante da eminente crise em
larga escala, os estados-membros possam intervir em carácter preventivo e reativo nos
aludidos estados responsáveis, sejam por vias do R2P numa aplicação análoga a questão
do risco de crise sistémica.
Importante perceber que existem vários relatórios em que se poderiam aproveitar os
dados, e que deveriam ser aplicados à atual questão. Desde as alises que advêm do pró-
prio relatório de risco criado pelo Regulamento Dublin III, que gerem os fluxos migrató-
rios e as alises dos pedidos de asilo, até mesmo por outras vias que atuam diretamente
neste contexto, como é o caso da Agência FRONTEX, responsável por gerar inúmeros rela-
tórios20 a cerca das imigrações irregulares no cenário transfronteiriço europeu. Neste sen-
tido não podemos deixar de citar o comentário trazido por Maria Gargano:
“The borders of Members States have been merging into the European ex-
ternal borders determining a shift of paradigm towards an integrated manage-
ment of the borders. The creation of Frontex back in 2004 represents a break-
through in this process”21.
20 O regulamento relativo à guarda costeira e de fronteiras europeia (Regulamento (UE) 2016/1624), que entrou em
vigor em 6 de outubro de 2016, expande as fontes a partir das quais os dados pessoais podem ser recolhidos e o
tipo de informação que pode ser processado e permite à agência Frontex usar sua própria equipe para coletar
dados pessoais.
21 GARGANO, Maria – “Borders as a practice: The Reform of Frontex and the Re-signification of the European Ex-
ternal Borders” ID: 6121484 European Migration Law and Citizenship, 2016. Disponível em: https://www.academia.
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B. A agência frontex no texto do controle fronteiriço europeu
Desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Carta Europeia dos Direitos Fundamen-
tais vincula a Frontex; e o Regulamento 1168/2011 (UE) codifica os deveres que a Frontex
deve cumprir no seu funcionamento no que diz respeito ao direito dos direitos funda-
mentais, tanto europeu como internacional. A agência é então convidada a aprimorar e
desenvolver ainda mais sua estratégia no campo dos direitos fundamentais, para adotar
um Código de Conduta para as operações de retorno e, finalmente, duas novas ferramen-
tas diferentes são postas em prática para apoiar a implementação da estratégia: o Fórum
Consultivo e o Oficial de Direitos Fundamentais. O primeiro é um fórum estabelecido na
agência, a fim de auxiliar o diretor executivo e o conselho de administração em questões
de direitos fundamentais. O Fórum Consultivo foi criado e realizou sua reunião inaugural
em 16 de outubro de 2012. É composto por 15 organizações (agências da União Europeia,
agências da ONU e organizações da sociedade civil) representando diferentes ramos da
ação para a defesa dos direitos humanos, entre outras Caritas Europa, Amnistia Interna-
cional e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR.
Recorda-se ainda que o aludido fórum consultivo se reúne duas vezes por ano, realiza
visitas e examina a situação das operações e adota um relatório anual e um programa de
trabalho com vistas a criar um plano de ação nas operações posteriores em carácter pre-
ventivo.22 Os relatórios são mecanismos de prevenção que atuam de forma a minimizar os
danos aos direitos fundamentais dos refugiados que atravessam ilegalmente as fronteiras
europeias. Seus efeitos encontram similitudes com os advindos da atividade dos meca-
nismos de alerta rápido, já em sede da aplicação do Regulamento de Dublin III, os quais
passamos a alise.
C. Mecanismo de alerta rápido
Preliminarmente, insta destacar que o regulamento em análise, como dito anteriormente,
compunha como instrumento normativo jurídico, na busca de um espaço comum de pro-
teção e de solidariedade, de acordo com o art.º 78º do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia (TFUE), para as pessoas a quem é concedida a proteção internacional.
edu/32476345/Borders_as_A_Practice_the_Reform_of_Frontex_and_the_Re-signification_of_the_European_External_Bor-
ders?email_work_card=view-paper. p. 2. [Consultado em 14.05.2019].
22 Neste sentido: GARGANO, Maria – ‘Borders as a practice: The Reform of Frontex and the Re-signification of the
European External Borders’ ID: 6121484 European Migration Law and Citizenship. Disponível em: https://www.
academia.edu/32476345/Borders_as_A_Practice_the_Reform_of_Frontex_and_the_Re-signification_of_the_European_Ex-
ternal_Borders?email_work_card=view-paper. p. 15. [Consultado em 15.06.2019].
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Responsibility to protect – r2p – a luz das relações internacionais e sua aplicação prática nos fluxos migratórios forçados
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Recordemos que o aludido espaço comum também foi um desdobramento da preocu-
pação dos Estados-Membros na aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, neste sentido à proteção da família.
Diante do risco de violação dos direitos advindos da Carta de Direitos Fundamentais
da União Europeia – CDFUE em sede de asilo, bem como dos demais direitos internacio-
nais e dos refugiados, estabeleceu-se um sistema de cooperação em nível da União Euro-
peia, para que assim fosse possível garantir os aludidos direitos.
Em que pese o principal objetivo do documento em pauta ser o de alise e determi-
nação do Estado-Membro responsável pela análise do pedido de asilo, veremos que o seu
fator preventivo se mostra aparente quando cuidamos do mecanismo intrínseco ao seu
funcionamento, ou o mecanismo de alerta rápido.
O mecanismo por ora tratado surge do ponto (22) do regulamento, quando aborda a
real necessidade de gestão de crises em matéria de asilo23, sendo certo que sua aplicação
será diretamente no sentido de prevenir deteriorações ou ruturas dos sistemas de asilo.
Consoante o texto do diploma temos:
“Esse processo deverá assegurar que a União seja alertada o mais rapidamente possível
para as situações suscetíveis de pôr em causa o bom funcionamento do sistema instituído
pelo presente regulamento em virtude dos sistemas de asilo de um ou mais Estados-Mem-
bros estarem sujeitos a pressões especiais e/ou devido a deficiências dos sistemas de asilo
de um ou mais Estados-Membros.”24
Posteriormente, já em seu artigo 33º, o Regulamento Dublin III vem abordar o Meca-
nismo de alerta rápido.
Importantes notas, relativamente ao core do atual estudo, serão aquelas em que se pontua o
fator preventivo, bem como a elaboração de um plano de ação e suas subsequentes revisões advindas
do seu natural decurso.
Vejamos então como se aplica o processo pela observação e elaboração do plano de ação preven-
tivo neste sentido. O Gabinete Europeu de Apoio ao Asilado, a partir de informações coletadas por
via de investigações gera um relatório, que é levado a conhecimento da Comissão Europeia, donde
em trabalho cooperativo são geradas recomendações endereçadas aos Estados-Membros envolvi-
dos. A recomendação visa sempre minimizar o risco de crises no sistema de asilo, detetando pre-
cocemente falhas no seu funcionamento, ou mesmo sobrecarga do mesmo. Aos Estados-Membros é
facultado a liberdade de elaborar um plano de ação, por iniciativa própria. Os planos de ação devem
23
Nota-se por base à aplicação do dispositivo por vias das informações recolhidas pelo EASO (European Asylum
Support Oce) ao abrigo do Regulamento (UE) nº 439/2010.
24 Ponto (22) do Regulamento Dublin III (Regulamento Nº604/2013, de 26 de junho de 2013, do Parlamento Euro-
peu e do Conselho)
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ser elaborados num prazo de ts meses máximos, quando forem solicitados por via de órgãos exter-
nos (regionais), bem como sua revio e respetiva execução, cuja qual far-se-á nos mesmos termos.
Neste sentido recordamos a agilidade na resposta às crises, em que cumpre ao Conselho, o acom-
panhamento, a fim de solicitar mais informações e dar orientações políticas, nomeadamente a cerca
da urgência e gravidade da situação.
A efetividade do mecanismo de alerta rápido depende, diretamente dos demais órgãos e sistemas
integrados, no que concerne a União Europeia. Vimos, até então que, os indivíduos serão identifica-
dos aquando da sua entrada em território europeu, de onde serão traçados seus pers familiares,
coletadas as impressões digitais, cruzados dados de passaporte e de estadias anteriores, a fim de se
determinar o Estado-Membro a que irá acolher e analisar o pedido de asilo.
Ora, se diante das demasiadas crises no sistema de geso de asilo no cenário europeu, fez cul-
minar na real necessidade de se criar um mecanismo dedicado a sua análise e geso, com vistas a
prevenir futuras crises, este mecanismo também trouxe benefícios aos Estados-Membros, uma vez
que já agora os mesmos terão flexibilidade para requerer auxílio europeu na gestão de suas crises,
bem como poderão gerar relatórios com os dados cruzados a fim de se determinar a real origem dos
fluxos migratórios.
No que tange aos relatórios, consideramo-los de grande valia quando adotarmos os resultados
obtidos à aplicação complementar do R2P nestes termos. O processo é simples. Se os Estados-Mem-
bros cruzam dados entre si, através do acordo de cooperação regional, para gerar relatórios de gestão
de crise dos sistemas nacionais de asilo, porque não aplicar os mesmos dados para detetar a origem
dos fluxos migratórios, correlacionando-os aos riscos globais pela proteção internacional, bem como
as premissas previstas da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – CDFUE, aplicável
por transposição da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, em nível internacional
por força da Organizão das Nações Unidas.
Nestes termos, os relatórios gerados, a priori, para combater as crises nos sistemas de asilo nacio-
nais europeus colaborariam de forma direta ao processo de deteção dos estados responsáveis pelos
fluxos migratórios, tornando possível a interferência por via dos estados envolvidos na comunidade
global, sempre a seguir as diretrizes tratadas outrora, aquando da análise do instrumento de R2P.
Diante desta observação, é mister analisarmos os pontos comuns que permitem correlacionar o
fator preventivo de ambos os institutos, com o objetivo de desenvolver um planeamento de coopera-
ção mútua que culmine na expansão do core previsto em sede de R2P no que tange a autorizão pela
intervenção aos Estados originários responsáveis pelas crises migratórias.
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IV. O fator preventivo e a sua correlação prevista do instituto da
responsabilidade de protecção – r2p
Ora, vimos até então que o novo paradigma global é a preocupação pela manutenção da
paz, por via dos mecanismos que dedicam a cultura de paz, não obstante à preservação da
vida humana, por via da proteção dos direitos fundamentais dai inerentes.
Também foi possível extrair do estudo que, ambos os institutos analisados possuem
um core comum no que se refere à cooperação internacional com vistas a manutenção
dos direitos humanos, dos direitos fundamentais, à prevenção de crises sistémicas aplicá-
veis através de variados mecanismos de alerta. A mera associação destes valores leva aos
Estados à decisão pelo esvaziamento de suas soberanias em prol do bem comum25, nestes
casos, à proteção a vida humana e a cultura de paz como consequência lógica.
Todavia, a intervenção a soberania é o primeiro ponto de embate no que consiste a
política de internacionalização de tais institutos. Por um lado, o Regulamento Dublin III
me sede de direito de asilo no âmbito europeu, por outro o R2P num contexto global de
diplomacia internacional, porém ambos limitados as antigas e inócuas rédeas da sobera-
nia estatal, que ainda assim permitem aos estados tomar decisões, ou mesmo se esquivar
destas sem sofrer qualquer tipo de sanção.
O atual cenário tem demonstrado que isto já não é considerado uma verdade incontes-
tável, haja vista a preocupação da comunidade internacional quando às reiteradas ações
de certos Estados culminem num dano aos demais, principalmente quando se tratam de
vidas humanas no cerne da questão, como é o caso de ambos os institutos em análise.
Os debates a cerca das crises migratórias tomam palco, não somente no contexto euro-
peu, mas num âmbito global, porque muitas das vezes são eles os primeiros indícios dum
risco de uma crise sistémica que, certamente culminará num conflito militar (guerra).
Neste diapasão é fundamental criar um arcabouço jurídico normativo com vistas a cul-
tura de paz, sendo certo que a inversão do paradigma, anteriormente egstico do ponto
de vista da soberania de um Estado pela mera proteção de seus nacionais, jaz agora num
conceito aberto de proteção à vida humana, independentemente de raça, nacionalidade ou
qualquer outro tipo de distinção.
Nestes termos, a novo conceito de paz advinda da cultura de paz pode ser lida, por-
tanto, por via da Carta das Nações Unidas, como um objetivo a ser alcançado em conjunto
com a segurança, ambas em nível internacional. A universalidade de direitos imanentes
aos indivíduos e oponíveis a todos, principalmente aos Estados, nos limites da Declaração
25 Neste sentido BERMAN, Paul Schiff – Op cit., p. 492.
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Universal dos Direitos Humanos criam o arcabouço normativo (soft law transposta a hard
law) que fundamenta a razão de ser da atual pesquisa.26
Ora, se consideramos a importância pela manutenção dos direitos ditos fundamentais
oriundos dos diversos diplomas internacionais e regionais supracitados, aplicar-se-iam os
mecanismos de prevenção previstos de ambos os institutos em análise com vistas a pro-
teção destes direitos.
O real objetivo dos mecanismos preventivos estudados, não jaz na ideia de tornar um
Estado assistencialista no sentido de abraçar os problemas oriundos dos fluxos migrató-
rios foados, mas além, de evitar o dano as vidas humanas envolvidas.
Entretanto, é importante lembrar que o fator preventivo previsto de ambos os institu-
tos está sempre ligado a questão da proteção dos já aludidos direitos fundamentais ine-
rentes; contudo, o atual estudo procura inter-relacionar o R2P ao Regulamento Dublin III,
com visas a permitir os Estados afetados pelos fluxos migratórios forçados a intervir aos
Estados origirios dos nacionais imigrantes, quando o facto gerador for a má gestão ou a
omissão destes Estados para com suas populações, infringindo assim os valores advindos
do Direito Humanitário, como os direitos fundamentais, mormente os humanos.
Neste contexto é possível criar um elo que justifique, por vias do R2P a intervenção
nos Estados responsáveis pelos fluxos migratórios forçados, reconhecidamente pela res-
ponsabilização pelos crimes contra vida em massa, sendo certo que a aplicabilidade do
Regulamento Dublin III no contexto europeu será restrita aos casos remanescentes em
que se demonstre a ineficácia dos mecanismos preventivos em sede de R2P.
A cultura de paz num patamar internacional permite que sejam construídos planos
de ação consistentes em ambos os institutos, para que sejam aplicáveis as premissas apre-
sentadas outrora, ou seja, a prevenção, a reação e a reconstrução, no contexto migratório.
Relembramos o relatório da Comissão Internacional (2001) aquando cita:
The responsibility to rebuild focuses on the recovery, reconstruction and
reconciliation of a state and aims at preventing potential recurrences of huma-
nitarian crises.
A partir desta premissa, originariamente de soft law, podemos aplicar por arrasto o
conceito de reconstrução à intervenção aos Estados responsáveis, com vista a manutenção
da paz mundial, e não somente, mas principalmente à proteção aos direitos humanos ine-
rentes da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH.
26 PIRES, Alex Sander Xavier – Op. cit., pp. 78-98.
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V. Notas conclusivas
O estudo buscou, inicialmente, pela constrão normativa do instituto do Responsabilidade
de Proteção – R2P, primariamente reconhecido como instrumento de soft law, mas que a
posteriori veio a ser aplicável por vias normativas e transposto ao direito regional e interno
aos Estados, numa escala global. Foi possível então, perceber que a partir dos relatórios mera-
mente declaratórios emitidos pela Comissão27, em 2001, iniciou-se o processo de “empower-
ment” do instituto R2P em sede de direito internacional, que ganharia mais força após sua
adoção pela Organização das Nações Unidas – ONU, através do complexo relatório citado na
Cimeira de 2005, que após o devido amadurecimento fez surgir a Resolução (A/RES/63/308).
Ora, o instituto agora ganhou raízes de hard law, haja vista que sua aplicabilidade esta-
ria vinculada aos Estados-membros da ONU, e por vias acessórias, oponível a Estados ter-
ceiros que infringissem direta, ou indiretamente quaisquer das disposições encontradas
na norma (resolução).
No mesmo contexto, porém no cenário regional europeu, foi possível elucidar as dire-
trizes advindas do Regulamento Dublin III, diploma que conduz o processo de alise e
determinação do Estado-Membro responsável pelo processamento do pedido de asilo dos
imigrantes de estados terceiros, garantidos assim pelo estatuto dos refugiados.
Nesta fase foi crível traçar pontos comuns que serviriam, posteriormente, para inter-
-relacionar e tornar viável a conclusão da pesquisa. O conjunto de intersecção entre ambos
os institutos analisados vão desde: a comum proteção aos ditos direitos fundamentais e
aos direitos humanos, até a aplicação de mecanismos de ação rápida que visem minimizar,
ou mesmo prevenir as crises sistémicas, num plano de ação conjunta sob a égide da coo-
peração internacional.
Diante desta ‘nova’ realidade, podemos extrair que o conceito de soberania estadual, pra-
ticado até então, sofrera mutações necessárias a adaptação destes instrumentos. Ora, se um
Estado que comete crimes em massa contra a vida, passará a responder perante a comuni-
dade internacional pelos crimes cometidos à sua população, ao passo que o exercício de sua
soberania será limitado no que tange ao dever da proteção de sua população, nestes termos.
O mesmo podemos dizer da aplicação do Regulamento Dublin III, sob o cenário regio-
nal europeu, donde um Estado-Membro se compromete a análise e processamento de um
pedido de asilo, ainda que não esteja geograficamente envolvido, ao transpor ao direito
interno a norma regional aplicável a luz do regulamento. Aqui jaz também a ideia de que a
soberania estadual será relativizada com vistas ao bem comum geral, sempre pela melhor
proteção das garantias fundamentais dos indivíduos (seres humanos) envolvidos.
27 Relatório da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estadual de 2001.
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Há muito que percorrer nos caminhos científicos para que seja possível discorrer
sobre todos os documentos tratados no curso da pesquisa, motivo pelo qual decidimos nos
manter concentrados nos dois documentos (R2P e Regulamento Dublin III), mormente no
controle fronteiriço e nos eventos ocorridos no Mar Mediterneo, que envolvem a ques-
tão política de omissão, ou má gestão dos Estados origirios aos imigrantes oriundos do
fluxo migratório forçado encontrado nesta região.
Ainda sobre a revisão do conceito de soberania dos Estados, há que citar a influência
de ambos os diplomas no direito constitucional (direito interno) dos Estados envolvidos,
culminando num verdadeiro esvaziamento da soberania em prol da proteção aos direitos
fundamentais, ou melhor, na busca do bem comum sob a diretrizes da cultura de paz.
Hodiernamente já não é possível sustentar discursos políticos que sejam eivados de
valores individualizados e egoísticos. Aos Estados que pretendem agir conforme seus úni-
cos interesses devem ser punidos a luz da comunidade internacional por via da aplicação
dos instrumentos normativos de direito internacional aplicáveis, consoante a ilegalidade
na prática de seus atos e decisões políticas.
De facto, resta comprovado que a influência da soft law no contexto de ambos os
institutos, constrói uma nova realidade que beneficia os indivíduos na proteção de suas
garantias e direitos fundamentais, sem os quais não seria possível o convívio harmónico.
A possibilidade de iniciar um debate saudável e a promoção de valores sociais diante da
comunidade mundial, para a reflexão, a análise e a ulterior mudança fazem do instru-
mento de soft law indispensável a evolução das sociedades.
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