REVISTA
DEDIREITO
EECONOMIA
ISSUE 1·1ST JANUARY–30TH JUNE·FASCÍCULO 1·1 DE JANEIRO–30 DE JUNHO 2021
VOLUME XXII
e‑ISSN 2184‑1845
OPEN ACCESS · LIVRE ACESSO
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA
VOLUME XXII · Issue 1 · 1st January–30st June 2021
Semiannual Publication. Scientic Journal of the Ratio Legis–Centro de Investigação e De-
senvolvimento em Ciências Jurídicas from the Universidade Autónoma de Lisboa–Luís de
Camões.
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GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA
VOLUME XXII · Fascículo 1 · 1 de janeiro–30 de junho 2021
Publicação semestral. Revista Cientíca do Ratio Legis–Centro de Investigação e Desenvolvi-
mento em Ciências Jurídicas da Universidade Autónoma de Lisboa–Luís de Camões.
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E ‑ISSN 2184 ‑1845
DOI https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1
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TITLE TÍTULO Galileu–Revista de Direito e Economia
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Valter Santin Universidade Estadual do Norte do Paraná,
Brasil santin@uenp.edu.br
Vasco Branco Guimarães ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa,
Portugal vbrguimaraes@net.sapo.pt
Índice Index
6 Editorial Editorial
RUBEN BAHAMONDE
8 Diálogos de metodologia da ciência do direito: o método histórico na perspetiva de Savigny e
Laboulaye Methodology dialogues in the science of law:the historical method from Savigny's
perspective and Laboulaye
ALEX SANDER PIRES
31 Cultura de paz e direito à saúde Culture of peace and health law
ROBERTA C. BALBI CAMPOS
53 Responsibility to protect – r2p – a luz das relações internacionais e sua aplicação prática nos fluxos
migratórios forçados Responsibility to protect – r2p – the light of relationships international
standards and their practical application in forced migration flows
CARLOS IMBROSIO FILHO
81 La sanzione senza precetto. Verso un congedo delle misure di prevenzione dalla materia
penale? The sanction without prescription. Towards a dismissal of preventive measures from
criminal matters?
FEDERICO CONSULICH
113 O impacto da pandemia (covid‑19) na saúde – pública, institucional e política – da união
europeia The impact of the pandemic (covid‑19) on health – public, institutional and political – of
the european union
PAULO FRANCISCO
133 As fronteiras do espaço schengen a partir dapandemia da covid‑19 The borders of the schengen
area from the pandemic covid‑19
RAPHAELA FIGUEIREDO
RECENSÕES
REVIEWS
148 Recensão crítica da obra Cadeia de Custódia da ProvaCritical Review of the book «Chain of
Custody of the Evidenc
INÊS ALEXANDRA FERREIRA ESPADILHA
5
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 1 · 1st January Janeiro – 30th June Junho 2021 · pp. 6‑7 6
Editorial Editorial
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXI · 1st January Janeiro–31TH June Junho 2021 · pp. 6‑7
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.1
Seguindo a nossa caminhada, apresenta-se este novo número da Revista Galileu, agra-
decendo os diversos trabalhos de investigação rececionados, alguns dos quais ora se publi-
cam. Neste número, o Professor Doutor Alex Sander Pires, da Universidade Autónoma de
Lisboa, contribuiu com um interessante artigo, entorno da metodologia do Direito, intitu-
lado “Dlogos de Metodologia da ciência do Direito: O método histórico na perspetiva de Savigny
e Laboulaye”.
Desde a Itália, o Professor Doutor Federico Consulich, da Universidade de Génova,
colaborou com um artigo intitulado “La sanzione senza precetto. Verso un congedo delle misure
di prevenzione dalla materia penale?”, onde postula uma maior defesa dos direitos dos cida-
dãos perante mecanismos abusivos com os quais a liberdade pessoal é comprimida, quer
antes, quer independentemente da prática de um crime na Itália.
Apraz-nos também apresentar dois trabalhos de investigação dos doutorandos da Uni-
versidade Autónoma de Lisboa, a Doutoranda, da Universidade Autónoma, Roberta Balbi
Campos, com um trabalho que se debruça sobre a inter-relação entre a manutenção da
paz e do direito à saúde, intitulado “Cultura de Paz e Direito à Saúde” e o Doutorando
Carlos Imbrosio Filho, com o trabalho intitulado “Responsibility to protect – R2P – à luz
das relações internacionais e sua aplicação prática nos fluxos migratórios forçados”, que
se debruça sobre a soberania dos Estados Membro da União Europeia, como resultado da
proteção dos Direitos Fundamentais e dos Direitos Humanos, assim como os mecanismos
de ação rápida que visem minimizar, ou mesmo prevenir as crises migratórias sistémicas.
Estes dois trabalhos de investigação foram desenvolvidos no âmbito do projeto de Investi-
gação e Desenvolvimento (I&D) “Cultura de Paz e Democracia” do Ratio Legis- Centro de
Investigação e Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da UAL.
Encerrando os contributos de investigação científica, este número inclui também o
trabalho de investigadores noveles da Universidade Autónoma de Lisboa, que no desen-
volvimento do seu mestrado, analisaram, desde o ponto de vista jurídico, o impacto da
pandemia (COVID-19) no âmbito da saúde, no caso do mestrando Paulo Francisco, com um
trabalho intitulado “O impacto da pandemia (COVID-19) na saúde – pública, institucional
e política – da União Europeia”, e no âmbito do espaço Schengen, no caso da Mestranda
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Raphaela Figueiredo cujo tema é “As fronteiras do espaço Schengen a partir da pandemia
da COVID-19”.
Finalmente, é apresentada também a recensão da obra do Professor Doutor Manuel
Monteiro Guedes Valente, Cadeia de Custódia da Prova, 3ª Ed., Almedina, 2021, de grande
relevância no seu campo científico e prático, como o evidencia uma terceira edição.
O Diretor da Galileu
Ruben Bahamonde Delgado
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Diálogos de metodologia da ciência do direito:
o método histórico na perspetiva de Savigny
eLaboulaye
Methodology dialogues in the science of law:
the historical method from Savigny's perspective and Laboulaye
ALEX SANDER PIRES1
asxpires@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 8‑30
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.2
Submitted on April 10th, 2021 · Accepted on May 20th, 2021
Submetido em 12 de Abril, 2021 · Aceite a 20 de Maio, 2021
RESUMO Reconhecer um método para que o Direito possa ser visto como Ciência não
é tarefa simples, principalmente quando várias áreas do saber se dedicam a este fim;
outrossim, a questão se torna mais complexa quando se exige que o Direito deva se
reconstruir para garantir uma nova conceção de império da lei. Neste contexto, ressoa
a questão: como constituir cientificamente o Direito vigente diante do desafio de
reconstrução político-social de Estado pertencente a família romano-gernica no domínio
das premissas iluministas pós-napoleónicas? Como contributo, pretende-se apresentar
dois diálogos (Thibaut-Savigny e Savigny-Leboulaye) que, partindo da reconfiguração
da Escola Histórica, permitem reconhecer o método histórico em perspetiva comparada
sugerindo a recopilação do Direito vigente, no âmbito da codificação, desde a consciência
geral do povo até o Direito científico.
PALAVRASCHAVE Método histórico, Direito científico, Consciência geral do povo.
ABSTRACT Recognising a method so that Law can be seen as Science is not a simple
task, especially when several areas of knowledge are dedicated to this end; furthermore,
the issue becomes more complex when it is required that Law should be reconstructed
to ensure a new conception of the Reign of Law. In this context, one question resounds:
1 Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais com estudos pós-doutorais em justiça constitucional europeia, Doutor em
Ciência Política, Professor vinculado à Universidade Autónoma de Lisboa, Coordenador e Investigador Integrado
do Ratio Legis — Centro de Investigação e Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da Universidade Autónoma de
Lisboa [Projeto: Cultura de Paz e Democracia], e Colaborador do Centro de Investigação CEDIS/FDUNL.
9
Diálogos de metodologia da ciência do direito: o método histórico na perspetiva de Savigny e Laboulaye
ALEX SANDER PIRES
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how can we to scientifically constitute the actual Law in the face of the challenge of
political-social reconstruction of the State belonging to civil law family in the domain
of post-Napoleonic Enlightenment premises? As a contribution, we intend to present
two dialogues (Thibaut-Savigny and Savigny-Leboulaye) which, starting from the
reconfiguration of the Historical School, allow us to recognise the historical method in a
comparative perspective suggesting the recompilation of the actual Law, within the scope
of codification, from the general consciousness of the people to scientific Law.
KEYWORDS Historical method, Scientific Law, General consciousness of the people.
I. Introdução
Ah, o Direito! Este complexo produto do fenómeno social que desafia a reflexão humana
desde tempos imemoriais. Viver em ordem, sempre! manter-se vivo sem regras, nunca! A
sociedade precisa garantir a ordem interna de suas instituições para manter-se viva, para
existir; para tanto, é indispensável a elevação da regra ao nível de normas e, dentre tantas,
reconhecer o elemento jurídico. Eis o primeiro ponto de angústia intelectual: no âmbito
da segurança social em ordem interna das instituições sociais, como reconhecer a norma
jurídica como única ou, ao menos, a mais importante dentre as demais normas sociais?
Coerção, coação e sanção, elementos intimamente ligados são apresentados para justi-
ficar a força da norma jurídica em sociedade; anal, o poder irrestrito de tudo fazer deve
ser sucedido pela delimitação do agir social (se preferível, a passagem da liberdade natu-
ral para a liberdade civil e, em nível constitucional, para a liberdade política) que define,
com o máximo possível de amplitude, a conduta humana em sociedade. A norma jurídica,
pela importância e prevalência diante de outras normas sociais, prefere, agora, tratamento
diferenciado, exige ser chamada de lei, lei enquanto produto do Direito. Mas, o que garante
a autoridade da norma jurídica neste novo domínio reconhecido como lei enquanto pro-
duto do Direito?
Da vontade do povo até o interesse do Estado em reconhecer a necessidade dos fatores
reais de produção diante da necessidade política percebida em determinado momento his-
tórico, justificam inúmeras teorias, escolas e ponderações, que desafiam, para plena com-
preensão, o reconhecimento de seu valor científico. A questão agora é outra: Como tratar o
Direito visto como lei (e, ordem) no domínio científico?
Da teoria filosófica à prática sociológica, ambas restritas ao Direito — que procura um
método para chamar de seu —, muitos são os possíveis caminhos de reflexão, dentre eles o
10
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reconhecimento de um Direito científico concebido desde o Direito popular, inspirado no
Direito consuetudinário, e amadurecido no Direito positivo, que, reconhecendo os factos
históricos, encontra na consciência geral do povo a origem da norma jurídica transposta
em tempos modernos ao domínio do império da lei.
Eis a pretensão do presente artigo, sistematizar o método histórico na perspetiva da
Escola Histórica desenvolvida desde a influência de Friedrich Carl von Savigny, restrito
a dois limites observados a partir dos dlogos com Anton Friedrich Justus Thibaut (a
dissonância a cerca dos fins sobre os quais se deveria justificar um Código Civil geral
para toda a Alemanha, considerando a importância dos factos históricos confirmados pela
experiência do povo alemão, especialmente na relação com o Direito romano e os Direitos
locais, em perspetiva dos costumes, usos e tradições) e Édouard Laboulaye (pela inversão
do paradigma de influência, em que se pode perceber o contributo da Escola Histórica
alemã — pós Savigny — na perceção dos juristas franceses; e, isto, tem relevância ao se
reconhecer a resistência de Savigny à experiência “científica” francesa que originara o
Código napoleónico).
II. Emblemático ano de 1814: debate entre thibaut e savigny
Quem lê o Über die Notwendigkeit eines allgemeinen bürgerlichen Rechts für Deutschland2 (Sobre
a necessidade de um Direito Civil geral para a Alemanha), de Anton Friedrich Justus Thi-
baut, se depara logo no início com a afirmação que “todas as classes serviram a boa causa
com uma energia e harmonia que quase se pode dizer sem precedentes, e os nossos prínci-
pes têm todos os motivos para estarem convencidos de que os alemães são um povo nobre,
forte e generoso, não só pedindo insistentemente justiça aos seus governantes, mas tam-
bém expressando a sua gratidão, e que este momento magfico deve, portanto, ser usado
para destruir de uma vez por todas os velhos abusos, e para lançar uma base firme para a
felicidade do indivíduo por instituições civis novas e sábias”3.
A dita referência marca dois pontos fundamentais do argumento de Thibaut e introduz
o momento vivido pela Alemanha em 1814, sempre em referência a tradição política, social
2 THIBAUT, Anton Friedrich Justus — Über die Notwendigkeit eines allgemeinen bürgerlichen Rechts für Deutschland. Hei-
delberg: Mohr & Zimmer, 1814.
3 Tradução livre e pessoal de: “Todos los estamentos han servido a la buena causa con una energía y una armonía
que, casi puede decirse, carecen de precedente, y nuestros príncipes tienen motivos sobrados para convencerse de
que los alemanes constituyen un pueblo noble, fuerte, generoso, que no solo recla- ma estentóreamente justicia a
sus gobernantes, sino que también expresa su agradecimiento, debiéndose, por tanto, aprovechar este magnífico
momento para destruir definitivamente los antiguos abusos y cimentar firmemente la felicidad del individuo,
mediante nuevas y sabias instituciones civiles” (Thibaut, 2015, p. 12).
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e jurídica como demonstrado pelo passado imemorial do povo alemão: os debates sobre
o desmembramento político, e a necessidade de criação de uma legislação uniforme para
toda a nação — se preferível, para todo o território.
A assinatura do Tratado de Paris, de 30 de maio de 1814, cujo término da guerra havia
garantido a liberdade aos alemães, e, mais adiante, a instauração do Congresso de Viena,
pôs em causa a influência dos franceses, tanto no trato social como em nível jurídico
assentado na realidade do Código napoleônico, vigente desde 1804. Neste tenso ambiente,
tentava-se manter a unidade alemã contra a rutura política que levasse ao restabeleci-
mento e/ou surgimento de pequenos Estados dissociados; enm, discutiam-se os limites
do desmembramento entre os Estados alemães que viam, em sua realidade, o que as Tre-
zes Colónias Norte-americanas experimentaram, anos antes, ao constitrem, jurídica e
politicamente, os Estados Unidos da América do Norte, possível após as disputas entre os
ideólogos do confederalismo e do federalismo, havido até a promulgação da Constituição
de 1787.
A unidade alemã devia ser mantida embora respeitadas as particularidades dos peque-
nos Estados. Anal, “em uma federação de Estados pequenos, a peculiaridade do singular
goza de um amplo espaço livre, a diversidade pode desenvolver-se até o innito e a união
entre o povo e o governante é muito mais íntima e viva”4; e, mais, o respeito à Constituição,
o estímulo a moralidade pela educação e as boas práticas de governo, garantem, além de
uma maior eficácia militar, o controle sobre os governantes e, por conseguinte, do próprio
Estado.
Criar um código de origem alemã (não de raiz francesa5) era a pretensão. Não um
código que restitsse os antigos costumes locais, tampouco que se adaptassem os antigos
digos6 fundamentados no “autêntico modo de ser alemão”; mas, um código atual — bür-
gerliches Recht7 (Thibaut, 1814, p. 12) — que fosse adequado formal e materialmente; um
código que formulasse “seus preceitos de uma maneira clara, inequívoca e abrangente”,
4 Tradução livre e pessoal de: “(...) en una federación de Estados pequeños, la peculiaridad de lo singular goza de un
amplio espacio libre, lo diverso puede desarrollarse hasta lo infinito y la unión entre el pueblo y el gobernante es
mucho más íntima y viva (...)” (Thibaut, 2015, p. 11).
5 Via o código francês (napoleónico) como garantidor do “egoísmo popular” francês contrário ao estado de igualda-
de jurídica baseado no sentido fraternal de igualdade dos alemães (Thibaut, 2015, p. 25).
6 Thibaut era crítico da legislação anterior. Por vezes, apunha-se contra o excesso de autoridade e a pocua abran-
gência da norma; que, quando muito, caracterizaria um tímido desenvolvimento para alguma instituição; em
outras, a insuficiência da norma por ser um amontoado confuso e contraditório de preceitos que se anulam entre
si, trazendo mais dúvidas do que certezas sobre o Direito (Thibaut, 2015, p. 13-14).
7 O código atual propõe ser um código (de Direito) Civil, neste compreendido os Direitos privado, penal e proces-
sual (Thibaut, 2015, p. 13).
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ordenando “as instituições civis de forma sábia e adequada, em completa conformidade
com as necessidades dos súditos” (Thibaut, 2015, p. 13).
Se o Direito em perspetiva histórica, legislado ou costumeiro, não devia ser invocado
ao novo Código, tampouco deveriam ser os Direitos canônico e romano: aquele, por deno-
tar uma alta carga espiritual sobre questões seculares, manifestadas por inúmeras dispo-
sições obscuras, fragmentadas e incompletas; e, este, por regulamentar a experiência de
uma nação estrangeira, recompilada no período de sua decadência, com costumes distin-
tos dos alemães8. Como constituir, então, o novo código?
O código pensado por Thibaut devia ser simples e nacional, construído sobre os fenó-
menos sociojurídicos e exigências da época assentadas tanto na situação civil como na
necessidade do povo, bem como ser coerente com os novos anseios dos governos alemães
centrados na união nacional tendente a garantir ao poder central um ordenamento civil
duradouro. Em técnica, deveria ser justificado no espírito alemão e totalmente acedível,
em compreensão, desde os ignorantes até os eruditos, a ponto de facilitar os julgamentos
por apresentar aos advogados e juízes um “Direito vivo atual aplicável em cada caso” (Thi-
baut, 2015, p. 20).
Meses mais tarde, ainda no ano de 1814, Friedrich Carl von Savigny publicou a obra Vom
Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft9 (Da vocação de nossa época para a
Legislação e a Ciência do Direito) com o interesse de dialogar com Thibaut, não quanto ao
fim de defender a unificação legislativa da Alemanha com o fortalecimento científico do
Direito em contraposição ao forçado uso do Código civil francês, o qual ambos estavam de
acordo, mas quanto aos meios.
Neste âmbito, Savigny discordava de Thibaut: a um, por duvidar da capacidade de uma
assembleia (colegiado constituído maioritariamente pelos representantes das forças polí-
ticas e sociais da época auxiliados por juristas) para criar um código novo com tamanha
importância e necessidade de desvelar o espírito do povo, mesmo que reconhecesse as for-
ças postas a disposição cingidas aos juristas e comerciantes/empresários (Geschäftsmänner
und Juristen von gelehrtem Beruf10); e, a dois, a amplitude das matérias e institutos jurídicos
que deveriam marcar a natureza do código em contraposição a singularidade proposta por
Thibaut com sua restrição ao que denominou de Direito civil (Direitos privado, penal e pro-
cessual), ou seja, deveria ser um código orgânico — organisches Ganze (Savigny, 1814, p. 157).
8 Há, em verdade, sobre o Direito romano, uma relação de respeito e desconfiança; o sentimento de ser importante
para formação do Direito alemão, mas insuficiente para assumir a sua autoridade; útil a interpretação do sistema,
mas não como modelo de lei (Thibaut, 2015, p. 15-18).
9 SAVIGNY, Friedrich Carl von — Vom Beruf unserer Zeit für Gesetzgebung und Rechtswissenschaft. Heidelberg: Mohr &
Zimmer, 1814.
10 Empresários (homens de negócios) e juristas de vocação erudita (Savigny, 1814, p. 156).
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O momento desafiava o equilíbrio entre a necessidade de constrão de uma inova-
dora ordem normativa que garantisse e sistematizasse o novo Direito, mas sem perder o
sentimento e o respeito pelo que o passado ensinara desde a evolução natural dos povos
(alemães e estrangeiros) e suas instituições, o que Savigny via como o legado mais provei-
toso e fecundo deixado pela História. Mas, afinal, que método adotar?
II.A. Método de Savigny na Beruf: entre a História e o Direito positivo
O Beruf, então, marca a refutação de Savigny aos fundamentos para elaboração do Código
civil para toda a Alemanha propostos por Thibaut, cuja pretensão seria a formação de uma
legislação orgânica que contribuísse para manter a unidade nacional legitimada por uma
ciência do Direito que respeitasse a autoridade teórico-científica, de um lado, e reconhe-
cesse a importância da História, de outro; considerando que a lei atual estava intimamente
ligada aos valores e elementos do passado da qual emergiu. Dito nestes termos, a Ciência
do Direito é histórica, incumbindo aos juristas a tarefa de adaptar e renovar os textos jurí-
dicos, do passado ao presente11.
Da atenta refutação e cuidadas objeções, percebe-se a presença de um método centrado
na alise do Direito positivo em perspetiva comparada, possível pela observação das fon-
tes jurídicas históricas, das tradições dos povos (especialmente dos povos alemães e cen-
tradas nos costumes), e dos códigos paradigmáticos da época, conforme sistematizou e,
pela importância para o binómio observação-experimentação, se induz a referência.
II.A.a. Observação e alise: os ts códigos
Imbuído da missão de demonstrar, lógico-racional e cientificamente, que os códigos então
apresentados, ainda que em proposição, não teriam justificação teórico-científico, espe-
cialmente, pela dúplice restrão aos elementos históricos ilustrados pela imprecisa e insu-
ficiente materialidade, parte para análise dos três principais códigos da época: ofrancês
(imposto por Napoleão Bonaparte), o prussiano (inspirado por Frederico II) e o austríaco
(fundado nas aspirações de Maria Teresa).
Pela abrangência, reconheceu o Código francês como mais político do que técnico,
característico dos efeitos das consequências da Revolução e do despotismo militar de
Napoleão que, de facto, denotaria um retrocesso aos movimentos sociojurídicos franceses,
enquanto deveria dar atenção mais acurada ao Direito preexistente em sua dúplice mani-
festação: a influência do Direito romano e os costumes franceses (Savigny, 2015, p. 41).
11 Cf. ZIMMERMANN, Reinhard — L’héritage de Savigny. Histoire du droit, droit comparé, et émergence d’une
science juridique européenne. In: Revue internationale de droit économique, Paris. Tomo XXVII, 2013, p. 99.
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De igual modo, alertou para os desvios na elaboração do texto, uma vez que a obra pro-
posta pelos quatro relatores do Projeto devia ser deliberada pelo Conselho de Estado para
depuração e fortalecimento dos elementos jurídicos em perspetiva popular; o que se viu,
no entanto, foi a omissão, uma vez que o Conselho de Estado não interveio na parte téc-
nica, e o Código continuou a ser obra dos relatores, de juristas propriamente dito (Pothier,
Portalis, Bigot-Promeneu e Maleville).
Melhor sorte não experimentou a questão material por se apresentar incompleta e
imprecisa quanto aos três elementos que pretendia regulamentar: a seleção das matérias,
a escolha das disposições sobre cada matéria e os critérios subsidiários que permitissem a
integração normativa naquilo que o Código não se bastasse.
Em conclusão, observou que o Código não garantia — embora pretendesse — a unidade
orgânica, quer material, quer formal, uma vez que continha o algama de elementos
transpostos mecanicamente do Direito anterior — este, mesmo, ainda heterogêneo quanto
à relação entre o Direito romano e os costumes franceses — e da Revolução12.
Da evidente heteronomia entre os Códigos francês e prussiano, começa Savigny por
afirmar que não haveria elementos de comparação entre os ditos instrumentos jurídicos,
simplesmente pelos motivos de elaboração: a um, a atenção escrupulosa e o amor dedicado
às coisas que caracterizariam os alemães; e, a dois, as diferentes influências externas vivi-
das em França e Prússia.
Tais motivos se justificam por ter o Código francês sido elaborado rapidamente para
suavizar os efeitos negativos da Revolução, enquanto o Código prussiano teria a tranquili-
dade de ser elaborado para se constituir em obra perfeita garantida pelo equilíbrio com as
fontes locais o que lhe garantiu a condição de verdadeiro Direito subsidrio, a substituir
outros — especialmente os Direitos romano e comum da Saxónia, além de algumas leis
estrangeiras.
Em referência a técnica, o Código prussiano foi erigido sobre o Direito justinianeu, de
sorte que a relação com o Direito romano se verificaria em duas partes: a regra e as exce-
ções; sendo imperioso compreender os fundamentos da regra e bem definir as exceções,
o que somente seria possível com o sólido conhecimento da História do Direito, desde os
factos até as fontes.
A partir desta constatação, Savigny determinou o que seria o seu procedimento: pri-
meiro, resumir-se-ia o Direito justinianeu para o pleno e adequado conhecimento das
fontes; segundo, o planeamento da obra levaria em alta conta os fundamentos sobre os
12 A referência é apenas de natureza material pela pretensão de análise, nesta oportunidade, da importância de
elementos histórico e comparado.
15
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quais deveria ser formada a administração da justiça, a ponto de o juiz aplica-la meca-
nicamente13 por ser simples, materialmente completa e justificada nos valores do povo
(expressão de Frederico II)14; terceiro, consequente ao anterior, o método determinado pre-
veria que os casos concretos fossem julgados e resolvidos por ali estar o Direito aplicável,
sendo desnecessária a atuação dos juristas quanto ao descobrimento do Direito em todo o
ordenamento jurídico; quarto, ter atenção aos riscos de tradução dos elementos de Direito
romano para a língua alemã; quinto, respeitar a opinião popular da época sugerindo-se a
oitiva das forças sociais representativas (comerciantes e doutores — se preferível, juris-
tas); e, sexto, deveria se preocupar em promover o conhecimento dos elementos históricos,
resumidamente, do Código.
A análise do Código prussiano levou a do Código austríaco, especialmente pela simi-
laridade de fontes e de proposições. Assim, quanto a técnica, o Projeto foi fruto de um
resumo do Direito romano recompilado em idos do século XVIII, e posto ao estudo e à
análise pelas universidades e tribunais austríacos, cuja revisão deu origem ao Código.
Materialmente, o Código austríaco é considerado mais original do que o prussiano
porque os autores se preocuparam mais com a equidade natural (natürliche Billigkeit) do
que com o Direito romano, como prescrevera Maria Teresa (Savigny, 1814, p. 97). Ademais,
tratar-se-ia de um Código dedicado a regulamentar os conceitos das relações jurídicas e as
suas regras mais gerais.
Estruturalmente, dividiu-se entre os conceitos (forma ou teoria) e as regras práticas,
assim se caracterizando: primeiro, as regras práticas ganhavam mais destaque do que
os conceitos, os quais se apresentavam demasiadamente gerais, imprecisos e fundamen-
tados na literalidade ou na imprecisão das modernas interpretações do Direito romano;
segundo, a generalidade dos conceitos e a carência de um tratamento mais acurado (falta
de plenitude) sobre eles, que dificultaria a integridade material, e teria seus efeitos nas
regras práticas quando, na maioria dos casos, o Código não determinasse de maneira ime-
diata a norma jurídica a ser aplicada ao caso concreto, devendo-se proceder a um juízo
externo com amparo no tratamento indicado no Código para os casos análogos e, não
13 A intenção de Frederico II era de ter um Código que afastasse do juiz o poder de interpretar; afinal, a norma jurí-
dica devia ser clara e evidente. Acaso fosse incerta ou insuficiente era necessária a consulta ao poder legislativo
(no projeto do Código estava proibida a interpretação do juiz, e tudo era enviado à comissão legislativa, inclusive
os casos singulares — Savigny, 2015, p. 58), constituindo-se, para tanto, um procedimento prático indutivo de
técnica de julgamento e método de segurança jurídica para o juiz: primeiro, fundamento em lei; segundo, justifi-
cação nos princípios gerais do Código; e, terceiro, adoção da analogia aproveitando-se as leis afins.
14 A versão final do Código derrogou a consulta limitada e qualquer outra, readmitindo o poder de interpretar, facto
contrário a pretensão de Frederico II (Savigny, 2015, p. 58). Percebe-se, desde então, que a atuação mecânica dá
lugar à científica, mas restrita às exceções, não a regra jurídica ínsita no Código.
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sendo suficiente, a invocação ao Direito natural — reconhecidamente insuficiente e peri-
goso (Savigny, 2015, p. 68).
A observação para análise histórica em perspetiva comparada como a realizada por
Savigny sobre os três Códigos, elaborados sobre mesmo momento histórico e diante de
similar expetativa de codificação do Direito civil, permitiu-lhe três considerações: a um, os
Códigos têm origem no Direito romano; a dois, fundamentam-se em institutos de Direito
romano adaptados aos costumes (ou, se preferível, a realidade) dos povos; e, a três, a neces-
sidade de ser fiel às fontes.
II.A.b. Direito positivo: do Direito consuetudirio ao Código, uma técnica
Ao refletir sobre a origem do Direito positivo, Savigny (1814, p. 14) armou que todo Direito
(Recht) nasce como Direito consuetudinário (Gewohnheitsrecht), ou seja, origina-se, primei-
ramente, dos costumes (sitte) e das crenças populares (volksglaube), para após se reconhe-
cer na jurisprudência (jurisprudenz); portanto, somente em tempos modernos deduz-se da
vontade do legislador (willführ eines gesetzgeber). Percebe-se, pois, a imporncia da História
para compreensão de como se desenvolveu o Direito para os povos nobres.
Diante desta reflexão, viu a formação do Direito em duas fases: primeiro, o depurar da
consciência do povo que induz uma conduta formal em sociedade a partir da observação
e experimentação do que aconteceria na prática das relações entre os indivíduos que for-
mam o povo; e, depois, em tempos modernos, a transposição desta forma — desta prática
jurídica — para a teoria a partir da experiência imemorial do povo em leitura dos atuais
juristas que, não gozando da confiança e certeza dos antigos, aproveitar-se-iam do valor
das palavras postas em leis e códigos.
A transposição permite três constatações: a um, o Direito está em constante transfor-
mação (crescimento) tal qual o povo, de sorte que se constitui, aperfeiçoa e morre con-
forme as particularidades deste mesmo povo; a dois, o fundamento do Direito é a própria
consciência (Bewußtsein), primeiro do povo, depois dos juristas; e, por fim, consequente da
formação da consciência, o Direito posto em teoria pela consciência dos juristas parece —
e, por vezes, realmente é — arbitrio15 (Savigny, 1814, p. 11).
Pois bem, em idos do século XIX, diante dos desafios de se criar Códigos gerais, por
certo não se deveria fazer apologia à liberdade política, tampouco a defesa das leis para
garantia de governos (embora se reconhecesse a necessidade de adequação das leis diante
da nova realidade política). Em concreto, pretendia-se, como delimitou Savigny (1814,
15 O Direito posto pela consciência dos juristas parece arbitrário pela distância desde o desvelar no âmbito do povo
(volksgeist) que nem sempre permite confirmar sua certeza; mas, também, por denotar, por vezes, uma vontade
política (quiçá um ativismo) incompatível ou contraditória com o fundamento jurídico.
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p.17-18), que o Estado investigasse e definisse seu sistema jurídico para, em um docu-
mento escrito, poder valer como fonte única do Direito vigente, cuja técnica adotada fosse
a de determinar o Direito vigente na atualidade diante da experiência e consciência histó-
rica do povo, acrescido e/ou alterado por leis novas impostas pela nova realidade política.
Quanto ao desafio de determinar o Direito vigente, o recopilador deve ter claros três
requisitos ao elaborar o Código: a) sua natureza, a qual deve ser justificada na reta deter-
minação de perquirir um Direito nacional geral que substitsse, resolvendo a crise de
validade, os Direitos locais, garantindo a mais elevada certeza jurídica que se apoiasse na
aplicação equânime; b) seu conteúdo baseado na certeza de sê-lo o mais completo possível,
uma vez que assumiria a condição de ser a única fonte de Direito responsável pela reso-
lução de todos os casos jurídicos pós-apresentados; e, c) sua forma deve ser inspirada na
aptidão para exposição em que se prestigiasse as regras gerais com linguagem acedível a
todos e dotada de atenta brevidade (Savigny, 1814, p. 20-26).
II.A.c. Do Direito romano ao Direito comum em Alemanha: refletindo
sobreométodo
Definidos os parâmetros para seu método histórico, Savigny propôs a análise prática, o
que lhe desafiou a observação pregressa do contemporâneo sistema normativo dos povos
alemães, pelo qual não tardaria a reconhecer a aproximação entre o vigente Direito comum
(gemeinen Rechts in Übung) e o Direito romano (Römisches Recht), ligados pela codificação
justinianeia, em essência, e pelos preceitos, diretos e indiretos, na prática.
Tal prática do Direito comum é percebida não só pela apropriação direta de elementos
de Direito romano, mas, também, naquilo que fora abandonado intencionalmente, cuja
compreensão somente seria possível diante das fontes comuns. Portanto, “esta importân-
cia histórica do Direito romano é transmitida ao Direito alemão, que foi preservado em
todo o lado nas leis dos vários países, com o resultado de que continuam a ser incompreen-
síveis sem referência às fontes comuns”16.
O Direito romano que se falava, no entanto, seria fruto da longa e apaixonada expe-
riência de seu povo que lhe desafiou o desenvolvimento, interno e ininterrupto; aquele
Direito erigido sobre princípios orientadores de toda a prática que garantiria a estabili-
dade e segurança na realização dos conceitos e dos preceitos normativos. Desta relação
entre povo e princípios no desenvolvimento do Direito, que se manifesta na fácil e recí-
16 Tradução livre e pessoal de: “(...) esta importancia histórica del Derecho romano se la comunica el Derecho ale-
mán, que se ha conservado por doquier en los Derechos de los países, de manera que estos permanecen necesa-
riamente incomprendidos si no se acude a las fuentes comunes” (Savigny, 2015, p. 34).
18
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proca transição entre o geral e particular17, é que se verifica a superioridade do método dos
juristas romanos (Savigny, 1814, p. 30).
Outrossim, o Direito romano se formou quase que totalmente de dentro para fora a
partir da consciência do povo (Direito consuetudinário) com pouca importância, em nível
de influência, das leis esparsas. Ademais, percebe-se historicamente que enquanto se
manteve em progresso, não se pensou na elaboração de códigos (mesmo que se observas-
sem adequadas condições para este fim), sendo expediente prático somente após o período
de declínio (Savigny, 1814, p. 31).
III. O sistema do direito romano e a escola histórica
O que de todo se percebe no Beruf é a certeza de Savigny que a Ciência do Direito é his-
tórica, isto é, ultrapassaria a simples interpretação da vontade do legislador, em dado
momento, ao criar a lei, para impor ao observador a análise do Direito positivo em pers-
petiva comparada possível pela observação das fontes históricas, das tradições dos povos
(especialmente, por experiência pessoal, do povo alemão) e dos códigos paradigmáticos
da época que permitiriam confirmar a origem do Direito atual no Direito romano, direta-
mente ou por adaptação das disposições aos costumes alemães locais, bem como o dever
de fidelidade às fontes.
Quanto à técnica, leva-nos a reflexão sobre a origem do Direito positivo quando afirma
que todo Direito (Recht) nasce como Direito consuetudirio (Gewohnheitsrecht), ou seja,
origina-se, primeiramente, dos costumes (sitte) e das crenças populares (volksglaube), para
após se reconhecer na jurisprudência (jurisprudenz); portanto, somente em tempos moder-
nos deduz-se da vontade do legislador (willführ eines gesetzgeber).
Dentre as diversas considerações, duas são mais diretas: o Direito se forma na cons-
ciência, primeiro do povo, e depois do jurista (fala-se, aqui, da relação entre o wolksgeist e
a Bewußtsein); e, o Direito atual a ser recopilado ao Código deveria ser objeto de análise de
todo o Direito vigente (histórico) a admitir novas leis (adequação político-normativa).
17 “Em cada preceito fundamental veem ao mesmo tempo um caso de aplicação, e em cada caso litigioso a regra que
a determina, e o seu domínio só pode ser reconhecido na facilidade com que passam do geral para o particular
e do particular para o geral”; tradução livre e pessoal de: “En cada precepto fundamental ven al mismo tiempo
un caso de aplicación, y en cada caso litigioso la regla que lo determina, no pudiendo menos de reconocerse su
maestría en la facilidad con que pasan de lo general a lo particular y de lo particular a lo general” (Savigny, 2015,
p. 29).
19
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Este eixo temático acompanhou a produção intelectual de Savigny em várias oportu-
nidades para além Beruf18, a ponto de se poder afirmar que “o Direito de um determinado
período, argumentou, não pode ser entendido isoladamente, pois o presente está indisso-
luvelmente ligado ao passado do qual emergiu. A ciência jurídica deve, portanto, ser de
natureza histórica — a sua principal tarefa é a penetração intelectual, adaptação e renova-
ção dos textos jurídicos, tal como eles nos chegaram”19.
Restrito a este contexto, em 1840, Friedrich Carl von Savigny publicou sua obra System
des heutigen Römischen Rechts (Sistema de Direito Romano Atual) pretendendo definir sua
posição diante da escola histórica (historischen Schule) numa perspetiva lógico-científica
bem delimitada que, reconhecendo o constante desenvolvimento do Direito, pretendia
revisitar as teorias antigas, criticar suas imperfeições20, confirmar suas verdades e definir
a posição teórica adequada do Direito (Savigny, 1878, p. 2).
Neste âmbito, denegava o excesso de autoridade do Direito romano, mas se lhe con-
siderava a imporncia (rectius, necessidade) que impunha ao estudioso do Direito atual
seu reconhecimento, a ponto de estabelecer uma indicada comparação entre os Direitos
romano e moderno (Savigny, 1878, p. 5), diante de um minucioso método verdadeiramente
científico (Savigny, 1878, p. 9).
Desde o início, determinou que o Direito romano do início do século XIX em Alema-
nha seria seu objeto de alise, como diz, “a parte da ciência tratada na obra” (Savigny,
1878, p. 21), que se aproximava21 do Direito comum da Alemanha, especialmente no domí-
nio do positivismo. Para tanto, via como necessário o estudo sobre a natureza das fontes
do Direito; de modo que, logo, surgiu a questão: qual seria o fundamento do Direito geral?
O Direito geral não é outro senão o Direito positivo, uma vez que a inteligência humana
sempre justificaria a existência de um Direito em uma regra lógica preexistente legiti-
mada na “consciência comum do povo” (volksgeist22 — melhor a dizer, o “espírito do povo”)
18 A referência são as obras: Das Recht des Besitzes (O Direito de posse, 1803), Geschichte des römischen Rechts im Mittelalter
(História do Direito Romano na Idade Média, 1815-1831), System des heutigen Römischen Rechts (Sistema de Direito
Romano Atual, 1840-1849) et Das Obligationenrecht (O Direito das obrigações, 1851-1853).
19 Tradução livre e pessoal de: “Le droit sur une période donnée, soutenait-il, ne peut être compris isolément, car
le présent est indissolublement lié au passé à partir duquel il a émergé. La science juridique doit donc être de
nature historique – sa tâche principale est la pénétration intellectuelle, l’adaptation et le renouvellement des
textes juridiques, tels qu’ils nous sont parvenus” (Zimmermann, 2013, p. 99).
20 Imperfeição que mais adiante reafirma como erro, entendido como defeito de lógica, de desconhecimento de
um facto ou em virtude de um método vicioso (Savigny, 1878, p. 12).
21 A aproximação entre o Direito romano e o Direito comum em Alemanha, na perspetiva positivista, deveria ser
lida em dois aspetos: um histórico, pelo qual o Direito comum é o próprio Direito romano da época em Alema-
nha; e, outro constitucional, considerando que o império alemão, no âmbito da Constituição (política), consti-
tuía-se sobre um Direito territorial (local) e um Direito comum (Savigny, 1878, p. 23).
22 Pela importância para fundamentação, preferiu-se utilizar a expressão nativa como proposta perlo autor (Sa-
vigny, 1840, p. 15).
20
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que não pode ser anulada, pelo qual se pode chamar “Direito do povo”23 (Savigny, 1878, p.
29).
Considerando, então, que o Direito positivo tem sua origem na consciência comum do
povo, é possível afirmar que o tempo tem dúplice imporncia: a) quanto mais antigo o
Direito, maior a sua força, uma vez que a ação do tempo sobre o ele lhe torna as raízes mais
fortes no seio do povo; e, b) o próprio tempo modifica o Direito, especialmente quando se
reconhece que a sociedade está em constante mutação que desafia a reconfiguração das
relações institucionais e interpessoais, mais evidente no início e de mais complexa perce-
ção com o desenvolvimento.
Para além da legitimação e criação do Direito positivo na consciência comum do povo,
é importante dotá-lo de um elemento a mais de certeza e determinação que afastasse os
riscos das opiniões pessoais, de um lado, e da injustiça, por outro. Em síntese, seria impor-
tante reduzi-lo a lei24, enquanto “expressão do Direito popular” (Savigny, 1878, p. 44).
III.A. O método de Savigny no System: do volk ao wissenschaftliches Recht
A reconfiguração de seu pensamento e o maior interesse na análise do Direito romano no
âmbito da compreensão dos Direitos, popular e positivo, cingidos a iminência de forma-
ção da identidade nacional que impunha a constituição de um Direito científico, estimula
uma nova análise do método de Savigny no System; e, isto, desde o sentido de povo para
plena compreensão da consciência geral até a contemporânea atuação dos juristas, em teo-
ria e prática, para sedimentação do Direito científico.
III.A.a. Volk: de sujeito ativo a consciência geral
Para Savigny (1840, p. 18-20), o povo (volk) é o sujeito ativo e pessoal do Direito, uma vez que
assim considera a comunidade de indivíduos intelectualmente ligados pela língua comum
e pelas tradições renovadas, de geração em geração, desde tempos imemoriais. Vê-se, por-
tanto, a importância de três elementos: unidade (refere-se a todos os indivíduos sucedidos
entre as gerações, dos primeiros aos atuais), tradição (conserva o Direito positivo — positi-
ves Recht — por repassar, em nível de reconhecimento, a força do Direito entre as gerações),
e identidade (embora o Direito nasça no seio do povo e se constitua em positivo, nesta
transposição denota a uniformidade de pensamentos e de ações deste mesmo povo).
23 O Direito positivo é desvelado “deste espírito geral que anima a todos os membros de uma nação, a unidade do
Direito se revela necessariamente em sua consciência, e não é produto da causalidade” (Savigny, 1878, p. 30).
24 A lei concebida no sentido de Direito positivo posto, na forma escrita e compreensível, pela autoridade compe-
tente enquanto atributo do Estado (Savigny, 1878, p. 43).
21
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Para além da criação do Direito, o povo também dá vida ao Estado (Staat); afinal, reco-
nhece o Estado como a manifestação orgânica de seu povo (Savigny, 1878, p. 34). Assim, “as
relações dos indivíduos com o Direito geral recebem do Estado a sua realidade e o seu com-
plemento. O Direito é a expressão do espírito nacional comum, e, portanto, de sua vontade,
que é também a vontade de todos os indivíduos”25.
Diante da redução e dedução do Direito e do Estado ao povo, Savigny (1840, p. 34)
alerta para o uso impróprio da expressão Direito do povo (volksrechts) enquanto sinónimo
de Direito consuetudinário (Gewohnheitsrechts). A ressalva é pertinente para sua teoria
na medida em que, por vezes, se afirma que a regra de Direito é criada pelo costume; no
entanto, para Savigny, a origem do Direito não é propriamente o costume, mas a cons-
ciência geral do povo (gemeinsamen Bewusstsein des volks), manifestada em atos exteriores,
usos, hábitos e também costumes, desvelados das reiteradas condutas uniformes entre os
indivíduos que a marcam como essência26 (Savigny, 1840, p. 35); portanto, o costume é o
meio pelo qual se torna possível reconhecer o Direito positivo (Savigny, 1878, p. 41).
O costume, enquanto elemento central do Direito costumeiro, tem, então, dúplice
caracterização: ser meio pelo qual se reconhece o Direito positivo e, também, forma pela
qual este mesmo Direito se revela. Tais facetas devem ser utilizadas para cada vez mais
determinar a volta aos princípios, fundamentais e secundários, de Direito positivo que
devem estar presente no cotidiano das relações humanas justamente por representar o
sentimento vivo de volta à consciência geral do povo.
III.A.b. Direito Científico (wissenschaftliches Recht)
Progresso e desenvolvimento justificados na razão — lógica —, eis o destino das áreas do
saber que pretendessem ser reconhecidas como Ciência. Com o Direito não foi diferente
e Savigny estava atento às exigências de seu tempo: como definir o método científico que
permitisse o Direito ser reconhecido por seus próprios fundamentos diante das novas dis-
posições e relações? Ou, em síntese, como reconhecer a cientificidade do Direito diante da
25 Tradução livre e pessoal de: “Las relaciones de los individuos con el derecho general, reciben del Estado su reali-
dad y su complemento. El derecho es la expresión del espíritu común nacional, Y por consiguiente, de su volun-
tad, que es también la voluntad de todos los indivíduos” (Savigny, 1878, p. 35).
26 Mencione-se Karl Larenz: “SAVIGNY passou a considerar como fonte originária do Direito não já a lei, mas a
comum convicção jurídica do povo, o «espírito do povo» – o que aconteceu, pela primeira vez, no seu escrito
Vom Beruf unserer Zeit. A única forma em que uma tal convicção logra constituir-se não é, manifestamente, a de
uma dedução lógica, mas a de um sentimento e intuição imediatos. Ora, na sua origem, esse sentimento e essa
intuição não podem estar referidos a uma norma ou regra – concebível apenas como produto de um pensamento
racional, por ser já geral e abstracto; eles só podem ter por objecto as concretas e ao mesmo tempo típicas formas
de conduta que, justamente pela consciência da sua «necessidade intrínseca», são observadas pelo conjunto dos
cidadãos, ou seja, as próprias relações da vida reconhecidas como típicas do ponto de vista do Direito” (Larenz,
1997, p. 13).
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mudança deste paradigma que antes vivia na consciência do povo, mas agora cessa de ser
acessível aos membros da nação?
Diante do novo paradigma, os jurisconsultos27 (Juristenstandes) são chamados a
determinar, com rigor, a aplicação dos princípios fundamentais que desde sempre estão
presentes na consciência do povo, mas que se tornaram obscuros, de difícil perceção.
Asugestão de Savigny (1840, p. 45) leva a dúplice constatação: a um, o Direito do povo
segue o caminho regular de desenvolvimento diante dos novos elementos; e, a dois, os
jurisconsultos devem representar o povo de que tomam parte.
Em sua atuação, os jurisconsultos respondem pela criação prática e direta do Direito
se obrigando a buscar na consciência geral do povo, de que são parte, os princípios fun-
damentais para formação do Direito positivo vigente, mas também exercem a função
científica ao terem que traduzir e integrá-lo independentemente de sua origem. Percebe-
-se, desde então, que a ciência passa a ser um elemento constitutivo do próprio Direito, e
quando aplicada em todas as manifestações jurídicas, induzem um todo orgânico.
A constatação leva a reflexão sobre o risco, em tempos modernos, dada a necessidade
de resposta às novas relações e à amplitude das matérias jurídicas, que desaam a ela-
boração de códigos completos, os quais fixam o Direito no estado em que se encontram,
imobilizando-o, e o privando do desenvolvimento constante e sucessivo impostos pelo
progresso da Ciência (Savigny, 1878, p. 48).
27 Em atenção a importância dos jurisconsultos para a formação do Direito positivo a partir da mudança do para-
digma, esclarece-se que a opção pela tradução de Juristenstandes para jurisconsulto segue a sugestão de Jacinto
Mesía e Manuel Poley conforme tradução ao castelhano de 1878, com fundamento na mais extensa tradução
do instituto proposta originariamente, como se vê em: “As formas externas que a atividade dos jurisconsultos
assume são a imagem da cultura progressiva desta classe. Em primeiro lugar, dão conselhos em certos casos
especiais, concorrem para decisão em um processo (a), indicam as formas necessárias para a solenidade de um
ato, e os seus primeiros ensaios literários são geralmente compilações de fórmulas e instruções, inteiramente
práticas, sobre as formalidades necessárias para a preparação de atos solenes. Gradualmente, as suas obras ad-
quiriram um carácter mais elevado. A ciência começa a nascer, a ter a sua teoria e a sua prática: a sua teoria, nas
doutrinas expostas por livros e relatórios orais; a sua prática, nas decisões dos tribunais, que diferem dos antigos
julgamentos populares por instrução científica dos magistrados e pelas tradições estabelecidas nos colégios per-
manentes”, enquanto tradução livre e pessoal de: “Las formas exteriores que reviste la actividad de los juriscon-
sultos, son la imagen de la progresiva cultura de esta clase. Ante todo, dan consejos en ciertos casos especiales,
concurren á la decisión de un proceso (a), indican las formas necesarias para la solemnidad de un acto, y sus
primeros ensayos literarios son ordinariamente recopilaciones de fórmulas e instrucciones, enteramente prácti-
cas, sobre las formalidades requeridas para la confección de los actos solemnes. Poco a poco, toman sus trabajos
un carácter más elevado. La ciencia comienza á nacer, á tener su teoría y su práctica: su teoría, en las doctrinas
expuestas por los libros y los informes orales; su práctica, en las decisiones de los tribunales, que difieren de los
antiguos juicios populares por la instrucción científica de los magistrados y las tradiciones que se establecen en
el seno de los colegios permanentes” (Savigny, 1878, p. 47). Outrossim, em tempos atuais, define como qualquer
pessoa que tenha estudado o Direito para exercício de funções remuneradas, tais como magistrados, advogados,
escritores ou professores (Savigny, 1878, p. 71).
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Por outro lado, a atuação dos jurisconsultos em favor da Ciência facilita a aplicação da
lei e, por conseguinte, fortalece-lhe as proposições garantindo a supremacia; o que leva a
constatação de terem sobre o Direito positivo uma grande influência. É neste sentido que
se fala da existência de um Direito científico (wissenschaftliches Recht) ou de Direito dos
jurisconsultos (Juristenrecht).
Do receio à certeza, da necessidade à realidade, Savigny pondera sobre o resultado da
atuação dos jurisconsultos, cuja reflexão pode ser reduzida a questão: como uma teoria
formulada por jurisconsulto pode ser considerada uma mais valia científica (dedicada ao
desenvolvimento) para o Direito? A amplitude da questão exige tríplice análise: primeiro,
perceber o que é teoria neste contexto; depois, considerando a mudança atria dos juris-
consultos, de qual deles se fala; e, por fim, em que contingência o Direito popular se apro-
xima do Direito científico.
A teoria (theoretisch) se cinge aos elementos integrantes aos trabalhos dos jurisconsul-
tos que justificam, fundamentam e esclarecem os textos jurídicos enquanto sistema de
Direito, sem criar novos Direitos, mas garantindo a compreensão e certeza para realização
das regras jurídicas já existentes. Ademais, enquanto elemento prático, tais teorias devem
gozar de autoridade científica suficiente e adequada para indicar o cumprimento e aplica-
ção do Direito por ele mesmo, especialmente aos operadores do Direito que não gozam de
conhecimento e capacidade, de per si, para criar a própria doutrina (Savigny, 1840, p.87-88).
Em referência aos jurisconsultos, analisa-os em dúplice perspetiva: o jurisconsulto
romano (poucos eram assim reconhecidos, mas os indicados eram dotados de posição reco-
nhecidamente elevada no mundo jurídico por se dedicar livremente a função de desenvol-
vimento do Direito, tinham em suas opiniões autoridade suficiente para influenciar os
julgamentos, tanto pelo convívio com os pretores como com o imperador, bem como sua
predisposição ao progresso do Direito), e o jurisconsulto alemão contemporâneo (muitos
distribuídos por toda a Alemanha, vistos com desconfiança por representarem determi-
nada sociedade com análise parcial e fragmentária que denotaria um duvidoso conheci-
mento do Direito somente superado após longo período de ponderação que permitisse sua
teoria atingir o estado de generalidade científica).
O Direito popular se formou muito antes que o Direito científico em Roma. Em con-
creto, o Direito científico se constituiu lentamente o que lhe garantiu profundidade e ori-
ginalidade importantes para fundamentar a influência sobre outros povos e em diferentes
momentos históricos. Fruto da atuação dos jurisconsultos, a teoria caminhou juntamente
com a prática, cuja relação de proximidade, exigia da prática para a teoria a determinação
de seus elementos para plena satisfação, o que era possível no domínio científico (Savigny,
1878, p. 72).
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ALEX SANDER PIRES
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IV. Do método histórico na ciência do direito e seu futuro
A reflexão de Savigny não se restringiu a Alemanha. Contemporaneamente ao System
se observava em França, estudos da Escola Histórica como delineada por Savigny, cujo
método se adaptara ao historicismo local, como se vê, por exemplo, nos escritos de Henri
Klimrath, especialmente na obra, Travaux sur l’Histoire du Droit Français28 (Trabalhos sobre a
História do Direito francês), que influenciou, por sua vez, Édouard Laboulaye29.
Em 1855, Édouard Laboulaye publicou o texto De la Méthode Historique em Jurisprudence
et son Avenir 30 (Sobre o método histórico em Ciência do Direito e seu futuro), em que expôs
suas perceções sobre a necessária e constante reconstrução científica do Direito diante
da História da humanidade e da comparação de sistemas em perspetiva temporal e sis-
temática, reconhecendo sobre o método histórico — especificamente sobre o pensar de
meados do século XIX —, a condição de ser o mais fértil a garantir a pretensão das ciências
sociais de compreender a existência de princípios que dessem respostas racionais (pensée
humaine) ao que era divino, garantindo a definição do verdadeiro, do belo e do justo, a fim
de dar respostas às necessidades contemporâneas; e, isto, seria possível pela observação,
racionalização e comparação do que acontecera no passado dos povos pela experiência dos
indivíduos, ligados por elementos jurídicos.
A pretensão, a bem do facto, era de superar o que seria individual em favor do que era
universal, propondo-se a mudança do paradigma de observação que permitisse abandonar
a perspetiva do exato31 sobre o verdadeiro, o belo e o justo, para cuidar da observação sobre
a experiência real dos povos revelada em sua vida cotidiana percebida de época em época,
no passado.
Aquilo que era verdadeiro e absoluto, o próprio princípio em si, no passado, é agora
ultrapassado, embora demonstre-nos as raízes do que hoje se apresenta. Assim, em toda
legislação se revelaria a influência do pensamento do passado destacando o convívio har-
mónico entre os elementos filosófico (teoria) e tradicional (prática), a ponto de a escola
moderna se valer destes elementos de valor histórico para lhe delimitar, nunca lhe asfixiar
(Laboulaye, 1855, p. 3).
28 KLIMRATH, Henri — Travaux sur l’Histoire du Droit Français. Strasbourg: Chez Veuve Levrault, 1843
29 Laboulaye (1855, p. 12) remarca que os estudos de Savigny foram importantes, não só pela revolução imposta à
Ciência do Direito para além da Alemanha diante do método histórico definido com tamanha clareza, segurança
e sobriedade de erudição, que os ensinamentos permitem a seus alunos, dentre eles Henri Klimrath, irem além
no aperfeiçoamento do conhecimento e depuração do método.
30 LABOULAYE, Édouard — De la Méthode Historique em Jurisprudence et son Avenir. In: Revue historique de droit
français et étranger. Paris. V. 1, 1855, pp. 1-23.
31 Trabalhado pela lógica corrente matemática que representa na significação: l’expression mathematique (Laboulaye,
1855, p. 2).
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Édouard pretende demonstrar que o método histórico permite observar quão con-
fusa é a produção do Direito, de época em época, concluindo pela perceção sobre o pouco
progresso conseguido, além das inúmeras lacunas científicas que ainda persistissem na
legislação; e, tal perceção, em certo grau de problemas da Ciência do Direito e da Filosofia
são os mesmos e podem ser restritos a questão de saber qual seria o grau de desenvolvi-
mento humano diante da educação (rectius, informação) recebida do passado (Laboulaye,
1855, p. 3-4).
IV.A. O método histórico por Édouard Laboulaye
A reconstrução do Direito em nível de ciência aproxima-o da Filosofia e, em se conside-
rando a necessidade de retroagir à época de reflexão, o mais ponderável a fazer seria per-
seguir os elementos de filologia a qual percebera que, embora a língua francesa tivesse
íntima relação com a língua romana32, antes recebera influência asiática. Pela mesma
lógica dever-se-ia conduzir a observação e análise das instituições jurídicas, anteceder
para antes da tão conclamada Lei das Doze Tábuas (Laboulaye, 1855, p. 4).
Retroagindo a época histórica, vê em interesse para formação jurídica das instituições
modernas a experiência de três povos (indiano, judeu e grego), e, neste âmbito, integra ao
seu discurso a imporncia das técnicas e método de Direito comparado (législation com-
parée) adaptado ao método histórico, ou seja, a observação e análise deve ser feita diante
da experiência real e concreta de cada povo, em cada período histórico, cuja comparação
somente é possível em restrição ao fenómeno jurídico tomado em cada momento da His-
tória (Laboulaye, 1855, p. 5).
Como exemplo, aos indianos reconhece a imporncia das Leis de Manu quando
demonstram o amalgamar entre o Direito e a religião, típico de uma certa época imemo-
rial da civilização, renovado nas primeiras leis romanas, recuperado no Direito canónico e
reafirmado na Idade Média (Laboulaye, 1855, p. 6).
Aos judeus propõe uma análise em dois momentos, tendo na relação com o cristia-
nismo o ponto de rutura. Antes do cristianismo, a nítida confusão entre Direito e moral; e,
após a influência do dogma sacro-evangélico na formação do Direito canónico ao influen-
ciar a forma e as instituições romanas (Laboulaye, 1855, p. 6).
Aos gregos percebe influência diferente. Toda autonomia dos povos que formaram a
confederação grega impedia a unidade real e, por conseguinte, a identidade única, embora
tenha contribuído para o desenvolvimento das artes e da filosofia (especialmente a passa-
32 Importante marcar a língua romana para reconhecer que, embora o longo período de formação do Direito ro-
mano tenha se deparado com inúmeras mudanças, inclusive com a elevação do grego, prefere-se destacar a raiz
latina.
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gem da mítica para a racional), de modo que somente após o reconhecimento da necessi-
dade comum de defesa contra a ameaça externa asiática observa-se o desenvolvimento da
Ciência do Direito — das Gentes (Laboulaye, 1855, p. 7-8). Nestes termos, é comum afirmar
que, ao seu tempo, os gregos desenvolveram a política, e os romanos o Direito.
Mesmo com as particularidades assentadas na nítida confusão entre Direito, religião,
moral e política, típica da experiência destes povos, vários do princípios são observados
na estrutura romana, tais como: o poder paternal, o casamento, a sucessão, e os sacrifícios
(pinda), dos indianos; o respeito aos costumes garantidos pelas tradições religioso-jurídi-
cas na experiência do Talmud (especialmente no Mishná), entre os judeus; e, a leitura polí-
tica de viés jurídico concebida no seio da cité (polis) que regula toda a vida dos indivíduos,
entre os gregos.
Da influência para constituição do Direito romano, passa-se ao Direito canónico, reco-
nhecido para além da simples adaptação do Direito romano segundo as ideias cristãs
propostas pela Igreja, para satisfazer as necessidades das nações ocidentais, como que-
rem uns; para a proposição de que se trata de um Direito constituído pela Igreja a par-
tir da suavização do Direito romano pelo Evangelho, pelos costumes gernicos e pelas
novas ideias que, romanas pela forma e pelos fundamentos, governou o ocidente por suas
próprias instituições, sendo invocada, quando necessária a busca da justiça, superando
os duelos e outros “jogos nobiliárquicos de honra”, os procedimentos criminais e civis
canónicos (Laboulaye, 1855, p. 13).
Do Direito canónico, indispensável para compreensão da legislação francesa, iniciou a
análise do Direito interno em França propondo o sequenciamento histórico dos diplomas
(v.g. leis bárbaras e capitulares, antigos costumes, ordenações e estilos — formas de pro-
ceder — desde os do parlamento até os de matriz jurisdicional) que permite sistematizar,
para além da formação do Direito até a estrutura contemporânea, os fenómenos, social e
de poder.
Do discurso de Édouard a perseguir o objetivo de sistematizar os factos históricos
de viés jurídico como realmente aconteceram no âmbito dos povos contribuindo para o
desenvolvimento científico do Direito, é possível observar uma estrutura bem definida
que, partindo de eixos temáticos, adota uma técnica dividida em dois elementos: os estu-
dos prévios de reconhecidos estudiosos (há que se ter por referência os autores que se preo-
cuparam com os estudos, ao seu tempo, de cada um dos eixos temáticos), e a importância
do método histórico em perspetiva comparada.
Especificamente sobre a importância do método histórico em perspetiva comparada,
afirma que “a História do Direito nos dá todo o passado da França, o Direito comparado
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nos dá a Europa inteira”33, o que permite armar que o estudo da caminhada das várias
nações contribui para o reconhecimento dos vários estágios de civilização para cada povo,
assim como há distintas idades para os indivíduos; como se vê, por exemplo, no âmbito da
propriedade e da justiça institucionalizada diante de pametros normativos delimitado-
res da jurisdição34.
Na prática, estes modelos concebidos em exemplos são comprováveis, como observa
Édouard, ao seu tempo: na Rússia vale a regra da propriedade comunitária como o era na
França da Idade Média; e, dentre os albaneses e árabes, se observa a vingança e os Direi-
tos de sangue regulamentados como os gernicos, em seu passado jurídico (Laboulaye,
1855, p. 21).
Se se admite a comprovação dos modelos por exemplo como visto, há que se ter atenção
neste momento de aplicação prática; anal, as ligações históricas que admitem a trans-
posição das normas e instituições jurídicas não podem ser tão distantes, mas próximas e
interligadas diante da realidade de cada povo.
Assim, Édouard (1855, p. 21-22) reconhece como impossível comparar por seu método
histórico, franceses e atenienses, mas admite a comparação ente ingleses e romanos,
diante da marcante semelhança no âmbito das instituições políticas e civis, além de ambos
não terem uma constituição escrita formal, reconhecerem de igual modo a força dos pre-
cedentes judiciais, conservarem a mesma influência da religião, aristocracia e costumes
nos instrumentos e instituições jurídicas (v.g. a força dos costumes diante da formação
da lei, de igual modo da jurisprudência na criação dos códigos, e do valor das palavras
na lei diante do espírito legislativo em reconhecimento ao cumprimento escrupuloso das
normas e o respeito à liberdade em igualdade).
V. Conclusão
Ao término do artigo, percebe o atento leitor a opção pela descrição das teorias de Friedrich
Carl com Savigny (Beruf e System) e Édouard Laboulaye (Méthode) quanto aos elementos
imanentes ao método histórico em perspetiva comparada, deduzidos dos factos históricos
posteriores a assinatura do Tratado de Paris e da instauração do Congresso de Viena, a par-
tir de 1814, que estimulou a construção teórica para (re)criação de uma Ciência do Direito
33 Tradução livre e pessoal de: “L’Histoire du droit nous donne tout le passé de la France, la législation comparée
nous donne l’Europe entière” (Laboulaye, 1855, p. 21).
34 «A propriedade comum em toda a parte precede a propriedade individual, a vingança familiar e a lei da talião
aparecem antes da redenção de sangue, e a instituição da justiça regular», tradução livre e pessoal de: “La pro-
priété commune précède partout la propriété individuelle, la vengeance de famille et la loi du talion paraissent
avant le rachat du sang, et l’institution d’une justice régulière” (Laboulaye, 1855, p. 21).
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que resgatasse a autoridade da lei tendente a unificação nacional alemã e de resgate da
identidade tradicional do povo francês, estimulada a partir da proposta de Anton Friedrich
Justus Thibaut.
Tal opção encontra fundamento na própria pretensão do artigo em propor uma lei-
tura sobre a sistematização do método histórico na perspetiva da Escola Histórica desde a
influência de Savigny, em dlogo sobre o fundamento ideológico de criação de um Código
civil geral para toda a Alemanha, com — e contra — Thibaut, justificado na consciência
geral de seu povo, que desse origem a um Direito popular percebido pelos elementos inter-
nos do Direito consuetudinário contributivos para compreensão do Direito positivo que,
após análise teórica metodicamente orientada por critérios formais e materiais, permi-
tisse revelar o Direito vigente adaptado à nova realidade política instruída por leis novas.
O avançar da sistematização permitiu, por um lado, a perceção, justamente, de um
método centrado na alise do Direito positivo em perspetiva comparada, possível pela
observação das fontes jurídicas históricas, das tradições dos povos (especialmente dos
povos alemães e centradas nos costumes), e dos códigos paradigmáticos da época; e, por
outro, a reflexão sobre a origem do Direito positivo, ao se conceber que todo Direito nasce
como Direito consuetudirio, ou seja, origina-se, primeiramente, dos costumes e das
crenças populares, para após se reconhecer na jurisprudência, o que levaria a dedução
lógica que somente em tempos modernos se justificaria na vontade do legislador.
O que de todo se percebe é a certeza de Savigny que a Ciência do Direito é histórica,
isto é, ultrapassaria a simples interpretação da vontade do legislador, em dado momento,
ao criar a lei, para impor ao observador a análise do Direito positivo em perspetiva com-
parada possível pela observação das fontes históricas, das tradições dos povos (especial-
mente, por experiência pessoal, do povo alemão) e dos códigos paradigmáticos da época
que permitiriam confirmar a origem do Direito atual no Direito romano, diretamente ou
por adaptação das disposições aos costumes alemães locais, bem como o dever de fideli-
dade às fontes.
Neste contexto, ao determinar o Direito vigente, o recopilador deve ter claros três
requisitos ao elaborar o Código: a) sua natureza, a qual deve ser justificada na reta deter-
minação de perquirir um Direito nacional geral que substitsse, resolvendo a crise de
validade, os Direitos locais, garantindo a mais elevada certeza jurídica que se apoiasse na
aplicação equânime; b) seu conteúdo baseado na certeza de sê-lo o mais completo possível,
uma vez que assumiria a condição de ser a única fonte de Direito responsável pela reso-
lução de todos os casos jurídicos pós-apresentados; e, c) sua forma deve ser inspirada na
aptidão para exposição em que se prestigiasse as regras gerais com linguagem acedível a
todos e dotada de atenta brevidade.
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Regressando a pretensão deste artigo, sugeriu-se, outrossim, o dlogo com Édouard
Laboulaye quanto a inversão do paradigma de influência; agora, pelo reconhecimento do
método histórico, sob influência dos contributos de Savigny, que permitisse a justificação
científica do Código napoleónico — ou outro em seu lugar — em valores tradicionais repas-
sados, de geração em geração, desde a formação de sentimento de povo francês.
Percebe-se que o discurso se cinge ao objetivo de sistematizar os factos históricos
de viés jurídico como realmente aconteceram no âmbito dos povos contribuindo para o
desenvolvimento científico do Direito, o que permite observar uma estrutura bem defi-
nida em eixos temáticos que obriga a adoção de técnica dividida em dois elementos: os
estudos prévios de reconhecidos estudiosos sobre cada tema a regulamentar, e a impor-
ncia do método histórico em perspetiva comparada.
Em observação final, há que destacar que os dois dlogos (Thibaut-Savigny e Saviny-
-Laboulaye) permitem armar que Savigny e Laboulaye reconhecem a importância da His-
tória do povo, a influência de elementos filosóficos na formação da teoria científica a ser
adotada pelo Direito, a referenciação em elementos de Direito comparado e a necessidade
de construção de uma “Ciência do Direito” com o assentamento no método histórico em
bem posta observação em perspetiva comparada com equibrio entre a teoria e a prática.
De destaque em cada argumento é o modo como adotam suas referências, conforme
teoria sustentada no método histórico em perspetiva comparada, quanto à observação
daquilo que veem como prática: Savigny analisou, especialmente, os três Códigos vigen-
tes à sua época (francês, prussiano e austríaco) reconhecidos como os mais relevantes,
concluindo que ambos têm origem no Direito romano, fundamentavam-se em institutos
de Direito romano adaptados aos costumes, e eram fiéis as fontes; enquanto Laboulaye
analisou por inspiração da filologia os sistemas jurídicos históricos de três povos que
influenciaram a língua e o povo francês (indianos, judeus e gregos), cujas observação e
análise deveriam ser realizadas diante da experiência real e concreta de cada povo, em
cada período histórico, sendo a comparação somente possível em restrição ao fenómeno
jurídico tomado em cada momento da História.
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ALEX SANDER PIRES
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ZIMMERMANN, Reinhard — Lhéritage de Savigny. Histoire du droit, droit comparé, et émergence d’une
science juridique européenne. In: Revue internationale de droit économique, Paris. Tomo XXVII, 2013, pp.
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GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 1 · 1st January Janeiro – 30th June Junho 2021 · pp. 31‑52 31
Cultura de paz e direito à saúde
Culture of peace and health law
ROBERTA C. BALBI CAMPOS1
rcampos@autonoma.pt
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 3152
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.3
Submitted on January 20th, 2021 · Accepted on March 22th, 2021
Submetido em 20 de Janeiro, 2021 · Aceite a 22 de Março, 2021
RESUMO O presente artigo tem como objetivo a alise da manifestação da Cultura de
Paz no Direito à saúde, em vias de se compreender e para assim contribuir com o seu
desenvolvimento.
PALAVRASCHAVE Cultura de paz. Direito à saúde. Educação. Boas práticas.
ABSTRACT This article aims to analyze the manifestation of the Culture of Peace in the
Health Law, in order to understand and thus contribute to its development.
KEYWORDS Culture of peace. Health Law. Education.
I. Introdução
Em 1945, com a assinatura da Carta, a Organização das Nações Unidas assume como sua
principal tarefa a preservação das gerações futuras das atrocidades da guerra2, compro-
misso que foi reafirmado com o final da Guerra Fria renovando-se assim o comprometi-
mento e empenho para o desenvolvimento do seu objetivo primeiro3.
Contudo, esta tarefa demandava e ainda demanda uma alteração que não seja adstrita
apenas às estruturas institucionais e das suas manifestações de guerra, como também
1 Mestre em Direito, na área de Ciências Jurídicas Sociais pela Universidade Nova de Lisboa. Doutoranda pela
Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Artigo desenvolvido no âmbito do projeto de Investigação e
Desenvolvimento (I&D) “Cultura de Paz e Democracia” sediado no Ratio Legis- Centro de Investigação e Desen-
volvimento em Ciências Jurídicas da UAL - Universidade Autónoma de Lisboa. Advogada inscrita na Ordem dos
Advogados do Brasil, Secção do Rio de Janeiro.
2 Carta das Nações Unidas e o Estatuto da Tribunal Internacional de Justiça. P.3.
3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS — 154 EX/42. I, Parágrafo 3; e, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS —
A/47/277 - S/24111. I, Parágrafo 3.
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Cultura de paz e direito à saúde
ROBERTA C. BALBI CAMPOS
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nas rzes culturais, para que a alteração seja de uma cultura de violência e guerra para
uma cultura de paz4.
A tarefa da alteração do paradigma de uma cultura de violência e guerra para uma
cultura de paz fora atribuída à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência
e a Cultura (UNESCO5) em virtude de ser considerada como uma forma de manifestação
contemporânea do mandato no preâmbulo de sua Constituição6, na ocasião do seu 28.º
Período de Sessão em 19957, face o resultado das experiências obtidas do Programa de Cul-
tura de Paz, criado em 1993, oportunidade em que se é declarado como grande desafio do
mundo no final do século XX, e Estratégia de Médio Prazo da Organização para o período
1996-20018.
Consequentemente, e em face dos resultados, em dezembro de 1995, por intermédio da
Resolução A/RES/50/173, a Assembleia Geral das Nações Unidas passa a incluir pela pri-
meira vez a Cultura de Paz em seu programa, e que ainda seria objeto de desenvolvimento
adequado9.
A Cultura de Paz, aqui tratada, é a que se encontra restringida no âmbito da Resolução
A/RES/53/243, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 6 de outubro de 1999,
“Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz.
Nossa intenção nesse primeiro ponto será o de apresentar a Cultura de Paz, no âmbito
da A/RES/53/243, para que se possa melhor compreender seu conceito, seus objetivos, e
como também sua forma de execução, e como se perquire seu sucesso, por intermédio dos
seus ‘agentes chave’ responsáveis pela sua implementação.
Avançando, com a análise, faremos a ligação, ou melhor apontaremos para as manifes-
tações da Cultura de Paz no Direito à Saúde no Ordenamento Jurídico Brasileiro, traçando
4 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS — A/53/370.
5 Em inglês, United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization.
6 Constituição da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, Preâmbulo: “Que uma
paz baseada exclusivamente em arranjos políticos e econômicos dos governos não seria uma paz que pudesse
garantir o apoio unânime, duradouro e sincero dos povos do mundo, e que, portanto, a paz, para não falhar,
precisa ser fundamentada na solidariedade intelectual e moral da humanidade.
7 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS — 154 EX/42. I, Parágrafo 4.
8 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS — A/53/370. IV, Parágrafo 1.
9 Muito embora não seja esta a intenção da presente análise, temos a construção das quatro etapas do sistema
de paz das Nações Unidas, que conduz a noção da paz como elemento indispensável para fruição dos direitos
humanos em igualdade para todos, encontra-se muito bem delineada por Alex Sander Pires em “Da inversão do
paradigma teórico-prático até a atual concepção da paz como requisito vital para o pleno desfrute dos direitos
humanos em igualdade”.
PIRES, Alex Sander Xavier – Da inversão do paradigma teórico-prático até a atual concepção da paz como
requisito vital para o pleno desfrute dos direitos humanos em igualdade. In: GALILEU·e-ISSN 2184-1845·Volume
XX·Issue Fascículo 1·1st January Janeiro – 30th June Junho 2019. p. 78-98.
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Cultura de paz e direito à saúde
ROBERTA C. BALBI CAMPOS
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assim uma comparação com o Ordenamento Jurídico Português através das Políticas
Públicas de Saúde aplicadas.
Feito isto, partiremos para uma alise geral, e resumida (uma vez que o tema é pro-
fundo) do direito constitucional à saúde, para que possa permitir ao leitor compreender
como a Cultura de paz se manifesta nos ordenamentos jurídicos citados, como também a
quem incumbe a implementação de políticas públicas para a promoção da saúde.
Antes contudo de prosseguir, cabe a ressalva, de que a ideia de política pública aqui pro-
posta é aquela em que José Pereirinha parafraseando Jenkins a entende como a reunião de
atos e que considerada por uma reunião de atores políticos, no âmbito da sua função, são
consideradas para que se atinja contextos específicos10, ou seja, a política pública enquanto
conjunto de atos dos responsáveis políticos em cada ordenamento jurídico competente
que deverão promover estes conjuntos de atos para que se atinja o contexto, objetivo da
promoção da saúde.
Nesse tempo, tendo citados os responsáveis pela implementação das políticas públicas
de promoção da saúde, indicaremos como se têm concebido as manifestações da Cultura
de Paz no Direito à Saúde.
II. Cultura de paz
A Cultura de Paz, orientada pela UNESCO, hoje concebida no art. 1º da A/RES/53/243, ado-
tada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 6 de outubro de 1999, surge como resul-
tado de um longo processo, cujo desenvolvimento se iniciou no Congresso Internacional
sobre a Paz nas Mentes do Homens, realizado em Iamussucro, Costa do Marfim em 1989.
A Cultura de Paz de acordo com o seu conceito delineado no art. 1.º da A/RES/53/243,
pode ser descrita, como o “conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos e esti-
10 Nesse sentido Pereirinha parafraseando Jenkins: “(…) um conjunto de acções interrelacionadas entre si, tomadas
por actor ou conjunto de actores políticos, respeitante à escolha de objectivos e meios para os alcançar no
contexto de uma situação específica, devendo estas decisões, em princípio, situar-se no âmbito do poder que
estes actores têm para os alcançar.” Considerando esta definição clássica, significa que existem três aspectos
fundamentais que caracterizam qualquer política pública: i) ser um conjunto de decisões e não uma decisão
isolada, descontextualizada de um conjunto mais alargado e consistente de decisões; ii) envolver actores
políticos nestas decisões, isto é, o facto de estas decisões serem tomadas por agentes com poder legitimado para
as tomarem; iii) o facto de essas decisões consistirem em identificar objectivos a alcançar e em escolher os meios
que, no âmbito do poder que têm, podem ser utilizados tendo em vista alcançar esses objectivos.
PEREIRINHA, José António – Política Social Fundamentos da Actuação das Políticas Públicas. Universidade Aberta,
2008. Pp.17, 18.
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los de vida” e que tenham como base as assertivas descritas nas alíneas do mesmo para o
aperfeiçoamento da paz11, entre pessoas, grupos e nações (art. 2).
A cultura de paz nos termos da 154 EX/42 da UNESCO se constitui como um objetivo
derradeiro, pois para além de ser um processo de transformação institucional profundo,
é também uma ação a longo prazo a ser construída na mente dos homens e mulheres12.
Nesse sentido, e seguindo a mesma a linha de pensamento proposta por Alex Sander
Pires, entendemos que a mencionada Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura
de Paz, já nas considerações iniciais, reconhece a existência de três armativas que são
de grande relevância13, nomeadamente: a primeira, que é que “se as guerras começam nas
cabeças dos homens, então é na cabeça dos homens que a defesa da paz deve ser cons-
truída”; a segunda, que é que “a paz não é uma simples abstenção de conflitos, requer um
processo de participação positivo e dimico, onde o diálogo é encorajado e os conitos
são resolvidos por meio da compreensão mútua e cooperação”; e, a terceira, que é a “elimi-
nação de todas as formas de descriminação e intolerância”.14
O sucesso na execução da Cultura de Paz se perquire por meio dos “valores, atitudes,
comportamentos e estilos de vida” voltados para paz entre “pessoas, grupos e nações” (ou
seja, em todos os seus níveis), inteligência do art. 2.º da A/RES/53/243, como também atra-
vés das medidas que foram alicerçadas no Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz
para adoção de agentes nacionais, regionais e internacionais através: da “educação”; do
desenvolvimento econômico e social sustentável”; dos “direitos humanos”; da “igualdade
entre mulheres e homens; da participação democrática”; “da compreensão, tolerância e
11 Neste sentido:
a) No respeito à vida, no fim da violência e na promoção e prática da não-violência por meio da educação, do
diálogo e da cooperação;
b) No pleno respeito aos princípios de soberania, integridade territorial e independência política dos Estados e de
não ingerência nos assuntos que são, essencialmente, de jurisdição interna dos Estados, em conformidade com
a Carta das Nações Unidas e o direito internacional;
c) No pleno respeito e na promoção de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais;
d) No compromisso com a solução pacífica dos conflitos;
e) Nos esforços para satisfazer as necessidades de desenvolvimento e proteção do meio-ambiente para as gerações
presente e futuras;
f) No respeito e promoção do direito ao desenvolvimento;
g) No respeito e fomento à igualdade de direitos e oportunidades de mulheres e homens;
h) No respeito e fomento ao direito de todas as pessoas à liberdade de expressão, opinião e informação;
i) Na adesão aos princípios de liberdade, justiça, democracia, tolerância, solidariedade, cooperação, pluralismo,
diversidade cultural, diálogo e entendimento em todos os níveis da sociedade e entre as nações; e animados por
uma atmosfera nacional e internacional que favoreça a paz.
12 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS — 154 EX/42. III, b. Parágrafo 61.
13 PIRES, Alex Sander Xavier – Paz e Fraternidade: Ponderação sobre o Acolhimento no âmbito Constitucional dos
Países Lusófonos. In: Direito e Fraternidade: Outras questões. Organizadores: Luís Fernando Barzotto [et al.] Porto
Alegre: Sapiens, 2018. [p.69-83]. p.71.
14 A/RES/53/243, 6 de outubro de 1999.
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solidariedade”; da “comunicação participativa e a livre circulação de informação e conhe-
cimento”; da promoção da “a paz e a segurança internacionais”.15
Insta salientar, consoante o armado no art. 4.º da Resolução citada, que um dos ins-
trumentos que mais êxito atribuirá para sua consecução é a educação, e isto frise-se em
todos os seus níveis, entretanto a circunstância em que esta assume particular relevância
é a educação em direitos humanos.
A relevância do direito à educação se deve ao fato deste ser considerado um “direito
de empoderamento”, como afirma Catarina Gomes, visto que para além de permitir ao
indivíduo o poder de controlar sua própria vida, o permite o ‘poder’ de controlar o Estado
sobre si16.
Já a educação em Direitos Humanos, segundo o Plano de Ação do Programa Mundial
para Educação em Direitos Humanos, se constitui num “processo ao longo da vida que
constrói conhecimento e habilidades, assim como atitudes e comportamentos para pro-
mover e apoiar os direitos humanos”17, vez que “contribui para a proteção e a dignidade de
todos os seres humanos e para a constrão de sociedades onde os direitos humanos são
valorizados e respeitados”18.
Nesse contexto, e nos termos do art.8.º da A/RES/53/243, assumirão ‘papel-chave’ na
consecução da promoção da Cultura de paz “os pais, os professores, os políticos, os jorna-
listas, os órgãos e grupos religiosos, os intelectuais, os que realizam atividades científicas,
losóficas, criativas e artísticas, os trabalhadores em saúde e de atividades humanitárias,
os trabalhadores sociais, os que exercem funções diretivas nos diversos níveis, bem como
as organizações não-governamentais”.
15 A/RES/53/243, 6 de outubro de 1999.
16 GOMES, Catarina – A Educação para os Direitos Humanos e a Declaração das Nações Unidas sobre Educação e Formação
para os Direitos Humanos: a sua aplicação em zonas de reconstrução pós-conflito. Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae-Centro de Direitos Humanos/XV Pós-graduação em Direitos Humanos.
p.9.
17 Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) - Plano de Ação: Programa
Mundial para Educação em Direitos Humanos. Tradução: Jussie Rodrigues. Coordenação e revisão técnica: Setor
de Ciências Humanas e Sociais da Representação da UNESCO no Brasil. Brasília: 2012. Prólogo.
18 Idem, Prólogo.
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III. Direito à saúde
O Direito à Saúde, tal como delineado por Maria Estorninho e Tiago Macieirinha, é com-
posto por todo conjunto normativo cujo “objeto principal é a proteção e a promoção da
saúde humana”19.
Para o Sistema Nacional de Saúde em Portugal o Direito da Saúde pode ser compreen-
dido como “um conjunto de normas de Direito Privado e Público, que tem como principal
objeto a promoção da saúde humana, quer considerada na perspetiva da prestação de cui-
dados individuais, quer enquanto bem de uma comunidade, ou seja, a saúde pública”20.
Dentro desta lógica proposta, e tendo em consideração que o Direito à Saúde encon-
tra amparo em vários documentos internacionais, recordamos que a primeira utilização
do direito à saúde (enquanto direito social)21, surgiu com a Constituição da Organização
Mundial da Saúde em 1946, quando esta em seu preâmbulo definiu a saúde22 como “um
estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência
de doença ou de enfermidade”23 o complementando no sentido de reforçar que “gozar do
melhor estado de saúde” configura-se como “um dos direitos fundamentais de todo o ser
humano, sem distinção de raça, de religião, de credo político, de condição económica ou
social”24.
Definição esta que fora posteriormente desenvolvida em outros documentos, vez que
não é a única a ser adotada. Exemplo disto, é a Declaração de Alma-Ata sobre Cuidados de
Saúde realizada em 1978, que para além de rearmar o mesmo conceito de saúde presente
no preâmbulo da Constituição da OMS, declarou a saúde como direito humano funda-
mental, que deve ser incluído como a meta social mundial mais importante25.
Outra proclamação do Direito à Saúde feita com base na mesma definição do preâm-
bulo da Constituição da OMS é a que se encontra insculpida no artigo 25.º da Declaração
Universal dos Direitos do Homem, de 10/12/1948, nomeadamente:
19 ESTORNINHO, Maria João e M, Tiago – Direito da saúde. Maria João Estorninho e. Lisboa:
Universidade Católica Editora, 2014. p. 16-17.
20 Informação retirada do site do Sistema Nacional de Saúde de Portugal. [Consultado em 20/01/2022] Disponível
em: https://www.spms.min-saude.pt/direito-da-saude/ .
21 Neste sentido Andreia Costa. ANDRADE, Andreia da Costa – Direito à Proteção da Saúde em face da crise do
Estado Social. In: Lex Medicinae Revista Portuguesa de Direito da Saúde. Ano 13, n.º 25-26(2016) [Pp.73-88]. p.75.
22 Tal definição foi alargada pela Declaração de Alma-Ata sobre Cuidados de Saúde em 1978.
23 Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) de 1946.
24 Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) de 1946.
25 Nesse sentido, declara o item I da referida Declaração, in verbis: “I) A Conferência enfatiza que a saúde - estado
de completo bem-estar físico, mental e social, e não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade - é
um direito humano fundamental, e que a consecução do mais alto nível possível de saúde é a mais importante
meta social mundial, cuja realização requer a ação de muitos outros setores sociais e econômicos, além do setor
saúde.
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1. Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar
e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao
vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços so-
ciais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na inva-
lidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência
por circunstâncias independentes da sua vontade.
2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais.
Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimónio, gozam da mesma
protecção social.
Não obstante, e como já indicado, esta não é a única definição utilizada, ao contrário
existem uma série de discussões a respeito, exemplo disto é a definição mais restrita que se
encontra presente que no n.º 1 do art.12.º do Pacto Internacional Dos Direitos Económicos,
Sociais e Culturais (PIDESC) que entrou em vigor em 03 de janeiro de 1976 e na qual não
se aceitou o referido conceito de saúde como “completo bem-estar físico, mental e social,
reconhecendo-se como o “direito de todas as pessoas de gozar do melhor estado de saúde
sica e mental possível de atingir. 26 Fato este que fora detalhado e pormenorizado no n.º
4 do Comentário n.º 14 de 2000 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais27:
4) Na redacção do artigo 12º do Pacto, o Terceiro Comité da Assembleia Geral
das Nações Unidas não adoptou a definição de saúde contida no preâmbulo da
Constituição da OMS, que conceptualiza a saúde como “um estado de completo
bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermi-
dade”. Contudo, a referência no artigo 12.1 do Pacto ao “mais alto nível de saúde
física e mental atingível” não se limita ao direito aos cuidados de saúde. Pelo
contrário, a história da redacção e a redacção expressa do artigo 12.2 reconhe-
cem que o direito à saúde abrange uma vasta gama de factores socioeconómicos
que promovem condições nas quais as pessoas podem levar uma vida saudável,
e estende-se aos determinantes subjacentes da saúde, tais como alimentação e
26 PIDESC, “Artigo 12.º
1. Os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem o direito de toda a pessoa gozar das melhores condições
possíveis de saúde física e mental.
27 Committee On Economic, Social And Cultural Rights. Twenty-second session. Geneva, 25 April-12 May 2000.
Agenda item 3. General Comment No. 14 (2000). Substantive Issues Arising In The Implementation Of The
International Covenant On Economic, Social And Cultural Rights.
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nutrição, habitação, acesso a água potável e segura e saneamento adequado, con-
dições de trabalho seguras e saudáveis, e um ambiente saudável”.28
Isto porque o referido Comitê entendeu que o Direito à Saúde, presente no referido
Pacto no seu n.º 1 do art.12.º dispunha de uma definição, enquanto o n.º 2 do mesmo artigo
trata de exemplos ilustrativos de obrigações dos seus Estados Partes (N. 7, Comenrio
Geral n.º 14).
Outrossim, o direito à saúde é um direito fundamental e indispensável para o exercício
de tantos outros direitos humanos (N. 1, Comentário Geral n.º 14), que não pode e não deve
ser entendido apenas como o direito de ser saudável, mas sim como um direito que conte-
nha tanto liberdades como direitos (N. 8, Comentário Geral n.º 14).
Face o evidenciado, destacamos ainda outro aspecto relevante para a construção do
seu conceito, que são os seus pré-requisitos, nomeadamente, “paz, habitação, educação, ali-
mentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social, e equidade”29,
afirmados na Carta de Ottawa, de 1986 (e reafirmadas na Declaração de Jacarta, 1997), que
declarou que a saúde deve ser compreendida como “um recurso para a vida e não como
uma finalidade de vida”, cujo conceito positivo, aponta não apenas para os recursos sociais
e pessoais, como também para as capacidades físicas, e sua promoção como indicam não
é “responsabilidade exclusiva do sector da saúde, pois exige estilos de vida saudáveis para
atingir o bem-estar30.
Ponto relevante, e sem dúvida importante para o desenvolvimento da presente tarefa,
é esta indicação da paz enquanto como condição, como pré-requisito da saúde de todos os
povos, para cuja melhoria encontra-se estreitamente ligada com aquela.
28 Tradução livre de: “4. In drafting article 12 of the Covenant, the Third Committee of the United Nations General Assembly
did not adopt the definition of health contained in the preamble to the Constitution of WHO, which conceptualizes
health as “a state of complete physical, mental and social well-being and not merely the absence of disease or infirmity”.
However, the reference in article 12.1 of the Covenant to “the highest attainable standard of physical and mental health”
is not confined to the right to health care. On the contrary, the drafting history and the express wording of article 12.2
acknowledge that the right to health embraces a wide range of socio-economic factors that promote conditions in which
people can lead a healthy life, and extends to the underlying determinants of health, such as food and nutrition, housing,
access to safe and potable water and adequate sanitation, safe and healthy working conditions, and a healthy environment.”
Committee On Economic, Social And Cultural Rights. Twenty-second session. Geneva, 25 April-12 May 2000.
Agenda item 3. General Comment No. 14 (2000). Substantive Issues Arising In The Implementation Of The
International Covenant On Economic, Social And Cultural Rights.
29 Carta de Ottawa,1986. p. 1.
30 Carta de Ottawa,1986. p.1.
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1. Direito à Saúde no Ordenamento Jurídico Brasileiro
O Direito à Saúde no Ordenamento Jurídico Brasileiro encontra-se reconhecido no art. 6.º,
caput, do Capítulo II – Dos Direitos Sociais-, do Título II – Dos Direitos e Garantias Fun-
damentais-, da Constituição da República Federativa Brasileira de 1988 (CRFB/1988) como
um direito social [fundamental]31.
Vale lembrar que os direitos sociais são aqueles compreendidos como aqueles em que
se haverá uma prestação positiva direta ou indireta por parte do Estado, em vias de se dis-
ponibilizar melhores condições de vida ao indivíduo, com indica Afonso da Silva32.
Ressalta ainda Afonso da Silva, que para a construção dos direitos sociais em si, a Cons-
tituição buscou compilar os direitos sociais em seis classes, respectivamente denomina-
das: um, direitos sociais do trabalhador; dois, direitos sociais referentes à seguridade; três,
direitos sociais relativos à educação e cultura; quatro, direitos sociais de moradia; cinco,
direitos sociais da falia, criança, adolescente e idoso; e, por fim, seis, direitos sociais ao
meio ambiente33 34.
Para o desenvolvimento da presente tarefa nos interessará um destes apenas, que é o
direito social à seguridade, por intermédio do direito à saúde que nele está previsto.
A Seguridade Social tem sua previsão no Capítulo II - DA SEGURIDADE SOCIAL, do
Título VIII - DA ORDEM SOCIAL da CRFB/1988, e pode ser entendida de acordo com o
seu conceito disposto no art.194, como um “conjunto integrado de ações de iniciativa dos
Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à
previdência e à assistência social”, cujos objetivos encontram-se dispostos nos incisos I à
VII do parágrafo único do art. 194 da CRFB/88.35
31 Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma
desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)”
32 SILVA, José Afonso da – Curso de Direito Constitucional Positivo. 25ª Edição. Malheiros Editora. p. 286.
33 SILVA, José Afonso da - Curso de Direito Constitucional…. 25ª Edição, p. 287
34 Ainda sobre o mesmo ponto, interessante é ainda a classificação utilizada por Afonso da Silva para separar as
classes indicadas dos direitos sociais do homem como direitos sociais do produtor e direitos sociais do consumidor.
SILVA, José Afonso da – Curso de Direito Constitucional…. 25ª Edição, p. 287.
35 “Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos
seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade,
em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.
VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação
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Depreende-se que a Seguridade Social, cujos objetivos presentes na Ordem Social
podem ser traduzidos no bem-estar e na justiça social, tem como direitos: um, a previ-
dência (CRFB/1988, art.193), pelo qual o acesso às prestações é feito pelo preenchimento
de requisitos para os que contribuem; dois, a saúde, como direito subjetivo independe de
contribuição; e, três, a assistência social, também independe de contribuição36.
Assim, e como afirmado no caput do art.194 da CRFB/88, o direito à saúde constitui
um dos direitos a ser assegurado pela Seguridade Social, para além dos outros também
descritos e existentes que não serão objeto desta presente alise.
No que concerne ao Direito à Saúde, em si, objeto de nossa alise, encontra sua previ-
são nos artigos 196 ao 200 da CRFB/88, na Seção II - DA SAÚDE, do Capítulo II - DA SEGU-
RIDADE SOCIAL, do Título VIII - DA ORDEM SOCIAL.
Observando o artigo 196 da CRFB/88, temos que o direito à saúde é um direito (social
fundamental) de todos os indivíduos e também um dever do Estado, que por sua vez deve
ser assegurado por meio de políticas públicas sociais e econômicas, cujo objetivo consiste
na redução do risco de doenças e outros agravos, que serão realizadas por meio de acesso
universal e igualitário, para todas as ações de promoção, proteção e recuperação37.
Sobre o primeiro aspecto do direito à saúde, se manifestou o Supremo Tribunal Federal
no sentido de o indicar ainda como uma “prerrogativa constitucional indisponível”, uma
vez que deverá ser “garantido mediante a implementação de políticas públicas, impondo
ao Estado a obrigação de criar condições objetivas que possibilitem o efetivo acesso a tal
serviço”38.
Sobre o segundo aspecto do direito à saúde, nomeadamente do ser “dever do Estado”
se manifestou o Supremo Tribunal Federal no sentido de indicar que é um dever porque
deve ser “cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado
mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis)”39.
dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela
Emenda Constitucional nº 20, de 1998)” CRFB/1988.
36 SANTOS, Marisa Ferreira dos – Direito previdenciário esquematizado. Coord. Pedro Lenza. 3ª Ed. de acordo com a
Lei n. 12.618/2012 – São Paulo : Saraiva, 2013. p. 39-40.
37 Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução
do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação.” CRFB/1988.
38 [AI 734.487 AgR, rel. min. Ellen Gracie, j. 3-8-2010, 2ª T, DJE de 20-8-2010.] Vide RE 436.996 AgR, rel. min. Celso
de Mello, j. 22-11-2005, 2ª T, DJ de 3-2-2006 Vide RE 271.286 AgR, rel. min. Celso de Mello, j. 12-9-2000, 2ª T, DJ de
24-11-2000 [Consultado em 19/01/2022]
Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.asp#ctx1
39 Nesse sentido: “A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196> da CF). Dever que
é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado mesmo, se definem
como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis). A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades
de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por
41
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E tanto é assim, que de acordo com o art.197 da CRFB/1988, o direito à saúde é definido
como sendo um direito de relevância pública, de modo que todas as suas ações e serviços
de saúde devem ser regulamentados, fiscalizados e controlados pelo Poder Público, cuja
execução será direta ou por meio de terceiros40.
À semelhança do Direito Português, como indica José Afonso da Silva, o direito (social
fundamental) à saúde no ordenamento jurídico brasileiro possui dois aspectos: um, posi-
tivo, que se traduz no direito de exigir as medidas em si; e, outro negativo, que se traduz
no direito de exigir ao Estado a abstenção de atos que venham a prejudicar a saúde do
indivíduo41.
A execução dos serviços de saúde atualmente feita pelo Sistema Único de Saúde (SUS)
[e anteriormente feito pelo Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde (SUDS)] surge
com a Constituição da República de 1988, tendo sido posteriormente regulamentado pela
Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 199042; bem como, pela Lei n.º 8142, de 28 de dezembro
de 199043.
E tanto é assim, que, é através dos incisos do artigo 198 da CRFB/1988, que se encontram
presentes as três importantes diretrizes para a gestão do SUS, quais sejam: um, a descen-
tralização, com direção única em cada esfera de governo (inciso I, do art.198 CRFF/1988);
dois, o atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo
dos serviços assistenciais (inciso II, do art.198 CRFF/1988); e três, a participação da comu-
nidade (inciso III, do art.198 CRFF/1988).
Avançando, portanto, temos a Lei n.º 8.080, de 19 de setembro de 1990 que trata da
regulamentação das ‘condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde’, bem
como da ‘organização e o funcionamento dos serviços correspondentes’.
Esta Lei encontra-se dividida em cinco partes, nomeadamente: a primeira, das Dispo-
sições Preliminares; a segunda, do Título I – Das Disposições Gerais; a terceira, Título II
finalidade a obtenção de lucro. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo
capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea a do inciso VI
do art. 150 da CF.” [Consultado em 19/01/2022] Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo.
asp?item=1816&tipo=CJ&termo=196#ctx1 [RE 580.264, rel. p/ o ac. min. Ayres Britto, j. 16-12-2010, P, DJE de 6-10-
2011, Tema 115.]
40 Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da
lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de
terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.” CRFB/1988.
41 SILVA, José Afonso da — Curso de Direito Constitucional …. 25ª Edição, p. 309. No mesmo sentido, LENZA, Pedro
Direito Constitucional Esquematizado. 23ª Ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Livro digital (E-pub). p. 2016.
42 Disposta para regulamentar sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização
e o funcionamento dos serviços correspondentes e outras providências.
43 Disposta para regulamentar a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), como
também sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e outras
providências.
42
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- Do Sistema Único De Saúde (que se subdivide em oito capítulos); a quarta, Título III - Dos
Serviços Privados De Assistência à Saúde (que se subdivide em três capítulos); e, a quinta,
Das Disposições Finais e Transitórias.
Dentre as partes que nos interessam para o desenvolvimento do presente artigo, res-
saltaremos os trechos da segunda, que trata das Disposições Gerais, e, os da terceira, que
trata do Sistema Único de Saúde em si.
No que se refere à segunda parte citada na Lei n.º 8.080/90, temos ao lermos o caput do
art.2.º (se feito em concomitância com o art.196 da CRFB/1988) a reafirmação do direito à
saúde como direito fundamental do ser humano, cujas condições indispensáveis de exer-
cício deverão ser providas pelo Estado.
Deveres estes ainda, que de acordo com o parágrafo 1.º do mesmo artigo, se traduzem
na elaboração e consecução de, frise-se, políticas econômicas e sociais por parte do Estado
que terão como objetivos a redução dos riscos e doenças, bem como a implementações de
condições proporcionem acesso universal e igualitário às respectivas ações e serviços de
promoção, proteção e saúde (§ 1º, do art. 2º, da CRFB/1988).
Outro ponto que merece ser ressaltado dentro desta segunda parte da Lei, é a inclusão
de um “conceito” amplificado de saúde presente no art. 3.º da lei supracitada, transpondo
como fatores determinantes e condicionantes (como o próprio impõe) a “alimentação, a
moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, a ativi-
dade física, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais”.
Aliás, é interessante observar como estes fatores determinantes e condicionantes,
acima listados, muito se aproximam de documentos que já mencionados anteriormente,
tratando, portanto, de afirmar e reafirmar os pré-requisitos para a promoção da saúde,
muito embora tenham deixaram de incluir a paz como um destes44.
Vale lembrar que tais documentos, nomeadamente, a Carta de Ottawa (Primeira Con-
ferência Internacional sobre a Promoção da Saúde,1986) e a Declaração de Jacarta (Quarta
Conferência Internacional de Promoção de Saúde, 1997) não possam quaisquer vincula-
ção jurídica ou mesmo opunham qualquer sanção jurídica para o caso de incumprimento,
44 Sobre os requisitos da saúde trazemos a Carta de Ottawa e a Declaração de Jacarta (que teve por sua vez
acréscimos àquela), vejamos:
Carta de Ottawa - “Pré-requisitos para a Saúde:
«As condições e recursos fundamentais para a saúde são: paz, abrigo, educação, alimentação, recursos
económicos, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e equidade».
Declaração de Jacarta- “As determinantes da saúde: os novos desafios As condições essenciais para a saúde
são: • A paz • A habitação • A educação • A segurança social • O relacionamento social • A alimentação • Os
rendimentos • A capacitação das mulheres • Um ecossistema estável • Uma utilização sustentável de recursos
• A justiça social • O respeito pelos direitos humanos • A equidade.
Carta de Ottawa. Pp.1,2.; e Declaração de Jacarta, p. 3.
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tinham natureza de instrumentos de soft law45, uma vez que se tratavam de intenções
para o fortalecimento de estratégias de promoção de saúde, e ainda assim foram aplicados
alguns dos seus termos para fortalecimento do conceito legal.
Prosseguindo, e no que tange à terceira parte da Lei n.º 8.080/90 anteriormente
citada, Título II - Do Sistema Único De Saúde, três pontos apresentam relencia para
com o desenvolvimento do presente trabalho: primeiro, o conceito estabelecido do SUS; o
segundo, os objetivos do SUS; e, terceiro, a sua organização.
O primeiro ponto, é a percepção do conceito do SUS, que segundo o art.4, pode ser com-
preendido como o “conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e institui-
ções públicas federais, estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e das
fundações mantidas pelo Poder Público”46.
O segundo ponto que merece ser salientado são os objetivos do SUS presentes nos incisos
I, II e III do art. 5.º da Lei n.º 8.080/90, dentre os quais: identifica e divulgar fatores deter-
minantes da saúde (inciso I); formular políticas de saúde (inciso II); e assistência à pessoa
por intermédio de ações de promoção, proteção e recuperação da saúde (inciso III).
Por fim, o terceiro ponto, que se se refere à organização do Sistema Único de Saúde, pre-
visto no art. 9.º Lei n.º 8.080/90, cuja direção como afirmado em seu caput é única, é exer-
cida em cada uma das esferas pelos seus respectivos órgãos, nomeadamente: Ministério
da Saúde, na esfera União (I, art.9.º); pelas Secretarias de Saúde ou órgãos Equivalentes, na
esfera dos Estados e Distrito Federal (II, art. 9); e também pelas Secretarias de Saúde ou
órgão equivalente, na esfera dos municípios (III, art. 9).
Vale lembrar que em termos de responsabilidade de proteção e prestação de saúde todos
os entes da federação são responsáveis, ou solidariamente responsáveis como se afirma
uma vez que é consequência da competência comum determinada pela Constituição da
República Federativa Brasil47.
45 Muito bem esclarece o conceito de soft law, Miguel Santos Neves, ao afirmar que este “correponde a um
processo de produção de standars normativos, que têm como vocação a regulação de comportamentos sociais,
sem caráter vinculativo e cujo incumprimento não estão associadas sanções jurídicas.” NEVES, Miguel Santos
– Soft Law. In: Introdução ao Direito. Coord. Pedro Trovão do Rosário. Ed. Almedina. Novembro, 2017. [Pp.251-265].
p. 251.
46 Lei n.º 8.080/90.
47 Questão esta que foi recentemente afirmada pelo Supremo Tribunal Federal numa decisão de análise de um
Recurso Extraordinário (RE) 855178, pelo Relator o Ministro Luiz Fux, nomeadamente: “Os entes da federação,
em decorrência da competência comum, são solidariamente responsáveis nas demandas prestacionais na área da
saúde, e diante dos critérios constitucionais de descentralização e hierarquização, compete à autoridade judicial
direcionar o cumprimento conforme as regras de repartição de competências e determinar o ressarcimento a
quem suportou o ônus financeiro”.
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1.1. A influência da Cultura de Paz no Direito à Saúde Brasileiro
A partir do encadeamento lógico acima traçado, observamos que as políticas públicas são
feitas e organizadas pelo Ministério da Saúde (no âmbito federal), a quem detém a compe-
tência para sua elaboração.
Isto porque como afirmado a organização do Serviço Único de Saúde é exercida solida-
riamente por todos os entes da federação, respectivamente, Ministério da Saúde, na esfera
União (I, art.9.º); pelas Secretarias de Saúde ou órgãos Equivalentes, na esfera dos Estados
e Distrito Federal (II, art.9.º); e também pelas Secretarias de Saúde ou órgão equivalente,
na esfera dos municípios.
Isto tudo para dizer que no Brasil, e de acordo com o observado pelas proposições cons-
titucionais, e legislação vigente, é através do Ministério da Saúde que é definido a Política
Nacional de Promoção48 da Saúde49.
Entretanto, muito embora a Política Nacional de Promoção da Saúde seja, como já afir-
mado, definida pelo Ministério da Saúde, no âmbito da Gestão Federal, será também de
responsabilidade de todos os entes seja federal50, seja estadual51 ou seja municipal52 a sua
rearmação ou divulgação.
Pois bem, enquanto “mecanismo de fortalecimento e implantação de uma política
transversal” que promove o diálogo entre vários setores, a Política Nacional de Promoção
da Saúde, segundo afirma o Ministério da Saúde53 está intimamente ligada à Cultura de
paz, uma vez que dentre as diretrizes nela propostas (nomeadamente seis) duas se desta-
cam pela forte ligação com a mesma, quais sejam a I e III.
48 De acordo com o Ministério da Saúde do Brasil a promoção a saúde por ser compreendida como, in verbis: “(…)
um mecanismo de fortalecimento e implantação de uma política transversal, integrada e intersetorial, que faça
dialogar as diversas áreas do setor sanitário, os outros setores do Governo, o setor privado e nãogovernamental,
e a sociedade, compondo redes de compromisso e co-responsabilidade quanto à qualidade de vida da população
em que todos sejam partícipes na proteção e no cuidado com a vida.
49 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional
de Promoção da Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 7. 3.ª Ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2010. p. 15.
50 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional
de Promoção da Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 7. 3.ª Ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2010. p. 23.
51 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional
de Promoção da Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 7. 3.ª Ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2010. p. 24.
52 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional
de Promoção da Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 7. 3.ª Ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2010. p. 25.
53 Ministério da Saúde. [Consultado em 30/10/2019] Disponível em: http://www.saude.gov.br/o-ministro/922-saude-de-
a-a-z/acidentes-e-violencias/17232-cultura-de-paz
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Na primeira diretriz, temos a armação de que é com o reconhecimento desta força
presente na promoção da saúde que se atinge a “promoção da equidade e da melhoria das
condições e dos modos de viver” majorando consequentemente a capacidade da saúde
individual e coletiva, diminuindo, portanto, outras fragilidades e perigos à saúde que são
resultantes de outras causas sociais, econômicas, políticas e culturais e ambientais54.
Na terceira diretriz, temos o reconhecimento de que é com o “fortalecimento da parti-
cipação social” que se atingirão os resultados na promoção da saúde, para além de promo-
ver a “equidade e empoderamento individual e comunitário”55.
Em vias de combater as aludidas fragilidades e perigos à saúde foram ainda criadas
oito ações específicas dentro da Política Nacional de Promoção da Saúde, nomeadamente:
a primeira, sobre a “Divulgação e implementação da Política Nacional de Promoção da
Saúde”; a segunda, sobre a “alimentação saudável”; a terceira, sobre a “prática corporal/
atividade física”; a quarta, sobre a “prevenção e controle do tabagismo”; a quinta, sobre a
“redução da morbimortalidade em decorrência do uso abusivo de álcool e outras drogas”;
a sexta, sobre a “redução da morbimortalidade por acidentes de trânsito”; a sétima, sobre a
“prevenção da violência e esmulo à cultura de paz”; a oitava, sobre a “promoção do desen-
volvimento sustentável”56.
Mais uma amostra da aplicabilidade dos valores da Cultura de Paz na presente nas
políticas públicas de saúde no Brasil, segundo afirma o próprio Ministério da Saúde57, é a
Política Nacional de Humanização58, que tem como intuito de colocar em ação os princí-
pios do SUS, através da educação permanente em saúde, no dia a dia dos serviços de saúde,
tendo como resultados alterações na gestão e cuidados de saúde59.
54 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional
de Promoção da Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 7. 3.ª Ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2010. P.19.
55 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional
de Promoção da Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 7. 3.ª Ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2010. p. 19.
56 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Política Nacional
de Promoção da Saúde. Série B. Textos Básicos de Saúde. Série Pactos pela Saúde 2006, v. 7. 3.ª Ed. Brasília:
Ministério da Saúde, 2010. Pp. 29-38.
57 Ministério da Saúde. [Consultado em 30/10/2019] Disponível em: http://www.saude.gov.br/o-ministro/922-
saude-de-a-a-z/acidentes-e-violencias/17232-cultura-de-paz
58 De acordo com o SUS, o conceito de humanizar significa a “inclusão das diferenças nos processos de gestão e de
cuidado. Tais mudanças são construídas não por uma pessoa ou grupo isolado, mas de forma coletiva e compartilhada.
Incluir para estimular a produção de novos modos de cuidar e novas formas de organizar o trabalho”.
Brasil. Ministério da Saúde. SUS. Política Nacional de Humanização PNH. 1ª Ed. 1ª Reimpressão. Brasília-DF.
2013. p. 4.
59 Brasil. Ministério da Saúde. SUS. Política Nacional de Humanização PNH. 1ª Ed. 1ª Reimpressão. Brasília-DF.
2013. p. 3.
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2. Direito à Saúde no Ordenamento Jurídico Portugs
O Direito à Saúde no Ordenamento Jurídico Português encontra-se reconhecido no art.64.º
do Capítulo II - Direitos e Deveres Sociais-, no Título II - Direitos e Deveres Económicos,
Sociais e Culturais-, da Constituição da República Portuguesa (CRP)60.
E também como no Direito Brasileiro, o Direito à saúde em Portugal, é um direito fun-
damental social, pelo qual todos tem o “direito à protecção da saúde, e o dever de a defen-
der e promover” (n.º 1 do art.64, da CRP), que por sua vez deverá ser garantido de forma
prioritária pelo Estado, por meio das obrigações impostas nas suas alíneas a), b), c), d), e), e
f), do n.º 3 do art.64.º, da CRP61.
Tal direito como bem complementa o n.º 2 do mesmo artigo será realizado por meio de
um “sistema nacional de saúde universal e geral e, tendo em conta as condições económi-
cas e sociais dos cidadãos, tendencialmente gratuito”.
Tal meio, como ressalta Canotilho e Vital Moreira, constitui a ‘principal obrigação’
para proteção do direito à saúde62, que não é outra senão a criação de um Serviço Nacional
de Saúde (SNS), cujas características são ressaltadas no próprio artigo, quando menciona
ser universal, geral e tendencialmente gratuito63.
Sendo assim, em 1979 através da promulgação da Lei n.º 56/79, de 15 de setembro, é ins-
tituído o Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo qual o Estado asseguraria o direito à saúde
consagrado na Constituição da República Portuguesa64.
Em 1990, com a aprovação da Lei de Bases da Saúde (Lei n.º 48/90 - Drio da República
n.º 195/1990, Série I de 1990-08-24) ocorre uma mudança no paradigma no direito à saúde,
passando o mesmo a ser não só um direito como também um dever, resultado de uma ‘res-
ponsabilidade solidária’ dos cidadãos, sociedade e Estado, tanto em liberdade de procura
como de prestação de cuidados (Base I, n.º 1).
Face a regulamentação da Lei de Bases da Saúde acima citada, tornou-se imperiosa
a edição de uma nova Lei que regulamentasse o SNS, que compatilizasse os princípios
consagrados, ou ainda, que adequasse conceitos anteriormente superados, em termos de
saúde.
60 Constituição da República Portuguesa.
61 Constituição da República Portuguesa.
62 CANOTILHO, J.J. Gomes e MOREIRA, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada. Vol. I. 4ª Ed. Coimbra
Editora. p.827.
63 Constituição da República Portuguesa.
64 Insta esclarecer que não nos aprofundaremos na evolução histórica do Serviço Nacional de Saúde, para que não
nos desvirtuemos do objetivo ora proposto.
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Desta feita, em 1993, é aprovado o novo Estatuto do Serviço Nacional de Saúde por
intermédio do Decreto-Lei n.º 11/93, Diário da República n.º 12/1993, Série I-A de 1993-01-15,
atualmente na sua 16.ª versão.
E é assim, que de acordo com o art. 1.º da lei citada, o SNS passa a ter natureza diferente
da anteriormente tratada65, sendo portando considerado como “um conjunto ordenado e
hierarquizado de instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, fun-
cionando sob a superintendência ou a tutela do Ministro da Saúde”.
O SNS tem, portanto, enquanto parte do Estado, na forma do art. 2º do Decreto-Lei n.º
11/93, como objetivo a concretização do dever que lhe incumbe na salvaguarda da saúde
individual e coletiva66.
Desta feita, para a consecução dos seus objetivos o SNS utiliza-se de planos e progra-
mas de acção, que por sua vez são definidos por despacho do Ministro da Saúde, consoante
o previsto no art.15.º do Decreto-Lei n.º 11/93, com âmbito nacional ou regional.
2.2. A influência da Cultura de Paz no Direito à Saúde Portugs
Dentro dos Programas de Governo utilizados em Portugal à semelhança do que foi indi-
cado no Brasil, traremos ‘dois’ que tem também em semelhança ao estudado no Ordena-
mento Jurídico Brasileiro, com traços suficientes para serem compreendidos como uma
autêntica manifestação da Cultura de paz, muito embora não sejam assim afirmados pelo
Ministro da Saúde, como é o Brasil.
O primeiro Programa de Governo é o publicado por meio do Despacho n.º 3618-A/2016,
Diário da República, 2.ª série — N.º 49 — 10 de março de 2016, responsável por estabelecer a
criação do Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados.67
E, de acordo com o afirmado nas suas disposições gerais, compreende-se a “literacia em
Saúde” enquanto a aptidão para adotar “decisões informadas em saúde, na vida de todos
os dias” bem como para a promoção do próprio Sistema de Saúde em si, pois possui funda-
mentos essenciais para desenvolvimento do procedimento educativo a fim de desenvolver
capacidades “indispensáveis para o autocuidado”, e em vista disto constitui o elemento
central do Programa68.
Por conseguinte, e face aos alusivos fundamentos o Programa Nacional de Educação
para a Saúde, Literacia e Autocuidados tem como objetivos, ainda que de forma resumida:
65 Lei n.º 56/79: “Art. 2.º. O SNS é constituído pela rede de órgãos e serviços prevista neste diploma, que, na
dependência da Secretaria de Estado da Saúde e actuando de forma articulada e sob direcção unificada, gestão
descentralizada e democrática, visa a prestação de cuidados globais de saúde a toda a população.
66 Decreto-Lei n.º 11/93.
67 Despacho n.º 3618-A/2016, Diário da República, 2.ª série — N.º 49 — 10 de março de 2016.
68 Despacho n.º 3618-A/2016, Diário da República, 2.ª série — N.º 49 — 10 de março de 2016.
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um, a cooperação em educação em vista de tornar as pessoas mais responsáveis e inde-
pendentes; dois, proporcionar vasto acesso à “informação qualificada sobre boas práticas”;
três, fortalecer a elaboração e aperfeiçoamento de “novos projetos e instrumentos”; e, qua-
tro, garantir a “divulgação e utilização efetiva das boas práticas em educação”‘69.
Por conseguinte, assim como no Brasil, é possível armar a partir dos objetivos acima
propostos no Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados, que
estes também estão particularmente ligados com a Cultura de Paz.
Isto porque a educação presente, diretamente ou indiretamente em mais de um dos
seus objetivos, é como já foi afirmado, o instrumento que melhor êxito atribui para a con-
secução na Cultura de Paz, e mais, neste caso em específico, promove o empoderamento do
indivíduo do seu papel desempenhado70, para promoção e respeito do seu direito humano
à saúde, como também promove o desenvolvimento sustentável.
Por fim, e como indicado, o segundo programa escolhido para indicar a ligação com a
Cultura de Paz é o Programa de Saúde Prioritários, instituído pelo Despacho n.º 6401/2016,
de 16 de maio, alterado pelo Despacho n.º 1225/2018, de 5 de fevereiro, do Secretário de
Estado Adjunto e da Saúde, responsável por criar, no âmbito do Plano Nacional de Saúde
12 programas de saúde primários71, que da mesma forma agem promovendo com base no
69 “2 - O Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados, visa:
a) Contribuir para a melhoria da educação para a saúde, literacia e autocuidados da população,
promovendo a cidadania em saúde, tornando as pessoas mais autónomas e responsáveis em relação à
sua saúde, à saúde dos que deles dependem e à da sua comunidade;
b) Promover um amplo acesso de todos os interessados a informação qualificada sobre boas
práticas em educação para saúde, literacia e autocuidados;
c) Desenvolver e demonstrar a utilidade de novos projetos e instrumentos em domínios selecionados
desta temática, que acrescentem valor às boas práticas já existentes;
d) Assegurar a divulgação e utilização efetiva das boas práticas em educação para a saúde, literacia e
autocuidados no âmbito do SNS e no conjunto da sociedade portuguesa.
Despacho n.º 3618-A/2016, Diário da República, 2.ª série - N.º 49 - 10 de março de 2016.
70 Sobre o empoderamento do indivíduo no programa, in verbis: “O Programa Nacional de Educação para a Saúde,
Literacia e Autocuidados é também mais uma expressão da intenção do Programa do Governo em reforçar o papel do cidadão
no sistema de saúde português e fazer da informação, do conhecimento e da decisão informada veículos privilegiados desse
reforço.Despacho n.º 3618-A/2016, Diário da República, 2.ª série - N.º 49 - 10 de março de 2016.
71 Despacho n.º 6401/2016:
“1 — A Direção-Geral da Saúde (DGS) desenvolve, no âmbito do Plano
Nacional de Saúde, programas de saúde prioritários nas seguintes áreas:
a) Prevenção e Controlo do Tabagismo;
b) Promoção da Alimentação Saudável;
c) Promoção da Atividade Física;
d) Diabetes;
e) Doenças Cérebro -cardiovasculares;
f) Doenças Oncológicas;
g) Doenças Respiratórias;
h) Hepatites Virais;
i) Infeção VIH/SIDA e Tuberculose;
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sucesso da Programa Nacional de Educação para a Saúde, Literacia e Autocuidados promo-
vendo o empoderamento de toda sociedade através da educação, para se obter sucesso na
promoção e respeito do direito humano à saúde.
Conclusão
Partindo da ideia inicial, a proposta é de contribuir para o estudo do direito à saúde no
âmbito da cultura de paz, tal e qual institucionalizado pelo próprio Ministério da Saúde
do Brasil na relação em leitura comparada a experiência portuguesa (com as devidas res-
salvas), quando eleva em nível político-institucional a Cultura de Paz, no âmbito da Reso-
lução A/53/243, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, restrita ao Direito à
Saúde, permitindo-nos as seguintes abstrações.
A Cultura de Paz enquanto “conjunto de valores, atitudes, tradições, comportamentos
e estilos de vida” para o aperfeiçoamento da paz (art.1.º) entre pessoas, grupos e nações
encontra na educação seu instrumento mais relevante para de construção.
A paz, para além de outros entendimentos72, é também um dos elementos relevantes
para construção da saúde em si, vez que com a “habitação, educação, alimentação, renda,
ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social, e equidade”73 constitui um dos
seus pré-requisitos.
Observamos as fontes de Direito Constitucional à Saúde, no Brasil e em Portugal, para
dentro do sistema brasileiro, para compreender como tem sido afirmado pelo Ministério
da Saúde a importância da Cultura de Paz para saúde pública e assim perceber sua formas
de manifestação.
Observações que nos permitiram estender o argumento para buscar uma comparação
no sistema português das manifestações da Cultura de Paz no Direito à saúde, pelo que
nos permitimos as seguintes conclusões.
j) Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Antimicrobianos;
k) Saúde Mental
72 Declaração de Iamussucro sobre a paz nas mentes dos homens:
“Paz é reverência pela vida.
A paz é o mais precioso bem da humanidade.
A paz é mais do que o fim do conflito armado.
A paz é um modo de comportamento.
Paz é um compromisso profundo com os princípios de liberdade, justiça, igualdade e solidariedade entre todos
os seres humanos.
A paz também é uma parceria harmoniosa da humanidade com o meio ambiente.
Hoje, às vésperas do século XXI, a paz está ao nosso alcance.
73 Carta de Ottawa,1986. p.1.
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A “Declaração e Programa de Ação sobre uma Cultura de Paz, Resolução A/53/243, ado-
tada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 6 de outubro de 1999 é uma soft law,
fenômeno este que, como bem ressalta Miguel Santos Neves, mais mudanças e desafios
trazem para os procedimentos de alteração em si74.
E, mesmo se reconhecendo seu caráter de soft law, ou seja, sua tendência a estandardização
de comportamentos sociais, sem que possuam qualquer vinculação jurídica ou mesmo
opunham qualquer sanção jurídica para o caso de incumprimento, como explica Miguel
Santos Neves, nos permite afirmar que estes têm vindo a refletir positivamente com
grande impacto e positiva influência nas políticas públicas de promoção de saúde tanto
no Brasil como em Portugal75.
Até porque, e aqui parafraseando o Ministério da Saúde do Brasil, é de suma imporncia
a identificação e reconhecimento de boas práticas seja da sociedade civil organizada seja
no âmbito governamental, que muito embora não venham identificadas com este “selo” da
Cultura de Paz, tem com esta ligação, rendendo como indicado grande impacto e positiva
inuência76.
BIBLIOGRAFIA
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74 NEVES, Miguel Santos – Soft Law. In: Introdução ao Direito, p. 251.
75 Muito bem esclarece o conceito de soft law, Miguel Santos Neves, ao afirmar que este: “correponde a um processo
de produção de standars normativos, que têm como vocação a regulação de comportamentos sociais, sem caráter vinculativo
e cujo incumprimento não estão associadas sanções jurídicas.
NEVES, Miguel Santos – Soft Law. In: Introdução ao Direito, p. 251.
76 Ministério da Saúde.
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ROBERTA C. BALBI CAMPOS
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Responsibility to protect – r2p – a luz das relações
internacionais e sua aplicação prática nos
uxos migratórios forçados
Responsibility to protect – r2p – the light of relationships
international standards and their practical application in
forced migration ows
CARLOS IMBROSIO FILHO1
carlos.imbrosio@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 5380
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.4
Submitted on April 10th, 2021 · Accepted on May 18th, 2021
Submetido em 10 de Abril, 2021 · Aceite a 18 de Maio, 2021
RESUMO A presente pesquisa busca definir e elucidar o instrumento de soft law
designado por Responsabilidade de Protecção (Responsibility to Protect – R2P), bem como
analisar a sua possível natureza complementar à luz do Regulamento Dublin III, do qual
atua na alise e decisão dos pedidos de asilo em sede de direito europeu. Posteriormente,
num cenário internacional de diplomacia entre os Estados soberanos, levando em
consideração a realidade encontrada no contexto europeu, pretende-se demonstrar a sua
aplicabilidade prática no que tange à relativização entre a proteção e garantia dos direitos
fundamentais e o exercício individual da soberania dos Estados que compõem à União
Europeia, culminando assim no esvaziamento/cedência da soberania de certos Estados
– nomeadamente os ditos falidos, responsáveis pelos fluxos migratórios forçados, seja
oriundo da má gestão politica, ou mesmo da omissão da atuação estatal, e que produz caos
no convívio harmónico transfronteiriço – em prol da manutenção da paz e da proteção a
dignidade da pessoa humana.
PALAVRASCHAVE Responsibility to Protect; Fluxo Migratório; Direitos Humanos;
Soberania; Dignidade da Pessoa Humana
1 Mestre em Direito da União Europeia – Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa – FDUNL. Douto-
rando pela Universidade Autónoma de Lisboa Luís de Camões. Artigo desenvolvido no âmbito do projeto de Inves-
tigação e Desenvolvimento (I&D) “Cultura de Paz e Democracia” sediado no Ratio Legis- Centro de Investigação e
Desenvolvimento em Ciências Jurídicas da UAL – Universidade Autónoma de Lisboa
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ABSTRACT The present paper chases to define and develop the soft law instrument called
Responsibility to Protect (R2P), as well as to analyze its possible complementary nature
based on Dublin III Regulation interpretation, which acts in the analysis and decision of
asylum claims under European Law. Following this, in an international level of diplomacy
between sovereign states, taking into account the European context, we intend to
demonstrate its practical applicability with regard to the balance between the protection
and guarantee of fundamental rights and the individual exercise of sovereignty of the
states that builds the European Union, thus culminating in the emptying/cession of the
sovereignty of certain states – namely the so-called ‘failed states’, liable for compulsory
migration flows, whether from weak or null political management, or even from the
full omission of state action, and which produces chaos in the harmonious cross-border
coexistence – for the sake of maintaining peace and protecting human dignity.
KEYWORDS Responsibility to Protect; Migration Flow; Human Rights; Sovereignty;
Humans Person Dignity
I. Apontamentos preliminares
Em breves apontamentos iniciais, pretende-se extrair deste ensaio alguns conceitos e,
obviamente, fatos históricos relevantes que culminaram no surgimento do designado
mecanismo de soft law por ora analisado, ou Responsibility to Protect – R2P.
A criação de tal mecanismo, encontra guarida em diversas investigações científicas,
bem como experiências práticas dos conflitos humanos num cenário internacional. Even-
tos traumáticos que marcaram a história da humanidade vão desde afrontas à dignidade
da pessoa até ao extermínio da vida humana. Sejam pautados em crenças, ou mesmo por
preconceitos de diversas origens, o homem pratica ao longo da história atos reprováveis do
ponto de vista da preservação e respeito a vida.
Desta forma, surge em 1863, por força do Comité Internacional da Cruz Vermelha, em
Genebra2, um revolucionário mecanismo de natureza privada, aquando da fundação da
Instituição composta por seus originários 25 membros, dos quais atuavam neste projeto
pioneiro pela proteção e cumprimento da Lei Humanitária Internacional. Entretanto, esta
forma de assistência internacional atuava estritamente nos conflitos armados, internos
2 [consultado em 12.06.2019]. Disponível em: https://www.icrc.org/en/who-we-are/history.
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ou internacionais, preservando a vida do envolvido, assim como protegendo sua digni-
dade.
É importante citar esta Instituição, haja vista que como mecanismo originariamente
privado, impacta na atuação posterior dos Estados, nas políticas a nível internacional, e,
por conseguinte, na criação de mecanismos de soft law3 que provocarão, posteriormente, a
criação de normas com efeito vinculativo – hard law.
Ademais, o movimento da Cruz Vermelha constrói bases sólidas nesta iniciativa
humanitária, sendo certo que já no século XX, por força da Conferencia Internacional de
Viena (1965), faz surgir os ditos sete princípios fundamentais que irão compor seu Esta-
tuto de criação, já em 1986. A importância de citar os aludidos princípios encontra guarida
no cerne do ensaio em tela, ou seja, a criação do R2P está intimamente ligada aos preceitos
dos princípios fundamentais. Vejamos então quais são eles: Humanidade; Imparcialidade;
Neutralidade; Independência; Servo Voluntário; Unidade; Universalidade.
Para o núcleo do ensaio em pauta, vamos nos ater a dois princípios somente, o da huma-
nidade e o da imparcialidade. Tal decisão possui fundamento nos efeitos resultantes da
sua aplicação, ou seja, se por um lado, o senso de humanidade significa a assistência sem
discriminação, com o fulcro de proteger a vida humana, a integridade física, tendo por
base o respeito a dignidade humana4, por outro, temos a imparcialidade, atuando como
agente de impacto direto nas operações de emergência que exijam uma atuação conjunta
sem qualquer tipo de discriminação, seja por nacionalidade, raça, crença, classe, opinião
politica.
Quando tratamos das relações internacionais, tratamos de assuntos que atravessam
a seara de direito nacional e assumem um patamar em nível internacional, ou seja, tratar
de assuntos de âmbito internacional envolve diplomacia, política entre Estados e, conse-
quentemente, a reestruturação de sua norma em âmbito nacional, bem como cedências no
campo da soberania estatal num cenário macro5.
Com o desenvolvimento do instrumento de R2P não foi diferente no que tange a rees-
truturação da política estadual, aqui jaz a ideia de que o Estado como agente fundamental
na representação em nível internacional carrega consigo a responsabilidade priria de
3 Neste sentido sobre a consolidação da soft power: NEVES, Miguel Santos – “Paradiplomacia, Regiões do Conhe-
cimento e a consolidação do «Soft Power»”. In: JANUS.NET e-journal of International Relations, N.o 1, Outono 2010.
[consultado em 15.06.2019]. Disponível em: www.observare.ual.pt/janus.net/pt_vol1_n1_art2
4 PIRES, Alex Sander Xavier – “Fluxos migratórios forçados e cultura de paz: um contributo hipotético baseado na
educação como pilar da democracia e na solução alternativa à crise do estado assistencialista”. In: GALILEU – RE-
VISTA DE DIREITO E ECONOMIA · e-ISSN 2184-1845 Volume XIX · Junho 2019 · pp. 66-87.
5 NEVES, Miguel Santos – Globalização, sociedade do conhecimento e emergência de regiões do conhecimento, in
Anuário Janus 2011-2012, pp. 96-97.
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proteção de sua população contra os crimes em massa, sejam estes cometidos por via do
genocídio, dos crimes de guerra, ou mesmo quando se tratarem de crimes contra a huma-
nidade ou ataques diretos contra raça/ etnia com a intenção de externio da mesma.
O R2P também aplica este conceito, como veremos adiante, em sentido amplo, ou
seja, transporta a aludida responsabilidade de proteção à comunidade internacional. Isto
implica dizer que um grupo de estados poderá, a partida, intervir em assistência àquele
estado que carece de meios efetivos para a proteção de sua população6.
Retomando aos eventos que marcaram o surgimento do citado instrumento, foi o fatí-
dico conflito armado mundial (Segunda Grande Guerra Mundial) que marcou as princi-
pais bases para a fundação do que conhecemos de R2P atualmente. Ora, se não fossem
o massacres em massa praticados pelos alemães sob o domínio do regime nazista e sua
doutrina política nacionalista, que fez propagar por longos anos um comportamento emi-
nentemente racista (preservação da raça ariana, dita como pura) e totalitário no plano
mundial, a comunidade internacional não se uniria para discutir os limites da soberania
de um estado7, e tampouco criaria bases fundamentais de carácter humanitário para limi-
tar a atuação de um estado em face à proteção da vida humana.
O ponto de virada veio com o término da 2ª Guerra Mundial, donde se iniciou o movi-
mento de criação da atual Organização das Nações Unidas, naquela altura provisoria-
mente chamada Liga das Nações, bem como em sua sede pela criação – em 1949 – da Reso-
lução de nª 260, de 9 de dezembro, que adotava meios de punição e prevenção aos crimes
de genocídio como forma de resposta direta ao período de horror causado pelo Holocausto.
Posteriormente também encontramos afrontas a dignidade e a vida humana se tra-
zermos os conflitos armados da Indochina, já nas décadas de 1960/ 1970. Lembramos que
este conflito armado teve sua origem com o exato fim da 2ª Guerra, donde os territórios
compostos pelo Vietname, Laos, Camboja foram o palco de conflitos armados por longos
anos, após o governo local ter sido destituído pelas forças armadas francesas. Já em 1954,
diante dos avanços alcançados pela Conferencia de Genebra, houve um acordo para que,
ao menos a parcela norte fosse entregue ao poder de governo local. Entretanto, diante da
dicotomia entre norte e sul sob o ponto de vista de crenças políticas, veio a culminar na
ulterior Guerra do Vietname, ou Segunda Guerra da Indochina.
6 Neste sentido: GARGANO, Maria – “Borders as a practice: The Reform of Frontex and the Re-signification of the
European External Borders” ID: 6121484 European Migration Law and Citizenship. Disponível em: https://www.
academia.edu/32476345/Borders_as_A_Practice_the_Reform_of_Frontex_and_the_Re-signification_of_the_European_Exter-
nal_Borders?email_work_card=view-paper. p. 4. [consultado em 12.06.2019].
7 Sobre a aplicação da soft law como instrumento de revisão dos diplomas de hard law. ABBOTT, Kenneth W.; SNI-
DAL, Duncan – ‘Hard and Soft Law in International Governance.’. International Organization 54, 3, 2000, pp.
422-423. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1402966. [Consultado em 12.06.2019].
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Este conito tem suma importância para o estudo em tela; primeiro, porque represen-
tou a invasão, ou ao menos a tentativa de invadir, do exército norte americano em terri-
tório oriental; segundo, porque foram longos 20 anos de contínuos conflitos armados e
consequentes atrocidades cometidas contra à vida humana (1955 – 1975); terceiro, porque
representava um tensão de cunho internacional camuflada, haja vista que tínhamos pode-
res apoiados pela Rússia e China, ao norte, que iam de encontro aos poderes assistidos
pelos E.U.A. ao sul, portanto aqui mais uma vez vemos a intervenção militar internacio-
nal utilizada sem fundamentos lógico racionais, e restrita somente ao sentimento de ódio
entre os dois núcleos de influência político-económica mundial até então, ou seja, a União
Soviética, até então designada, e os Estados Unidos da América, resumidos no contexto da
guerra fria e do mundo bipolar.
A sequência de conitos armados alimentados pelo lucro sem precedentes da indústria
bélica não se extingue por aqui. Para o R2P importa ressaltar também a experiência vivida
na Ruanda, já na década de 90, aquando do massacre que culminou na prática de crime
de genocídio, passando a ser alvo então de análise no âmbito internacional com vistas a
erradicação deste tipo de intentona militar. Veremos mais adiante que muitos destes con-
flitos serão citados nos instrumentos de soft law, sem os quais não seria possível a sua criação.
Mais adiante, já no contexto europeu, vimos a intervenção descabida das forças militares da
OTAN, à época, no recém-formado território da Iugoslava (1999), a que fez surgir uma nova preocu-
pação no palco internacional. Ora, se por um lado vimos, anteriormente, situações em que estados
tomavam decisões unilaterais que culminaram em intervenções militares invasivas e violadoras dos
direitos fundamentais, mormente àqueles oriundos dos crimes de guerra que violam diretamente a
dignidade da pessoa humana e a própria vida; por outro lado temos neste cenário a decisão tomada
por um organismo comunitário internacional, representado pelo interesse de um grupo de estados
(OTAN), e que portanto, viria a gerar uma instabilidade nas relações diplomáticas em nível interna-
cional.
Precisamente deste fatídico evento que surgem novos instrumentos impulsionadores para a
formão do que chamamos de R2P. Seguindo esta linha de raciocínio, temos o discurso em sede
do Seminário de Bruxelas – 2009, momento em que Kiyo Akasaka, na altura Secretario Geral das
Comunicações e Informação Pública das Nações Unidas, proferiu o indispensável comentário a
cerca da temática, em que afirmou pelo ideal do R2P, não como um instrumento em que os estados
buscariam a proteção de seus povos, mas como uma forma de permitir a comunidade internacional
intervir na proteção dos civis, em casos específicos de afronta a certos direitos fundamentais.
A afirmação proferida por força do discurso de Akasaka não seria possível se não fosse a Cimeira
Internacional de 2005, evento onde os estados-membros representantes se reuniram e discutiram,
dentre os tópicos, a aplicabilidade do R2P na prática. A Cimeira teve como efeito, primeiramente
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a movimentação do Conselho de Segurança da ONU, que já em 2006 formalizara o seu compro-
misso pela aplicação das provisões originariamente extraídas do documento produzido em sede da
cimeira. No mesmo ano o Secretario Geral da ONU, Ban Ki-moon participou ativamente na pro-
dução do relatório sobre a implementação do R2P8, que seria alvo de discussão ulterior pela
Assembleia Geral da ONU, em 2009, resultando na transposição ao rol de normas de soft
law em sede de Direito Internacional, por força da Resolução (A/RES/63/308).
Diante dos fatos elucidados, temos como certo que o mundo exigia uma solução rápida para as
já citadas violações. E então é criado o instrumento de soft law9, designado por Responsabilidade
de Proteção, ou R2P “RtoP” que por ora passamos a analisar.
O atual estudo não ambiciona, tão somente a elucidação do Instituto R2P, mas princi-
palmente sua correlação com o Regulamento Dublin III, que vigora no cenário europeu,
visando revisar os incontáveis pedidos de asilo, advindo dos fluxos migratórios que afe-
tam diretamente as fronteiras do continente europeu.
No âmbito da pesquisa veremos adiante como o Regulamento Dublin III funciona na
perspetiva de revisão dos pedidos de asilo, bem como o devido realojamento populacional
consoante as premissas contidas no diploma.
II. Génese e evolução do instituto responsibility to protect r2p
O processo de construção do diploma por ora analisado não ocorre de forma desconexa,
ou sequer descompassada aos atos políticos, mormente às decisões que culminaram em
intervenções militares sob as quais jazia a pretensa escusa pela proteção da comunidade
internacional.
Ora, se por um lado tínhamos a decisão política pela intervenção militar em estados
terceiros, por outro lado mister seria observar os seus limites, haja vista que sob o véu que
permitira a suspensão da plena soberania do estado intervencionado, suas consequências
seriam certamente irreversíveis.
E assim que, em dezembro de 2001, é publicado o primeiro relatório oficial em sede do
recém-criado instituto Responsibility to Protect, que basicamente cria o primeiro arcabouço de
soft law com intenções reais de preparar sua implementação a hard law.10
8 BAN, Ki-moon – The Role of Regional and Sub-Regional Arrangements in Implementing the Responsibility to Protect,
A/65/877–S/2011/39, 28 June 2011.
9 BERMAN, Paul Schiff – From International Law to Law and Globalization. Columbia Journal of Transnational
Law, Vol. 43, p. 485-556, 2005. Disponível em: SSRN:https://ssrn.com/abstract=700668 [Consultado em 13.05.2019].
10 BERMAN, Paul Schiff – Op. cit., p. 493 ss.
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Responsibility to protect – r2p – a luz das relações internacionais e sua aplicação prática nos fluxos migratórios forçados
CARLOS IMBROSIO FILHO
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXII · Issue Fascículo 1 · 1st January Janeiro – 30th June Junho 2021 · pp. 53‑80
O relatório é criado com vistas a clarificar o conceito de intervenção humanitária, e
bem assim posicioná-la no debate sobre a relativização da, até então soberania plena dos
estados. É importante lembrar que este diploma fora criado em sede da Comissão ad hoc,
que previa a intervenção da comunidade internacional com vistas a revisão dos falhanços anterio-
res, mormente o lamentável massacre da Ruanda (1994), bem como o da Srebrenica, ocorrido em
território Bósnio (1995).
Portanto, em sede da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estadual, ou já
citada International Comission on Intervention and State Sovereignity – ICISS é que surge o pri-
meiro diploma com vistas a definir o conceito de intervenção humanitária e delinear os seus limites
de atuação.
A. Relatório da comissão internacional sobre intervenção e soberania estadual
O diploma que surge pela criação da aludida comissão ad hoc permite-nos delimitar uma
forma para o conceito de Responsabilidade de Proteção, bem como seus princípios básicos
dentre outras características que por ora passamos a analisar.
Preliminarmente o documento demonstra de forma sucinta os princípios que regem a
responsabilidade de proteção entre os estados soberanos, qual seja, o dever de cuidar e pro-
teger sua população, a princípio, prevenindo e remediando assim os crimes e atrocidades
cometidos contra a vida humana bem como as consequentes violações aos direitos huma-
nos, quando impactarem uma massa da população. Portanto, recorda-se que a soberania
de um estado neste momento não se resume em direitos de dispor e de administrar seu
território, mas de um dever maior para com a comunidade internacional. A relativização
do princípio soberano da não intervenção encontra guarida na ideia de que um estado
que não demonstre vontade, ou que não possui poder para evitar estas atrocidades em
massa, passa a ser interferido pelos demais estados da comunidade internacional para
que, segundo os ditames da responsabilidade de proteção, possa assim dispor de meios
necessários para combater as questões que geram os aludidos crimes.
A justificação para a vigência deste diploma em sede de Direito Internacional se perfaz
tendo em consideração os preceitos do Conselho de Segurança das Nações Unidas no que
diz respeito ao art.º 24º da Carta, pela manutenção da Paz e Segurança na esfera global.
E não somente, são revistos conceitos de soberania estadual, ampliando assim seu rol de
deveres para com a proteção as populações, indo além ao relativizar princípios que antes
eram intangíveis, já agora ganham uma nova dimensão, como é o caso da não intervenção.
Não obstante também os inúmeros diplomas e convenções que ponderam a proteção
dos direitos humanos, como a Declaração Universal dos Direitos do Homem, os Pactos
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Internacionais, sejam os relativos aos direitos políticos e civis, bem como aqueles que
abordam os direitos económicos, sociais e culturais, entre outros.
Em desenvolvimento, os elementos que compõem a Comissão podem ser compreendi-
dos em três esferas de responsabilidades: a. Prevenção; b. Reação; e c. Reconstrução11. Isto
implica armar que o conceito de soberania estadual, outrora limitado a um rol de direitos,
tão somente, passa agora a ter um arcabouço de responsabilidades a que o estado deve
cuidar para que seja considerado soberano.
Para alem dos princípios basilares, temos os chamados princípios de precaução, uma
vez que tratamos de um tema que impactará na intervenção à soberania de um estado, é
preciso que haja elementos limitadores para tal. Dentre os citados temos o princípio da
correta intenção, para que as intervenções militares tenham o exclusivo fim de combater o
sofrimento humano inerente dos crimes em massa tratados pelo diploma. No mesmo viés
temos o princípio do último recurso que permitirá a intervenção militar, somente após
esgotados todos os meios alternativos para o combate aos crimes. Em sendo considerada
necessária a intervenção militar, aplicar-se-ão os princípios dos meios proporcionais, bem
como o das expectativas razoáveis. Portanto, o que se pretende do aludido documento é
vincular as intervenções militares a causas restritas ao rol dos crimes enumerados, sem-
pre proporcionais a dimensão da calamidade, e enquanto forem reais os resultados busca-
dos pelas intervenções militares. Ou seja, é necessário que seja calculado o resultado da
operação e se disponha dos meios mínimos necessários para o seu sucesso.
O relatório em análise buscou, inicialmente, elucidar os eventos catastróficos que cul-
minaram nos massacres, bem como as consequentes afrontas a vida humana. Os já cita-
dos massacres trouxeram à tona já em 1999, em sede da Assembleia Geral das Nações Uni-
das, e logo após em 2000, aquando do discurso proferido por Kofi Annan, Secretario Geral
àquela altura, o questionamento necessário à revisão da até então política internacional.
A ideia primária era a de formar uma “unidade fundida” a que significara justamente a
construção de um arcabouço composto por questões basilares, princípios norteadores,
bem como procedimentos, e assim o foi.
A questão posta pelo secretario geral era de suma imporncia para todo o deslinde da
temática que veio a se chamar Responsabilidade de Proteção – R2P. Da sua indagação “...
se a intervenção humanitária é, de fato, um ataque inaceitável à soberania, como devería-
mos responder a Ruanda, a Srebrenica – às violações grosseiras e sistemáticas dos direitos
humanos que afetam todos os preceitos de nossa humanidade comum?”, foi que se iniciou
o processo de construção do relatório por parte da comissão.
11 Relatório da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estadual de 2001.
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Em sucinta alise do documento, a comissão teve o cuidado de delimitar, primeiro, os
princípios básicos aplicáveis, ou seja, a mudança de paradigma que jaz a ideia de respon-
sabilidade priria e indisponível dos estados, no corrente exercício da soberania, para
com a proteção das pessoas que se encontram dentro de seu território, independentemente
da nacionalidade ou dos motivos a que foram encontrados. Ora, se as pessoas merecem
a proteção estadual, esta proteção deverá acontecer onde uma população está sofrendo
sérios danos, como resultado de guerra interna, insurgência, repressão ou falha do Estado,
e o estado em questão não está disposto ou se encontra incapaz de detê-lo ou evitá-lo,
momento em que o princípio da não intervenção cede à responsabilidade internacional
de proteger.
Isto não implica tão somente na inversão de valores, mas principalmente na mudança
de fundamentos como princípios guiões inerentes a comunidade internacional de esta-
dos. Portanto, em suma, temos que o conceito de soberania em constante mutação há
de ser visto como obrigação inerente aos estados, entregando assim, por consequência
ao Conselho de Segurança da ONU, por força do art.º 24º da Carta das Nações Unidas, a
responsabilidade pela manutenção da paz e segurança internacional. Nesta fase também
são reconhecidos o efeito vinculativo dos inúmeros diplomas relativamente aos direitos
humanos, as declarações, convenções e tratados que são aplicados pela lei internacional
humanitária, e pelas leis nacionais12. Por fim, a proatividade às boas práticas, sejam por
parte dos estados, das comunidades regionais, ou mesmo pelo Conselho de Segurança,
fazem parte dos fundamentos que irão definir o instituto da Responsabilidade de Proteção.
A comissão divide as responsabilidades em três modalidades, quais sejam: responsa-
bilidade de prevenção; responsabilidade de reação; e responsabilidade de reconstrão.
Entretanto é importante recordar que o relatório posiciona o fator preventivo como único
e mais importante das dimensões.
Em desenvolvimento a alise do documento em pauta vimos que, a Comissão fora
criada com vistas ao combate aos excessos cometidos por força das intervenções milita-
res, que, a priori, tinham o escopo de exterminar as situações calamitosas que punham
em risco a vida das pessoas, sejam aquelas advindas de atos xenófobos ou mesmo outras
formas que culminariam num massacre e na consequente perda significativa de vidas
humanas.
Neste viés que a Comissão invoca o aludido limite da justa causa, ou, o limite a que às
intervenções militares estavam sujeitas a respeitar, e estes limites eram pautados na pro-
12 ABBOTT, Kenneth W.; SNIDAL, Duncan – ‘Hard and Soft Law in International Governance.. In: International
Organization 54, 3, 2000, pp. 444-445.
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teção da vida humana, aplicáveis em carácter excecional e extraordinário. Desta forma, o
risco de dano em larga escala havia de ser aquele risco sério e irreparável ou sua iminência
no que tratava das perdas em larga escala (massacres), sejam advindos de atos genoci-
das, ou mesmo de atos de estado, em que punham em risco uma parcela da população,
incluindo assim também aqueles compreendidos por externio étnico.
Ora, se por um lado o Relatório previa um agente limitador às intervenções militares,
por outro deveria criar princípios que acautelassem também os limites naqueles atos que
constitssem os preventivos. Os princípios preventivos são outra forma de se evitar os
exageros cometidos nas aludidas intervenções militares.
Dentre eles temos o princípio da correta intenção, ou aquele que mantém a operação
militar adstrita ao seu propósito pririo, ou a busca pelo combate ao sofrimento humano,
unicamente. Consoante as premissas encontradas do documento este princípio havia de
ser aplicado através de operações multilaterais, suportadas por opiniões regionais e pelas
vítimas envolvidas, para se fosse possível delimitar de forma coerente os seus limites.
Nesta linha o princípio do último recurso, cujo qual pautava a aplicabilidade da inter-
venção militar, tão somente após falhados todos os outros meios aplicáveis de combate
aos atos lesivos. Em outras palavras, após exauridas todas as formas de intervenção não
militares, para a prevenção, ou resolução pacífica da crise.
Outro princípio encontrado nesta fase dos estudos da Comissão seria o princípio dos
meios proporcionais, ou aquele que previa à intervenção militar com a dimensão, duração
e intensidade necessárias ao combate da crise, ou seu mínimo necessário ao restabeleci-
mento da paz. Portanto, o contingente das tropas, a duração da intervenção, bem como a
forma em sua atuação seriam delimitadas com base na gravidade da crise, sempre como
vistas à proteção da vida humana.
Ainda no tocante aos meios preventivos, temos o princípio das perspetivas razoáveis,
ou aquele princípio que visa prever as possibilidades de sucesso da operação, ou seja, o
exame analítico prévio a operação deverá demonstrar resultados que sejam mais benéfi-
cos se comparados com a sua não atuação.
Ademais, o relatório não se preocupa em somente delimitar um corpo de princípios
para limitar a atuação militar no curso das operações, mas também de entregar compe-
tência aos organismos internacionais, sobretudo no que tange a análise e autorização das
aludidas intervenções militares.
A decisão plausível foi a de entregar este bastão ao Conselho de Segurança da ONU, que
poderia ser provocado por um estado através de uma requisição formal, e não somente; o
próprio Conselho poderia invocar tal operação por sua própria força, bem como também
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poderia ser feito por requisição do Secretario Geral, como alude o artigo 99 da Carta das
Nações Unidas.
Ao Conselho de Segurança cabe a função de análise dos pedidos enviados, para que
sejam verificados os factos e condições que suportam a proeminente intentona militar.
Isto se da, como consta do diploma pelos cinco membros permanentes do Conselho, aos
quais devem agir de forma coerente a não invocar qualquer poder de veto, naqueles casos
em que não estejam em risco seus próprios interesses vitais, ou seja, nos casos em que há
uma crise, ou a eminência de tal, mas que os estados permanentes não estejam envolvidos,
deverão votar sempre sem o exercício do poder de veto, para se evitem a sobreposição de
questões meramente políticas às de proteção das vidas humanas em risco.
O Relatório proposto pela Comissão em dada altura não previa somente o escopo
do Conselhos de Segurança, mas ia alem ao criar alternativas, caso o Conselho falhasse
dalguma forma. Eis que dentre elas temos: (a) a consideração por força do procedimento
“unindo-se pela paz”, em que permite a abertura de um Sessão Especial de Emergência em
sede da Assembleia Geral da ONU; e/ou, (b) ação interna a área de jurisdição por forca das
organizações regionais ou sub-regionais (por força do capítulo VIII da Carta das Nações
Unidas) na busca de subsequente autorização pela intervenção militar.
O Conselho de Segurança também reconhece o critério de razoabilidade pela aplicação
deste procedimento, em que pese os casos em que o Conselho falhar; assim um estado
em iminente risco pode tomar decisões por sua própria conta e risco, assumindo o antigo
limiar de soberania nacional, com vistas ao combate da crise. Obviamente que isto impac-
tará diretamente na imagem dos órgãos internacionais como o próprio Conselho de Segu-
rança.
Em notas breves a cerca da operacionalização das intervenções militares, o diploma
cria um arcabouço de princípios para abrigar diretrizes sólidas no que tange a prática das
operações. Sendo assim, para além das previsões de competência para alise a autoriza-
ção dos pedidos de intervenção, o diploma contempla também os ditos princípios opera-
cionais, que são divididos em 6 (seis) áreas: (a) objetivos claros; (b) unidade de comando para uma
intentona militar harmonizada; (c) submissão as regras de aplicação à operação, sejam as que limi-
tam ou que permitem o gradual uso da força no combate a crise; (d) regras de comprometimento a lei
humanitária internacional, bem como ao princípio da proporcionalidade no que tange aos conceitos
operacionais da interveão militar; (e) critério excecional, para que seja cristalina a ideia de que
aos estados cumpre a proteção de suas populações, e a intervenção militar é um critério excecional e
restrito; e por fim, (f) a comunicação e interação direta com as principais organizões humanitárias
(locais, regionais e internacionais).
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Vimos então, que o Relatório advindo da Comissão Internacional sobre Interveão e Sobera-
nia Estadual tinha natureza ad hoc, ou seja, era aplicável a uma situação específica que surgira dos
massacres ocorridos ao longo dos anos 90. A conseqncia prática que surgia a partir da decisão
unilateral de um estado em intervir, sob o viés militar, noutro estado com a mera desculpa de controle
ou combate a crises locais levou aos massacres e ao total descontrole nas operações. Diante desta
preocupação que, alguns anos depois – em 2005 – inicia o debate em sede das Nações Unidas, rela-
tivamente a implantação do instituto Responsabilidade de Proteção – R2P no seio da comunidade
internacional, para que fosse disseminada a ideia num cenário global. Desta iniciativa que passa-
mos a analisar a Resolução da ONU nº63/308 de 2009.
B. Resolução nº 63/677 da Assembleia Geral da ONU
Diante da eminente preocupação dos estados no combate as atrocidades à vida humana, e
com vistas a erradicar qualquer tipo de conduta que levasse a mais perdas de vida em larga
escala, a Cimeira Mundial de 2005 traz à tona a questão da responsabilidade de proteção
(Parágrafos 138 e 139 do relatório conclusivo da cimeira).
Após 4 anos, já em 2009, eis que surge a Resolução nº63/677 da ONU, que delineia a
forma de implementação de tal instituto no seio internacional. O documento está pautado
na premissa anterior cuja qual “cada Estado, individualmente, possui a responsabilidade
de proteção de sua população contra os crimes de genocídio, crimes de guerra, externio
étnico (xenofobismo), e quaisquer crimes contra a humanidade.
Daqui se extrai o núcleo de proteção do instituto por ora analisado, são quatro (4) os
tipos de crime em que o diploma faz referência, permitindo assim às intervenções mili-
tares.
Todavia, a inovação trazida pela Resolução encontra guarida na estratégia sobre a
forma de três (3) pilares, quais sejam: (a) as responsabilidades de proteção do Estado; (b) a
capacitação e assistência internacional; e, (c) a resposta oportuna e decisiva.
A Resolução em alise, dentro dos conceitos de estratégia, envereda o fator preventivo
reiteradamente, conquanto considera a resposta rápida e flexível, naqueles casos em que
haja a falha em sua prevenção.
Mister se faz armar que os três pilares citados possuem a mesma valoração, sejam
pela sua viabilidade, sua força, ou mesmo sua dimensão.
Ademais, o critério suplementar pela autorização, caso a caso, à intervenção militar
só acontece caso os meios para obtenção da paz sejam ineficazes, ou se for demonstrado
manifestamente que as autoridades nacionais do país/região em crise não são capazes de
proteger suas populações, sejam por se omitir ou por não possuir meios para tal.
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Ao Estado agora incumbe o dever de – dentro do exercício da sua soberania – prote-
ger sua população contra estes crimes contra a humanidade, portanto este “novo” cenário
pode ser visto como um do efeito da globalização, já que agora o conceito de soberania
sofrera uma mutação no que tange os deveres dos estados para com esta, até então auto-
ridade que se aplicava com um rol extensivo de direitos sob seu território, e não como
dever13. Para além disso, um Estado será responsabilizado pela comunidade internacional
em caso de falha na busca destes objetivos, o que implica num impacto em sua imagem
num nível internacional nunca visto antes.
Em desenvolvimento, o Relatório recorda os fatídicos eventos do Holocausto, os mas-
sacres do Cambodja, o genocídio da Ruanda bem como da Srebrenica, estes dois últimos
sob a vigia do Conselho de Segurança da ONU, o que muito preocupou a comunidade
internacional e os fez refletir sobre este diploma.
A experiência advinda destes eventos permite ao Relatório definir alguns pontos em
comum, dos quais: (a) todos os casos tiveram pontos que serviam de sinais pela iminência
daquilo que estava por acontecer; (b) outro fator de contribuição era consoante o contexto
politico, económico ou social, visto que atrocidades desta magnitude exigiam tempo para
o seu planeamento e preparação; (c) todas as hipóteses comungavam da falha por parte dos
órgãos internacionais, dentre eles as Nações Unidas e seu secretariado.
Num outro diapasão, temos que a intervenção humanitária colocou uma falsa escolha
entre dois extremos: ficar de prontidão diante de crescentes mortes de civis; ou, empregar
a força militar coercitiva para proteger as vulneráveis e ameaçadas populações. Os Esta-
dos-Membros têm compreensivelmente conflituado pela escolha dentre essas desagradá-
veis alternativas.
Neste ponto da pesquisa, encontramos um dos principais pilares para fundamentar a
razão pela qual um Estado deve proteger sua população, e isto envolverá, como se concluirá
adiante a sua responsabilização, pelo afluxo maciço da população para outros territórios,
quando o motivo pelo qual se dão estes movimentos advêm de falha na administração
interna, principalmente no que tange as crises que têm como efeito a perda de vidas em
larga escala.
O atual estudo envereda, entretanto, no possível enquadramento pela aplicação da
intervenção advinda do R2P no tocante aos fluxos migratórios forçados oriundos de ações
estatais que ocasionem crimes contra vida humana em larga escala.
13 Neste sentido FRANCIS M. Deng et alii – Sovereignty as Responsibility: Conflict Management in Africa (Washington,
D.C.: Brookings Institution Press, 1996).
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Ora, se por um lado o diploma reforça a ideia de proteção da população como um dos
principais deveres do Estado no exercício de sua soberania, por outro deverá implicar no
reconhecimento destes crimes retomando a ideia de aplicabilidade do R2P e todo seu apa-
rato em proteção aos indivíduos envolvidos no fluxo migratório forçado, uma vez que o
agente motivador para este deslocamento advém diretamente da falha na gestão do Estado
originário.
Em consequência, diplomas como o próprio regulamento Dublin III, dentre outros,
responsáveis por gerir o realojamento dos refugiados, devem ter também a autoridade de
intervir sob o viés do R2P para prevenir novas ondas de fluxo migratório desta natureza,
principalmente se considerarmos o cariz preventivo do atual diploma.
Conquanto vimos, até então que, a soberania sofreu uma desmaterialização no seu
conceito base14, e passou a representar também um dever, ao invés do anterior exclusivo
direito, veremos a seguir que o diploma da Resolução em pauta refere neste sentido ao citar
os pilares condutores de tal relação.
Pilar 1: As responsabilidades de proteção do Estado.
Portanto, reforçando a ideia de que a Resolução da ONU intenciona responsabilizar mais
o Estado para imputar-lhe a condição de violador dos direitos humanos, o referido pilar
aborda exatamente esta ideia, ou seja, o Estado é responsável diretamente pela proteção de
sua população independentemente se são nacionais ou não. Isto se aplica para evitar que
estados criem sistemas racistas e desproporcionais com seus indivíduos.
Pilar 2: Assistência internacional e capacidade de reconstrução
Neste mesmo diapasão, encontramos a elaborada ideia trazida pelo segundo pilar da
estrutura, a que alude a ideia solidária no exercício da soberania estadual. Neste momento,
ao Estado incumbe o dever de assistir e cooperar conjuntamente no combate a estes atos,
e não somente, mas também no dever da comunidade internacional em cooperar com
estes estados envolvidos, auxiliando diretamente no cumprimento destas obrigações. É
a chamada segunda fase do fator preventivo do documento. Aqui jaz o arcabouço para a
construção de procedimentos, práticas e políticas elaboradas para tornar prático e eficaz
tal interação.
14 ABBOTT, Kenneth W.; Snidal, Duncan – ‘Hard and Soft Law in International Governance.. In: International Or-
ganization 54, 3, 2000, pp. 421-456. Disponível em: http://ssrn.com/abstract=1402966 [Consultado em 16.06.2019].
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Pilar 3: Resposta oportuna e decisiva
Não obstante a ideia de prevenção, esta não se perfaz sem que haja eficácia nas tomadas
de decisão, e, portanto, o terceiro pilar se faz necessário. Este pilar pode ser visto vertical-
mente, uma vez que implica na responsabilização conjunto de vários estados, em resposta
aquele estado que manifestamente falhou no exercício de sua soberania. Sua caracterís-
tica permite não somente reunir estados, mas em acordos bilaterais, regionais e até glo-
bais, como sugere o diploma em voga.
Diante destas bases sólidas, porém, muito conflituantes que o R2P mostra sua pri-
meira face no cenário global. A responsabilidade de proteção surge como resposta para
afinar a relação entre os estados, que até então utilizavam do seu poder soberano para
fazer impor sua vontade no cenário macro sem considerar os riscos à vida humana. O R2P
permite relativizar esta tensão entre os estados e provocar a reflexão no sentido de preve-
nir atrocidades contra a humanidade.
Vejamos então como se estrutura o R2P como instrumento de soft law aplicável.
C. O instrumento de soft law: responsabilidade de proteção (responsibility
toprotectr2p)
Perante a comunidade internacional, em face as incontáveis atrocidades em massa que
violavam diretamente direitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e o
próprio direito a vida, foi que o instituto R2P encontrou guarida. Tais violações – pratica-
das principalmente por Estados – possuíam natureza estritamente económica, ou seja, as
ações de afronta a humanidade derivaram de um interesse meramente material. Nestes
termos que os organismos de natureza internacional/ comunitária tomaram a frente e
criaram o instrumento R2P; e precisamente neste momento do estudo trazemos para o
seio da pesquisa o indispensável comentário de Edward Luck, que serve de combustível
a sua criação.
Breaking that cycle of violence is something that everyone has talked about for years
and years, but now it’s an eort to have a comprehensive systematic program to try to do
something about it. Its not easy, but its well worth trying.”
É interessante perceber que o instrumento de R2P induz a uma nova dimensão no que
tange a responsabilidade estadual no combate a criminalidade de uma forma geral. Apli-
cável sob a égide do princípio do Estatuto de Roma, a que gere o Tribunal Penal Internacio-
nal, o diploma sugere aos estados aprimoramento continuo no combate a criminalidade
nacional, inclusive no que tange aos sistemas judiciais locais. A aqui um comprometi-
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mento dos estados, não somente no viés de proteção a sua população, mas principalmente
no combate a criminalidade, assistindo assim aos tribunais internacionais para este fim,
ou aos crimes relacionados ao R2P.
Outra característica relevante é o processo de autorreflexão a que sugere o diploma, ou
naquele processo em que convida os estados a análise do comportamento de suas popu-
lações no que diz respeito a qualquer ideia predatória que possa culminar num eventual
massacre. Neste momento é fundamental construir uma relação saudável de dlogo entre
os povos para se possa frutificar harmonia, e não as guerras e os consequentes massacres.
Neste mesmo caminho, o diploma sugere a prevenção dos crimes alimentando a res-
ponsabilidade individual, tendo em vista que isto geraria uma maior consciencialização
no sentido de se evitar a chegar em crimes de larga escala. Ora, se um indivíduo não está
mais protegido pelo manto de uma instituição política, passaria então a agir com mais
cautela a saber que sua punição seria individual e diretamente aplicável a sua pessoa.
Outro fator importante, mas não menos importante é o carácter vinculativo da norma
advinda do R2P, nesta fase, haja vista que o próprio instrumento implica obrigações e
deveres aos estados, e, por conseguintes responsabilidades legais.15
Neste sentido podemos extrair do artigo 38º do Estatuto do Tribunal Internacional de
Justiça que, como fonte do direito internacional com efeito vinculativo, determina:
“1. O Tribunal (*), cuja função é decidir em conformidade com o direito internacio-
nal as controvérsias que lhe forem submetidas, aplica: a. As convenções internacionais,
quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos
Estados litigantes; b. O costume internacional, como prova de uma prática geral aceite
como direito; c. Os princípios gerais de direito, reconhecidos pelas nações civilizadas; d.
Com ressalva das disposições do artigo 59, as decisões judiciais e a doutrina dos publicis-
tas mais qualificados das diferentes nações, como meio auxiliar para a determinação das
regras de direito.
2. A presente disposição não prejudicará a faculdade do Tribunal (*) de decidir uma
questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem”.
Todavia, ainda que o Tribunal preveja a aplicação por via das convenções internacio-
nais, e considerando que o R2P pode ser adequado a aclamada categoria, ainda assim não
poderíamos determinar o efeito vinculativo da norma advinda do instrumento R2P.16 O
fundamento para esta afirmação jaz na ideia de que o Direito Internacional não recebe, por
15 HUISINGH, Frank – “A Responsibility to Prevent? A Norms Political and Legal Effects”. In: Amsterdam Law Forum,
VU University Amsterdam. Winter issue, 2013. p. 6.
16 HUISINGH, Frank – “A Responsibility to Prevent? A Norms Political and Legal Effects”. In: Amsterdam Law Forum,
VU Universtity Amsterdam. Winter issue, 2013, p.6.
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via de autoridades superioras, poderes coercitivos para reforçar a aplicação das normas
eminentemente internacionais17.
Ao retomar a leitura do Relatório sobre a implementação do R2P, sob as vias da Assem-
bleia Geral das Nações Unidas, e considerando os pilares fundacionais do instituto em
tela, já tratados outrora no estudo, passamos a discursar sobre a questão da intervenção
humanitária – seja oriunda de um conflito conceitual, ou mesmo doutririo. Consoante
o relatório, a aludida intervenção possui dois extremos, sejam eles: (a) manter-se inerte
aos atos de massacre e de afronta a vida humana em larga escala; ou (b) utilizar da força
militar para, coercitivamente, proteger estas populações.
Deste conito surge uma nova posição doutriria, que passa a relativizar, como já
citado, a soberania dos estados em prol da manutenção da paz global e da dignidade vida
humana. Ora, se por um lado antes tínhamos a soberania como exercício unilateral da
vontade de um dado Estado, já agora o seu exercício imputará responsabilidades de prote-
ção a sua população. Ao que Francis trata de “soberania como responsabilidade”.18
Desta forma, ao Estado que cumpre a obrigação no exercício da sua soberania, levando
em consideração a proteção de sua população em respeito aos direitos humanos, não have-
ria de se importar com o risco/ iminência de sofrer uma intervenção militar sob a égide
do R2P.
Em desenvolvimento, o R2P vai então atuar nos casos em que seja detetado qualquer
afronta a integridade da vida humana, nomeadamente aquelas em que sejam oriundas
de crimes de guerra, genocídio, crimes de xenofobismo e os crimes contra a humanidade,
conforme consta do pilar 1, sobre as responsabilidades do Estado:
13. The first three sentences of paragraph 138 of the Summit Outcome capture unam-
biguously the underlying principle of the responsibility to protect:
“Each individual State has the responsibility to protect its populations from genocide,
war crimes, ethnic cleansing and crimes against humanity. This responsibility entails the
prevention of such crimes, including their incitement, through appropriate and necessary
means. We accept that responsibility and will act in accordance with it.
Definitivamente o âmbito delineado pelo R2P demonstra com clareza a resposta as
experiências traumáticas históricas que culminaram na morte de milhares de pessoas.
17 Ler sobre a Teoria da Interatividade do Direito Internacional por Brunnée e Toope. (J. Brunnée & S.J. Toope – Le-
gitimacy and Legality in International Law. An Interactional Account. Cambridge: Cambridge University Press 2010a.)
18 FRANCIS, M. Deng et aliiSovereignty as Responsibility: Conflict Management in Africa. Washington, D.C.: Brookings
Institution Press, 1996.
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Ademais, para além do dever imputado aos estados de proteger a sua população, é de suma
importância citar o fator preventivo que se extrai do ponto 14 do relatório sobre a imple-
mentação. Neste diapasão, fica claro que a prevenção, como sugere o relatório, começa “em
casa”, ou seja, ao Estado cumpre o bom trato da sua população, construindo organismos
que venham a gerir as pessoas de forma a lhes entregar condições de vida plausíveis, e,
principalmente que atuem proactivamente na gestão dos conitos internos, prevenindo
sempre que possível.
Por fim, mas não menos importante, o relatório recorda também que faz parte da mis-
são do Estado na questão da integração social evitar qualquer tipo de tratamento injusto
ou desproporcional, com vistas a evitar os conflitos desta natureza. São fatores que devem
ser praticados em nível económico e político, e que não depende, de forma alguma do nível
de desenvolvimento económico. É simplesmente uma questão de princípio.
Então vimos que a ambição da Assembleia Geral das Nações Unidas era a de gerar
um documento capaz de reunir estados e instigar a sua reflexão. Resta concluído que aos
estados incumbe – em fator preventivo – proteger a sua população e gerir os riscos de
quaisquer movimentos que possam vir a causar as já aludidas atrocidades contra a huma-
nidade.
Com base nestas premissas, passamos a analisar o Regulamento Dublin III, que gere
os pedidos de asilo e o realojamento populacional dos indivíduos que ingressam no conti-
nente europeu sob o abrigo do estatuto dos refugiados.
Ao retomar aos objetivos do atual estudo cujo foco principal paira sobre a inter-relação
que existe entre as premissas aludidas do R2P, quais sejam os fatores de prevenção, rea-
ção, e reconstrução relativamente ao exercício da soberania estadual na proteção de sua
população, com as premissas advindas do Regulamento Dublin III na proteção da vida
humana, seja por parte dos estados-membros da União Europeia, ou mesmo pelos estados
responsáveis aos fluxos migratórios (estados de origem).
Diante destas armações a que passamos a analisar no seu conteúdo prático o suge-
rido Regulamento.
III. O Regulamento n.º 604/2013, da União Europeia
(regulamentodubliniii)
A. Natureza
Em face aos constantes fluxos migratórios nos terrenos fronteiriços aos estados-membros
que comem a União Europeia, surgiram questões de interesse global quanto a proteção
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dos direitos humanos dos indivíduos envolvidos, ou seja, surge um movimento em que
reconhecia a necessidade de se proteger os nacionais de países terceiros, ou mesmo os
apátridas sob a égide da proteção internacional.
Neste diapasão criou-se o diploma que passamos a analisar, a cujo principal objetivo
era o de gerir os pedidos de proteção internacional direcionados aos estados-membros,
tendo em vista a determinação do país da UE responsável pela análise do pedido de asilo,
bem como conceder a proteção devida até a aplicação do estatuto.
Outro ponto muito importante, que pode se assemelhar diretamente ao fator preven-
tivo visto outrora a luz do R2P, é o novo sistema de deteção precoce de problemas nos
sistemas nacionais de asilo ou acolhimento, bem como de identificação das suas causas
de origem, no sentido de prevenir crises em grande escala, ponto em que trataremos mais
adiante.
Não obstante a natureza preventiva, veremos a seguir que a possibilidade de detenção
dos requerentes em casos específicos, bem como os mecanismos de alerta rápido, estado
de preparação e gestão de crises, estes últimos entendidos como inovações da versão ter-
ceira do Regulamento Dublin.
Em vigor desde 2014, o atual regulamento revoga seu antecessor, o regulamento
Dublin II (Regulamento N.º 343/2003), que já se mostrava desatualizado com a realidade
em dada altura. Isto demonstra a direta e real vontade da UE em trabalhar na construção
do aludido Sistema Europeu Comum de Asilo (SECA).
Para que o regulamento fosse aplicável, foi necessário criar um arcabouço normativo
para tornar viável as premissas advindas do regulamento, desta forma, vemos as diretivas
do Parlamento Europeu e do Conselho, 2011/95/UE, de 13 de Dezembro, a que trata das
condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem bene-
ficiar de proteção internacional; 2013/32/UE, de 26 de Julho, que aborda os procedimentos
comuns de concessão e retirada do estatuto de proteção internacional; e a, 2013/33/UE,
de 26 de Junho, que estabelece as normas em matéria de acolhimento dos requerentes de
proteção internacional.
Não obstantes também os regulamentos n.º 603/2013, de 26 de Junho, relativo à criação
do sistema ‘Eurodac’ de comparação de impressões digitais para integrar o processo de
análise dos pedidos de asilo, principalmente no tocante a comparação dos dados coletados
pela Europol na busca da construção do Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça – ELSJ19;
19 MARIN, L. – “Policing the EU’s External Borders: A Challenge for the Rule of Law and Fundamental Rights in
the Area of Freedom, Security and Justice? An Analysis of Frontex Joint Operations at the Southern Maritime
Border”. In: Journal of Contemporary European Research. Volume 7, Issue 4, 2011. pp. 468-487. Disponível em: http://
www.jcer.net/ojs/index.php/jcer/article/view/379/305 [Consultado em 15.05.2019].
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o regulamento n.º 1560/2003, de 2 de Setembro, que estabelece os critérios e mecanismos
de determinação do Estado-Membro responsável pela alise de um pedido de asilo; o
regulamento de execução n.º 118/2014 que altera o regulamento n.º 1560/2003 nos mesmos
termos.
Recorda-se do estudo em tela que o atual Regulamento Dublin III, para alem do fator
preventivo, é aplicável de forma a remediar a crise dos fluxos migratórios forçados, sendo
assim considerado um verdadeiro instrumento paliativo a crise que se punha em estados
terceiros geradores dos fluxos migratórios (estados de origem). Ora, se o carácter preven-
tivo está intimamente ligado a ideia de realojar pessoas nos países que compõem o bloco
de União Europeia, por que não seria crível a sua aplicação num carácter paliativo, no sen-
tido de permitir, por arrasto, a aplicação do R2P aos estados responsáveis pela evasão de
seus nacionais, quando o real motivo da sua evasão não se origina numa autonomia da
vontade das partes evadidas, mas meramente na escassez de opções, ou mesmo na afronta
a própria dignidade da pessoa humana.
Obviamente que o regulamento se limita as regras europeias e sua gestão está deli-
mitada pelas fronteiras da UE, entretanto, nada impede que diante da eminente crise em
larga escala, os estados-membros possam intervir em carácter preventivo e reativo nos
aludidos estados responsáveis, sejam por vias do R2P numa aplicação aloga a questão
do risco de crise sistémica.
Importante perceber que existem vários relatórios em que se poderiam aproveitar os
dados, e que deveriam ser aplicados à atual questão. Desde as alises que advêm do pró-
prio relatório de risco criado pelo Regulamento Dublin III, que gerem os fluxos migrató-
rios e as alises dos pedidos de asilo, até mesmo por outras vias que atuam diretamente
neste contexto, como é o caso da Agência FRONTEX, responsável por gerar inúmeros rela-
tórios20 a cerca das imigrações irregulares no cenário transfronteiriço europeu. Neste sen-
tido não podemos deixar de citar o comentário trazido por Maria Gargano:
“The borders of Members States have been merging into the European ex-
ternal borders determining a shift of paradigm towards an integrated manage-
ment of the borders. The creation of Frontex back in 2004 represents a break-
through in this process”21.
20 O regulamento relativo à guarda costeira e de fronteiras europeia (Regulamento (UE) 2016/1624), que entrou em
vigor em 6 de outubro de 2016, expande as fontes a partir das quais os dados pessoais podem ser recolhidos e o
tipo de informação que pode ser processado e permite à agência Frontex usar sua própria equipe para coletar
dados pessoais.
21 GARGANO, Maria – “Borders as a practice: The Reform of Frontex and the Re-signification of the European Ex-
ternal Borders” ID: 6121484 European Migration Law and Citizenship, 2016. Disponível em: https://www.academia.
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B. A agência frontex no texto do controle fronteiriço europeu
Desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a Carta Europeia dos Direitos Fundamen-
tais vincula a Frontex; e o Regulamento 1168/2011 (UE) codifica os deveres que a Frontex
deve cumprir no seu funcionamento no que diz respeito ao direito dos direitos funda-
mentais, tanto europeu como internacional. A agência é então convidada a aprimorar e
desenvolver ainda mais sua estratégia no campo dos direitos fundamentais, para adotar
um Código de Conduta para as operações de retorno e, finalmente, duas novas ferramen-
tas diferentes são postas em prática para apoiar a implementação da estratégia: o Fórum
Consultivo e o Oficial de Direitos Fundamentais. O primeiro é um fórum estabelecido na
agência, a fim de auxiliar o diretor executivo e o conselho de administração em questões
de direitos fundamentais. O Fórum Consultivo foi criado e realizou sua reunião inaugural
em 16 de outubro de 2012. É composto por 15 organizações (agências da União Europeia,
agências da ONU e organizações da sociedade civil) representando diferentes ramos da
ação para a defesa dos direitos humanos, entre outras Caritas Europa, Amnistia Interna-
cional e o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados – ACNUR.
Recorda-se ainda que o aludido fórum consultivo se reúne duas vezes por ano, realiza
visitas e examina a situação das operações e adota um relatório anual e um programa de
trabalho com vistas a criar um plano de ação nas operações posteriores em carácter pre-
ventivo.22 Os relatórios são mecanismos de prevenção que atuam de forma a minimizar os
danos aos direitos fundamentais dos refugiados que atravessam ilegalmente as fronteiras
europeias. Seus efeitos encontram similitudes com os advindos da atividade dos meca-
nismos de alerta rápido, já em sede da aplicação do Regulamento de Dublin III, os quais
passamos a alise.
C. Mecanismo de alerta rápido
Preliminarmente, insta destacar que o regulamento em alise, como dito anteriormente,
compunha como instrumento normativo jurídico, na busca de um espaço comum de pro-
teção e de solidariedade, de acordo com o art.º 78º do Tratado sobre o Funcionamento da
União Europeia (TFUE), para as pessoas a quem é concedida a proteção internacional.
edu/32476345/Borders_as_A_Practice_the_Reform_of_Frontex_and_the_Re-signification_of_the_European_External_Bor-
ders?email_work_card=view-paper. p. 2. [Consultado em 14.05.2019].
22 Neste sentido: GARGANO, Maria – ‘Borders as a practice: The Reform of Frontex and the Re-signification of the
European External Borders’ ID: 6121484 European Migration Law and Citizenship. Disponível em: https://www.
academia.edu/32476345/Borders_as_A_Practice_the_Reform_of_Frontex_and_the_Re-signification_of_the_European_Ex-
ternal_Borders?email_work_card=view-paper. p. 15. [Consultado em 15.06.2019].
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Recordemos que o aludido espaço comum também foi um desdobramento da preocu-
pação dos Estados-Membros na aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia, neste sentido à proteção da família.
Diante do risco de violação dos direitos advindos da Carta de Direitos Fundamentais
da União Europeia – CDFUE em sede de asilo, bem como dos demais direitos internacio-
nais e dos refugiados, estabeleceu-se um sistema de cooperação em nível da União Euro-
peia, para que assim fosse possível garantir os aludidos direitos.
Em que pese o principal objetivo do documento em pauta ser o de alise e determi-
nação do Estado-Membro responsável pela alise do pedido de asilo, veremos que o seu
fator preventivo se mostra aparente quando cuidamos do mecanismo intrínseco ao seu
funcionamento, ou o mecanismo de alerta rápido.
O mecanismo por ora tratado surge do ponto (22) do regulamento, quando aborda a
real necessidade de gestão de crises em matéria de asilo23, sendo certo que sua aplicação
será diretamente no sentido de prevenir deteriorações ou ruturas dos sistemas de asilo.
Consoante o texto do diploma temos:
“Esse processo deverá assegurar que a União seja alertada o mais rapidamente possível
para as situações susceveis de pôr em causa o bom funcionamento do sistema instituído
pelo presente regulamento em virtude dos sistemas de asilo de um ou mais Estados-Mem-
bros estarem sujeitos a pressões especiais e/ou devido a deficiências dos sistemas de asilo
de um ou mais Estados-Membros.”24
Posteriormente, já em seu artigo 33º, o Regulamento Dublin III vem abordar o Meca-
nismo de alerta rápido.
Importantes notas, relativamente ao core do atual estudo, serão aquelas em que se pontua o
fator preventivo, bem como a elaboração de um plano de ação e suas subsequentes revisões advindas
do seu natural decurso.
Vejamos então como se aplica o processo pela observação e elaboração do plano de ação preven-
tivo neste sentido. O Gabinete Europeu de Apoio ao Asilado, a partir de informações coletadas por
via de investigações gera um relatório, que é levado a conhecimento da Comissão Europeia, donde
em trabalho cooperativo são geradas recomendações endereçadas aos Estados-Membros envolvi-
dos. A recomendação visa sempre minimizar o risco de crises no sistema de asilo, detetando pre-
cocemente falhas no seu funcionamento, ou mesmo sobrecarga do mesmo. Aos Estados-Membros é
facultado a liberdade de elaborar um plano de ação, por iniciativa própria. Os planos de ação devem
23
Nota-se por base à aplicação do dispositivo por vias das informações recolhidas pelo EASO (European Asylum
Support Oce) ao abrigo do Regulamento (UE) nº 439/2010.
24 Ponto (22) do Regulamento Dublin III (Regulamento Nº604/2013, de 26 de junho de 2013, do Parlamento Euro-
peu e do Conselho)
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ser elaborados num prazo de ts meses máximos, quando forem solicitados por via de órgãos exter-
nos (regionais), bem como sua revisão e respetiva execução, cuja qual far-se-á nos mesmos termos.
Neste sentido recordamos a agilidade na resposta às crises, em que cumpre ao Conselho, o acom-
panhamento, a fim de solicitar mais informações e dar orientações políticas, nomeadamente a cerca
da urgência e gravidade da situação.
A efetividade do mecanismo de alerta rápido depende, diretamente dos demais órgãos e sistemas
integrados, no que concerne a União Europeia. Vimos, até então que, os indivíduos serão identifica-
dos aquando da sua entrada em território europeu, de onde serão traçados seus pers familiares,
coletadas as impressões digitais, cruzados dados de passaporte e de estadias anteriores, a fim de se
determinar o Estado-Membro a que irá acolher e analisar o pedido de asilo.
Ora, se diante das demasiadas crises no sistema de gestão de asilo no cenário europeu, fez cul-
minar na real necessidade de se criar um mecanismo dedicado a sua análise e geso, com vistas a
prevenir futuras crises, este mecanismo também trouxe benefícios aos Estados-Membros, uma vez
que já agora os mesmos terão flexibilidade para requerer auxílio europeu na gestão de suas crises,
bem como poderão gerar relatórios com os dados cruzados a fim de se determinar a real origem dos
fluxos migratórios.
No que tange aos relatórios, consideramo-los de grande valia quando adotarmos os resultados
obtidos à aplicação complementar do R2P nestes termos. O processo é simples. Se os Estados-Mem-
bros cruzam dados entre si, através do acordo de cooperação regional, para gerar relatórios de gestão
de crise dos sistemas nacionais de asilo, porque não aplicar os mesmos dados para detetar a origem
dos fluxos migratórios, correlacionando-os aos riscos globais pela proteção internacional, bem como
as premissas previstas da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia – CDFUE, aplicável
por transposição da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH, em nível internacional
por força da Organização das Nações Unidas.
Nestes termos, os relatórios gerados, a priori, para combater as crises nos sistemas de asilo nacio-
nais europeus colaborariam de forma direta ao processo de deteção dos estados responveis pelos
fluxos migratórios, tornando possível a interferência por via dos estados envolvidos na comunidade
global, sempre a seguir as diretrizes tratadas outrora, aquando da análise do instrumento de R2P.
Diante desta observação, é mister analisarmos os pontos comuns que permitem correlacionar o
fator preventivo de ambos os institutos, com o objetivo de desenvolver um planeamento de coopera-
ção mútua que culmine na expansão do core previsto em sede de R2P no que tange a autorizão pela
interveão aos Estados originários responsáveis pelas crises migratórias.
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IV. O fator preventivo e a sua correlação prevista do instituto da
responsabilidade de protecção – r2p
Ora, vimos até então que o novo paradigma global é a preocupação pela manutenção da
paz, por via dos mecanismos que dedicam a cultura de paz, não obstante à preservação da
vida humana, por via da proteção dos direitos fundamentais dai inerentes.
Também foi possível extrair do estudo que, ambos os institutos analisados possuem
um core comum no que se refere à cooperação internacional com vistas a manutenção
dos direitos humanos, dos direitos fundamentais, à prevenção de crises sistémicas aplicá-
veis através de variados mecanismos de alerta. A mera associação destes valores leva aos
Estados à decisão pelo esvaziamento de suas soberanias em prol do bem comum25, nestes
casos, à proteção a vida humana e a cultura de paz como consequência lógica.
Todavia, a intervenção a soberania é o primeiro ponto de embate no que consiste a
política de internacionalização de tais institutos. Por um lado, o Regulamento Dublin III
me sede de direito de asilo no âmbito europeu, por outro o R2P num contexto global de
diplomacia internacional, porém ambos limitados as antigas e inócuas rédeas da sobera-
nia estatal, que ainda assim permitem aos estados tomar decisões, ou mesmo se esquivar
destas sem sofrer qualquer tipo de sanção.
O atual cenário tem demonstrado que isto já não é considerado uma verdade incontes-
tável, haja vista a preocupação da comunidade internacional quando às reiteradas ações
de certos Estados culminem num dano aos demais, principalmente quando se tratam de
vidas humanas no cerne da questão, como é o caso de ambos os institutos em alise.
Os debates a cerca das crises migratórias tomam palco, não somente no contexto euro-
peu, mas num âmbito global, porque muitas das vezes são eles os primeiros indícios dum
risco de uma crise sistémica que, certamente culminará num conito militar (guerra).
Neste diapasão é fundamental criar um arcabouço jurídico normativo com vistas a cul-
tura de paz, sendo certo que a inversão do paradigma, anteriormente egoístico do ponto
de vista da soberania de um Estado pela mera proteção de seus nacionais, jaz agora num
conceito aberto de proteção à vida humana, independentemente de raça, nacionalidade ou
qualquer outro tipo de distinção.
Nestes termos, a novo conceito de paz advinda da cultura de paz pode ser lida, por-
tanto, por via da Carta das Nações Unidas, como um objetivo a ser alcançado em conjunto
com a segurança, ambas em nível internacional. A universalidade de direitos imanentes
aos indivíduos e oponíveis a todos, principalmente aos Estados, nos limites da Declaração
25 Neste sentido BERMAN, Paul Schiff – Op cit., p. 492.
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Universal dos Direitos Humanos criam o arcabouço normativo (soft law transposta a hard
law) que fundamenta a razão de ser da atual pesquisa.26
Ora, se consideramos a imporncia pela manutenção dos direitos ditos fundamentais
oriundos dos diversos diplomas internacionais e regionais supracitados, aplicar-se-iam os
mecanismos de prevenção previstos de ambos os institutos em alise com vistas a pro-
teção destes direitos.
O real objetivo dos mecanismos preventivos estudados, não jaz na ideia de tornar um
Estado assistencialista no sentido de abraçar os problemas oriundos dos fluxos migrató-
rios forçados, mas além, de evitar o dano as vidas humanas envolvidas.
Entretanto, é importante lembrar que o fator preventivo previsto de ambos os institu-
tos está sempre ligado a questão da proteção dos já aludidos direitos fundamentais ine-
rentes; contudo, o atual estudo procura inter-relacionar o R2P ao Regulamento Dublin III,
com visas a permitir os Estados afetados pelos fluxos migratórios forçados a intervir aos
Estados originários dos nacionais imigrantes, quando o facto gerador for a má gestão ou a
omissão destes Estados para com suas populações, infringindo assim os valores advindos
do Direito Humanitário, como os direitos fundamentais, mormente os humanos.
Neste contexto é possível criar um elo que justifique, por vias do R2P a intervenção
nos Estados responsáveis pelos fluxos migratórios forçados, reconhecidamente pela res-
ponsabilização pelos crimes contra vida em massa, sendo certo que a aplicabilidade do
Regulamento Dublin III no contexto europeu será restrita aos casos remanescentes em
que se demonstre a ineficácia dos mecanismos preventivos em sede de R2P.
A cultura de paz num patamar internacional permite que sejam construídos planos
de ação consistentes em ambos os institutos, para que sejam aplicáveis as premissas apre-
sentadas outrora, ou seja, a prevenção, a reação e a reconstrução, no contexto migratório.
Relembramos o relatório da Comissão Internacional (2001) aquando cita:
The responsibility to rebuild focuses on the recovery, reconstruction and
reconciliation of a state and aims at preventing potential recurrences of huma-
nitarian crises.
A partir desta premissa, originariamente de soft law, podemos aplicar por arrasto o
conceito de reconstrução à intervenção aos Estados responsáveis, com vista a manutenção
da paz mundial, e não somente, mas principalmente à proteção aos direitos humanos ine-
rentes da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH.
26 PIRES, Alex Sander Xavier – Op. cit., pp. 78-98.
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V. Notas conclusivas
O estudo buscou, inicialmente, pela construção normativa do instituto do Responsabilidade
de Proteção – R2P, primariamente reconhecido como instrumento de soft law, mas que a
posteriori veio a ser aplicável por vias normativas e transposto ao direito regional e interno
aos Estados, numa escala global. Foi possível então, perceber que a partir dos relatórios mera-
mente declaratórios emitidos pela Comissão27, em 2001, iniciou-se o processo de “empower-
ment” do instituto R2P em sede de direito internacional, que ganharia mais força após sua
adoção pela Organização das Nações Unidas – ONU, através do complexo relatório citado na
Cimeira de 2005, que após o devido amadurecimento fez surgir a Resolução (A/RES/63/308).
Ora, o instituto agora ganhou raízes de hard law, haja vista que sua aplicabilidade esta-
ria vinculada aos Estados-membros da ONU, e por vias acessórias, oponível a Estados ter-
ceiros que infringissem direta, ou indiretamente quaisquer das disposições encontradas
na norma (resolução).
No mesmo contexto, porém no cenário regional europeu, foi possível elucidar as dire-
trizes advindas do Regulamento Dublin III, diploma que conduz o processo de alise e
determinação do Estado-Membro responsável pelo processamento do pedido de asilo dos
imigrantes de estados terceiros, garantidos assim pelo estatuto dos refugiados.
Nesta fase foi crível traçar pontos comuns que serviriam, posteriormente, para inter-
-relacionar e tornar viável a conclusão da pesquisa. O conjunto de intersecção entre ambos
os institutos analisados vão desde: a comum proteção aos ditos direitos fundamentais e
aos direitos humanos, até a aplicação de mecanismos de ação rápida que visem minimizar,
ou mesmo prevenir as crises sistémicas, num plano de ação conjunta sob a égide da coo-
perão internacional.
Diante desta ‘nova’ realidade, podemos extrair que o conceito de soberania estadual, pra-
ticado até então, sofrera mutações necessárias a adaptação destes instrumentos. Ora, se um
Estado que comete crimes em massa contra a vida, passará a responder perante a comuni-
dade internacional pelos crimes cometidos à sua população, ao passo que o exercício de sua
soberania será limitado no que tange ao dever da proteção de sua população, nestes termos.
O mesmo podemos dizer da aplicação do Regulamento Dublin III, sob o cenário regio-
nal europeu, donde um Estado-Membro se compromete a análise e processamento de um
pedido de asilo, ainda que não esteja geograficamente envolvido, ao transpor ao direito
interno a norma regional aplicável a luz do regulamento. Aqui jaz também a ideia de que a
soberania estadual será relativizada com vistas ao bem comum geral, sempre pela melhor
proteção das garantias fundamentais dos indivíduos (seres humanos) envolvidos.
27 Relatório da Comissão Internacional sobre Intervenção e Soberania Estadual de 2001.
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Há muito que percorrer nos caminhos científicos para que seja possível discorrer
sobre todos os documentos tratados no curso da pesquisa, motivo pelo qual decidimos nos
manter concentrados nos dois documentos (R2P e Regulamento Dublin III), mormente no
controle fronteiriço e nos eventos ocorridos no Mar Mediterneo, que envolvem a ques-
tão política de omissão, ou má gestão dos Estados origirios aos imigrantes oriundos do
fluxo migratório forçado encontrado nesta região.
Ainda sobre a revisão do conceito de soberania dos Estados, há que citar a influência
de ambos os diplomas no direito constitucional (direito interno) dos Estados envolvidos,
culminando num verdadeiro esvaziamento da soberania em prol da proteção aos direitos
fundamentais, ou melhor, na busca do bem comum sob a diretrizes da cultura de paz.
Hodiernamente já não é possível sustentar discursos políticos que sejam eivados de
valores individualizados e egoísticos. Aos Estados que pretendem agir conforme seus úni-
cos interesses devem ser punidos a luz da comunidade internacional por via da aplicação
dos instrumentos normativos de direito internacional aplicáveis, consoante a ilegalidade
na prática de seus atos e decisões políticas.
De facto, resta comprovado que a influência da soft law no contexto de ambos os
institutos, constrói uma nova realidade que beneficia os indivíduos na proteção de suas
garantias e direitos fundamentais, sem os quais não seria possível o convívio harmónico.
A possibilidade de iniciar um debate saudável e a promoção de valores sociais diante da
comunidade mundial, para a reflexão, a análise e a ulterior mudança fazem do instru-
mento de soft law indispensável a evolução das sociedades.
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CARLOS IMBROSIO FILHO
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La sanzione senza precetto. Verso un congedo
delle misure di prevenzione dalla materia
penale?
The sanction without prescription. Towards a dismissal of
preventive measures from criminal matters?
FEDERICO CONSULICH1
federico.consulich@unige.it
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 81‑112
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.5
Submitted on March 12th, 2021 · Accepted on April 28th, 2021
Submetido em 12 de Março, 2021 · Aceite a 28 de Abril, 2021
SOMMARIO Le misure di prevenzione personali veicolano seri rischi di lesione dei
diritti dei cittadini. In particolare, il giudizio di pericolosità, su cui si fondano, difetta di
determinatezza tanto nella base quanto nel metro di valutazione, rappresentando così
un punto di crisi della disciplina italiana rispetto alle garanzie costituzionali e a quelle
della Convenzione europea dei diritti dell’uomo.
Nella costruzione di uno statuto costituzionale e convenzionale della prevenzione,
occorre guardarsi dal ricavare per analogia una serie di tutele previste in campo
penale, edificando invece un autonomo corredo di garanzie, in ragione della peculiare
conformazione di tali misure, in primis l’assenza di un illecito del destinatario quale loro
presupposto.
È dunque giunto il tempo di abbandonare il tentativo di riproporre, in questo settore,
simmetrie astratte con il diritto penale: troppo facile per il legislatore aggirare il problema
di una sanzione senza delitto con qualificazioni formali di facciata e troppo distante
la struttura della fattispecie di prevenzione da quella di un’incriminazione, come ci
ricorda anche la giurisprudenza convenzionale. Meglio piuttosto aggiornare i lineamenti
dell’habeas corpus affinché sia in grado di contrastare i molteplici meccanismi abusivi
con cui la libertà personale viene oggi compressa, a volte prima della, a volte a prescindere
dalla commissione di un reato.
1 Professore Ordinario di diritto penale. Professore di diritto penale presso l’Università di Genova
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La sanzione senza precetto. Verso un congedo delle misure di prevenzione dalla materia penale?
FEDERICO CONSULICH
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PAROLECHIAVE diritto penale, misure di prevenzione, Convenzione europea dei diritti
dell’uomo
SUMMARY Personal prevention measures present a serious risk to citizens’ rights. In
particular, the judgement of dangerousness, on which they are grounded, has a lack
of determination both in the basis and in the yardstick, representing a critical point
in the Italian discipline with regard to constitutional guarantees and the guarantees
of the European Convention on Human Rights.
In t he development of a const it utiona l and conventiona l stat ute of prevention, it is necessa r y
to avoid deriving, by analogy, a series of protections required in the criminal field, creating
instead an autonomous range of guarantees, due to the specific structure of such measures,
first of all the absence of an illegal act of the recipient as their prerequisite.
It is therefore appropriate to abandon the attempt to reproduce, in this field, abstract
symmetries with criminal law: it is too easy for the legislator to avoid the problem of a
sanction without a crime through formal qualifications and the structure of prevention is
too distant from the structure of an indictment, as conventional jurisprudence reminds
us. Rather, it is better to update the habeas corpus features in order to be able to oppose the
several abusive mechanisms used today to reduce personal freedom, sometimes before,
sometimes regardless of the commission of a crime.
KEYWORDS criminal law, prevention measures, European Convention on Human Rights
Introduzione. Leccezione della prevenzione: la sanzione senza precetto
Senza scomodare raffinate teorie delle norme, più prosaicamente si può dire che il pena-
lista è avvezzo a maneggiare norme composte da un precetto (o norma comportamentale)
e una sanzione (o norma sanzionatoria) da applicarsi nel caso di fallimento, vale a dire di
mancato rispetto della prima.
Tuttaltro lo scenario nel campo delle misure di prevenzione. Queste sono struttural-
mente, oseremmo dire ontologicamente, difformi rispetto alla norma penale per due prin-
cipali motivi:
(i) si tratta di norme che difettano di precetto, a meno di non volerlo ricos-
truire in termini generalissimi e al limite del non sense (potrebbe suonare così:
«non accingerti a commettere reati, oppure «non sostentarti tramite la commissione
di illeciti!» e via dicendo);
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(ii) pur in assenza di precetto, sono caratterizzate dall’ipervalidità della san-
zione, o meglio, di una ‘pseudo-sanzione’, data lassenza di un imperativo da
rinforzare con una punizione. Nella prevenzione si avverte infatti una decisa
afflittività del potere pubblico nei confronti di un privato, in assenza di una vio-
lazione di un divieto o di un comando. Si ha così il paradosso di una reazione
statuale, afflittiva spesso non meno di una pena, pur in mancanza di un illecito
cui reagire.
Che ci si trovi dunque di fronte ad un aliud rispetto all’universo penalistico è evidente.
Tanto adottando una prospettiva, per così dire, imperativista, quanto normativista.
La prima, così influente sul tecnicismo giuridico italiano di inizio Novecento e sulla
scuola classica tedesca, come noto concepisce il diritto penale come strumento di condi-
zionamento diretto dei consociati attraverso comandi2: ebbene, la prevenzione è per lo più
pura afizione senza un previo ordine generale e astratto rivolto ai destinatari.
Anche in una prospettiva à la Kelsen, a cui il penalista italiano è dal dopo guerra ad
oggi legato a doppio filo, come si ben può leggere nei lavori di Marcello Gallo agli inizi
degli anni Cinquanta e ancor oggi conferma Paliero3, non può che percepirsi l’estraneità
delle misure ante delictum: nel paradigma esplicativo kelseniano la sanzione (o norma san-
zionatoria), da intendere come vera e propria ratio essendi di una norma valida, rappresenta
la seconda componente dell’enunciato ipotetico deontico, accanto al precetto comportamen-
tale. Sicché delle due l’una: se quest’ultimo è rispettato, il precetto sanzionatorio rivolto ai
giudici non trova applicazione, se invece non lo è, si deve attivare la risposta reattiva dell’or-
dinamento4. Nel caso delle misure di prevenzione invece la norma sanzionatoria opera a
prescindere da questo meccanismo.
Ci troviamo allora in presenza di una disciplina sui generis, che nonostante la tradizio-
nale assimilazione al diritto penale, non ha con questo nulla a che spartire.
Proprio nella indubbia originalità della prevenzione risiede il problema fondamentale
delle misure ante delictum, quanto meno nell’ambito di uno Stato di diritto: esse difettano di
una giustificazione per la cifra di sofferenza che veicolano a carico del destinatario.
2 Il riferimento corre qui alla riflessione di THON, August – Norma giuridica e diritto soggettivo, trad. it. a cura di
LEVI, Alessandro, Padova: CEDAM, 1951.
3 Si veda l’approccio di Marcello Gallo in Il concetto unitario di colpevolezza, Milano: Giuffré, 1951, p. 109 ss., nonché
l’affermazione di Paliero «come penalista, non posso non dirmi kelseniano», in PALIERO, Carlo Enrico – L’indif-
ferenza costruttiva, il contributo della sociologia di Theodor Geiger a teoria e prassi del diritto penale. In: Rivista
italiana di diritto e procedura penale, Milano, 2019, p. 724.
4 Si veda KELSEN, Hans – La dottrina pura del diritto. Torino: Einaudi, 1967 e KELSEN, Hans – Lineamenti di dottrina
pura del diritto. Torino: Einaudi, 1970.
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In altro modo, non diversamente dal diritto penale, esse presentano al legislatore ‘il
conto’ in termini di elevato costo sociale, in chiave di incapacitazione, quanto meno par-
ziale, del destinatario (per le misure personali), di danno economico per lo stesso (per quelle
patrimoniali), senza alcuna contropartita in termini di tutela diretta di beni giuridici.
Questi ultimi sono presenti sullo sfondo, ma non come destinatari di un’offesa, ma di una
prevenzione generalizzata e indistinta.
Ciò non di meno la proliferazione del tessuto della prevenzione ne testimonia l’intrin-
seca appetibilità per il legislatore contemporaneo attento a garantirsi un pervasivo stru-
mento di controllo sociale; la circostanza dovrebbe indurre ad un’estrema diffidenza il
penalista liberale, come rispetto ad ogni altro istituto che si faccia comodo strumento della
tutela del livido volto dell’ordine pubblico.
1. I molteplici volti della prevenzione, dalla dimensione pubblica a quella privata
Nel nostro ordinamento il ricorso alle misure di prevenzione è una costante che affonda le
radici addirittura nella legislazione preunitaria sabauda5. Lungi dal ripercorrere le molte-
plici evoluzioni normative in argomento, si può però facilmente costruire una tassonomia
che schematizzi le aree di impiego di siffatti strumenti, via via aggregatesi l’una sull’altra.
a) In un primo stadio, e per lungo tempo, le misure ante delictum sono state
lo strumento elettivo per il contrasto al mero ‘disordine sociale’ e a tutela dell’ordine
pubblico ‘comune’, inteso come pubblica tranquillità (paradigmatica in questo senso
la menzione, tra i destinatari possibili, di oziosi e vagabondi)6: ancora in questa
luce deve essere letta la l. 27.12.1956 n. 1423.
5 Si vedano le nitide riflessioni in proposito di PADOVANI, Tullio – Fatto e pericolosità. In: PAVARINI Massimo;
STORTONI Luigi (a cura di). Pericolosità e giustizia penale. Bologna: Bononia University Press, 2013, p. 122. La no-
tazione è di STANIG, Eva – Levoluzione storica delle misure di prevenzione. In: FIORENTIN, Fabio (a cura di).
Misure di prevenzione personali e patrimoniali. Torino: Giappichelli, 2018, p. 39. Sull’evoluzione storica delle misure di
prevenzione FIANDACA, Giovanni – Misure di prevenzione (profili sostanziali). In: Digesto discipline penalistiche,
VIII, Torino, 1994, p. 109 ss.; MAIELLO, Vincenzo – La prevenzione ante delictum: lineamenti generali. In: PALAZZO
Francesco; PALIERO, Carlo Enrico (diretto da). Trattato teorico pratico di diritto penale, XII. Torino: Giappichelli, 2015,
p. 300 ss.
6 Sul nesso strutturale tra i concetti di pubblica tranquillità e ordine pubblico sia consentito il rinvio a CONSU-
LICH, Federico – Reati contro lordine pubblico. In: ANTOLISEI Francesco; GROSSO Carlo Federico (a cura di).
Manuale di diritto penale, Parte speciale, II. Milano: Giuffré, 2016, p. 100. Nello stesso senso PELISSERO, Marco – La
nozione di ordine pubblico. In: PELISSERO, Marco (a cura di). Reati contro la personalità dello Stato e contro
l’ordine pubblico. In: PALAZZO, Francesco; PALIERO, Carlo Enrico (diretto da). Trattato teorico pratico di diritto pe-
nale, IV. Torino: Giappichelli, 2010, p. 225 ss. e, in precedenza, DE VERO, Giancarlo – Tutela dell’ordine pubblico
e reati associativi. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, 1992, p. 93; DE VERO, Giancarlo – Tutela
penale dell’ordine pubblico, Milano: Giuffré, 1988, p. 39 ss., nonché FIANDACA, Giovanni – Criminalità organizzata
e controllo penale. In: Indice penale, Roma, 1991, p. 5; nella manualistica, sulla nozione di ordine pubblico materiale,
declinato in senso oggettivo, come tranquillità, pace e quiete pubblica, o in accezione soggettiva, come opinione
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b) In un secondo momento, a partire dagli anni Sessanta e attraverso una
serie di tappe intermedie, tra cui spiccano la l. 31.5.1965 n. 575, la l. 22.5.1975 n.
152 e la l. 13.9.1982 n. 646, si è assistito ad un salto di qualità nell’impiego del-
le misure di prevenzione, dispiegate contro le variegate forme di antagonismo
all’ordinamento e finanche a presidio della sicurezza costituzionale, nei confronti delle
associazioni criminali prima e di quelle terroristiche dopo7.
c) Successivamente si è assistito ad un ‘revival’, da parte del legislatore, della
vocazione poliziesca dello strumento, che non si è però eclissata, riaggallando
dapprima nel 1989, con la l. 13.12.1989 n. 401 (rimodulata poi dal d.l. 22.8.2014
n. 119), quando sono state introdotte misure di interdizione all’accesso a luoghi
dove si svolgono manifestazioni sportive (c.d. d.a.spo. di cui all’art. 6) per de-
terminate categorie di soggetti ‘violenti’8; successivamente nel 1998, con l’es-
dei cittadini sulla sicurezza, CADOPPI, Alberto; VENEZIANI, Paolo – Elementi di diritto penale. Parte speciale. Padova:
CEDAM, 2016, p. 177 ss.; FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo – Diritto penale, Parte speciale, I. Bologna: Zanichelli,
2012, p. 474 ss. In generale, sull’ordine pubblico come oggetto di tutela penale cfr. DE VERO, Giancarlo – Ordine
pubblico (delitti contro). In: Digesto discipline penalistiche, IX, Torino, 1995, p. 72 ss; MOCCIA, Sergio. Ordine pub-
blico (disposizioni a tutela dell’). In: Enciclopedia giuridica Treccani, XXII, Roma, 1990, p. 1 ss.; FIORE, Carlo – Ordine
pubblico (dir. pen.). In: Enciclopedia del diritto, XXX, Milano, 1980, p. 1084. Sulla connessione tra ordine pubblico
e pubblica tranquillità si veda anche la giurisprudenza, pur se in tutt’altro contesto rispetto alle misure di pre-
venzione (l’applicazione dell’art. 419 Cp): Cass. 6.5.2014, dep. 9.9.2014, n. 37367 (Rv. 261932), in Rivista italiana di
diritto e procedura penale, 2015, p. 152, con nota di G.P. DEMURO, La fattispecie di devastazione: una sua descrizione, tra
oensività e ragionevolezza. Per la Cassazione all’«ordine pubblico, inteso come buon assetto o regolare andamento
del vivere civile, corrispondono, nella collettività, l’opinione e il senso della tranquillità e della sicurezza». Nello
stesso anche Cass. 1.4.2010, dep. 14.6.2010, n. 22633, in CEDCass m. 247418.
7 Sull’evoluzione del concetto di ordine pubblico, fino a giungere alla nozione di ordine pubblico costituzionale
come presupposto per la preservazione delle strutture giuridiche della convivenza sociale sulla base degli inter-
venti della Consulta, si veda FORNASARI, Gabriele – Introduzione. In: FORNASARI, Gabriele; RIONDATO, Silvio
(a cura di). Reati contro l’ordine pubblico, Torino: Giappichelli, 2017, XVIII. Rilevanti sono, in particolare, le sentenze
n. 19/1962 e n. 168/1971. Nella prima si può leggere (§ 4 del considerato in diritto) che se «l’ordine pubblico è un
bene inerente al vigente sistema costituzionale, non può del pari dubitarsi che il mantenimento di esso – nel
senso di preservazione delle strutture giuridiche della convivenza sociale, instaurate mediante le leggi, da ogni
attentato a modificarle o a renderle inoperanti mediante l’uso o la minaccia illegale della forza – sia finalità
immanente del sistema costituzionale». Nella seconda si assiste alla reinterpretazione del concetto, anche se
contenuto nella legislazione precostituzionale (§ 3 del considerato in diritto della seconda delle due pronunce):
«è ovvio che la locuzione “ordine pubblico” ricorrente in leggi anteriori al gennaio 1948 debba intendersi come
ordine pubblico costituzionale (sentenza n. 19 dell’anno 1962) che deve essere assicurato appunto per consentire
a tutti il godimento effettivo dei diritti inviolabili dell’uomo». Rileva come storicamente la nozione di ordine
pubblico abbia rivelato una debolezza concettuale cronica, che l’ha predisposta a mistificare finalità pubbliche
eminentemente preventive, INSOLERA, Gaetano – Sicurezza e ordine pubblico. In: DONINI, Massimo; PAVARI-
NI, Massimo (a cura di). Sicurezza e diritto penale. Bologna: Bononia University Press, 2011, p. 202 s.
8 Sull’evoluzione normativa riguardante questa misura e sui profili di criticità riferibili alla sua compatibilità con
la Costituzione, soprattutto, ma non solo, per i profili procedimentali, PAVICH, Giuseppe; BONOMI, Andrea –
Daspo e problemi di costituzionalità. Disponibile in: www.penalecontemporaneo.it, 25.5.2015; in argomento anche
CURI, Francesca – Prevenzione “intelligente”: “l’arma” che colpisce solo obiettivi pericolosi. Tra vacuità simbolica
e azzeramento delle politiche sociali e VALENTINI Elena – D.a.spo. e obbligo di firma: si acuiscono le perplessità
di ordine costituzionale, entrambe in: CURI, Francesca (a cura di). Ordine pubblico e sicurezza nel governo della città,
Bologna: Bononia University Press, 2016, rispettivamente 63 ss. e 81 ss.
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pulsione prefettizia dello straniero, di cui all’art. 13 del d. lgs. 25.7.98 n. 286, con
particolare riferimento alla lett. c del co. 2, in base al quale l’allontanamento dal
territorio dello Stato si pone come misura speciale per soggetti riconducibili alle
fattispecie di pericolosità generica o specifica. In questo filone può ben inserirsi
tra gli interventi più recenti il c.d. ‘d.a.spo. urbano, sul modello di quello previsto
nell’ambito degli eventi sportivi e volto a implementare la sicurezza nei centri
cittadini9, introdotto dagli artt. 9 e 10 d.l. 20.2.2017 n. 14 conv. in l. 18.4.2017 n. 48.
d) Si è registrata poi sempre nella direzione sovraindividuale, ma passan-
do dall’ordine pubblico alla pubblica amministrazione, la l. 17.10.2017 n. 161, che ha
incluso, tra i soggetti a pericolosità qualificata di cui all’art. 4 d. lgs. 159/2011,
gli indiziati di appartenenza all’associazione per delinquere finalizzata alla com-
missione di delitti contro la P.A.10.
e) Infine, un nuovo imprevedibile campo di utilizzo. La ‘codificazione’ del
2011 non ha però implicato una sedimentazione delle misure: proprio a cavallo
del cambio di decennio si è, infatti, constatata un’ulteriore espansione di questi
strumenti, che peraltro hanno assunto un aspetto mutevole, in una direzione
‘privatistica’ (venendo cioè impiegati, in questo secondo caso, nell’ambito di vi-
cende marcatamente individuali, ben lontane da un contesto di rischio per la
collettività). Un nuovo modello di prevenzione, per così dire ‘inter privatos, rispe-
tto a cui è esemplare il caso del c.d. stalking. Il riferimento corre all’ammonimen-
to del questore di cui all’art. 8 d.l. 23.2.2009 n. 11 (convertito dalla l. 23.4.2009 n.
38), a cui è stato poi fatto rinvio, in un secondo tempo, nell’ambito delle misure
relative a condotte di violenza domestica di cui all’art. 3 d.l. 14.8.2013 n. 93 conv.
in l. 15.10.2013 n. 11911. Rileva in quest’ottica anche l’art. 7 l. 29.5.17 n. 71, che ha in-
9 Il concetto di ‘sicurezza urbana’ appare una sorta di neologismo giuridico, di evoluzione municipale dello statua-
listico ordine pubblico, e viene così definito dallart. 4 del d.l. 14/2017: «ai fini del presente decreto, si intende per
sicurezza urbana il bene pubblico che afferisce alla vivibilità e al decoro delle città, da perseguire anche attraverso
interventi di riqualificazione, anche urbanistica, sociale e culturale, e recupero delle aree o dei siti degradati, l’elimi-
nazione dei fattori di marginalità e di esclusione sociale, la prevenzione della criminalità, in particolare di tipo pre-
datorio, la promozione della cultura del rispetto della legalità e l’affermazione di più elevati livelli di coesione sociale
e convivenza civile, cui concorrono prioritariamente, anche con interventi integrati, lo Stato, le Regioni e Province
autonome di Trento e di Bolzano e gli enti locali, nel rispetto delle rispettive competenze e funzioni».
10 Sull’introduzione della fattispecie di cui all’art. 4 lett. i bis si veda MAIELLO, Vincenzo – La corruzione nel prisma
della prevenzione ante delictum. Disponibile in: www.discrimen.it, 4.12.2018.
11 In particolare, l’art. 3 co. 1 dispone: «Nei casi in cui alle forze dellordine sia segnalato, in forma non anonima,
un fatto che debba ritenersi riconducibile ai reati di cui agli articoli 581, nonché 582, secondo comma, consuma-
to o tentato, del codice penale, nell’ambito di violenza domestica, il questore, anche in assenza di querela, può
procedere, assunte le informazioni necessarie da parte degli organi investigativi e sentite le persone informate
dei fatti, all’ammonimento dell’autore del fatto. Ai fini del presente articolo si intendono per violenza domestica
uno o più atti, gravi ovvero non episodici, di violenza fisica, sessuale, psicologica o economica che si verificano
all’interno della famiglia o del nucleo familiare o tra persone legate, attualmente o in passato, da un vincolo di
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trodotto l’ammonimento anche in relazione a fatti suscettibili di integrare i reati
di cui agli artt. 594, 595, 612 Cp e 167 del c.d. Codice Privacy, compiuti mediante
internet da minorenni ultraquattordicenni nei confronti di altro minorenne12.
Nel frattempo, raggiunta una fase, per così dire di ‘maturità’ del sistema della pre-
venzione, si è assistito ad un consolidamento, in un unico testo normativo della stratifi-
cazione normativa decennale che ormai si era registrata. Si è così giunti al d. lgs. 159/2011
(Codice delle leggi antimafia e delle misure di prevenzione13).
Al netto degli interventi normativi anche recentissimi, è possibile constatare l’assesta-
mento di un rapporto ‘a specchio’ tra misure di prevenzione ante delictum e misure di sicu-
rezza post delictum, che trova la propria ‘cerniera’ nel concetto di pericolosità personale: prima
del reato, questa assume le fattezze della pericolosità per la sicurezza pubblica (si vedano artt.
2 co. 1 e 6 co. 1 del d. lgs. n. 159) e giustifica l’adozione di una misura di prevenzione; dopo
l’illecito, viene normativamente declinata come pericolosità sociale, ai sensi del combinato
disposto degli artt. 202 e 203 Cp, e fonda l’applicazione di una misura di sicurezza14.
matrimonio o da una relazione affettiva, indipendentemente dal fatto che l’autore di tali atti condivida o abbia
condiviso la stessa residenza con la vittima».
12 Sull’aumento applicativo delle misure di prevenzione si soffermano, chiedendosi se si tratti di un fenomeno
transitorio o strutturale, FIORE Carlo; FIORE Stefano – Diritto penale, Torino: UTET, 2016, p. 765; sulla espansione
progressiva del sistema della prevenzione in epoca repubblicana si vedano, tra gli altri, FIANDACA, Giovanni;
MUSCO, Enzo – Diritto penale. Parte generale, Bologna: Zanichelli, 2019, p. 921 ss. Di larga applicazione delle misure di
prevenzione personali, a dispetto di una attenzione inesistente da parte della manualistica penale, parla VIGANÒ,
FRANCESCO  LA NEUTRALIZZAZIONE DEL DELINQUENTE PERICOLOSO NELL’ORDINAMENTO ITALIANO.
IN: PAVARINI MASSIMO; STORTONI LUIGI A CURA DI. PERICOLOSITÀ E GIUSTIZIA PENALE. BOLOGNA: BO
NONIA UNIVERSITY PRESS, 2013, P. 61. DI RECENTE, SULL’INCESSANTE ESPANSIONE DEL SISTEMA DI PRE
VENZIONE ANCHE MAZZACUVA, FRANCESCO  LA PREVENZIONE SOSTENIBILE. IN: CASSAZIONE PENALE,
MILANO, 2018, P. 1019. IN UNA CARRELLATA LUNGO I RECENTI TRACCIATI DELLA PREVENZIONE PERSONA
LE È D’OBBLIGO UNA MENZIONE PER IL TENTATIVO DEL LEGISLATORE, POI ABORTITO IN CONSEGUENZA
DELLA SENTENZA DELLA CORTE COSTITUZIONALE N. 94/2016, DI INTRODURRE UN NUOVO ART. 75 BIS NEL
D.P.R. 9.10.1990 N. 309, ESTENDENDO LE MISURE DI PREVENZIONE AI TOSSICODIPENDENTI CHE AVESSERO
COMMESSO ILLECITI AMMINISTRATIVI IN MATERIA DI STUPEFACENTI AI SENSI DELLART. 75 DEL MEDE
SIMO D.P.R., QUALORA NE POTESSE DERIVARE PERICOLO PER LA SICUREZZA PUBBLICA E LA CUI VIOLA
ZIONE INTEGRAVA UN ILLECITO CONTRAVVENZIONALE. LA CORTE NE HA SANCITO L’ILLEGITTIMITÀ IN
CONSIDERAZIONE DEL DEFICIT DI OMOGENEITÀ E DI FUNZIONALITÀ TRA DECRETOLEGGE E LEGGE DI
CONVERSIONE. SI TRATTAVA PRECISAMENTE DELLART. 4 QUATER DEL D.L. 30.12.2005 N. 272, COME CONVER
TITO DALLART. 1 CO. 1 DELLA L. 21.2.06 N. 49.
13 Naturalmente il provvedimento del 2011 non ha nulla di un codice in senso tecnico, come evidenziato critica-
mente MANGIONE, Angelo – Le misure di prevenzione. In: CADOPPI, Alberto; CANESTRARI, Stefano; MANNA,
Adelmo; PAPA, Michele (a cura di). Trattato di diritto penale. Parte generale, III. Torino: UTET, 2014, p. 443 ss. La l. n.
1423/1956 è stata abrogata definitivamente dal d. lgs. 159/2011, il cui art. 116 prescrive che ogni riferimento alla l.
n. 1423 vada inteso come operato al decreto del 2011.
14 La Corte costituzionale, nella sentenza n. 177/1980 (C. cost., 16.12.1980 n. 177, in Giurisprudenza costituzionale, 1980,
153 ss. con nota di M. BRANCA, In tema di fattispecie penale e riserva di legge), ha parlato a proposito di misure di
prevenzione e misure di sicurezza come di due species del medesimo genus. La somiglianza è ribadita più di
recente dalla sentenza n. 291/2013. Sulla stretta comunanza funzionale delle due tipologie di misure, pur se
diverse per evoluzione storica e tasso di garanzia, PULITANÒ, DOMENICO  MISURE DI PREVENZIONE E
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2. Prevenzione e diritto penale: analogie funzionali e difformità
strutturali
Avendo misurato l’estensione del perimento delle misure di prevenzione nel nostro ordi-
namento, è ora il tempo di indagarne i caratteri tipici, anche attraverso un confronto con
le sanzioni penali, rispetto a cui si possono notare molteplici affinità.
Basti considerare il profilo funzionale di entrambe: gli scopi perseguiti (la prevenzione
dei reati) e i meccanismi impiegati (l’incisione della libertà personale, quanto meno per le
misure in analisi) sono del tutto assimilabili.
Si tratta di strumenti aittivi, sia per la sofferenza specifica che veicolano a carico del
destinatario, sia per la stigmatizzazione sociale che ne deriva15. Sono gli interessi perso-
nalissimi attinti da tali misure e la degradazione che ne consegue, già notata dalla Corte
costituzionale nella nota sentenza n. 68 del 1964, ad avvicinarle inevitabilmente ai prin-
cipi penalistici di garanzia.
In questo senso può rilevare:
i) la modulazione della misura in sé: si pensi alle prescrizioni in tema di sor-
veglianza speciale, che possono far tracimare quest’ultima dalla mera limita-
zione della libertà personale alla privazione di fatto della stessa, in modo non
dissimile da una sanzione penale in senso stretto16;
PROBLEMA DELLA PREVENZIONE. IN: RIVISTA ITALIANA DI DIRITTO E PROCEDURA PENALE, MILANO, 2017, P.
641. DI RECENTE LA DOTTRINA HA EVIDENZIATO CHE RISPETTO ALLE MISURE DI PREVENZIONE SI È
REALIZZATA UNA TRUFFA DELLE ETICHETTE, TRATTANDOSI SOSTANZIALMENTE DI MISURE DI SICU
REZZA ALMENO DOPO IL 2011, SI VEDA DONINI, MASSIMO  SEPTIES IN IDEM. DALLA “MATERIA PENALE”
ALLA PROPORZIONE DELLE PENE MULTIPLE NEI MODELLI ITALIANO ED EUROPEO. CASSAZIONE PENALE,
MILANO, 2018, P. 2288. PER MANNA, ADELMO  NATURA GIURIDICA DELLE MISURE DI PREVENZIONE:
LEGISLAZIONE, GIURISPRUDENZA DOTTRINA. ARCHIVIO PENALE, PISA, 2018, 3, P. 17 S., SAREBBE NECESSA
RIO, DE IURE CONDENDO, RICONDURRE LE MISURE DI PREVENZIONE NELLAMBITO PENALISTICO CON
VERTENDOLE IN MISURE DI SICUREZZA; A QUESTO SCOPO OCCORREREBBE PROCEDERE AD UNA LORO
TRASFORMAZIONE STRUTTURALE, COLLEGANDOLE CIOÈ FORMALMENTE AD UN FATTO DI REATO. DI
RECENTE SI È AVANZATA LA PROPOSTA DI RILEGGERE LA VALUTAZIONE DI PERICOLOSITÀ NELL’OTTI
CA DELLA DISCIPLINA DEI PRESUPPOSTI DI APPLICAZIONE DELLE MISURE CAUTELARI, IN PARTICOLA
RE DEL GIUDIZIO DI CUI ALLART. 274 LETT. C, TRATTANDOSI ANCHE IN QUEST’ULTIMO CASO DI UNA
PROGNOSI DESUNTA DALLA COMBINAZIONE DI SITUAZIONI INCERTE, PROPRIO COME ACCADE NEL
PROCEDIMENTO DI PREVENZIONE, V. FURFARO, SANDRO  PER UNA DEFINIZIONE NORMATIVA DI PE
RICOLOSITÀ SOCIALE NEL CODICE DELLE MISURE DI PREVENZIONE. IN: ARCHIVIO PENALE, PISA, 2017, 3,
P. 1079 SS.
15 Lafflittività delle misure di prevenzione è notata già da ELIA, Leopoldo – Libertà personale e misure di prevenzione.
Milano: Giuffré, 1962, p. 21; AMATO, Giuliano – Commento allart. 13, Bologna-Roma: Zanichelli-Il foro italiano,
1977, p. 49 benché la Corte costituzionale, con la sentenza n. 68/1964, abbia escluso dal novero delle sanzioni le
misure di prevenzione.
16 Lo segnala anche, tra gli altri e di recente, PELISSERO, Marco – I destinatari della prevenzione praeter delictum: la
pericolosità da prevenire e la pericolosità da punire. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, 2017, p.
440. Già in precedenza rilevava come le conseguenze penali della violazione di una qualunque delle prescrizioni
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ii) la disciplina generale degli effetti di siffatti strumenti, al di là delle pres-
crizioni connesse alle singole misure: lapplicazione di queste ultime, in base al
disposto degli artt. 66 e 67 d. lgs. 159/2011, implica una serie di interdizioni e
decadenze automatiche, di tipo afflittivo e desocializzante, con la conseguente
espulsione del prevenuto dal circuito economico17.
Anche per altro verso si possono notare momenti di vera e propria tangenza tra misure
ante delictum e sistema penale.
A mero titolo di esempio, si ricordi che la violazione delle prescrizioni è sanzionata
con la reclusione da uno a tre anni e con la multa, ai sensi dell’art. 76 co. 2 d.lgs. 159/2011,
o che la sottoposizione a misura di prevenzione personale (o l’esserlo stato nei tre anni
precedenti) aggrava il trattamento sanzionatorio per una cospicua serie di illeciti penali,
ai sensi dell’art. 71 d. lgs. 159/201118.
Ciò non di meno è evidente, altresì, una netta cesura tra le due normative.
Le misure di prevenzione non hanno alcuna connotazione retributiva, perché, più in
radice, è assente il presupposto di un fatto illecito da sanzionare proporzionalmente. Esse,
infatti, non prendono le mosse da un’offesa ingiusta che costituisca fondamento giustifi-
cativo e limite della punizione legittima.
A ben guardare manca il prius logico di un qualsiasi tipo di sanzione, poiché per essere
tale, una misura afflittiva deve implicare per l’autore un danno superiore all’offesa cagio-
nata all’interesse protetto dall’ordinamento o comunque una riduzione qualitativa della
sua condizione socioeconomica rispetto a quella precedente alla condotta illecita19. Nulla
di tutto ciò avviene per le misure in analisi, che operano in via anticipata rispetto a qual-
imposte celebrassero la liturgia della morte civile del prevenuto, BRICOLA, Franco – Forme di tutela «ante deli-
ctum» e profili costituzionali della prevenzione. In: Scritti di diritto penale, vol. I, Tomo II, Milano, 1997, 920.
17 CATENACCI, Mauro – Le misure personali di prevenzione fra ‘critica’ e ‘progetto’: per un recupero dell’originaria
finalità preventiva. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, 2017, p. 533, che parla di logica ciecamen-
te punitiva.
18 Come rilevato da PULITANÒ, DOMENICO  MISURE DI PREVENZIONE E PROBLEMA DELLA PREVENZIO
NE. IN: RIVISTA ITALIANA DI DIRITTO E PROCEDURA PENALE, MILANO, 2017, P. 648 S. SIA DETTO PER INCISO
CHE QUEST’ULTIMA DISPOSIZIONE PONE INEVITABILMENTE UN PROBLEMA DI UGUAGLIANZA DI
TRATTAMENTO, POICHÉ LO STATUS DELLAGENTE NON INCIDE SULLE COMPONENTI OGGETTIVE O SOG
GETTIVE DEL REATO COMMESSO, AUMENTANDONE IL DISVALORE. DOVREBBE DUNQUE APPLICARSI IL
MEDESIMO PRINCIPIO DI DIRITTO AFFERMATO DALLA CORTE COSTITUZIONALE NELLA SENTENZA N.
249/2010 CHE CENSURÒ LAGGRAVANTE INTRODOTTA NEL CODICE PENALE ALLART. 61 N. 11 BIS IN QUAN
TO IRRAGIONEVOLMENTE BASATA SULLA MERA CONDIZIONE DI SOGGETTO CHE SI TROVI ILLEGAL
MENTE SUL TERRITORIO NAZIONALE IN CAPO ALLAUTORE DEL REATO, BENCHÉ GIÀ IN DUE OCCASIO
NI SENTENZE NN. 161/2009 E 282/2010 LA QUESTIONE SIA STATA SUPERATA DI SLANCIO IN RELAZIONE
ALLE MISURE DI PREVENZIONE.
19 In questi termini MASERA, Luca – La nozione costituzionale di materia penale. Torino: Giappichelli, 2018, p. 214.
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sivoglia offesa, posto che la loro ratio essendi è la neutralizzazione della probabilità di com-
missione di reati da parte del prevenuto20.
La mancanza di un fatto illecito segna, da un lato, l’elemento differenziale fondamen-
tale rispetto alle sanzioni penali e dall’altro lato, paradossalmente, costituisce al contempo
un grave potenziale vulnus alle garanzie del cittadino, che si trova privato di un riferi-
mento empirico per le proprie difese.
Misure di prevenzione e pene sono contenute in un medesimo genus, quello delle
misure afittive di controllo sociale, ma solo le pene prevedono un’afflizione funzionale alla
punizione di un fatto21.
3. La Convenzione edu e l’irrilevanza della cd. matière pénale
Anche in materia di prevenzione, da tempo la Costituzione costituisce solo uno dei para-
metri di garanzia per il cittadino, cui si è affiancata la Convenzione europea dei diritti
dell’uomo con la annessa giurisprudenza della Corte di Strasburgo.
Proprio quest’ultima rappresenta un’interlocutrice imprescindibile per l’interprete,
essendo intervenuta ripetutamente con pronunce via via più significative.
Anche dalla giurisprudenza europea è emersa, come già dalle sentenze della Corte cos-
tituzionale, la piena legittimazione delle nostre misure di prevenzione, quali strumenti
necessari per il conseguimento di obiettivi di sicurezza pubblica compatibili con la Con-
venzione22.
Al penalista nostrano sorge spontanea e immediata la domanda se le misure ante delic-
tum appartengano alla matière penale convenzionale e dunque meritino l’applicazione
delle relative garanzie, in primis quelle di cui agli artt. 6 e 7 della Convenzione, e in secundis
quella – davvero à la page negli ultimi tempi – del ne bis in idem (sostanziale) rispetto alle
sanzioni penali strictu sensu23.
20 Sul punto, rilevano come le misure di prevenzione, fondandosi su comportamenti costituenti reato, anche se
non accertati, perseguano una finalità punitiva piuttosto che preventiva, integrando una forma di controllo
sociale repressivo, FIORE, Carlo; FIORE, Stefano – Diritto penale. Torino: UTET, 2016, p. 762; MANTOVANI, Fer-
rando – Diritto penale. Padova: CEDAM, 2017, p. 862.
21 In argomento, fondamentali i recenti contributi di MAZZACUVA, Francesco – Le pene nascoste. Topografia delle
sanzioni punitive e modulazione dello statuto garantistico. Torino: Giappichelli, 2017, p. 26 ss. (ora disponibile in www.
discrimen.it, sezione “Libri”), e di MASERA, Luca – La nozione costituzionale di materia penale. Torino: Giappichelli,
2018, p. 212.
22 Come rilevato, dopo la sentenza De Tommaso da PALAZZO, Francesco – Per un ripensamento radicale del siste-
ma di prevenzione ante delictum. In: Criminalia, Pisa, 2017, 141 s.
23 Per quanto attiene invece al ne bis in idem processuale, la Cassazione ha di recente avuto modo di precisare che
il principio è applicabile anche nel procedimento di prevenzione, ma la preclusione del giudicato opera rebus sic
stantibus e, pertanto, non impedisce la rivalutazione della pericolosità ai fini dell’applicazione di una nuova o più
grave misura, se vengono acquisiti ulteriori elementi – non valutati – che comportino un giudizio di maggiore
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Le risposte, a questo proposito, sono molto chiare e in qualche modo conseguenziali
tra loro.
La Corte ha ripetutamente escluso la natura penale delle misure di prevenzione, tanto
personali (sorveglianza speciale) quanto patrimoniali (confisca di prevenzione)24, indivi-
duando poi il parametro convenzionale di riferimento non tanto nell’art. 5, posto a tutela
della libertà personale, quanto nell’art. 2 del IV Protocollo, che presidia la libertà di circo-
lazione25.
Paradigmatico il caso della sorveglianza speciale. Se nel caso Guzzardi vs Italia26, la
misura accompagnata dall’obbligo, oggi non più previsto, di soggiornare in comune diverso
dalla residenza era stata effettivamente giudicata lesiva del diritto di cui all’art. 5 Con-
venzione edu, successivamente la Corte ha ricondotto la stessa misura (sia con divieto di
soggiorno in uno o più comuni sia con obbligo di soggiorno nel comune di residenza) all’art.
2 del Prot. IV Convenzione edu, in quanto tali imposizioni non avrebbero carattere pri-
vativo della libertà personale, ma meramente limitativo della libertà di circolazione e di
movimento27.
gravità della pericolosità stessa e di inadeguatezza delle misure precedentemente adottate, cfr. Cass. 19.4.2016,
dep. 8.6.2016, in Archivio penale web, 2016, p. 1 ss. con nota di S. SEGALINA, Il principio del ne bis in idem nel proce-
dimento di prevenzione.
24 Negano l’appartenenza alla materia penale della misura della sorveglianza speciale le già citate C. eur., Guz-
zardi vs Italia, cit., § 108; C. eur., Raimondo vs Italia, cit., § 43; C. eur., De Tommaso vs Italia, cit., § 143, nonché, in
materia di confisca, richiamando le sentenze Raimondo e Guzzardi, C. eur., 28.10.2004, Bocellari e Rizza vs Italia
(dec.), secondo la quale «Dès lors, la procédure y relative ne porte pas sur le ‘bien-fondé’ d’une ‘accusation en matière pénale
(arrêt Raimondo, précité, p. 20, § 43, et Guzzardi, précité, p. 40, § 108). Les deuxième et troisième paragraphes de l’article 6, qui
garantissent respectivement le principe de la présomption d’innocence et les droits des personnes accusées, ne trouvent donc
pas à s’appliquer en l’espèce». Analogamente, valutando la compatibilità di una misura in tutto e per tutto simile
al nostro d.a.spo. adottata nellordinamento croato (l’analogia strutturale è stata rilevata dagli stessi Giudici), la
Corte ha ritenuto che non costituisse una sanzione penale, per leminente connotazione preventiva che la carat-
terizza, cfr. GALLUCCIO, Alessandra – La Corte EDU esclude la natura penale del DASPO e, conseguentemente,
la violazione del principio ‘ne bis in idem’ in caso di misura disposta per fatti oggetto di una condanna penale.
Disponibile in: www.penalecontemporaneo.it, 13.11.2018. In dottrina, di recente, MANES, Vittorio – Profili e confini
dell’illecito para-penale. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, 2017, p. 988 ss. ha sostenuto che
le misure di prevenzione non apparterrebbero al nucleo duro del sistema afflittivo, né a quello semiduro delle
misure punitive non formalmente penali, ma riconducibili alla materia penale convenzionale, bensì al cerchio
delle misure afflittive non punitive, che devono rispettare le garanzie volte a tutelare lo specifico diritto che di
volta in volta venga in considerazione. Sul rapporto tra legalità formale nazionale e nozione sostanziale conven-
zionale si veda anche VIGANÒ, FRANCESCO  IL NULLUM CRIMEN CONTESO: LEGALITÀ ‘COSTITUZIONALE’
VS. LEGALITÀ ‘CONVENZIONALE’?. DISPONIBILE IN: WWW.PENALECONTEMPORANEO.IT, 5.4.2017.
25 La distinzione tra la misura afflittiva che attinge la libertà personale e quella che limita la libertà di circolazione
passa, secondo la sentenza Gillan and Quinton vs U.K., attraverso un’attenta analisi della concreta situazione alla
luce di una serie di criteri, tra cui tipo, durata, effetti e modalità di attuazione della misura fisica, poiché la dif-
ferenza tra restrizione e privazione della libertà non è solo una questione di grado e intensità, né, al contempo,
esclusivamente di natura e sostanza, cfr. C. eur., 15.3.2012, Gillian and Quinton vs U.K., § 56.
26 C. eur., 6.11.1980, Guzzardi vs Italia, in FI 1981, IV, co. 1.
27 Sul punto, VIGANÒ, FRANCESCO. ART. 2 PROT. 4. IN: UBERTIS, GIULIO; VIGANÒ, FRANCESCO A CURA DI.
CORTE DI STRASBURGO E GIUSTIZIA PENALE. TORINO: GIAPPICHELLI, 2016, P. 356. SECONDO DOLSO, GIAN PA
OLO. LE MISURE DI PREVENZIONE PERSONALI NELL’ORDINAMENTO COSTITUZIONALE. IN: FIORENTIN,
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Conseguentemente, è da negare l’operatività del principio del bis in idem (sostanziale),
poiché questo presuppone due sanzioni riconducibili alla materia penale secondo i noti
criteri Engel28.
La morale che si può trarre dalla esperienza convenzionale è che l’esclusione delle
misure di prevenzione dall’ambito penalistico non significa però per la Corte edu la rinun-
cia a stringenti garanzie per il cittadino, precisamente:
a) a quelle conseguenti alla natura degli interessi che vengono immediata-
mente incisi dal provvedimento pubblico; si pensi, in questo senso, alla libertà di
circolazione, che ha comunque consentito la censura della sorveglianza speciale
italiana per difetto di legalità/prevedibilità;
b) a quelle imprescindibili per la conformazione ‘secondo lealtà’ dei rapporti
tra cittadino e autorità; dalla certezza del diritto, in primis, al principio di irretroa-
ttività, che opera a prescindere dalla spendibilità della qualifica penale della mi-
sura (si noti che in effetti essa è sempre più garantita persino nel diritto civile29).
La summa di questo approccio, coerente sviluppo della giurisprudenza della Corte edu,
è rappresentata dalla oramai celeberrima sentenza De Tommaso vs Italia30, nella quale la
Corte ha rilevato, in prima battuta, l’insufficiente prevedibilità delle conseguenze della
propria condotta per il soggetto colpito dalla misura di prevenzione personale della sor-
FABIO A CURA DI. MISURE DI PREVENZIONE PERSONALI E PATRIMONIALI. TORINO: GIAPPICHELLI, 2018, P.
137, LA PIÙ FREQUENTE RICONDUZIONE DELLE MISURE DI PREVENZIONE ALLART. 2 PROT. IV CHE NON
ALLART. 5 CONVENZIONE DIPENDE FORSE DAL FATTO CHE QUEST’ULTIMA NON PREVEDE LA POSSIBILI
TÀ DI APPLICARE RESTRIZIONI IN FUNZIONE DELLA PREVENZIONE DI REATI.
28 Elaborati nella celebre C. eur Plenaria, 8.6.1976, Engel et al. vs Paesi Bassi: si tratta della qualificazione formale
nell’ordinamento di appartenenza, della natura dell’illecito e del grado di severità della sanzione. Da ultimo, sul
rapporto tra ne bis in idem e perimetro della materia penale, anche alla luce del dialogo tra le Corti, MAZZACUVA,
Francesco – Le pene nascoste. Topografia delle sanzioni punitive e modulazione dello statuto garantistico. Torino: Giappi-
chelli, 2017, p. 287 ss. Si impone però un caveat: il ne bis in idem nellaccezione ‘convenzionale’ è modulato sul ‘fatto
concreto’ e non sulle relazioni logico-strutturali tra fattispecie astratte. Sicché non si può escludere oggi che do-
mani un’ipotesi specifica in cui si verifica la congiunzione di misura di prevenzione e pena possa integrare una
violazione dell’art. 4 del Prot. VII Cedu. Nello stesso senso, MAIELLO, Vincenzo – Profili sostanziali: le misure di
prevenzione personali. In: Giurisprudenza italiana, Milano, 2015, p. 1528.
29 Si veda sul punto BIGNAMI, Marco – La Corte Edu e le leggi retroattive. In: Questione Giustizia, 13.9.2017, anche
per le notazioni in ordine alle diverse accezioni della retroattività che il diritto interno e quello convenzionale
offrono all’interprete; in prospettiva ordinamentale si rimanda ai vari scritti contenuti in: PADULA, Carlo (a
cura di). Le leggi retroattive dei diversi rami dell’ordinamento. Napoli: Editoriale scientifica, 2018, passim e in partico-
lare il contributo di PUGIOTTO, Andrea – Il principio d’irretroattività preso sul serio. In: Quaderni costituzionali,
Bologna, 2017, 2, p. 18 ss., ad avviso del quale il principio d’irretroattività sancito dall’art. 11 delle preleggi rap-
presenterebbe, almeno in origine, una previsione materialmente costituzionale, perché strettamente saldata alle
fondamenta dello Stato di diritto.
30 Definita una pronuncia para-costituzionale da MAIELLO, Vincenzo – De Tommaso c. Italia e la cattiva coscienza
delle misure di prevenzione. In: Diritto penale e processo, Milano, 2017, p. 1042.
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veglianza speciale e, in seconda battuta, la vaghezza e imprecisione relativa al contenuto
delle prescrizioni che si accompagnano all’imposizione della stessa.
Si tratta delle stesse ingiunzioni che non molti anni prima la Consulta (sentenza n.
282/2010) aveva ritenuto fossero sufficientemente determinate, scrutinando il reato che
puniva la violazione della sorveglianza speciale e in particolare delle prescrizioni di cui
all’art. 5 dell’allora l. 1423/1956 (la prescrizione di “vivere onestamente”, “rispettare le
leggi”, nonché quella di “non dare ragioni di sospetti”, secondo la disciplina in quel tempo
vigente).
Anche la Cassazione aveva legittimato in varie occasioni31 tali previsioni, per quanto
debba ammettersi che la stessa Suprema Corte abbia comunque, al contempo, tentato di
contenere la vaghezza della fattispecie penale riferita alla violazione delle prescrizioni
connesse alla misura di prevenzione (oggi prevista all’art. 75 co. 2 d. lgs. 159/2011), soste-
nendo che potesse rilevare solo quella inosservanza che si traducesse in una vanificazione
della misura stessa32.
Il dictum della Corte europea concerne essenzialmente l’indeterminatezza della fat-
tispecie di pericolosità generica, che renderebbe impossibile prevedere con sufficiente
certezza l’ambito di applicazione delle misure in analisi e dunque prevenirne un’interpre-
tazione arbitraria (§§ 117 e 118 della sentenza).
In secondo luogo, è stata censurata la vaghezza di alcune prescrizioni obbligatorie che
corredano la sorveglianza speciale, con particolare riferimento a quelle di vivere ones-
tamente e rispettare le leggi e di non dare ragioni di sospetti (§ 119 della sentenza)33, ma
altresì delle prescrizioni facoltative, che il giudice può imporre discrezionalmente alla
sola condizione che siano necessarie alla difesa sociale (§ 121 della sentenza) ed anche la
prescrizione del divieto assoluto di partecipare a pubbliche riunioni, senza specificazioni
spaziali o temporali, interamente rimessa al libero apprezzamento del giudice (§123 della
sentenza).
31 Si veda Cass. 29.1.2014, dep. 7.3.2014, ord. n. 11217, in CEDCass m. 264477, secondo cui è penalmente sanzionato ai
sensi dell’art. 75 co. 2 qualunque tipo di inosservanza degli obblighi o delle prescrizioni inerenti alla sorveglianza
speciale con divieto o obbligo di soggiorno.
32 Così Cass. S.U. 29.5.2014, dep. 24.7.2014, n. 32923 in Cassazione penale, 2015, p. 4365, con nota di R. CAPPITELLI.
Limiti applicativi dell’art. 75 D.Lgs. n. 159/2011 nella giurisprudenza delle Sezioni Penali della Suprema Corte. Secondo la
sentenza «In tema di misure di prevenzione, la condotta del soggetto, sottoposto alla misura di prevenzione
della sorveglianza speciale con obbligo di soggiorno, che ometta di portare con sé e di esibire, agli agenti che ne
facciano richiesta, la carta di permanenza di cui all’art. 5, ultimo comma, della legge n. 1423 del 1956 (attualmente
art. 8 D.Lgs. n. 159 del 2011), integra la contravvenzione prevista dall’art. 650 cod. pen. – e non il delitto di cui
all’art. 9, comma secondo, della legge n. 1423 del 1956 (attualmente art. 75, comma secondo, D.Lgs. n. 159 del 2011
– perché costituisce inosservanza di un provvedimento della competente autorità per ragioni di sicurezza e di
ordine pubblico, preordinato soltanto a rendere più agevole l’operato delle forze di polizia».
33 Le prescrizioni sono ora presenti all’art. 8 co. 4 d. lgs. 159/2011, ad eccezione della parte relativa al ‘dare ragioni
di sospetto’.
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Tirando le fila del discorso, la lettura della giurisprudenza della Corte di Strasburgo,
confermata anche nel recente caso De Tommaso, dimostra che le ‘garanzie Cedu’ possono
essere assai incisive e traumatiche per il nostro sistema della prevenzione, anche senza
scomodare la matière pénale.
Dall’analisi combinata del tipo di bene inciso dalla coazione pubblica e del rapporto
tra precetto e destinatario emerge per le misure in analisi uno statuto convenzionale flou,
variabile a seconda del diritto soggettivo del cittadino che venga in rilievo, ma certo più
efficace di una tutela monolitica dipendente della semplice qualificazione formale dello
strumento afittivo34.
4. La situazione attuale del sistema delle misure di prevenzione
La sentenza della Corte edu nel caso De Tommaso ha gravemente scosso, sin dalle fonda-
menta, il sistema italiano della prevenzione, sicché, come era prevedibile, si continuano
a registrare movimenti di assestamento nella giurisprudenza, tanto di merito quanto di
legittimità, e che giungono fino alla Corte costituzionale.
Sia la Cassazione che le Corti territoriali hanno assunto atteggiamenti diversificati di
fronte al dictum della Corte edu, ora di resistenza ora di adeguamento, quest’ultimo secondo
due percorsi alternativi: il primo mediato da una questione di legittimità costituzionale,
il secondo immediato, caratterizzato cioè dall’impiego della interpretazione convenzional-
mente conforme da parte del giudice comune (esemplare in questo senso la sentenza delle
Sezioni Unite del 2017 (cd. sentenza Pater)35.
La forte sollecitazione del sistema delle misure di prevenzione italiane da parte della
Corte edu ha dunque ingenerato reazioni giurisprudenziali variegate, alcune anomale ris-
34 Di recente, sulle geometrie variabili delle tutele penalistiche, in funzione della ratio di garanzia che le anima e
sulla base della constatazione che molte di esse sono principi che attengono, in generale, alla legittimazione e
giustificazione delle scelte punitive, MAZZACUVA, Francesco – Le pene nascoste. Topografia delle sanzioni punitive e
modulazione dello statuto garantistico. Torino: Giappichelli, 2017, pp. 55 ss., 253 ss., 264 ss. Un ragionamento in parte
anticipato dalla Corte costituzionale (si vedano C. cost, 9.6.88, ord. 721; C. cost, 30.9.96 n. 335), che ha constatato
come la giurisdizione preventiva sia quanto meno da ritenersi limitativa di diritti, il che impone di applicare le
tutele tipiche del sistema sanzionatorio, idonee a contenere misure che delimitano il godimento di diritti della
persona costituzionalmente garantiti o ad incidere pesantemente e in via definitiva sulla proprietà (si veda
anche C. cost., 8.3.2010 n. 93).
35 Cass. S.U. 27.4.2017, dep. 5.9.2017, n. 40076, in www.penalecontemporaneo.it, 13.9.2017, con nota di F. VIGANÒ  LE SE
ZIONI UNITE RIDISEGNANO I CONFINI DEL DELITTO DI VIOLAZIONE DELLE PRESCRIZIONI INERENTI ALLA MISURA
DI PREVENZIONE ALLA LUCE DELLA SENTENZA DE TOMMASO: UN RIMARCHEVOLE ESEMPIO DI INTERPRETAZIONE
CONFORME ALLA CEDU DI UNA FATTISPECIE DI REATO. CI SIA CONSENTITO RINVIARE QUI AL NOSTRO LE
MISURE DI PREVENZIONE TRA COSTITUZIONE E CONVENZIONE. IN: LEGISLAZIONE PENALE, 19.3.2019, PER
UNA COMPIUTA CONSIDERAZIONE DELLE PRESE DI POSIZIONE DA PARTE DELLA CASSAZIONE E DEI
GIUDICI DI MERITO.
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petto alle regole di sistema attinenti agli equilibri tra poteri, altre ottative, se non vellei-
tarie. Si tratta, come evidente, di scenari che non possono nemmeno essere lambiti dalla
presente analisi; basti qui rilevare che, inne, in esito agli incidenti di costituzionalità
proposti, la Consulta ha potuto esprimersi con le decisioni nn. 24 e 25 del 2019, che hanno
dichiarato l’illegittimità costituzionale delle norme scrutinate36.
Si tratta, più precisamente, dell’art. 1 l. n. 1423/1956 (poi confluito nell’art. 1 lett. a d. lgs.
n. 159/2011), dell’art. 19 l. n. 152/1975, degli artt. 4, co. 1, lett. c, e 16 d. lgs. 159/2011, per quanto
riguarda la sentenza n. 24: troppo impreciso il riferimento all’applicazione delle misure
alle persone «abitualmente dedite a traffici delittuosi.37.
Per quanto riguarda, invece, la sentenza n. 25, essa ha caducato l’art. 75 co. 1 e co. 2
d. lgs. n. 159/2011, nella parte in cui puniscono (rispettivamente, come contravvenzione
e delitto) la violazione degli obblighi e delle prescrizioni inerenti alla misura della sor-
veglianza speciale, ove consistente nell’inosservanza delle prescrizioni di “vivere onesta-
mente” e di “rispettare le leggi”.
Per inciso è da notare come la Corte abbia chiarito che nonostante l’intervento delle
Sezioni Unite della Cassazione (la precitata sentenza Pater), il completamento del pro-
cesso di adeguamento del nostro ordinamento al diritto convenzionale passi dallo sciogli-
mento della questione di costituzionalità da parte della Consulta, che, diversamente dalla
Corte edu, è in grado di svolgere una valutazione sistemica degli interessi coinvolti (cfr. §§
12 e ss. del considerato in diritto della sentenza n. 25/2019).
Volendo identificare la cifra delle due decisioni ‘gemelle’ del 2019, anche se la n. 24
assume la maggiore rilevanza occupandosi più da vicino dei presupposti operativi delle
misure di prevenzione, è possibile constatare la penetrazione sempre più profonda del
principio di prevedibilità della base legale dei provvedimenti che incidano sui diritti dei
cittadini. In questo quadro ben può avere un ruolo la giurisprudenza, ma solo come ausilio
utile a comprendere esattamente i tratti della disciplina e in tanto in quanto ciò contri-
buisca ad incrementare il tasso complessivo di accessibilità della normativa38.
36 Per un primo commento si veda FINOCCHIARO, Stefano – Due pronunce della Corte costituzionale in tema di
principio di legalità e misure di prevenzione a seguito della sentenza De Tommaso della Corte edu. Disponibile
in: www.penalecontemporaneo.it, 4.3.2019.
37 Si ricordi che l’illegittimità dell’art. 1 l. 1423/1956 (poi art. 1, lett. a d. lgs. 159/2011) è stata dichiarata nella parte in
cui consente l’applicazione della misura della sorveglianza speciale ai soggetti ivi indicati.
38 Che sia questo l’elemento di novità delle due sentenze è colto già da CERFEDA, Marco – La prevedibilità ai
confini della materia penale: la sentenza n. 24/2919 della Corte costituzionale e la sorte delle “misure di polizia”.
Archivio penale, Pisa, 2019, 2, p. 4. Sul punto si vedano anche le notazioni di DE LIA, Andrea – Misure di preven-
zione e pericolosità generica: mote e trasfigurazione di un microsistema. Brevi note a margine della sentenza
della Corte costituzionale n. 24/2019. In: Legislazione penale, 15.7.2019, p. 8. Sul principio di prevedibilità, si veda
VIGANÒ, FRANCESCO  IL PRINCIPIO DI PREVEDIBILITÀ DELLA DECISIONEGIUDIZIALE IN MATERIA
PENALE. DISPONIBILE IN: WWW.PENALECONTEMPORANEO.IT, 19.12.2016.
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5. Quali garanzie per la prevenzione?
Alla luce di quanto fin qui detto, è possibile affermare che le misure in analisi abbiano cer-
tamente un contenuto aittivo, in modo via via crescente passando dall’ammonizione alla
sorveglianza speciale; il momento finalistico, orientato alla prevenzione più che alla puni-
zione, unito all’assenza di un illecito presupposto nella struttura di questi istituti, le riconduce
però fuori dalla materia penale convenzionale39.
Occorre ora identificare quali principi costituzionali interni valgano per il diritto della
prevenzione.
Impiegare tale nozione può avere una portata euristica e non solo classificatoria, allor-
ché consenta di comprendere come si tratti di una disciplina in sé conchiusa, in cui le
garanzie non possono essere pedissequamente importate dal sistema penale, ma devono
venire autonomamente forgiate a partire dai diritti che vengono incisi dalla applicazione
delle misure ante delictum.
La Costituzione certo tace su queste ultime. Si tratta di un silenzio su cui molto si
potrebbe argomentare, sia nel senso che il Costituente abbia espresso per fatti conclu-
denti la volontà di bandirle dall’ordinamento repubblicano40, sia, in direzione opposta, per
sostenere che esista una sorta di statuto costituzionale implicito di siffatti strumenti di
controllo sociale, derivabile per analogia iuris dalle garanzie valide per il diritto penale in
senso stretto41.
Ancora oggi la prima opinione è autorevolmente sostenuta, al punto che, per alcuni
Autori, quello della prevenzione italiana è un modello costituito da «norme totalmente
incompatibili con il quadro dei principi fondamental42.
È certamente di un’opzione lineare e coerente, per vero confortata anche dall’esperienza
comparata, che dimostra (come notato dalla stessa Corte edu nella sentenza De Tommaso)
che nella maggioranza degli ordinamenti europei non è prevista una disciplina assimila-
bile alla nostra, il che contribuisce a suggerirne il superamento.
39 Peraltro – anche alla luce della pluralità di indici che emergono in sede convenzionale (principalmente dalla
sintesi tra le sentenze Öztürk e Welch) accanto a quello della finalità della misura, ovvero l’argomento compa-
ratistico, il collegamento con un procedimento penale, l’applicabilità a tutti cittadini della disciplina – varrebbe
la medesima conclusione. Si vedano su questi parametri accessori al criterio teleologico C. eur GC, 21.2.1984,
Öztürk vs Germany, C. eur, 9.2.1995, Welch vs U.K. In dottrina, ritiene invece che si tratti di sanzioni criminali di
genere anomalo FIANDACA, Giovanni – Misure di prevenzione (profili sostanziali). In: Digesto discipline penali-
stiche, VIII, Torino, 1994, p. 116.
40 In questo senso la nota posizione di ELIA, Leopoldo – Libertà personale e misure di prevenzione. Milano: Giuffré,
1962, p. 23 ss.
41 AMATO, Giuliano – Commento allart. 13, Bologna-Roma: Zanichelli-Il foro italiano, 1977, p. 49, individua la coper-
tura costituzionale delle misure di prevenzione nellart. 25.
42 Così BALBI, Giuliano – Le misure di prevenzione personali. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano,
2017, p. 524, che rileva, dunque, che la giurisdizionalizzazione delle misure sia sostanzialmente un involucro
vuoto.
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La conclusione però potrebbe, a nostro parere, essere affrettata.
Il fatto possiede a volte una forza tale che il diritto non può che adeguarsi. La domanda
sulla costituzionalizzazione implicita delle misure di prevenzione è divenuta oziosa, a
seguito del costante impiego di tali strumenti da parte del legislatore dal dopoguerra ad
oggi, nonché del riconoscimento da parte della Corte edu della ammissibilità di simili
misure nel quadro del legittimo obiettivo di prevenire reati43.
Di fronte all’interprete si stagliano oggi plurime disposizioni di legge che nell’epoca
repubblicana hanno certificato la piena cittadinanza di siffatti strumenti nel nostro ordi-
namento, il che dovrebbe indurre forse ad un’interpretazione evolutiva del testo costitu-
zionale, per comprendere quali norme di esso possano definire i confini di garanzia delle
misure ante delictum.
A conforto di questa tesi, la stessa Consulta, pur avendo rimosso nel corso del tempo
le componenti più retrive della disciplina delle misure di prevenzione, ne ha contempora-
neamente suggellato la compatibilità con la Carta fondamentale44.
In particolare, deve segnalarsi che, a seguito della riforma costituzionale del 2001, la
menzione dell’ordine pubblico tra le materie di esclusiva spettanza dello Stato all’art. 117
co. 2 lett. b ha indotto la Consulta a evidenziare la stretta connessione tra prevenzione dei
reati e tutela dell’ordinata e civile convivenza, rendendo la prima una funzione costituzio-
nalmente rilevante45.
È, dunque, conseguenziale la legittimazione delle previsioni legislative che si
propongano la soddisfazione di tale interesse, all’interno peraltro di un preciso vincolo
modale, perché la Corte ha chiarito, ulteriormente, che le misure in analisi possono
perseguire l’obiettivo di prevenzione dei reati, ma naturalmente in modo proporzionato,
limitando cioè la compressione di controinteressi costituzionalmente rilevanti alle sole
ipotesi davvero indispensabili al raggiungimento dello scopo46.
43 C. eur., 22.2.1994, Raimondo vs Italia, in CP 1994, 2252; C. eur., 5.1.2000, Bongiorno vs. Italia; con riferimento ad ordina-
menti di altri Stati cfr. C. eur., 14.9.2000, Sanoma Uitgevers B.V. vs Paesi Bassi.
44 Segnala come la Corte costituzionale non abbia mai messo in dubbio la compatibilità con la Costituzione di sif-
fatte misure anche BALBI, Giuliano – Le misure di prevenzione personali. In: Rivista italiana di diritto e procedura
penale, Milano, 2017, p. 511.
45 Si veda, per prima, C. cost., 4.5.2009 n. 129 e, da ultima, C. cost., 23.2.2016 n. 63; in dottrina BONETTI, Paolo – Or-
dine pubblico, sicurezza, polizia locale e immigrazione nel nuovo art. 117 della Costituzione. Le Regioni, Bologna,
2002, p. 483 ss.
46 Si veda C. cost., 1.10.2003 n. 309, in Giurisprudenza costituzionale, 2003, 3960 ss., con nota di B. VALENSISE, La
misura di prevenzione dell’obbligo di soggiorno in un determinato comune e il diritto a professare il proprio culto: un’armonia
impossibile?
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Accantonato il profilo pregiudiziale della incostituzionalità tout court del sistema della
prevenzione, occorre comprendere quali siano le garanzie di riferimento in questa materia
e come debbano essere calibrate.
5.1. La determinatezza del presupposto applicativo
Una delle tutele che non cessano di valere nel momento in cui si fuoriesce dal perimetro
del diritto penale è certamente la determinatezza, nella duplice declinazione della pretesa
di precisione della disposizione legale e della suscettibilità di verifica empirica del fatto
tipizzato47.
Si tratta di un’affermazione condivisa non solo dalla Corte edu, ma anche dalla nostra
Corte di Cassazione e, altresì, dalla Corte costituzionale48.
Peraltro, già da tempo la giurisprudenza di legittimità si è mossa nel senso di fornire
una lettura c.d. ‘tassativizzante’ della pericolosità generica e di quella qualificata di tipo
mafioso, ‘agganciando’ tali qualifiche alla previa attività delinquenziale compiuta dal pro-
posto49 e comunque sempre a fatti storicamente apprezzabili indicativi della propensione
di quest’ultimo a commettere reati 50.
Nella medesima direzione si può leggere la valorizzazione del nesso tra procedimento
di prevenzione ed esiti del giudizio penale, quando questo abbia avuto ad oggetto gli stessi
fatti considerati come significativi di una pericolosità del prevenuto, in applicazione di un
principio reso manifesto, con riferimento alla confisca, dall’art. 28 d. lgs. 159/201151.
Incidentalmente si deve rilevare che siffatta rimodulazione delle disposizioni in
parola si traduce in un allineamento tra la disciplina delle misure di prevenzione e quella
47 Si tratta, notoriamente, di garanzie che possono anche essere sviluppate come due differenti declinazioni della
legalità, da una parte il principio di precisione, dallaltra parte quello di determinatezza, accanto alle quali si pone
poi la tassatività, intesa come divieto di analogia. Paradigmaticamente MARINUCCI, Giorgio; DOLCINI, Emilio;
GATTA, Gian Luigi – Manuale di diritto penale. Milano: Giuffré, 2018, p. 69 ss. Sulla polisemia del termine nella dot-
trina penalistica si veda, di recente, NISCO, Attilio – Principio di determinatezza e interpretazione in diritto penale:
considerazioni teoriche e spunti comparatistici. Archivio penale web, 2017, 4, p. 4.
48 Cass. 19.4.2018, dep. 3.10.2018, n. 43826, cit., § 2.2 del considerato in diritto.
49 Per una panoramica di questa giurisprudenza, BASILE, Fabio – Tassatività delle norme ricognitive della peri-
colosità nelle misure di prevenzione: Strasburgo chiama, Roma risponde. Disponibile in: www.penalecontempo-
raneo.it, 20.7.2018, 6 ss., che ritiene che tale interpretazione sia probabilmente in grado di sottrarre la disciplina
delle misure di prevenzione, quanto meno con riferimento a questo aspetto, a possibili censure di legittimità
costituzionali, anche se naturalmente non è in grado di eliminare tutti i vizi della normativa in analisi.
50 Cass. 11.2.2014, dep. 5.6.2014, n. 23641, in CEDCass m. 260104. Con riferimento alla giurisprudenza costituzionale
non si può non citare la sentenza n. 24/2019 che ha ritenuto imprecisa la previsione di cui all’art. 1 n. 1 della l.
1423/1956 poi confluita nell’art. 1, lett. a d. lgs. 159/2011.
51 In questo senso, pur se riferite alla confisca, ma comunque rilevanti in quanto attinenti al presupposto della
pericolosità del prevenuto, rilevano Cass. 3.6.2015, dep. 8.9.2015, n. 36301, in CEDCass m. 264568, nonché Cass.
24.3.2015, dep. 17.7.2015, n. 31209, in CEDCass m. 264319; più di recente Cass. 19.1.2018, dep. 15.3.2018, n. 11846, in
CEDCass m. 272496.
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delle misure di sicurezza. Benché solo le seconde impongano la commissione di un illecito
penale, non è negabile l’identità funzionale tra le due misure, entrambe volte alla preven-
zione di futuri reati52.
Il parallelismo è colto già nella sentenza n. 177/1980 della nostra Corte costituzionale,
che aveva sostenuto che le misure condividessero la medesima finalità e fossero da inten-
dere come due species di un medesimo genus, il che sottoponeva entrambe al necessario
rispetto del principio di tipicità e determinatezza53. Sviluppando l’impostazione, la Con-
sulta ha espressamente affermato l’applicabilità alle misure di prevenzione dell’art. 25 co.
3 Cost., riferito esplicitamente alle sole misure di sicurezza54.
La categoria della pericolosità generica ha subìto dunque nel tempo una sorta di ‘tipi-
zzazione di secondo livello’, operante in particolare nel c.d. diritto vivente, che ha via via
preteso che l’inquadramento del proposto nella fattispecie di prevenzione si fondi su dati
di fatto identificabili e controllabili55.
52 Sul punto si vedano le riflessioni di NUVOLONE, Pietro – Misure di prevenzione e misure di sicurezza (voce).
In: Enciclopedia del diritto, XXVI, Milano, 1976, p. 632 ss., che inquadrava le misure di prevenzione nel sistema
penale sulla base di una considerazione teleologica, tendendo esse a impedire la commissione del primo delitto
o la recidiva; accomuna i fondamenti delle due misure anche GALLO, E. – Misure di prevenzione (voce). In:
Enciclopedia giuridica Treccani, XX, Roma 1990, p. 1.
53 Sulla importanza della sentenza per l’innalzamento del tasso di garanzia del processo di prevenzione MAUGERI,
Anna Maria – Dall’actio in rem alla responsabilità da reato delle persone giuridiche: un’unica strategia politico
criminale contro l’infiltrazione criminale nell’economia?. In: FIANDACA, Giovanni; VISCONTI, Costantino (a
cura di). Scenari di mafia, Torino: Giappichelli, 2010, p. 272 ss. La pronuncia del 1980 della Consulta non è stata
certo di poco conto, poiché essa ha rappresentato il riferimento cui il legislatore del 1988, con la l. n. 327, ha
guardato per ridisegnare le categorie dei possibili destinatari delle misure di prevenzione in chiave orientata al
fatto e ad elementi empiricamente suscettibili di verifica da parte del giudice. Più di recente la Corte costituzio-
nale (C. cost., 9.2.94 n. 321) ha sottolineato la non omogeneità tra il processo penale (e, all’interno di questo, del
procedimento per l’applicazione delle misure di sicurezza) e quello di prevenzione, in quanto ognuno dotato di
proprie peculiarità.
54 La sentenza della Corte costituzionale n. 419/1994 afferma che questa comune sottoposizione all’art. 25 co. 3
derivi dalla medesimezza del fine (la prevenzione dei reati). Si legge in particolare al § 4.1. del considerato in
diritto: «Secondo la costante giurisprudenza di questa Corte, la legittimità costituzionale delle misure di pre-
venzione – in quanto limitative, a diversi gradi, della libertà personale – è necessariamente subordinata, in-
nanzitutto, all’osservanza del principio di legalità, individuato nell’art. 13, secondo comma, della Costituzione,
nonché nell’art. 25, terzo comma, della Carta medesima, nel quale, pur se riferito espressamente alle “misure
di sicurezza”, è stata solitamente rinvenuta la conferma di tale principio anche per la categoria delle misure di
prevenzione, data l’identità del fine (prevenzione dei reati) perseguito da entrambe (ritenute due species di un
unico genus), aventi a presupposto la pericolosità sociale dell’individuo».
55 Riconosce come negli ultimi anni la giurisprudenza stia adottando un approccio ermeneutico volto a prevenire
unapplicazione arbitraria delle misure BALBI, Giuliano. Le misure di prevenzione personali. Rivista italiana di
diritto e procedura penale, Milano, 2017, p. 523. Al diritto vivente fa espressamente riferimento Cass. 15.6.2017, dep.
21.9.2017, n. 43446, in CEDCass m. 271220, in particolare al § 5.3 del considerato in diritto. Tale concetto è assai
sfuggente, per definizione se ne discute in assenza di una legge, o quanto meno di una previsione normativa
precisa e determinata; ne ha parlato per la prima volta la Corte costituzionale nella sentenza n. 276/1974, che lo
intese infatti come il sistema giurisprudenziale formatosi in difetto di una espressa disposizione e, di fatto, solo
in presenza di un orientamento consolidato nelle pronunce di legittimità. Sul punto SALVATO, Luigi – Profili del
“diritto vivente” nella giurisprudenza di legittimità. Disponibile in: www.cortecostituzionale.it, 2.2015, che ricorda
100
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La Corte costituzionale, fin dalla appena citata sentenza n. 177/1980, ha legato stre-
ttamente tassatività e determinatezza, intesa come verificabilità empirica o aderenza a
vincoli di realtà; in quest’ultima sentenza, in particolare (§ 6 del considerato in diritto), la
Consulta ha imposto di distinguere tra fattispecie astratta, descrittiva di tipi di condotte o
altri elementi di fatto significativi, e successivo giudizio di pericolosità in concreto del pro-
posto, onde evitare che il giudice definisca di volta in volta, avvalendosi di una discrezio-
nalità senza limiti, i presupposti della misura. Conseguenziale la necessità che nella fat-
tispecie normativa debbano comparire sintomi dotati di chiara natura fattuale, in grado
di esprimere una situazione di reale pericolo per l’ordinamento e per la sicurezza pubblica56,
descrivendo sempre comportamenti obiettivamente identificabili57 ben lontani dalla consis-
tenza del sospetto58.
Se è vero che la Cassazione ha progressivamente tipizzato la base della prognosi di
pericolo, come abbiamo visto, non risulta prudente affidarsi, in un sistema di civil law,
(11) come la Corte costituzionale abbia sempre attribuito a sé il potere-dovere di accertarne la ricorrenza negli
indirizzi della Corte di Cassazione, in particolare con la sentenza n. 210/1992.
56 Si veda C. cost., 7.5.1975 n. 113, § 2 del considerato in diritto, che ha affermato, richiamando la propria precedente
giurisprudenza: «Per vero questa Corte ha già riconosciuto, in numerose decisioni, la piena compatibilità delle
misure in esame con i principi stabiliti dagli artt. 3 e 13 della Costituzione (sent. numeri 23 e 68 del 1964 e n. 32
del 1969) ed ha precisato che lautorità di p.s. non può agire a proprio arbitrio sulla base di semplici sospetti,
poiché è richiesta dalla legge unoggettiva valutazione di fatti, da cui risulti la condotta abituale e il tenore di vita
della persona, che siano manifestazione concreta della sua proclività al delitto e siano state accertate in modo
da escludere valutazioni puramente soggettive ed incontrollabili (sent. n. 23 del 1964)». In precedenza, si veda
anche C. cost., 20.4.1959 n. 27.
57 Così C. cost., 4.3.1964 n. 23, § 3 del considerato in diritto, in Rivista italiana di diritto e procedura penale, 1965, 106 con
nota di R.G. DE FRANCO, Riserva di legge e “determinatezza” delle previsioni di pericolosità sociale ex l. n. 1423 del 1956. Si
noti che NUVOLONE, Pietro. Misure di prevenzione e misure di sicurezza (voce). In Enciclopedia del diritto, XXVI,
Milano, 1976, p. 633 aveva avuto modo di manifestare tutti i propri dubbi sulla possibilità di determinare tassa-
tivamente i presupposti di queste misure da parte della fonte legislativa, essendo riferite a situazioni alquanto
fluide e sintomatiche. Dubbi sulla vaghezza delle fattispecie di prevenzione sono espressi anche da MANGIO-
NE, Angelo – Le misure di prevenzione. In: CADOPPI, Alberto; CANESTRARI, Stefano; MANNA, Adelmo; PAPA,
Michele (a cura di). Trattato di diritto penale. Parte generale, III. Torino: UTET, 2014, p. 433.
58 Davvero utili da questo punto di vista la giurisprudenza della Corte edu che, quando ha verificato che la misura
di prevenzione fosse stata disposta sulla base di meri sospetti o irragionevoli presunzioni, ha sancito la violazio-
ne dell’art. 2 Prot. IV Convenzione edu, cfr. la pronuncia Labita vs Italia, 6.4.2000, § 196 ss., riferita ad un’ipotesi in
cui la misura della sorveglianza speciale era stata applicata alla luce di un legame di parentela tra la moglie del
ricorrente ed un appartenente ad una associazione mafiosa. In tema di confisca di prevenzione, C. eur., 17.6.2014,
Cacucci e Sabatelli vs Italia, § 44, che ha stabilito che le misure non conseguono a semplici sospetti, bensì a fatti in
senso stretto. Per una serie di critiche in questo senso si vedano, tra i molti e solo di recente, CERESA-GASTAL-
DO, Massimo – Misure di prevenzione e pericolosità sociale: l’incolmabile deficit di legalità della giurisdizione
senza fatto. Disponibile in: www.penalecontemporaneo.it, 3.12.2015; MAIELLO, Vincenzo – La prevenzione ante de-
lictum: lineamenti generali. In: PALAZZO Francesco; PALIERO, Carlo Enrico (diretto da). Trattato teorico pratico di
diritto penale, XII. Torino: Giappichelli, 2015, p. 325; CATENACCI, Mauro – Le misure personali di prevenzione fra
‘critica’ e ‘progetto’: per un recupero dell’originaria finalità preventiva. Rivista italiana di diritto e procedura penale,
Milano, 2017, p. 528. Si noti che nell’ambito della sentenza De Tommaso si può leggere l’opinione dissenziente del
giudice Pinto de Albuquerque, secondo il quale le misure di prevenzione italiane integrerebbero delle ‘pene di
seconda classe’ fondate sul sospetto (§ 4 della dissenting opinion).
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esclusivamente alla concretizzazione giurisprudenziale in simili contesti, proprio per la
natura intrinsecamente instabile dello strumento ermeneutico se non supportato da una
previsione legislativa rigida59. Inoltre, l’implementazione della sola prevedibilità del giu-
dizio può essere assai dannosa per le altre componenti della legalità, come abbiamo già
avuto modo di apprezzare in altra sede60.
5.2. La tutela giurisdizionale
Una seconda garanzia, anche se dal punto di vista cronologico è stato il primo nucleo di
tutela riconosciuto dalla Corte costituzionale in tema di prevenzione, è tutta processuale,
riferibile al principio dell’habeas corpus, che impone un controllo giurisdizionale rispetto
ad ogni limitazione della libertà personale del cittadino. In questo senso, fin dalle prime
sentenze è stato elaborato dalla Consulta un importante standard di giudizio, secondo cui
la garanzia di cui all’art. 13 Cost. deve valere per qualsiasi misura pubblica che veicoli in
capo al destinatario una degradazione giuridica assimilabile alla privazione della libertà
personale.
Laffermazione si rinviene agli albori della giurisprudenza della Corte, precisamente
nella sentenza n. 11/1956 in tema di ammonizione, ma anche nella pronuncia n. 68/1964
con la quale la Consulta è tornata sull’argomento: ogni provvedimento pubblico, che pro-
vochi una diminuzione della dignità o del prestigio della persona o che comunque sia
suscettibile di determinarne una condizione equiparabile all’assoggettamento all’altrui
potere, è potenzialmente lesivo dell’habeas corpus e dunque reclama le relative garanzie61.
Per la verità, la sentenza del 1964 ha fornito della nozione di degradazione giuridica neces-
saria ad attivare le garanzie costituzionali una lettura più restrittiva di quanto si potesse
pensare dopo la pronuncia del 1956, intendendo come assimilabili ad una limitazione della
libertà personale solo quelle più intense forme di degradazione sociale e individuale del
destinatario, alla luce di una valutazione di tipo evidentemente quantitativo62.
59 Per MAGI, Raffaello – Sul recupero di tassatività nelle misure di prevenzione personali. Tecniche sostenibili di
accertamento della pericolosità. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, 2017, p. 501, sul terreno dei presup-
posti e dell’accertamento della pericolosità si sarebbe giunti per via interpretativa ad un modello di giurisdizio-
ne piena, poggiante su una tassatività via via sempre più accresciuta in concreto. Nello stesso senso, BASILE,
Fabio – Quale futuro per le misure di prevenzione dopo le sentenze De Tommaso e Paternò?. In: Giurisprudenza
italiana, 2018, p. 460 s.
60 CONSULICH, Federico – Lo statuto penale delle scriminanti, Torino: Giappichelli, 2018, p. 466 ss.
61 Si veda in particolare C. cost., 19.6.1956 n. 11 in tema di ammonizione, che ha dichiarato l’illegittimità costituzio-
nale delle disposizioni contenute negli articoli dal 164 al 176 del T.U.L.P.S.
62 La notazione è di DOLSO, Gian Paolo – Le misure di prevenzione personali nell’ordinamento costituzionale.
In: FIORENTIN, Fabio (a cura di). Misure di prevenzione personali e patrimoniali. Torino: Giappichelli, 2018, p. 69.
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5.3. L’inestensibilità delle altre garanzie penalistiche all’universo della
prevenzione
Diversamente da quel che accade per la determinatezza, capace di spingersi oltre il confine
della materia penale (naturalmente con i dovuti adattamenti), siffatte garanzie patiscono
invece una netta riduzione operativa, se non una vera e propria neutralizzazione, allor-
quando si confrontino con il diritto della prevenzione.
Le ragioni possono essere molteplici. Sono garanzie più evolute e raffinate della sem-
plice determinatezza e precisione del testo normativo, richiedendo un’implementazione
di sistema’ e non riferita alla singola disposizione. Peraltro, sono esclusivamente orien-
tate a favore del privato, mentre la determinatezza ha invece un doppio volto, poiché certo
giova al destinatario del comando, ma anche (nella accezione più corretta di tassatività) al
potere politico che pretenda di farsi obbedire prontamente e miri a vincolare il giudice alla
volontà della maggioranza parlamentare del momento manifestata nella legge63. Tra i
corollari della legalità, la determinatezza è insomma il più compatibile con gli scopi di
controllo sociale o, quanto meno, il vincolo che l’Autorità è più disposta ad accettare.
Irretroattività, colpevolezza e rieducazione, infatti, esprimono un rapporto tra indivi-
duo e pubblici poteri impostato in chiave liberale e democratica, improntato alla lealtà del
rimprovero normativo e all’autodeterminazione del cittadino. Tutte pongono al centro il
destinatario della coercizione statale e la possibilità di quest’ultimo di comprendere il con-
tenuto dei precetti a lui rivolti dall’ordinamento ed orientarsi sulla base di essi, ponendo,
se necessario, in secondo piano le pretese di ordine e sicurezza avanzate dall’autorità e dai
consociati. Quella del diritto della prevenzione è, invece, una prospettiva evidentemente
antitetica, che accorda preminenza alle esigenze pubbliche rispetto alle prerogative del
singolo: di qui il sostanziale rigetto, almeno al momento, dei principi diversi dalla deter-
minatezza.
Si noti che anche nelle proposte di riforma della disciplina, volte ad orientarla in
senso maggiormente coerente con la Costituzione e la Convenzione edu, la colpevolezza
è assente tra i criteri direttivi; sono piuttosto la ragionevolezza e la proporzione a farla da
padrone64, criteri dunque puramente oggettivi e normativi, rilevanti più per l’attività ese-
getica dell’applicatore piuttosto che per le libere scelte d’azione del destinatario.
63 Il punto è colto nitidamente in PALAZZO, Francesco – Il principio di determinatezza nel diritto penale. Padova: CE-
DAM, 1979, p. 132 s. Rileva come vadano tenuti distinti i due volti dello stesso principio, uno rivolto al giudice, la
tassatività, uno al legislatore, la determinatezza, NISCO, Attilio – Principio di determinatezza e interpretazione in
diritto penale: considerazioni teoriche e spunti comparatistici. In: Archivio penale web, 2017, 4, p. 19 ss.
64 Si vedano le recenti riflessioni di CATENACCI, Mauro – Le misure personali di prevenzione fra ‘critica’ e ‘pro-
getto’: per un recupero dell’originaria finalità preventiva. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano,
2017, p. 526 ss. e di MAZZACUVA, Francesco – La prevenzione sostenibile. Cassazione penale, Milano, 2018, p. 1029.
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Non deve allora stupire che la giurisprudenza affermi che il divieto di retroattività
sfavorevole non valga per le misure in analisi e che ancora di recente la Cassazione abbia
rilevato, sia pure in materia di confisca, che il principio regolativo della successione di
leggi sia il tempus regit actum65.
È però soprattutto l’universo valoriale dell’art. 27 Cost. a rimanere estraneo alla
disciplina delle misure di prevenzione.
Lesclusione della colpevolezza e della rieducazione da tale sottosistema trova fonda-
mento anche nel contenuto delle fattispecie di cui agli artt. 1 e 4 d. lgs. 159/2011. Mentre la
prima è sempre riferita ad un fatto commesso dal reo e la seconda trova il proprio riferimento
in una condotta espressiva di un antagonismo rispetto ai valori dell’ordinamento, le misure
in analisi difettano, come abbiamo visto, di un comportamento illecito compiuto dal pro-
posto e si caratterizzano per una finalità esclusivamente preventiva, in nessun modo con-
taminata dalla prospettiva risocializzativa66.
La qualifica di pericolosità, generica o qualificata che sia, veicola insomma una prog-
nosi criminale del giudice sul profilo delinquenziale del prevenuto e non certo una diag-
nosi rispetto alla responsabilità per un reato già commesso; peraltro, può rilevarsi come
in questo ambito si prescinda totalmente dalla sfera soggettiva dell’agente, intesa come
rimproverabilità e propensione personale oppositiva rispetto ai valori della collettività: la
65 Cass. S.U. 26.6.2014, dep. 2.2.2015 n. 4880, in Rivista italiana di diritto e procedura penale, 2015, p. 922, con nota di
A.M. MAUGERI – Una parola definitiva sulla natura della confisca di prevenzione? Dalle Sezioni Unite Spinelli alla sen-
tenza Gogitidze della Corte Edu sul civil forfeiture. Secondo la Corte, in particolare (§ 8.2 del considerato in diritto),
«le modifiche introdotte nell’art. 2 bis della legge n. 575 del 1965, dalle leggi n. 125 del 2008 e n. 94 del 2009,
non hanno modificato la natura preventiva della confisca emessa nell’ambito del procedimento di prevenzione,
sicché rimane tuttora valida l’assimilazione dell’istituto alle misure di sicurezza e, dunque, l’applicabilità, in
caso di successioni di leggi nel tempo, della previsione di cui all’art. 200 cod. pen.». In precedenza, si veda Cass.
14.5.2009, dep. 1.9.2009, n. 33597, in CEDCass m. 245251 e, in dottrina, GIUNTA, Fausto – Verso una nuova peri-
colosità sociale. In: PAVARINI Massimo; STORTONI Luigi (a cura di). In: Pericolosità e giustizia penale. Bologna:
Bononia University Press, 2013, p. 89.
66 Valgano le considerazioni spese da C. cost., 7.4.2004, ord. n. 124, chiamata a pronunciarsi a seguito della que-
stione di legittimità rispetto all’art. 27 co. 3 Cost. dell’allora vigente art. 3 della l. 1423/1956, nella parte in cui
consentiva l’applicazione della sorveglianza speciale della pubblica sicurezza nei confronti di persona detenuta.
Secondo la Corte «per quanto concerne la denunciata ‘afflizione aggiuntiva’ – in assunto connessa al cumulo fra
pena e misura di prevenzione, segnatamente quando il reato per il quale è stata inflitta la pena assurga altresì ad
elemento fondante la valutazione di pericolosità del soggetto proposto per tale misura – va rilevato come essa
non implichi, di per sé, alcun vulnus al parametro costituzionale evocato, posto che la misura di prevenzione
assolve ad una funzione chiaramente distinta e non assimilabile a quella della pena: la stessa Carta costituziona-
le, del resto – consentendo il sistema del ‘doppio binario’ tra pene e misure di sicurezza (art. 25, secondo e terzo
comma, Cost.) – riconosce la possibilità del concorso fra due diversi strumenti di intervento, caratterizzati da
fini eterogenei, pure in presenza di una medesima situazione di fatto (la commissione del reato come illecito,
da sanzionare con la pena, e come indice di pericolosità sociale, da contrastare con la misura di sicurezza)».
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pericolosità per la sicurezza pubblica è una qualità che si apprezza non in chiave persono-
logica, ma per lo più puramente oggettiva67.
La logica della prevenzione rappresenta dunque una sorta di ‘canone inverso’ rispetto
ai principi di colpevolezza e di rieducazione di cui all’art. 27 Cost.68.
Lestraneità all’obiettivo rieducativo si apprezza anche dal punto di vista degli effetti
delle misure in analisi: gli artt. 66 ss. d. lgs. 159/2011 implicano l’estromissione del pre-
venuto dal contesto sociale, quanto meno dal punto di vista strettamente economico-pro-
duttivo, posto che prevedono decadenze e interdizioni (dalle licenze di commercio, dalle
partecipazioni a gare pubbliche, dalle autorizzazioni e dalle concessioni per lo svolgi-
mento di attività imprenditoriali, dai finanziamenti e dalle iscrizioni in registri pubblici
ecc.). Perfino la personalità della responsabilità, contenuto minimale dell’art. 27 co. 1 Cost.,
è posta in discussione da tali previsioni, se è vero che l’art. 67 co. 4 d. lgs. 159/2011 consente
al Tribunale di coinvolgere nei divieti e nelle preclusioni previste dai commi precedenti
chiunque conviva con il prevenuto.
Per completezza va rilevato che l’estraneità della disciplina in commento rispetto ai
contenuti dell’art. 27 Cost. è totale e riferibile dunque anche al profilo processuale della
regola di giudizio da applicare nel procedimento di prevenzione. Non vi è spazio per la
presunzione di innocenza, poiché l’intero rito si fonda su un’inversione dell’onere della
prova, essendo sufficiente all’applicazione della misura, come visto, un semplice indizio,
privo dei requisiti di cui all’art. 192 Cpp69.
Giungendo a sintesi, più che pretendere che vi siano delle tutele connaturate al diritto
della prevenzione è preferibile piuttosto applicare le garanzie reclamate dai diritti incisi dalle
misure ante delictum: determinatezza da una parte, riserva di giurisdizione effettiva (non
meramente formale), dall’altra parte.
67 Al netto di una serie di dubbi sulla consistenza scientifica del concetto, così rileva BALBI, Giuliano. Le misure di
prevenzione personali. Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, 2017, p. 520. Sulle critiche in ordine alla
scarsa base empirica della nozione, a dispetto dell’importanza rivestita nel sistema penale e parapenale, MAGI,
Raffaello – Sul recupero di tassatività nelle misure di prevenzione personali. Tecniche sostenibili di accerta-
mento della pericolosità. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, 2017, p. 493 ss., che ritiene come la catego-
ria giuridica della pericolosità sociale sia tuttavia irrinunciabile. Sulla necessaria attualità della pericolosità del
proposto al momento della richiesta di applicazione della misura di prevenzione personale Cass., 5.6.2019, dep.
21.6.2019, n. 27724 in DirGiust., 24.6.2019.
68 L’approccio è evidente fin dalla sentenza n. 23/1964 ed è stato ribadito più di recente dalla pronuncia n. 48/1994.
Lestraneità delle misure in analisi al diritto penale è alla radice della giurisprudenza costituzionale che nega la
presenza della colpevolezza nello scenario della prevenzione, come rilevato da BALBI, Giuliano – Le misure di
prevenzione personali. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, 2017, p. 513.
69 Si noti peraltro che, sul piano sovranazionale, la Corte Edu non ha ritenuto di per sé contraria alla Convenzione
la presenza di presunzioni o inversioni dell’onere della prova (cfr. C. eur., 7.10.1988, Salabiaku vs. Francia, § 28).
PITTARO, Paolo – La natura giuridica delle misure di prevenzione. In: FIORENTIN, Fabio (a cura di). Misure di
prevenzione personali e patrimoniali. Torino: Giappichelli, 2018, p. 153, rileva come quello della prevenzione sia un
sistema probatorio attenuato, se comparato con quello del sistema penale in senso stretto.
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6. La distinzione essenziale sulla base del rapporto costi/benefici:
prevenzione patrimoniale vs prevenzione personale
Tirando le fila del discorso svolto nei paragrafi precedenti, è possibile affermare che le
sanzioni penali e le misure di prevenzione abbiano un comune denominatore, la capacità
afittiva, e un elemento differenziale, la funzione punitiva, che è propria solo delle prime.
Mentre l’afittività di entrambe implica l’estensione di alcune garanzie costituzionali
dalle une alle altre, la funzione strettamente punitiva conduce a ritenere applicabili alle
sole sanzioni penali tutti i corollari della legalità e i presidi personalistici offerti dalla col-
pevolezza.
Dal punto di vista dei parametri costituzionali spendibili per sorvegliare l’impiego
delle misure ante delictum, è emersa l’imprescindibilità del riferimento all’art. 25 Cost., sub
specie di tassatività delle fattispecie di pericolosità, e all’art. 13 Cost. che, rispettivamente,
dal punto di vista sostanziale e da quello processuale, testimoniano le garanzie ineludibili
da rispettare allorché venga in gioco una compressione della libertà personale, tanto se
preventiva alla commissione di un fatto di reato quanto se reattiva ad esso70.
Ecco dunque il volto costituzionale delle misure di prevenzione, disegnato sulla base
della loro capacità di incidere sui diritti e sullo status sociale dei cittadini71.
Ciò non di meno, la legittimità costituzionale di siffatte misure non ne implica l’oppor-
tunità e l’utilità.
70 La nozione di libertà personale di cui all’art. 13 Cost. viene intesa come libertà della persona in senso stretto,
diritto che conduce direttamente all’habeas corpus, come segnalato dalla Corte costituzionale fin dalla sent. n.
45/1960, che rinvia alla n. 2 del 1956. In una successiva occasione, con la sentenza n. 68/1994, trattando della
misura del foglio di via obbligatorio, la Corte ha rilevato che la degradazione giuridica del destinatario, che
attiva la norma in analisi, deve intendersi come la menomazione o mortificazione della dignità o del prestigio
del destinatario, tale da poter essere equiparata allassoggettamento all’altrui potere. Naturalmente non è esente
nella giurisprudenza della Corte anche una declinazione quantitativa della restrizione della libertà personale
riconducibile al cono di tutela della disposizione costituzionale. Con la sentenza n. 13/1972, relativa alla misura
dell’accompagnamento coattivo di pubblica sicurezza di cui all’art. 15 del T.U.L.P.S., la Corte ha affermato come la
limitazione della libertà non era tale da richiedere le garanzie della previsione costituzionale in quanto l’immo-
bilizzazione del soggetto per effettuare i rilievi dattiloscopici era momentanea. Allo stesso modo, più di recente
(C. cost., 19.5.1997 n. 144), la Corte costituzionale ha ritenuto che l’ordine di presentazione agli uffici di polizia
durante una competizione sportiva non richiedesse la convalida di cui alle norme del codice di procedura pena-
le, poiché l’incisione della libertà personale, pur esistente, era da ritenersi modesta.
71 Si deve tenere però naturalmente conto di quanto correttamente la dottrina ha da tempo avuto premura di
precisare, vale a dire che non ogni ipotesi di coazione fisica deve essere semplicisticamente ricondotta all’art.
13, soprattutto allorquando sia giustificata da ragioni oggettive e non squalificanti, come accade ad esempio
in materia di igiene e salute pubblica. Si legga MORTATI, Costantino – Rimpatrio obbligatorio e Costituzione.
Giurisprudenza Costituzionale, Milano, 1960, p. 683. Per AMATO, Giuliano – Commento all’art. 13, Bologna-Roma:
Zanichelli-Il foro italiano, 1977, p. 47 s., invece, il rispetto della procedura indicata dall’art. 13 Cost. sarebbe im-
posto in materia di misure di prevenzione non perché esse incidano sempre sulla libertà personale, ma perché
presuppongono un giudizio di carattere degradante sulla persona.
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Sono valutazioni costo/beneficio che dovrebbero indurre ad abbandonare siffatta stra-
tegia di controllo sociale: la prevenzione presenta infatti oneri non giustificati da correla-
tive utilità collettive.
Non solo spese per il mantenimento degli apparati per l’applicazione delle misure,
ma costi immateriali, non da ultimo l’alone di sospetto che circonda la prevenzione e che
impone un costante monitoraggio delle stesse da parte delle istituzioni di garanzia72. Per
usare un termine della scienza economica, queste misure scontano un “alto costo di tran-
sazione”, qui da misurare in termini di legittimazione sociale e di congruenza con i prin-
cipi fondamentali di sistema, da intendere come sintesi di Costituzione e convenzione.
É poi una considerazione effettuale a imporsi: ben prima di possibili profili di
illegittimità costituzionale delle misure personali è la questione, tutta di fatto, della loro
inefficacia preventiva a metterne in discussione la permanente legittimazione nel nostro
sistema del controllo sociale73.
Che si possa fare a meno della prevenzione personale è dimostrato, per tabulas, da una
semplice analisi comparatistica, come quella condotta proprio di recente in una sede ‘qua-
lificata’: la Corte Edu, nella sentenza De Tommaso vs Italia, ha rilevato (§ 69) come istituti
simili alle nostre misure ante delictum siano presenti solo in 5 dei 34 Stati membri del Con-
siglio d’Europa74.
72 Ricorda di recente come sospetti di illegittimità costituzionale abbiano sempre aleggiato sulla valutazione di
pericolosità del soggetto proposto per lapplicazione delle misure MAZZACUVA, Francesco – La prevenzione
sostenibile. In: Cassazione penale, Milano, 2018, p. 1022. Nota l’evoluzione della percezione della cultura penalistica
rispetto a siffatte misure, dalla diffidenza rispetto alla loro funzione alla critica rispetto ad aspetti esteriori della
loro legalità, PALAZZO, Francesco – Per un ripensamento radicale del sistema di prevenzione ante delictum. In:
Criminalia, Pisa, 2017, p. 140.
73 Nella ricerca empirica condotta da MARIANI, Elena – Le misure di prevenzione personali nella prassi milanese.
In: Diritto penale contemporaneo, 2018, 10, p. 307, territorialmente ristretta al distretto della Corte di Appello di Mi-
lano, è emersa chiaramente l’inadeguatezza dellattuale sistema della prevenzione personale. Rileva infatti l’Au-
tore: «L’inefficacia dell’attuale normativa, che comporta la necessità di un suo radicale ripensamento, sembra
confermata anche dal fatto che ben 422 soggetti dei 732 che sono arrivati all’attenzione del Tribunale nel periodo
esaminato erano già stati sottoposti ad una o più misure di prevenzione tipiche e/o atipiche. Solamente per 46
di essi vi è stato il rigetto della proposta e non è stata applicata o aggravata o reiterata la sorveglianza speciale
sul presupposto che non fossero più meritevoli di una misura di prevenzione, mentre per gli altri 376 i giudici
hanno ritenuto che la pericolosità sociale sussistesse ancora. Nella grande maggioranza dei casi (89,1%), quindi,
vi è stato il fallimento del precedente intervento preventivo».
74 È la nota C. eur. G.C., 23.2.2017, De Tommaso vs Italia, in www.penalecontemporaneo.it, con note di F. VIGANÒ,
LA CORTE DI STRASBURGO ASSESTA UN DURO COLPO ALLA DISCIPLINA ITALIANA DELLE MISURE DI PREVENZIONE
PERSONALE, 3.3.2017, E MAUGERI, ANNA MARIA, MISURE DI PREVENZIONE E FATTISPECIE DI PERICOLOSITÀ GE
NERICA: LA CORTE EUROPEA CONDANNA L’ITALIA PER LA MANCANZA DI QUALITÀ DELLE “LEGGE”, MA UNA RONDINE
NON FA PRIMAVERA, 6.3.2017; SI VEDA ANCHE QUELLA DI MAIELLO, VINCENZO  DE TOMMASO C. ITALIA E
LA CATTIVA COSCIENZA DELLE MISURE DI PREVENZIONE. IN: DIRITTO PENALE E PROCESSO, MILANO, 2017,
P. 1039. SI LEGGE AL § 69 DELLA SENTENZA: ACCORDING TO THE INFORMATION AVAILABLE TO THE COURT ON
THE LEGISLATION OF THIRTYFOUR MEMBER STATES, THE VAST MAJORITY OF THE COUNTRIES SURVEYED TWEN
TYNINE COUNTRIES OUT OF THIRTYFOUR DO NOT HAVE ANY MEASURES COMPARABLE TO THOSE APPLIED IN IT
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La sanzione senza precetto. Verso un congedo delle misure di prevenzione dalla materia penale?
FEDERICO CONSULICH
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Sia detto solo per inciso: le valutazioni sin qui svolte non valgono, se non in parte, per
le misure di prevenzione patrimoniale, di cui non abbiamo fatto cenno nel presente lavoro.
Al netto di un’inevitabile modulazione ‘al rialzo’ delle garanzie, in primis processuali75,
che la rendano pienamente compatibile con lo scenario costituzionale, deve ammetter-
sene una maggiore giustificabilità in un’ottica di sistema.
Innanzitutto, dal punto di vista funzionale: si tratta infatti di misure ablative sicu-
ramente idonee a privare dei mezzi di sostentamento le associazioni criminali mafiose e
terroristiche o comunque ad ostacolarne grandemente l’operatività, oltre a rappresentare
un forte disincentivo alla commissione di reati economicamente motivati; finalità dunque
che sono molto più nitide e suscettibili di verifica ex post rispetto alle misure personali.
Inoltre, forse soprattutto, si stagliano nitidamente di fronte all’interprete interessi afferra-
bili, alla cui tutela la prevenzione patrimoniale si rivela strumentale: l’accumulazione ille-
gittima di profitti genera infatti perversi effetti distorsivi sul mercato e sulla concorrenza,
con evidenti e misurabili ricadute negative per la collettività.
Si può dunque pensare che, in futuro, la prevenzione possa essere ridotta alla pura pre-
venzione economica (previa migliore calibratura rispetto ai diritti del prevenuto). D’altra
parte, già oggi, la confisca è ormai molto distante dalle misure personali: il principio di indi-
pendenza reciproca tra le due tipologie di strumenti ante delictum era stato riconosciuto con
il d.l. n. 92 del 200876 venendo poi confermato dalla l. n. 94 del 200977. Lassetto è stato, inne,
cristallizzato dall’art. 18 d. lgs. 6.9.2011 n. 159, sicché è possibile procedere all’applicazione dis-
giunta delle due tipologie di misure, finanche ammettendo che le patrimoniali operino in
difetto dei presupposti di quelle personali, dunque della stessa pericolosità del proposto al
momento della richiesta78.
ALY IN THE PRESENT CASE. MEASURES OF THIS KIND CAN BE FOUND IN ONLY FIVE COUNTRIES AUSTRIA, FRANCE,
RUSSIA, SWITZERLAND AND THE UNITED KINGDOM».
75 Per un’analisi critica dei profili processuali delle misure di prevenzione, si veda da ultimo ORLANDI, Renzo –
La ‘Fattispecie di pericolosità’. Presupposti di applicazione delle misure e tipologie soggettive nella prospettiva
processuale. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, 2017, p. 470 ss.
76 Il decreto, all’art. 10, comma 1, lett. c), modificava l’art. 2 bis della l. n. 575/1975 e consentiva che le due tipologie
di misure potessero essere richieste e applicate disgiuntamente e che altresì la loro applicazione avesse luogo
anche in caso di morte del soggetto (con prosecuzione del procedimento nei confronti degli eredi o comunque
aventi causa, nell’ipotesi in cui la morte fosse sopraggiunta nel corso del procedimento).
77 La l. n. 94/2009 ha modificato, con l’art. 2, comma 22, l’art. 10, comma 1, lettera c), numero 2), del d.l. 92/2008,
chiarendo che le misure in questione potessero essere applicate indipendentemente dalla pericolosità sociale
del proposto al momento della richiesta.
78 In base all’art. 18 co. 1 del d. lgs. 159/2011, le misure patrimoniali prescindono dalla pericolosità sociale del pro-
posto. Sullapplicazione disgiunta delle misure di prevenzione si era espressa anche la Corte costituzionale, che
l’aveva ritenuta impossibile in assenza di una scelta di politica criminale in tal senso da parte del legislatore. Sul
punto si vedano FIANDACA, Giovanni; MUSCO, Enzo – Diritto penale. Parte generale, Bologna: Zanichelli, 2019, p.
921 ss. Sul punto cfr. poi Cass. S.U. 26.6.2014, dep. 2.2.2015, n. 4880, (Rv. 262604), in Rivista italiana di diritto e procedura
penale, 2015, p. 922, secondo la quale «La possibilità di applicazione disgiunta della confisca dalla misura di preven-
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Conclusioni. Lo scenario futuro: l’amputazione della prevenzione
personale dal controllo sociale
Le misure in analisi si pongono al limite estremo della coercizione legittima da parte dello
Stato democratico79 e il dovere del giurista liberale è di chiedersi se sia davvero necessario
spingere fino a tale punto il controllo pubblico posto che la misura ante (o praeter) delictum è
solo una delle possibili opzioni sul campo, una species del genus della prevenzione giuridica
degli illeciti penali.
La prevenzione del crimine è certamente uno dei doveri primari di ogni legislatore
contemporaneo, ma i percorsi possibili per adempiere a tale obbligo80 sono molteplici e
l’impiego di misure restrittive della libertà personale (o di ablazione patrimoniale) in via
anticipata rispetto al compimento di qualsivoglia illecito è solo uno dei tanti e peraltro il
più costoso, in termini di sacrificio dei diritti dei destinatari.
Senza voler scomodare il riferimento a politiche sociali di integrazione e rimanendo
al solo ambito del diritto pubblico, in chiave di razionalità di scopo è ovvio pensare che la
più efficiente profilassi, soprattutto rispetto ai fenomeni criminosi più temuti (terrorismo,
associazioni mafiose), si compia sul piano dell’intelligence e delle investigazioni preventive,
piuttosto che attraverso obblighi o divieti di soggiorno, con il corredo di prescrizioni varie-
gate o ammonizioni a tenere condotte conformi alla legge.
Eppure, misure come il foglio di via obbligatorio e l’avviso orale (le c.d. misure questo-
rili), da una parte, e la sorveglianza speciale di pubblica sicurezza, dall’altra parte, conti-
nuano oggi a prosperare sia sul piano della prassi che su quello della legislazione, pur in
presenza di fattispecie penali sempre più anticipate e disancorate da un collegamento con
associazioni illecite81.
Un simile approccio trova fondamento in una visione ‘riduzionistica’, se non autoritaria,
del concetto di sicurezza pubblica82, che considera cioè quest’ultima come sinonimo di ordine
zione personale, così come emerge dalle riforme normative operate dalla l. 24.7.2008 n. 125 e dalla l. 15.7.2009 n. 94,
non ha introdotto nel nostro ordinamento una “actio in rem, restando presupposto ineludibile di applicazione della
misura di prevenzione patrimoniale la pericolosità del soggetto inciso, in particolare la circostanza che questi fosse
tale al momento dell’acquisto del bene».
79 Di diritto penale al limite” ha parlato PELISSERO, Marco – Contrasto al terrorismo internazionale e diritto penale
al limite. In: Questione giustizia, 2016, p. 99 ss.
80 Nello stesso senso PETRINI, Davide – La prevenzione inutile. Illegittimità delle misure praeter delictum. Napoli: Jo-
vene, 1996, p. 175; PULITANÒ, DOMENICO  MISURE DI PREVENZIONE E PROBLEMA DELLA PREVENZIO
NE. IN: RIVISTA ITALIANA DI DIRITTO E PROCEDURA PENALE, MILANO, 2017, P. 639.
81 Come notato da PELISSERO, Marco – I destinatari della prevenzione praeter delictum: la pericolosità da prevenire
e la pericolosità da punire. In: Rivista italiana di diritto e procedura penale, Milano, 2017, p. 463.
82 Sulle molteplici accezioni della sicurezza, declinabili ora in senso liberale ora nel ben più problematico senso
securitario, PULITANÒ, DOMENICO  SICUREZZA E DIRITTO PENALE. IN: DONINI, MASSIMO; PAVARINI,
MASSIMO A CURA DI. IN: SICUREZZA E DIRITTO PENALE. BOLOGNA: BONONIA UNIVERSITY PRESS, 2011, P.
121 SS. SULLA TENDENZA AD OBBLIGARE IL DIRITTO PENALE A PRODURRE SICUREZZA PER I CITTADINI
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pubblico, da mantenere solo percorrendo i frustri binari di misure preventive che divengono
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O impacto da pandemia (COVID-19) na saúde
– pública, institucional e política – da união
europeia
The impact of the pandemic (COV ID‑19) on health – public,
institutional and political – of the european union
PAULO FRANCISCO1
pf.paulofrancisco@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 113‑132
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.6
Submitted on February 10th, 2021 · Accepted on April 28th, 2021
Submetido em 10 de Fevereiro, 2021 · Aceite a 28 de Abril, 2021
SUMÁRIO Este pequeno trabalho resulta de um primeiro esforço de balanço do impacto
da Pandemia COVID-19 na Europa, mas mais concretamente no Direito Comunitário, ao
nível da Saúde. Analisou-se, ainda que de forma sintética, a reação da União Europeia e dos
seus Estados-Membros à Pandemia, procurando verificar nessas reações perspetivar os
impactos visíveis resultantes. Finalmente, procurou-se perceber os caminhos que se estão
a delinear e construir, em resultado dos impactos da pandemia na área da saúde, para o
futuro da União Europeia
PALAVRAS CHAVE Pandemia – Competências – Subsidiariedade – Proporcionalidade –
Saúde
ABSTRACT This small work is the result of a first effort to assess the impact of the Pandemic
COVID-19 in Europe, but more specifically in Community Law, in terms of Health. The
reaction of the European Union and its Member States to Pandemic was analyzed, albeit
in a synthetic way, seeking to verify in these reactions the perspective of the resulting
visible impacts. Finally, we sought to understand the paths that are being outlined and
built, as a result of the health pandemic impacts, for the future of the European Union.
KEYWORDS: Pandemic – Skills – Subsidiarity – Proportionality – Health
1 Mestrando em Direito (UAL). Sob orientação e com a colaboração do Professor Doutor JÓNATAS E. M. MACHA-
DO) Maio de 2021.
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O impacto da pandemia (covid‑19) na saúde – pública, institucional e política – da união europeia
PAULO FRANCISCO
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Introdução
A Pandemia originada pelo vírus SARS-2, designada por COVID-19, que desde o início de
2020 se tornou global e continua, passado mais de um ano desde que foi declarada “pan-
demia” pela Organização Mundial de Saúde2, teve e continua a ter impactos inesperados
e cada vez mais relevantes em todas as áreas da vida humana. O balanço destes impactos
deverá ser feito mais tarde porque o “turbilhão” provocado pela Pandemia continua e, ape-
sar de desejado, não se vislumbra o seu fim.
Justifica-se, entretanto, um balanço, ainda que não definitivo, por vários motivos que
importa assinalar na ordem jurídica da União Europeia. Em primeiro lugar, pelo impacto,
a todos os níveis da construção e do desenvolvimento da União Europeia; Em segundo
lugar, pelas respostas espontâneas iniciais, que importa refletir; Em terceiro lugar, talvez
o de mais cuidada observação, pelos Princípios e Alicerces da União, porque é quando a
tempestade chega que se afere da solidez da construção; Em quarto lugar pelas tendên-
cias de desenvolvimento que se consideraram e encetaram, na ordem jurídica europeia;
Em quinto lugar pela construção duma resposta final da União, transparente, legítima e
coerente.
Chegamos à nossa grande questão: Como ficará a União Europeia, pós COVD-19?
Não é possível antecipar uma resposta. No entanto, divisam-se consequências, cami-
nhos e ações que nos permitem antever enquadramentos futuros e desenvolvimentos em
determinadas áreas cujo impacto é já notório e devemos realçar, no sentido de precaver-
mos o sentido em que se desenvolve a União Europeia e o seu sistema jurídico.
A Pandemia COVID-19 surgiu e desenvolveu-se como um problema de saúde, a nível
mundial. Obviamente, o seu primeiro impacto teve a ver com a saúde das pessoas huma-
nas, com a saúde pública e com os cuidados de proteção da saúde, acionados em catadupa
por todos os países, à medida que a sua transmissão se alastrava a todo o mundo.
Foram afetadas e implicadas todas as áreas da nossa forma de viver, destacando-se
muito rapidamente, os efeitos económicos, da produção e do emprego; os efeitos de mobi-
lidade e de transportes; os efeitos ambientais e de alterações climáticas (sobretudo na
análise do seu possível efeito original da própria pandemia); os efeitos provocados pelas
formas de prevenção e combate da pandemia, como sejam os casos de confinamentos obri-
gatórios relacionados com a educação, o teletrabalho, os transportes, a segurança pública,
as migrações e as fronteiras territoriais; e, finalmente, os comportamentos individuais
em espaço público que implicaram novas atitudes sociais, novos distanciamentos e novos
2 Cf. Comunicação do diretor-geral da OMS, GHEBREYESUS, Tedros, em Genebra, em 11 de Março de 2020, acessí-
vel em: https://news.un.org/pt/story/2020/03/1706881 (consultado em 12/12/2020).
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espaços de cruzamentos sociais. São, por conseguinte, muitas as áreas possíveis de alise
dos impactos já ocorridos com a COVID-19.
Pela nossa parte, propomo-nos verificar o seu impacto direto na área da Saúde ao nível
da União Europeia (UE). De facto, enquanto problema de saúde pública, a Pandemia surge
como “luva de boxe em combate” a embater na face de uma arquitetura de União Europeia
que num primeiro impacto a levou a cambalear e “ir às cordas” deste ring imagirio.
As primeiras reações da União Europeia foram a expressão deste cambalear: nas reações
individuais por País, consoante a gravidade de contágios pandémicos que se registavam;
no encerramento de fronteiras territoriais e supressão de transportes internacionais, de
forma unilateral e autónoma; na suspensão de direitos individuais e públicos como for-
mas nacionais de controlar transmissões e de exercício de proteções nacionais. A saúde
pública “abanou” a UE.
A partir deste impacto, a União Europeia recompõe-se, “aguenta-se” com o embate e
enfrenta o adversário: a Pandemia COVID-19. Na área da Saúde, ao nível da União Euro-
peia, este objetivo de enfrentar a Pandemia acarretou uma rápida reconfiguração de com-
petências – da União Europeia e dos Estados Membros – e um acerto de decisões e ações
que, rapidamente, se anunciaram como novos caminhos de desenvolvimento da coesão
interna da União e de fortalecimento do seu sistema jurídico.
Importa, assim, analisar de que forma o impacto da Pandemia COVID-19, na área da
saúde, se projetou no Direito da União Europeia, nomeadamente na reconfiguração da
distribuição de competências e de cooperação entre os Estados Membros e entre as Ins-
tituições da União e, ainda, na sua ação concertada como União Europeia para podermos
compreender os seus efeitos no futuro da UE enquanto espaço comum de Cidadania e de
Direito.
Destacam-se três dimensões de análise: Uma primeira, relativa à repartição de com-
petências na União Europeia (UE) enquadrando questão da saúde, principalmente a saúde
pública e a sua proteção, nas competências da União Europeia e dos Estados Membros,
procurando perceber se esta divisão de competências teve em conta a forma de reagir a
crises que possam surgir em diversas áreas de desenvolvimento da construção da União
Europeia.
Depois, numa segunda dimensão deve analisar-se o impacto da Pandemia nesta repar-
tição de competências da União Europeia e na cooperação leal entre os Estados-Membros
procurando verificar as consequências imediatas provocadas pela ação exigida de com-
bate à pandemia e de proteção da saúde. De que forma, a União Europeia e as suas insti-
tuições reagiram e se coordenaram, no sentido de combater a pandemia com as melhores
soluções e práticas de proteção da saúde pública e de que forma a União se revelou uma
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mais-valia para os cidadãos europeus que, repentinamente se viram afetados nas suas
vidas pessoais, familiares e profissionais.
Finalmente, noutra dimensão, será fundamental escrutinar e perceber os pontos crí-
ticos evidenciados na ação e no tempo percorridos, alertando para as correções mais evi-
dentes e necessárias, num balanço provisório, esperando poder contribuir, desta forma,
para uma melhor perceção da construção do sistema jurídico da União Europeia e do seu
fortalecimento.
I. Repartição de competências na União Europeia
Quanto à questão da repartição de competências entre os Estados-Membros e a Estrutura
da União Europeia criada, houve “dois períodos fundamentais ao longo do processo de
integração europeia: antes e depois do Tratado de Maastricht”3.
Os Tratado fundadores e os subsequentes estabeleciam um conjunto de objetivos
para as comunidades europeias e atribuíam-lhe os meios necessários para os alcançar. No
entanto, no processo de integração em que se confrontaram os modelos de federalismo e
supranacionalismo, a proteção dos estados contra tendências centralizadoras reveladas
nesse confronto, fez com que se prestasse maior atenção ao modelo de divisão de compe-
tências entre os Estados e a Comunidade Europeia.
É assim que se chega à preparação do Tratado de Maastricht, no início da década de
90 do século XX e é nele que se procuram fixar os critérios relativos à divisão de compe-
tências entre a União Europeia (aí nascida com esta designação) e os Estados-Membros4.
Deparamo-nos, nesta fase de integração com um “constitucionalismo multinível, em que
está em causa a transferência de compencias nacionais para a UE, através da criação de um direito
constitucional europeu, derivado dos direitos constitucionais nacionais”5.
Falhado o projeto constitucional iniciado no início do século XXI foi o “Tratado de
Lisboa que procurou uma clarificação neste domínio” tendo o direito da União Europeia
alcançado algum equilíbrio “entre esta organização e os Estados membros e entre os vários
órgãos da UE6.
3 Cf. SOARES, António Goucha – A Divião de Competências entre a União Europeia e os Estados-Membros. In:
Revista Relações Internacionais, nº 1, Março 2004, acedida em 14/12/2020, em: http://www.ipri.pt/images/publicacoes/re-
vista_ri/pdf/r1/RI01_Artg08_AGS.pdf p. 55.
4 Idem, p. 56.
5 Cf. MACHADO, Jónatas E. M. – Direito da União Europeia. 2ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 87.
6 Idem, p. 88.
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1. Os princípios e fundamentos da repartição de competências
Determina o artigo 5º do Tratado da União Europeia (TUE), com a redação consolidada
pelo Tratado de Lisboa, no nº1: “A delimitação das competências da União rege-se pelo
princípio da atribuição. O exercício das competências da União rege-se pelos princípios
da subsidiariedade e da proporcionalidade.” O número 2 deste artigo explicita o princípio
da atribuição, afirmando que “a União atua unicamente dentro dos limites das competên-
cias que os Estados-Membros lhe tenham atribuído nos Tratados para alcançar os objeti-
vos fixados por estes últimos”. Já o nº 3 deste artigo refere que “em virtude do princípio
da subsidiariedade, nos domínios que não sejam da sua competência exclusiva, a União
intervém apenas se e na medida em que os objetivos da ação considerada não possam ser
suficientemente alcançados pelos Estados-Membros”. O Tratado de Lisboa anexa ao TUE
o Protocolo relativo à aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade
com a vantagem de envolver os parlamentos nacionais a zelar pela observância do prin-
cípio da subsidiariedade de acordo com o processo previsto pelo Protocolo mencionado.
Finalmente, o nº 4 do artigo 5º do TUE, refere que “em virtude do princípio da proporcio-
nalidade, o conteúdo e forma de ação da União não devem exceder o necessário para alcan-
çar os objetivos dos Tratados.” Obviamente, as instituições da União seguirão o Protocolo
já referido na aplicação deste princípio.
São, assim, ts os princípios fundamentais que regulam a divisão de competências na
União Europeia – O princípio da Atribuição, o princípio da Subsidiariedade e o Princípio
da Proporcionalidade. Estes princípios e o rigor determinado na sua aplicação refletem,
acima de tudo, a manutenção de uma armação de soberania dos Estados perante a União
e da igualdade de tratamento entre eles.
Mas, a construção da União com a aplicação destes princípios só seria viável com a coo-
peração efetiva de todos os Estados-Membros. Como se refere no nº 3 do artigo 4º do TUE
“em virtude do princípio da cooperação leal, a União e os Estados-Membros respeitam-se
e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados”. “O
princípio da cooperação leal aplica-se, além disso, na relação que as instituições europeias
estabelecem umas com as outras”, nos termos do artigo 13º, nº 2 do TUE7.
O Tratado de Lisboa, mantém (porque já existia nos Tratados anteriores) uma cláusula
de salvaguarda – o artigo 352º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE)
– donde emergem “poderes implícitos” e “capacidades implícitas” que permitem a “adap-
tação e sobrevivência de uma dada comunidade política em contextos de alteração do
ambiente político, económico, social e cultural, evitando que a mesma fique paralisada
7 Cf. MACHADO, Jónatas E. M. – Direito da União Europeia. 2ª Edição, p. 95.
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pela rigidez das formas constitucionais.”8Assim, ao abrigo desta cláusula (artigo 352º
TFUE) “se uma ação da União for considerada necessária, no quadro das políticas defini-
das pelos Tratados, para atingir um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados, sem que
este tenham previsto os poderes de ação necessários para o efeito, o Conselho deliberando
por unanimidade, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu,
adotará as disposições adequadas.
Como resultado de todos este princípios e cuidados de aplicação dos mesmos, o Tratado
de Lisboa procurou delimitar, na redação dos Tratados TUE e TFUE, com maior precisão,
as competências atribuídas à EU, nas suas diferentes modalidades, e as que permanecem
reservadas aos Estados.
Assim, o Tratado de Funcionamento da União Europeia, explicita as categorias e os
domínios de competências no seu Título I, artigos 2º a 6º. Salientam-se a designação das
competências exclusivas da União no artigo 3º, as competências partilhadas, no artigo 4º
(onde são referidos no nº 2, alínea k) os problemas comuns de segurança em matéria de
saúde pública, bem como os domínios da investigação, no nº 3 e, ainda, os domínios da
cooperação e desenvolvimento da ajuda humanitária no nº 4) e por fim, no artigo 6º, as
competências de apoio, coordenação e complemento à ação dos Estados-Membros, em que
aparece à cabeça a proteção e melhoria da saúde humana.
2. Análise e questionamento dos instrumentos de ação da União face a uma crise
Do equilíbrio alcançado, relativamente aos princípios e à repartição de competências entre
a União e os Estados-Membros, do respeito pelas autonomias e identidades nacionais, na
diversidade de países e regimes constitucionais, resultam, em muitas circunstâncias, fra-
gilidades resultantes da arquitetura complexa de decisão, da tensão institucional de coor-
denação e da negociação complexa e difícil para a ação e cooperação leal.
Estas fragilidades são incompatíveis com a exigência de uma reação pronta e necessá-
ria para enfrentar uma crise. Observando as duas décadas já vividas no século XXI, veri-
ficámos como no início do século, com a pandemia da gripe das aves (menos contagiosa
e letal que a atual pandemia) a reação da União não foi imediata e os Países-Membros,
reagiram de forma autónoma, ainda que cooperando entre eles com a partilha de melhores
práticas, medicamentos e entreajuda de serviços e profissionais. Na crise financeira de
2008 e na crise das dívidas soberanas de 2011, voltaram a verificar-se as mesmas fragilida-
des, agravadas, als, por divisões fraturantes entre Estados-Membros mais ricos e menos
ricos ou mais desenvolvidos e menos desenvolvidos dentro do espaço da União, tornando
8 Idem, p. 92.
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o conceito de cooperação leal entre Estados-Membros um conceito muito restrito e com
insuficiente eficácia.
Em última alise, estas fragilidades refletiram-se nas reações e atuações tardias ou
descoordenadas, no início da atual crise pandémica. Numa primeira abordagem desta
pandemia, que começou por afetar país a país e não todos em simultâneo, as reações foram
sendo individuais por iniciativas nacionais dos Estados-Membros que iam sendo afetados,
ainda que alguns fossem replicando as medidas já avançadas por outros.
As preocupações das instituições da UE, sendo imediatas, viram-se fragilizadas nos
poderes implícitos, sempre discutíveis e problemáticos; nas competências atribuídas,
sempre “insuficientes”; nos mecanismos frágeis (sobretudo do ponto de vista das dotações
financeiras disponíveis e insuficientes para situações de crise); e na limitada autonomia
dos escassos organismos habilitados a atuar, como sejam o Centro Europeu de Prevenção e
Controlo de Doenças – ECDC – e a Agência Europeia de Medicamentos – EMA (acrónimos
em inglês).
É verdade que, em situações de crise, é possível recorrer à “cláusula de salvaguarda”
(artigo 352º TFUE), mas a unanimidade exigida dos 27, com divisões acentuadas entre os
diferentes países da UE (ricos e menos ricos, liberais e iliberais, direita e esquerda) não
garante a sua eficácia. A propósito da dotação de uma verba extraordiria para apoio à
economia afetada com a pandemia, esta divisão entre Estados-Membros quase comprome-
tia a dotação necessária e, pelo menos adiou-a, em mais de 3 meses. As dificuldades foram
evidentes, no cerne de uma das maiores crises vividas pela União Europeia.
3.Novas Competências? Novos Princípios? Uma “União Europeia da Saúde”?
Neste contexto e como primeiro impacto do enfrentamento desta pandemia vários
líderes europeístas e várias instituições da União vieram reclamar maior cooperação,
mais competências de atuação nas áreas sanitárias e de proteção civil para acudir a este
tipo de emergências. Exige-se, igualmente, maior autonomia financeira, mais recursos
humanos nos organismos já criados para que as ações de prevenção necessárias possam
ser mais eficazes, que requerem, também, novas capacidades de atuação nas situações de
crise generalizada.
Um dos primeiros impactos da pandemia COVID-19 na União Europeia foi colocar a
própria União Europeia a refletir sobre o estado da sua construção, a solidez da sua estru-
tura e a sua capacidade de ser uma mais-valia para os cidadãos europeus. Como sempre,
nestas situações, constatam-se opiniões e reflexões divergentes e opostas. Enquanto uns
temem o colapso da União, em resultado das suas fragilidades de resposta, da burocracia
inerente a muitos dos seus processos decisórios, dos tempos de negociação que atrasam
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reações em tempo e soluções adequadas; outros afirmam que é, este, o tempo de avançar e
aprofundar a União: reforçar a cooperação, recompor competências e poderes de atuação
e decisão, redefinir prioridades que vão ao encontro dos cidadãos e dos seus direitos fun-
damentais e adaptar instituições e organismos com capacidade de resposta aos Estados-
Membros e seus cidadãos.
A área da saúde revelou-se, com a pandemia, uma área paradigmática deste impacto em
que, cedo se percebeu, a construção da União Europeia deve ser reforçada e aprofundada.
II. A pandemia: um “sismo” na saúde pública com ondas de choque no direito da
união europeia
1. A área da Saúde Pública no contexto da União Europeia
Durante o século XX, os países desenvolvidos, entre os quais, a generalidade dos países
que hoje constituem a União Europeia, assistiram a um “aumento significativo da espe-
rança média de vida.”9 Muitas doenças foram erradicadas e graças à investigação e desen-
volvimento da medicina moderna na descoberta das causas biológicas das doenças e,
ainda, ao desenvolvimento de tratamentos cada vez mais eficaz de muitas dessas doenças,
assistiu-se a uma melhoria sustentada da saúde pública.
Existem, no campo da saúde, a nível global dois grandes campos de ação: Por um lado,
falamos de saúde, genericamente considerada, quando falamos das pessoas, da sua saúde,
das doenças ou enfermidades que as afetam, da proteção e cuidados que lhe devem ser
assegurados e por essa via, a saúde é uma das áreas principais da responsabilidade da
sociedade e do Estado que deve, em último caso, assegurar a qualidade de vida de todos
os seres humanos que compõem este Estado; Por outro lado, existe uma área de saúde
cada vez mais abrangente e global, que ultrapassa as fronteiras do Estado e que resulta
do ambiente, das alterações climáticas, das migrações e da globalização. É a área da Saúde
Pública, que resulta dos modos de vida públicos e do conjunto de fatores referidos, interli-
gando-se com a saúde de cada pessoa e influenciando a sua qualidade de vida.
Este campo da saúde pública, sendo menos “dominável” pelos estados, porque a sua
influência ultrapassa as suas fronteiras, beneficia, em simultâneo de uma vantagem
acrescida. Beneficia, igualmente, da investigação e tecnologia médicas realizadas em todo
o mundo, bem como, do desenvolvimento acentuado de novos medicamentos ao nível
dos grandes laboratórios internacionais e em resultado de tudo isto é a qualidade de vida
9 Cf. GIDDENS, Anthony – Sociologia. 5ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, Capítulo 6: Sociolo-
gia do Corpo: Saúde, Doença e Envelhecimento, pp. 142-171.
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que melhora e a esperança média de vida que aumenta acentuadamente. Assim, a saúde
pública exige, para sua tutela e proteção, de uma cooperação cada vez maior entre Estados
e sociedades porque cada vez que os níveis de saúde pública melhoram num determinado
Estado, é importante que as comunidades em seu redor melhorem, igualmente, como
forma de proteção da população desse Estado.
Em síntese, no que respeita à vida humana, existe um campo de proximidade muito
importante em que o Estado deve assegurar a todos os seus cidadãos os melhores cuidados
de saúde, individuais e personalizados (porque cada pessoa é única, somaticamente, onto-
logicamente e nas suas enfermidades) e um outro campo de saúde pública em que melhor
se asseguram a proteção e cuidados de saúde através da cooperação entre Estados e através
de mecanismos e instituições supranacionais.
2. As competências da União Europeia na área da Saúde
A União Europeia, cuja formação se iniciou a partir da segunda guerra mundial, teve
outros motivos e raes de desenvolvimento, que não a saúde pública.10
Acontece que, com a globalização, as migrações, as alterações climáticas e consequente
desregulação ambiental, foram surgindo algumas epidemias que afetaram vários espaços
e Países europeus provocando algumas crises e preocupações sanitárias, partir de finais
do século XX e com maior regularidade já no século XXI.
Neste contexto, as Instituições Europeias começaram a olhar para os problemas de
saúde pública com maior acuidade, uma vez que estas situações afetavam a qualidade de
vida que o desenvolvimento e crescimento económico da União Europeia permitiam. À
medida que a integração europeia se foi desenvolvendo, sobretudo a partir de Maastricht
(1992) e subsequente aprofundamento dos Tratados, foram sendo alargadas várias áreas de
intervenção da União Europeia desde a Cidadania, à Justiça, à Política externa e de defesa,
à própria Comunidade Europeia, ao Ambiente e, obviamente, à Saúde Pública.
Continua a competir aos Estados-Membro da União Europeia, a principal responsa-
bilidade pelos cuidados médicos e de saúde dos seus cidadãos, bem como a organização
das infraestruturas de apoio e prestação desses cuidados às respetivas populações. É aos
países da UE que compete organizar a sua rede de cuidados de saúde. A política de saúde da
União Europeia tem, neste campo, dois objetivos: complementar, sempre e quando neces-
10 Cf. A este respeito, porque aqui não podemos deter-nos nos processos de formação das Comunidades Europeias
iniciais e do seu desenvolvimento, recomendamos a leitura de MACHADO, Jónatas E. M. – Direito da União Eu-
ropeia. 2ª Edição, pp. 9-81.
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sário, as políticas nacionais (que continuam a ser díspares entre os vários Estados-Mem-
bros); e assegurar a proteção da saúde em todas as outras políticas da UE11.
Neste sentido, como refere a própria estratégia da União Europeia no domínio da saúde
pública, as políticas e ações da UE visam: proteger e melhorar a saúde dos cidadãos da UE;
apoiar a modernização das infraestruturas de saúde; e melhorar a eficiência dos distintos
sistemas de saúde na União Europeia.
A Comissão Europeia, neste domínio, apoia os esforços desenvolvidos pelos países da
UE, procurando garantir a acessibilidade, eficácia e resiliência dos seus sistemas de saúde,
propondo legislação, prestando apoio financeiro, coordenando e facilitando o intercâmbio
de boas práticas entre os países da UE e os especialistas em saúde e, ainda, realizando
atividades de promoção da saúde.
O Tratado de Lisboa, entrado em vigor a partir de 2009, prevê no artigo 168º do Tratado
de Funcionamento da União Europeia (TFUE), a ação da UE no campo da saúde pública,
salientando sempre o seu papel complementar das políticas nacionais, procurando,
embora, assegurar “um elevado nível de proteção da saúde”. Refere-se, de forma explícita
no nº 7 deste artigo: “A ação da União respeita as responsabilidades dos Estados-Membros
no que se refere à definição das respetivas políticas de saúde, bem como à organização e
prestação de serviços de saúde e de cuidados médicos. As responsabilidades dos Estados-
-Membros incluem a gestão dos serviços de saúde e cuidados médicos, bem como a repar-
tição dos recursos que lhes são afetados”12.
Ainda assim, a Comissão tem promovido bastante legislação, nomeadamente em rela-
ção a cuidados de saúde transfronteiriços, a produtos farmacêuticos, a tabaco e a órgãos,
sangue, tecidos e células. Tem, por outro lado, em vigor, um conjunto de instrumentos de
cofinanciamento de programas de saúde, de investigação nos domínios da biotecnologia e
das tecnologias médicas, no âmbito dos investimentos em saúde em países e regiões da UE.
3. “Preparação para uma pandemia de gripe e para outras ameaças à saúde”13
Na realidade, em 2003, a União Europeia enfrentou uma pandemia (SRA) que a levou a
desenvolver um conjunto de ações e de legislação destinadas a ajudar os Estados-Membros
a elaborar planos genéricos destinados a todo o tipo de emergências de saúde pública.
11 Cf. Síntese sobre estratégia da saúde da UE em: https://ec.europa.eu//health/policies/overview_pt.
12 Cf. PAIS, Sofia Oliveira – Direito da União Europeia: Legislação e Jurisprudência Fundamentais. 3ª Edição. Lisboa: Quid
Juris, 2020, p. 107.
13 Cf. Planos de ação da UE, sob este mesmo título, apresentados pela Comissão em 28 de novembro de 2005 para
preparação para uma pandemia e para outras ameaças à saúde. Planos e Comunicações. [Consultados em:
14/01/2021]. Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/HTML/?uri=LEGISSUM:c11541a&from=EN)
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É nessa sequência que são criados um conjunto de mecanismos e organismos destina-
dos a colaborar com os países da UE, no sentido de lhes prestar apoio científico, de infor-
mação e comunicação úteis e capazes de ajudar à elaboração dos planos de emergência
nacionais operacionais em matéria de saúde pública.
São então criados, a nível comunitário, a partir de março de 2004, os seguintes orga-
nismos, de apoio científico, em diferentes setores:
• O Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças – ECDC14.
• A Agência Europeia de Medicamentos – EMA15. Esta agência havia sido criada já pelo
Parlamento Europeu em 1995, mas ganha novas atribuições e impulso com o Regula-
mento (CE) nº 726/2004 que estabelece procedimentos de autorização e fiscalização de
medicamentos para uso humano.
• O Centro Comum de Investigação – JRC16.
• A Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos – EFSA17.
• A Agência Europeia do Ambiente – EEA18.
• O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência – EMCDDA19.
• A Agência Europeia para a Segurança e a Saúde no Trabalho – OSHA20.
Foram, ainda em 2004 e 2005, estabelecidas estruturas de ligação, de comando e de
controlo que englobavam alise e gestão de informação e pelas quais se pretendia a coor-
denação de resposta e das comunicações, visando estabelecer bons sistemas de ligação
com todos os Estados-Membros, a Comissão, as Agências comunitárias e as Organizações
Internacionais, em especial a Organização Mundial de Saúde – OMS.
Apesar da legislação e dos mecanismos criados há mais de 15 anos na União Europeia, a
chegada de uma pandemia com contornos semelhantes, embora muito mais avassaladora
na sua forma de propagação e letalidade, apanha os Estados-Membros e a UE, “despreveni-
dos”, “impreparados”, como se nada fora realizado, preparado ou instituído.
14 Cf. https://www.ecdc.europa.eu/en
15 Cf. https://www.ema.europa.eu/en.
16 Cf. https://ec.europa.eu/jrc/en.
17 Cf. https://www.efsa.europa.eu/en.
18 Cf. https://www.eea.europa.eu/pt.
19 Cf. https://www.emcdda.europa.eu/.
20 Cf. https://osha.europa.eu/pt.
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4. Delimitações e Problemas Jurídicos
Verificam-se, por conseguinte, neste domínio, muitos cuidados no respeito pela autono-
mia dos Estados-Membros na área da saúde e um foco muito centrado em legislação uni-
formizadora, nos termos do artigo 114º do TFUE, em coordenação pouco efetiva porque
sempre dependente dos levantamentos possíveis dos vários sistemas de saúde dos paí-
ses da UE e, em programas de cofinanciamento, igualmente dependente dos esforços de
financiamento dos próprios Estados-Membros. São delimitações que ocorrem por via da
repartição de competências estabelecidas pelos Tratados, no respeito pelos princípios já
enunciados para essa repartição de competências – atribuição, subsidiariedade e propor-
cionalidade – e a que se juntam os princípios da precaução e da preempção e que levantam
vários problemas jurídicos, na ação mais efetiva das Instituições da União Europeia e do
exercício efetivo de competências partilhadas ou complementares21.
Os problemas jurídicos, resultantes da tensão negocial e do equilíbrio visado com a
conexão se todos os princípios envolvidos na repartição de competências e na ausência
de uma liderança decisória reconhecida em situações de crise e de emergência, levam a
que a reação às crises não seja adequada e atempada, agravando os seus impactos e con-
sequências.
Como sintetiza Miguel Gorjão-Henriques da Cunha, “esta «unidade na diversidade»
leva a que alguns armem que o direito da UE tem uma estrutura dualista, por não caber
inteiramente à UE decidir o modo como o seu próprio direito é aplicado”22.
A gravidade da atual pandemia COVID-19, veio obrigar a União Europeia a rever os
seus mecanismos de decisão e de ação, os critérios e requisitos de constrão da UE e,
sobretudo, a consideração, aplicação e conexão dos princípios subjacentes à repartição de
competências na União e entre a União e os Estados-Membros.
Após um percurso de 60 anos de construção de uma UE que se pretendeu, sempre, uma
casa comum dos cidadãos europeus, estes mesmos cidadãos esperam que a UE lhes ofe-
reça uma mais-valia de confiança e segurança para ultrapassar a crise COVID-19. Não per-
21 Remetemos, aqui, para a Tese de Doutoramento de Miguel Gorjão-Henriques da Cunha, disponível no repo-
sitório de Direito da Universidade de Coimbra e que ao mencionar os princípios estruturantes da atribuição e
harmonização da União Europeia, referindo-se precisamente à área dos medicamentos, explica de modo claro
e detalhado a forma como todos estes princípios (pp. 13-53), a que ele ainda junta um outro – O princípio da
autonomia processual de que dispõem os Estados-Membros – interagem, na maior parte das situações, para
restringir ou bloquear algumas legislações e diminuir a eficácia de alguns mecanismos. Cf.: CUNHA, Miguel
Maria Tavares Festas Gorjao-Henriques da – Atribuição e Harmonização na União Europeia: a (difícil) construção nor-
mativo-jurisprudencial do mercado interno dos medicamentos de uso humano. Tese de Doutoramento em Direito, na
especialidade de Ciências Jurídico-Comparatísticas. Orientação: Professor Doutor Manuel Carlos Lopes Porto e
apresentada na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2014 [Consultado em: 10/12/2020]. Disponível
em: https://eg.uc.pt/handle/10316/90712.
22 Idem, p. 51.
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doarão que emaranhados complexos de problemas jurídicos impeçam uma atuação rápida
e eficaz e, por isso, a União precisa, com urgência, de se refletir, reorganizar e aprofundar
a sua construção.
III. “Melhoras” precisam-se: Dos Cuidados Intensivos à Enfermaria
1. Avaliação dos “Cuidados Intensivos” da UE
Em 7 de Abril de 2020, o médico e eurodeputado europeu Manuel Pizarro apelava, através
de um artigo, no jornal “Público”, a uma “prova de força do projeto europeu” frente ao Covid-
19 e reconhecia: “Não há margem para continuar a hesitar ou para errar. É necessária uma
liderança com visão estratégica e apegada aos valores em que se funda a União Europeia.”
Como ele, muitas outras vozes nas instituições europeias e em muitos Estados-Mem-
bros, reconheceram a impreparação da União para enfrentar a pandemia na sua fase ini-
cial em território europeu e apelaram a que se retirassem os devidos ensinamentos da
crise.
Em 10 de Julho de 2020, o Parlamento Europeu (PE), em comunicado de imprensa, ape-
lava aos Estados-Membros que reforçassem a cooperação e criassem uma União Europeia
da Saúde. Dava conta de uma resolução, aprovada no Parlamento, por larga maioria (526
votos em 705 possíveis) em que se pedia aos Estados-Membros que realizassem «testes de
esforço» aos seus sistemas de saúde – trabalho a coordenar pela Comissão – para verificar
o estado de preparação para eventual ressurgimento (a chamada “primeira fase da pan-
demia” estava a ser ultrapassada) da COVID-19 e futuras crises sanitárias23. Solicitaram à
Comissão que apresentasse uma proposta legislativa (porque é à Comissão que pertence
a iniciativa legislativa) sobre norma mínimas para cuidados de saúde de qualidade, a fim
de garantir a segurança dos doentes, normas laborais e de emprego dignas para os profis-
sionais de saúde e a resiliência europeia face a pandemias e outras crises de saúde pública.
Congratulando-se com a apresentação do novo programa apresentado pela Comissão a
28 de maio ao PE, denominado “EU4Health” (UE pela Saúde) e em discussão na comissão
parlamentar do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar, o PE solicitava, em
síntese:
• Nova Estratégia farmacêutica da UE, salientando que a COVID-19 não terminara e que
deveriam ser tomadas medidas para garantir “acesso rápido, equitativo e a preços aces-
23 Cf. Resolução PE em texto (ainda não publicado). Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/
RC-9-2020-0216_PT.html. [Consultado em: 28/01/2020].
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síveis, a todos os cidadãos do mundo, à totalidade das vacinas e dos tratamentos para a
COVID-19 desenvolvidos no futuro, assim que estivessem disponíveis”;
• Que fossem reforçadas as competências de agências como o Centro Europeu de Pre-
venção e Controlo das Doenças (ECDC) e a Agência Europeia de Medicamentos (EMA);
• Que fossem atribuídos à União mais poderes para tomar medidas em caso de ameaças
transfronteiriças para a saúde, com instrumentos novos e reforçados;
• Que fosse criado um novo programa europeu autónomo no domínio da saúde.
A pandemia COVID-19 provocava, por via da saúde pública, um questionamento à
construção europeia que implicava um repensar de competências, de programas, de prio-
ridades e de poderes.
A União, que não reagira pronta e adequadamente, tinha, ainda, a possibilidade de se
reorganizar e repensar e teria de agarrar essa oportunidade. No seio de uma pandemia
que a todos nos apanhou de surpresa, a Comissão, a partir de junho de 2020, procura inte-
riorizar a reflexão exigida pelos vários intervenientes políticos, como o PE, bem como, por
muitos Estados-Membros e assume a liderança do combate à COVID-19.
A Comissão e os Estados-Membros chegaram a acordo sobre uma ação comum a nível
da União Europeia, prevendo uma abordagem centralizada para garantir o aprovisiona-
mento e apoiar o desenvolvimento de uma vacina.
A pandemia veio demonstrar a imporncia da coordenação entre os países europeus
para proteger a saúde das pessoas – tanto durante uma crise, como a presente, como em
períodos normais. Daí a importância do programa apresentado ao Parlamento Europeu,
centrado em medidas de preparação e resposta a situações de crise, tais como: reforçar a
coordenação a nível da UE na eventualidade de ameaças sanitária com dimensão trans-
fronteira; rever os mandatos do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças e
da Agência Europeia de Medicamentos, a fim de reforçar a vigincia, a alise científica e
as orientações antes e durante uma crise; criar uma nova Agência da EU para a Preparação
Biomédica.
Conforme afirmava a Presidente da Comissão, Ursula Von Der Leyen – curiosamente,
temos uma médica, como Presidente da Comissão, na altura da maior crise sanitária da
UE, no período pós II Guerra Mundial – na Cimeira Mundial da Saúde: “Não podemos
esperar pelo fim da pandemia para reparar os danos e preparar o futuro. Construiremos
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fundações de uma União Europeia da Saúde mais forte, na qual os 27 países trabalhem em
conjunto para detetar, preparar e responder coletivamente”24.
2. Visita à enfermaria da UE
A partir de Julho de 2020, a União Europeia começou a mudar a atitude cautelosa, em diplo-
macia e cuidados de princípios e burocracia, passando a assumir, sobretudo através da
Comissão, obviamente com o apoio do Conselho e do Parlamento que já se havia manifes-
tado, as rédeas do enfrentamento da pandemia, principalmente, em ordem à preparação de
programas, mecanismos e competências que no futuro pudessem ser uma mais-valia na
reação e na busca de soluções, imediatas e urgentes, capazes de proteger os seus cidadãos.
Foi com a saúde que a UE começou a alterar este conjunto de princípios e ações. Deve
referir-se, nesta situação, que a saúde (pública ou pessoal e genericamente considerada)
não era, sequer, dos bens mais valorizados pelos europeus nos inquéritos sociais realiza-
dos por toda a Europa e acompanhados, durante anos, pelas escolas e institutos socias, no
sentido de se poderem detetar tendências e problemas que pudessem ajudar a reconfigu-
rar caminhos de integração e comunhão, de cultura e valores comuns, capazes de refor-
çar a integração e coesão e capazes de justificar e aprofundar os valores seculares da UE.
Desde 1995, que a mais antiga e mais vasta rede internacional de pesquisa extensiva de
atitudes sociais, a “International Social Survey Programme” (ISSP), a que o Instituto de
Ciências Socias aderiu, pouco depois, estuda e acompanha, a nível de investigação acadé-
mica, as atitudes e receios dos cidadãos europeus relativamente aos seus receios e valores
no espaço europeu. Nestes 15 anos de investigação e trabalho, vários foram os temas estu-
dados e abordados – migrações, trabalho, ambiente, desigualdades sociais, religião e tra-
balho – mas, a saúde não era um dos bens valorizados pelos europeus, enquanto cuidado e
preocupação sobre o futuro, em quase nenhum dos países da União.25
A Comissão Europeia, o Conselho Europeu e o Parlamento Europeu agiram de forma
cooperante e concertada, a partir do segundo semestre de 2020 no sentido de alterarem
24 Cf. https://ec.europa.eu/info/strategy/priorities-2019-2024/promoting-our-european-way-life/european-health-union_pt
[consultado em 12/01/2021]
25 Cf. Conjunto de estudos e Bases de dados (resultantes de Inquéritos nacionais e europeus, que uma equipa vasta
de investigadores sociais do ICS promoveu e foi publicando anualmente, segundo os temas e programas deli-
neados pelo ISSP, com o título de coleção “Atitudes Socias dos Portugueses”, nos últimos 12 anos e disponíveis
em biblioteca e comercialmente na livraria do ICS. Estes estudos referem o problema das desigualdades sociais
e por essa via a distinção de acesso a cuidados de saúde e bem-estar, referem várias vezes a preocupação com o
ambiente e as alterações climáticas, associando-as a menor esperança de vida e maiores perigos para a saúde. No
entanto, a saúde, enquanto bem individual, capaz de garantir bem-estar e qualidade vida, não se revelava uma
preocupação de cuidado, refletindo que a maioria dos cidadãos europeus se sentia, de alguma forma segura e
confiante relativamente a este bem e ao modo de dele usufruir nos seus respetivos países.
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a forma de agir e enfrentar o impacto da pandemia. A estratégia europeia, em matéria
de vacinas, “com acesso simultâneo para todos os Estados-Membros e a distribuição feita
com base na população de molde a garantir um acesso equitativo” geraram um amplo con-
senso. As negociações com os cinco fabricantes mais avançados nos testes científicos e
nas previsões de produção em espaço europeu geraram alguma confiança e segurança no
espaço da União. A Comissão Europeia criou um grupo de trabalho focado em três verten-
tes principais – eliminar os estrangulamentos na produção, ajustar a vacinação às varian-
tes do coronavírus emergentes e trabalhar num plano estrutural para uma resposta mais
rápida aos riscos biológicos a nível europeu.
Foi possível implementar um processo de governação em matéria de vacinação, defi-
nindo prioridades comuns, resolvendo problemas logísticos de distribuição e transporte,
definindo objetivos e etapas que permitissem reganhar a confiança dos cidadãos na capa-
cidade de vencer a crise.
A Comunicação da Comissão ao Parlamento, ao Conselho, ao Comité Económico e
Social Europeu e ao Comité das Regiões – COM (2020) 724 de 11/11/2020 – com o título
“Construir uma União Europeia da Saúde: Reforçar a resiliência da UE face a ameaças
sanitárias transfronteiriças, reforçando as competências do Centro Europeu de Prevenção
e Controlo de Doenças (ECDC) e da Agência Europeia de Medicamentos (EMA), garan-
tindo a aplicação de uma resposta coordenada a nível da UE, garantindo um acordo de
contratação pública conjunta de contramedidas médicas da UE, contemplado na Decisão
1082/2013 e utilizado ao longo de 2020 na resposta à crise COVID-19, no sentido de desen-
volver um sistema de alerta rápido e de avaliação de risco, deu aos cidadãos europeus a
confiança de que a União Europeia era, de facto, uma mais-valia26. A confiança e segurança
de que um espaço comum e uma União forte e poderosa são melhores e mais eficazes para
combater uma crise como a que nos assolou inesperadamente no início de 2020, do que
qualquer estratégia nacional, individual e isolada. Os países mais periféricos e com menor
poder negocial, na UE, estariam hoje mais fragilizados no combate à COVID-19 e, sobre-
tudo, no processo de vacinação.
A atitude mais determinada e lutadora da UE, principalmente das suas instituições
e do esforço de solidariedade e cooperação entre elas e sobretudo entre os Estados-Mem-
bros, permitiram à União Europeia sair dos Cuidados Intensivos do seu burocrático e lento
processo decisivo e de reação para uma enfermaria mais acolhedora que, agora, pretende
cuidar da recuperação e da melhoria dos seus cidadãos.
26 Cf. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:52020DC0724&from=PT, acedida em 8/03/2020.
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Como afirmava, já, em 2014, Philippe Legrain, a propósito de outras crises, “poderá não
o parecer agora, mas a União Europeia é uma proeza incrível”27.
3. Guia de Tratamento para a UE
Após o primeiro trimestre de 2021, assistiu-se, de novo, a uma crítica, sobretudo alimen-
tada nos órgãos de comunicação social e nas disputas políticas e ideológicas, da liderança
da Comissão Europeia, na negociação com os laboratórios de produção de vacinas e com a
forma como a negociação da Comissão se fragilizou, neste processo.
De facto, algo parece ter corrido mal. Alguns Laboratórios assumirem dificuldades
de produção para garantir à UE as encomendas programadas e o atraso consequente nos
objetivos e timings de vacinação, pretendendo atingir uma imunidade de grupo (consi-
derada a partir de 70% da população vacinada) antes do Verão 2021, levaram a Comissão
Europeia a reagir, por vezes, de forma pouco racional ou diplomática, diminuindo o grau
de credibilidade que havia conquistado. A determinação e a coragem de agir não podem
ser irracionais e a melhor forma de comunicar com os cidadãos europeus e de lhes incutir
a confiança e segurança que numa crise como esta são essenciais tem que ter, por base,
a transparência e a verdade. No caso da vacinação, nem tudo foi transparente. Tendo-se
conhecido já um dos contratos com a Astra-Zeneca, continuam a desconhecer-se outros,
principalmente os negociados com outros fabricantes e com base em quê.
No entanto, convém salientar que a reação da União Europeia nos últimos seis meses
foi corajosa, desaante e criativa no sentido de alterar várias situações de competências e
poderes (sem nunca colocar e causa, pelo contrário, reforçando os poderes e identidade de
cada um dos Estado-Membros). Deve, ainda, realçar-se que, o programa EU4Health (União
pela Saúde) deverá entrado em vigor, em 26 de março, data de publicação no Jornal Oficial
da UE. O primeiro programa de trabalho para 2021 foi adotado pela Comissão, após con-
sulta dos Estados-Membros no âmbito do grupo diretor do programa UE pela Saúde, tal
como estabelecido no Regulamento do programa UE pela Saúde. O programa será execu-
tado por uma nova agência executiva, a Agência de Execução da Saúde e do Digital, que
iniciou as suas atividades em 1 de abril de 2021.
Assim, o impacto da COVID-19, devastador em muitas áreas e territórios europeus,
permitiu nos últimos meses desbloquear impasses de negociação, aumentar alguns dos
poderes de coordenação e vigincia, reforçar competências de alguns organismos e criar
27 LEGRAIN, Philippe – Primavera Europeia. Lisboa: Relógio de Água, 2014, p. 403.
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um outro organismo (Agência de Execução da Saúde e do Digital) capaz lidar melhor com
a atual conjuntura e evolução tecnológica28.
Conclusão
O impacto da Pandemia COVID-19 não terminou e as vagas de contágio do coronavírus
continuam a ocorrer prolongando as suas consequências em todas as áreas da nossa vida.
Por conseguinte, por agora, esta será sempre uma reflexão incompleta, mas que nos per-
mite vislumbrar linhas de orientação e tendências de atuação que serão essenciais e defi-
nidoras do nosso futuro comum.
Em primeiro lugar, a pandemia veio colocar em causa prioridades e objetivos de desen-
volvimento da União Europeia. Tendo demorado a reagir, a UE rapidamente assumiu o
controlo da situação e percebeu que seria necessário, numa emergência como a atual, unir
esforços e países, reforçar competências que permitam aos diversos organismos e institui-
ções agir e criar mecanismos de entreajuda.
Em segundo lugar, a União Europeia, percebeu que a Saúde, porque elemento funda-
mental da vida (sem a qual a vida definha e se extingue, evidentemente), tem de ter uma
afirmação solidária e comum no espaço europeu para além do apoio que todos os Estados-
-Membros da UE merecem no sentido de garantir, a todos os cidadãos europeus, proteção,
cuidado e socorro, o que não é possível só com o esforço de cada país individualmente.
Foi, als, marcante neste processo, verificar como profissionais de saúde, equipamentos
de saúde e hospitais de distintos países, se mobilizaram e entreajudaram no sentido de
combater os focos e casos mais urgentes. A Saúde passou a ser prioritária para todas as
pessoas e numa situação pandémica, a principal crítica sobre o processo de vacinação
incide sobre o facto de a União Europeia ter negociado um medicamento para salvar vida
com argumentos económicos. Ou seja, a maioria dos cidadãos europeus não entende que
o processo de vacinação se mantenha com atrasos, colocando vidas em perigo, porque se
negociaram as encomendas e entregas com o objetivo económico de comprar ao “melhor
preço de mercado.
Nesta mesma sequência, no espaço da União Europeia, as prioridades relativas à inves-
tigação científica na área da saúde saíram igualmente reforçadas, uma vez que a nova
estratégia farmacêutica prevê um reforço do desenvolvimento e dos testes de medicamen-
tos, bem como no apoio à investigação e produção de novos medicamentos, capazes de
proteger futuras pandemias.
28 Cf. file:///C:/Users/pfpau/Downloads/Comiss_o_congratula com_a_entrada_em_vigor_do_programa_UE_pela_Sa_de.pdf.
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Ao nível orçamental, reviram-se, igualmente, as prioridades da União e para além
dos reforços e “bazucas” de verbas destinadas ao apoio das economias e das empresas,
nos diferentes Estados-Membros, foi a saúde e as indústrias associadas – Laboratórios
e Farmacêuticas – que mais beneficiaram com a redistribuição de verbas do orçamento
da União, de que é exemplo paradigmático o programa da “União pela Saúde” que agora
entrou em vigor, com verbas nunca atribuídas à saúde pública. Falamos de mais de Cinco
Mil Milhões de Euros, bem como, a criação da nova Agência de Execução da Saúde e do
Digital que será responsável por este programa.
Os Estados-Membros, rapidamente, perceberam que era mais o que os unia do que o
que os separa. Por isso, igualmente, se dispuseram a colaborar uns com os outros no com-
bate a um “inimigo comum”. Foi possível, então, acordar novas competências e reforçar a
colaboração entre todos, com o mesmo objetivo de vencer a crise e voltar ao “normal”.
Podemos afirmar, que, neste momento, o próprio Direito da União Europeia se deve
questionar e refletir sobre a sua construção. De facto, os princípios base deste sistema
jurídico sofreram “dores de cintura” para se poderem ajustar e flexibilizar na luta contra
o COVID-19. Os princípios de repartição de competências, justamente equilibrados, e os
mecanismos de reação a crises sanitárias justificaram decisões concertadas e relativa-
mente rápidas para poderem fazer parte do combate à COVID-19.
Logicamente, os Estados-Membros continuarão a ser os responsáveis pelas políticas
de saúde, da sua proteção e, ainda, do acesso dos seus cidadãos às estruturas e cuidados de
saúde, mas não há dúvida que todos agora reconhecem a vantagem dos apoios que devem
receber no sentido de melhorar os seus sistemas e de se coordenarem de forma a pode-
rem atingir a melhor eficácia e eficiência na proteção da saúde dos seus cidadãos. Por isso
estão disponíveis a reforçar as competências e as instituições da União Europeias para
essa coordenação.
Da mesma forma, o Direito da União Europeia, o seu processo legislativo (da União), a
arquitetura das suas negociações e a solidez dos seus princípios fundadores, estão neste
momento de governação, em reconfiguração, visando entendimentos que reforcem a
União. O que já parece certo, num primeiro balanço, é que a união e coordenação entre os
Estados-Membros, a repartição de competências, as negociações transparentes e determi-
nadas e, igualmente, o respeito pela vida de todos e cada um dos cidadãos, serão priori-
dades da União Europeia neste combate final que todos enfrentamos contra a COVID-19.
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BIBLIOGRAFIA
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Professor Doutor Manuel Carlos Lopes Porto e apresentada na Faculdade de Direito da Universidade
de Coimbra, 2014 [Consultado em: 10/12/2020]. Disponível em: https://eg.uc.pt/handle/10316/90712.
GIDDENS, Anthony – Sociologia. 5ª Edição. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2007.
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MACHADO, Jónatas E. M. – Direito da União Europeia. 2ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2014.
PAIS, Sofia Oliveira – Direito da União Europeia: Legislação e Jurisprudência Fundamentais. 3ª Edição. Lisboa:
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As fronteiras do espaço schengen a partir
dapandemia da COVID-19
The borders of the schengen area from the pandemic COVID‑19
RAPHAELA FIGUEIREDO1
raphaelamqf@gmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 133‑146
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.7
Submitted on February 12th, 2021 · Accepted on April 30th, 2021
Submetido em 12 de Fevereiro, 2021 · Aceite a 30 de Abril, 2021
RESUMO O presente artigo visa a análise da situação fronteiriça da União Europeia, com
enfoque na situação actual da Pandemia da Covid-19, contexto histórico do Espaço de
Liberdade, Segurança e Justiça, os órgãos europeus responsáveis pelo controlo de pessoas
dentro do bloco, bem como as medidas de enfrentamento realizadas pela organização
supranacional, suas lacunas e sua importância na conjuntura mundial. A busca dominante
nesta alise é sua eficácia, bem como a possibilidade de uso de procedimentos com o
instrumento de soft law para o combate à doença. A partir desta investigação, fora auferida
a hipótese de novas diretrizes, mais eficientes para um combate em conjunto, ou seja, das
nações como União Europeia para uma necessária retomada da normalidade com ênfase
no enfrentamento à crise económica.
PALAVRASCHAVE Direito da União Europeia. Pandemia. Covid-19. Fronteiras. Soft law.
ABSTRACT:THIS article aims to analyze the border situation of the European Union,
focusing on the current situation of the Covid-19 Pandemic, the historical context of the
Area of Freedom, Security and Justice, the European bodies responsible for controlling
people within the bloc, as well as the coping measures taken by the supranational
organization, its gaps and its importance in the global context. The dominant quest in this
analysis is its effectiveness, as well as the possibility of using procedures with the soft law
instrument to fight the disease.
1 Mestranda em Direito (UAL). Sob orientação e com a colaboração do Professor Doutor JÓNATAS E. M. MACHA-
DO). Março 2021.
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As fronteiras do espaço schengen a partir dapandemia da covid‑19
RAPHAELA FIGUEIREDO
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FROM this investigation, the hypothesis of new guidelines, more efficient for a joint
combat, that is, of nations with the European Union, for a necessary resumption of
normality with an emphasis on facing the economic crisis, had been taken into account.
KEYWORDS: European Union Law. Pandemic. Covid-19. Borders Soft law.
Introdução
A criação do Espaço Schengen advém de uma cultura secular europeia pela cooperação
entre suas nações, justificada pelo forte fluxo de pessoas pelo continente. O que introdu-
ziu a ideia da livre circulação de indivíduos como ponto chave da organização suprana-
cional criada pelo Tratado de Maastricht, em 1992, conhecida como a União Europeia, em
busca do crescimento económico e ser uma força de influência política mundial.
Com o surgimento da Pandemia da Covid-19, que mudou integralmente a conjuntura
global, manifestou-se novos percalços referentes a uma convergência de esforços para
o combate da doença e a retomada económica, principalmente com o resgate de setores
como o turismo, essencial para a organização estrutural do bloco como um todo.
A ausência de uma força diretiva supranacional, a levar em consideração os tratados
acordados entre os Estados-Membros, a partir das competências implícitas desta estru-
tura acima da nações, e com comando logístico pode ter ocasionado uma amplificação
dos efeitos pandêmicos e todas suas ramificações, sociais e económicas nos entes estatais.
Diante de todo o relato exposto e a ser aprofundado no presente artigo, já demons-
tra-se clara a necessidade de implementação de medidas efectivas de combate a Pande-
mia do Coronavírus, a exemplo da utilização do instrumento da soft law, e ir ao alcance de
uma normalidade, alicerçado no Plano de Recuperação Econômico e o retomada de setores
como o turismo, conjuntamente com respeito a princípios fundamentais de livre circula-
ção, proteção a vida e pela dignidade da pessoa humana.
I. Espaço schengen, fronteiras e a pandemia da COVID19
As fronteiras das nações são essenciais no que diz respeito às relações internacionais,
principalmente no que toca à inserção regional, como exemplo o Mercosul, acordo entre
os países sul americanos e a União Europeia, que se demonstrou como molde nessa coope-
ração regional na Europa.
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Demonstra-se basilar a questão fronteiriça nos tratados em que regem os princípios
da União Europeia, a partir da criação do Espaço Schengen, que significa um sítio sem
fronteiras internas, onde os cidadãos europeus e muitos nacionais de países que não per-
tencem à União Europeia podem circular livremente, em razão do turismo ou por motivos
laborais, sem estarem sujeitos a controlos limítrofes.
Necessário salientar que nem todos os países presentes no Espaço Schengen são mem-
bros da UE, porém o contrário não existe, visto que para ser um Estado-Membro deve-se
fazer parte deste espaço.
Inclusive, a criação do Acordo de Schengen data-se antes da gênese da União Europeia
pelo Tratado de Maastricht de 1992. A idealização do espaço surgiu em 1985, na cidade
de Schengen, em Luxemburgo, onde apenas cinco países assinaram neste respectivo ano,
sendo estes França, Luxemburgo, Alemanha, Países Baixo e Bélgica, os três últimos conhe-
cidos como o estado de Benelux.
A integração das outras nações ao acordo aconteceu principalmente após a criação, de
facto, da União Europeia. Contudo, países como Itália, Espanha e Portugal juntaram-se
antes do Tratado da União Europeia (Maastricht).
Ou seja, a levar em consideração o próprio contexto histórico europeu, como a Segunda
Grande Guerra e o holocausto vieram evidenciar a necessidade europeia de transcedencia
aos nacionalismos e o privilegio a elementos unificadores dos Estados e seus cidadaos
com a livre circulação dentro do continente2.
Na contramão do desejado e do alcançado durante todos esses anos veio a Pandemia da
Covid-19, assim decretada em 2020, e a necessidade de restrições de circulação de pessoas
a fim do controlo das contaminações e desafogo dos Sistemas de Saúde nacionais.
1.1. Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça
O processo de integração europeia, experiência pioneira a nível mundial, teve o seu iní-
cio mediante a junção ou agrupamento “racional” de Estados Europeus que usufruem de
alguns factores que grandemente favoreceram o progresso daquela iniciativa3.
O espaço de liberdade, segurança e justiça da União Europeia foi concebido a fim de
garantir a livre circulação de pessoas, bem como proporcionar o oferecimento de nível
elevado de proteção aos cidadãos. O ambiente abrange domínios políticos que compreende
2 ROSTEK, K., DAVIES, G. – The impact of European of Citizenship on National Citizenship Policies. Tulane European &
Civil Liberties Forum, 22, 2007, p. 89.
3 LAUREANO, Abel, RENTO, Altina – O “Espaço Schengen, o espaço de liberdade, segurança e justiça da União
Europeia e o mecanismo da cooperação reforçada. [Consultado em: 05 de março de 2021]. Disponível em: https://
bu.furb.br/ojs/index.php/juridica/article/view/3893/2832.
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desde a gestão das fronteiras externas da UE até à assistência judicria em matéria civil
e penal e à colaboração policial.
Existe uma relação entre a criação do ELSJ com o própria origem e o progresso do mer-
cado único, que possui um particular destaque para os acordos Schengen. (Carrapiço, 2011,
p. 144). A aplicabilidade deste simboliza uma reunião de medidas de compensação desta
liberdade de circulação. O acordo baseia-se na primordial concepção da liberdade atribuída
aos seus cidadãos ser protegida com critérios de segurança.
A liberdade de circulação exerce-se no respeito pelo sistema de Schengen, cujo acervo
foi incorporado no direito da União Europeia pela via do Tratado de Amesterdão, em
1997/94.
Contudo, a consolidação do espaço de liberdade, segurança e liberdade, se sucedeu a
partir do Tratado de Lisboa de 2008, conhecido como Tratado de funcionamento da União
Europeia, do qual trouxe a arquitectura institucional deste. A natureza intergovernamen-
tal, uma cooperação entre Estados, foi afastada e deu lugar ao método comunitário, que
significa uma cooperação supranacional.
A presença de um rol securitário de obrigações estatais possui ligação à teoria do con-
trato social5, a subordinar-se também a diferentes procedimentos da cooperação entre
Estados para a salvaguarda da segurança.
Quanto à circulação de cidadãos de países terceiros, também estão sujeitos ao sistema
Schengen. Este regulamento abrange regras comuns aos seus membros, quanto aos vistos
de permanência temporária bem como sua liberdade de circulação e controlo de frontei-
ras, sendo responsável pela fiscalização órgãos e sistemas concebidos pelos membros para
este fim.
O controlo existente está sob a regência do Código de Fronteiras Schengen, criado em
2006 e que desde então vem a sofrer alterações e adequações, a última ocorrida no ano de
2019.
1.2. Órgãos fronteiriços da União Europeia
A legislação europeia é clara no sentido de um controlo comum, ou seja, um sistema inte-
grado na gestão das fronteiras, conforme o art. 77 do Tratado de Lisboa. Este conjunto de
elementos de logística sucede na divisão de órgãos para fiscalização e troca de informa-
ções pelos Estados-Membros da UE.
4 MACHADO, Jónatas – Direito da União Europeia. 2.ª Edição. Coimbra: Coimbra Editora, 2014, p. 272.
5 O entendimento diverso dos filósofos Thomas Hobbes, John Locke e J. J. Rousseau explicam uma relação inerente
ao Contrato Social, que marca a transição do estado de natureza para um contexto de sociedade, através de um
pacto com um Estado.
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Nesse sentido, à medida que os estados-membros aboliram as fronteiras internas,
substituindo-as por uma fronteira externa reforçada, adotaram igualmente pametros
comuns de vigincia desta última, como disso são exemplo os procedimentos conjuntos
de vigincia de fronteiras e condições de entrada (Carrapiço, 2011, p. 147).
O sistema Schengen comporta um amplo conjunto de instrumentos, como o Schengen
Borders Code, acerca do controlo de fronteiras e requisitos de entrada de não nacionais, o
Regulamento do Conselho (EC) no 539/2001, que trata sobre os quesitos da atribuição dos
vistos para estadias breves no espaço e as Common Consular Instructions on Visas for Diplo-
matic Missions and Consular Posts, com os procedimentos para a emissão de vistos6.
A fiscalização dessas fronteiras externas é realizada pela Agência Frontex, que asse-
gura o ELSJ, e possui como regra o profissionalismo, respeito e, principalmente, a coopera-
ção entre os Estados-Membros. Mesmo que a responsabilidade de controlo das fronteiras
externas seja dos países que possuem tais fronteiras, a agência serve como intermediadora
entre as autoridades de controle fronteiriço, também a disponibilizar assistência técnica e
conhecimento espeficos para a devida gestão das fronteiras a visar a segurança da UE.
Também é necessária menção ao Sistema de Informação Schengen (SIS), principal sis-
tema de partilha de dados dos Estados-Membros que ajuda a assegurar a segurança do
espaço. Um sistema fincado em três pilares, controlo de fronteira, cooperação policial em
matéria penal e o regresso de nacionais em condições irregulares dentro do espaço.
Existem outros sistemas, que estão a espera da vigência para uma melhor gestão das
fronteiras, como o Sistema Entrada/Saída (SES) com o objetivo de controlo informático de
cidadãos de países terceiros, inclusive a extinguir o conhecido carimbo nos passaportes,
foi aprovado em 2017, que deveria entrar em vigor em 2020, contudo, em virtude da pande-
mia da Covid-19 teve prazo estendido.
Também a espera de vigência, há o Sistema Europeu de Autorização de viagem (ETIAS),
um sistema centralizado para controlo dos nacionais de países terceiros que não necessi-
tam de visto para entrar no Espaço Schengen e identificar os eventuais riscos de segu-
rança ou de migração irregular, espera-se que o sistema esteja operacional em 2021.
Ademais, para que se ponha em prática todos estes sistemas, existe o Fundo de para
segurança interna: fronteira e vistos (FSI) também serve como forma de custeio de todos
os Estados-Membros para a proteção das fronteiras externas da UE.
6 MACHADO, Jónatas – Direito da União Europeia. 2.ª Edição, p. 274.
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1.3. Circulação de pessoas e o turismo no Continente Europeu
O continente europeu é o principal destino turístico no mundo, esta actividade possui um
importante papel na economia do bloco, principalmente para os países menos desenvol-
vidos. O turismo se demonstrou como uma fonte de renda em meio a crise de 2008, por
exemplo, e sempre esteve em constante crescimento.
Muitos dos Estados-Membros da União Europeia têm como principal actividade eco-
nómica o turismo, principalmente aqueles que possuem seu PIB (Produto Interno Bruto)
baseado neste sector, a exemplo da Grécia e Portugal.
No caso lusitano, o turismo é a maior actividade económica exportadora do país,
sendo, em 2019, responsável por 52,3% das exportações de serviços e por 19,7% das expor-
tações totais. As receitas turísticas registaram um contributo de 8,7% para o PIB nacional7.
O setor do turismo, assim, possui uma função integradora do desenvolvimento capita-
lista europeu, contribuindo intencionalmente para a formação da Comunidade Europeia,
necessária pela limitação competitiva das nações europeias, enquanto isoladas, frente ao
crescente mercado internacionalizado8.
1.4. A Pandemia da COVID-19
A pandemia do Sars-Cov-2 teve sua identificação inicial no dia 01/12/2019 na cidade de
Wuhan, província de Hubei na China. Contudo, o primeiro caso reportado pelas autorida-
des chinesas aconteceu no último dia daquele ano. A doença possui origem zoonótica, que
pode ser transferida de animais a humanos.
A doença é ocasionada por uma mutação de um vírus já conhecido, do qual foi vetor
das epidemias de SARS, que aconteceu no ano de 2004 e da MERS em 2012. Contudo, essa
mutação é menos letal a curto prazo, e justamente por esta qualidade, possui um maior
poder de disseminação.
O primeiro caso reportado em solo europeu foi em França no dia 27/01/2020. Em 11
de Março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou oficialmente que a
infecção pelo SARS-CoV-2 elevou-se ao estado de pandemia9.
7 INE. (2020).Turismo em Portugal. Disponível em: http://www.turismodeportugal.pt/pt/Turismo_Portugal/visao_geral/
Paginas/default.aspx. [Consultado em: 10 de março de 2021].
8 MEDAGLIA, Juliana e SILVEIRA, Carlos Eduardo – Papel do turismo de massa na consolidação da União Euro-
peia e suas relações com a Política Nacional de Turismo no Brasil. 2009. Disponível em: https://www.redalyc.org/
pdf/2610/261056082002.pdf. [Consultado em: 15 de março de 2021].
9 HUANG C, Wang Y, LI X, Ren L, ZHAO J, Hu Y et alii – Clinical features of patients infected with 2019 novel
coronavirus in Wuhan, China. Lancet. 2020 Feb;395 (10223):497-506. Disponível em: https://doi.org/10.1016/S0140-
6736(20)30183-5. [Consultado em: 20 de março de 2021].
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A dificuldade de controlo do vírus, além de sua rápida propagação, também consiste
no facto de existirem pessoas assintomáticas, das quais contaminam sem saber que o
fazem, e por causa dessa característica, ocorreram as restrições de circulação de pessoas
no mundo.
A restrição de circulação é uma das principais medidas de prevenção da doença, visto
que não existem medicamentos de combate específico ao vírus, apenas para o tratamento
paliativo da infecção. Além do distanciamento social, a utilização de máscaras faciais,
lavagem das mãos, uso de álcool em gel, a ventilação e circulação do ar também são medi-
das de precaução ao contágio.
Também é necessário destacar as ações públicas estatais para controle da infecção para
não sobrecarregar os sistemas de saúde, que são essencialmente a testagem em massa
populacional e a vacinação, que teve início no final de 2020.
Esta pandemia ocasionou cenas que dificilmente seriam previstas, o completo esva-
ziamento dos principais pontos turísticos do mundo. Como também, tem causado severos
prejuízos nos sistemas de saúde em inúmeros países. Diante do grande número de pessoas
contagiadas pelo vírus e da falta de tratamento específico, muitas nações têm enfrentado
superlotação em seus hospitais.
A pandemia resultou em instabilidade social e econômica global significativa,
incluindo a maior recessão global desde a Grande Depressão, de 1929. O impacto no cres-
cimento dos países dependentes das atividades de turismo, viagens, hotelaria e entreteni-
mento é particularmente grave. As economias em desenvolvimento e de mercados emer-
gentes enfrentam também outros desafios com a reversão sem precedentes dos fluxos de
capital em virtude da diminuição do apetite global por risco10.
II. Medidas aplicadas
A partir da rápida disseminação da doença, no início do ano de 2020, foram necessárias
estratégias para tentar evitá-la, bem como buscar alternativas de um rastreio mais efec-
tivo da doença, como testagens e a diminuição de circulação de pessoas.
Os países estão a tomar medidas para amenizar a crise em duas frentes: a sanitária e a
econômica. É possível dizer que se trata de regulamentações sob um aspecto mais amplo,
ao passo que os governos nacionais tomam decisões para questões mais específicas, foca-
10 GOPINATH, Gita. – The Great Lockdown: Worst Economic Downturn Since the Great Depression. 2020. Di-
sponível em: https://blogs.imf.org/2020/04/14/the-great-lockdown-worst-economic-downturn-since-the-great-depression/.
[Consultado em: 15 de março de 2021].
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das em problemas internos. De qualquer forma, essas decisões nacionais devem estar em
conformidade com as orientações determinadas pelas organizações regionais11.
A livre circulação entre os Estados-Membros da UE é um dos pilares desta, sendo a
força motriz da economia europeia (art. 3, 2 do TUE12). E, a partir da pandemia de covid-19,
houve uma coordenação no sentido de mapear as zonas de maior perigo de contágio den-
tro da União Europeia.
O mapa único é publicado semanalmente pelo Centro Europeu de Prevenção e Con-
trolo de Doenças, do qual indica os graus de riscos das várias regiões europeias a partir de
um sistema de semáforo, sendo as localidades distinguidas entre “vermelho; “amarelo”;
“verde”, a respeitar critérios como o número de casos e de testagens por cem mil habitan-
tes.
Importante destacar que, com base no mapa, fica a critério dos Estados-Membros as
restrições de entrada em seus territórios, contudo, não é possível restringir os países loca-
lizados na zona em verde.
Não houve um fechamento completo do Espaço Schengen, mas sim o impedimento das
viagens consideradas turísticas das pessoas de nacionalidade de países terceiros. Apenas
sendo possível a entrada destes no bloco para viagens essenciais, com visto de residência
na UE.
Ainda assim, é perceptível a ausência de comunhão entre as nações da União Euro-
peia, visto que cada país toma as medidas a que acredita ser cabível, inclusive impedir o
ingresso de cidadãos de outros estados europeus para o controlo da pandemia.
2.1. Política dos Estados-Membros
Embora o Espaço Schengen preveja que a circulação de pessoas deve ser livre, há exce-
ções regulamentadas pelo tratado. É possível, portanto, que os países controlem ou mesmo
fechem as suas fronteiras internas em situações excepcionais, como a da pandemia (Euro-
pean Commission, 2020c).
União Europeia é uma organização supranacional constituída por Estados soberanos.
Por este motivo, ela deve proteger as funções essenciais dos Estados, nomeadamente em
sede de garantia territorial, manutenção da ordem pública e da salvaguarda nacional13.
11 BRÍGIDO, Eveline e UEBEL, Roberto – Efeitos da Pandemia da Covid-19 nas Migrações Internacionais para o
Mercosul e a União Europeia: aspectos normativos e cenários políticos. 2020. Disponível em: http://repositorio.
ipea.gov.br/bitstream/11058/10334/1/bepi_27_efeitos.pdf. [Consultado em: 20 de março de 2021.
12 Art. 3.º, n.º 2: A União proporciona aos seus cidadãos um espaço de liberdade, segurança e justiça sem fronteiras internas, em
que seja assegurada a livre circulação de pessoas, em conjugação com medidas adequadas em matéria de controlos na frontei-
ra externa, de asilo e imigração, bem como de prevenção da criminalidade e combate a este fenómeno.
13 MACHADO, Jónatas – Direito da União Europeia. 2.ª Edição, p. 104.
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As competências exclusivas da UE dizem respeito ao âmbito comercial e monetário,
quanto à zona euro. Aquelas partilhadas envolvem o Estado de liberdade, segurança e jus-
tiça, cabendo actos juridicamente vinculativos a União Europeia e as Nações.
Quanto à política de saúde, é determinada como competência complementar e a sua
regulamentação encontra-se sob a égide de cada nação. Todavia, em razão da preservação
dos componentes de vinculação aos princípios e aos propósitos do bloco, entre eles, o fun-
cionamento do mercado comum – este sim de competência exclusiva da UE, poderiam ser
tomada medidas a serem seguidas por todos os Estados, em virtude do bem comum e a
utilizar as competências implícitas.
Esta competência implícita deriva, na realidade, da existência de uma competência
interna, isto é, da adaptação e implementação de uma ação no âmbito de uma política
comunitária14.
No caso actual da pandemia, os Estados-Membros têm tomado medidas individuais e
diversas entre si quanto à pandemia da Covid-19. Algumas nações merecem ênfase pelos
critérios diversos que tomaram, a exemplo de Portugal, França, Itália e Hungria.
Enquanto Portugal e França executaram políticas para a regularização de seus imi-
grantes, a fim do ingresso aos serviços de saúde e modelos de distanciamento social por
bandeiras, Itália e Hungria possuem agenda com carga punitiva a imigrantes e estrangei-
ros, a exemplo de expulsões, deportações e suspensão de autorizações de residência.
Mesmo que sejam questões de competência dos Estados, estas devem ser exercidas
sob o amparo do direito da União Europeia. Independente da matéria, pode ser das mais
variadas, da tributação direta, organização da segurança, e, claro, o sistema de saúde.
III. Alise crítica
Destaca-se o reconhecimento jurisprudencial do Tribunal de Justiça da União Europeia
quanto às competências implícitas em referência às conhecidas como quatro liberdades,
que são a circulação de pessoas, bens, capitais e serviços. Ou seja, robustece o caráter
abrangente conferido à organização europeia o exercício de alguns poderes que não esta-
vam presentes taxativamente nos Tratados de fundação da União Europeia.
14 Cf. BOUTAYEB, Chahira – Droit institutionnel de l’Union Européenne: Institutions, ordre juridique, contentieux. 5th ed.
Paris: L.G.DJ, 2018, p. 218.
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Imprescindível destaque a garantia de uma saúde de qualidade, a salvaguarda deste
direito a todos os cidadãos europeus no momento de decisões e execução de políticas euro-
peias, presentes no art. 168 do Tratado de Funcionamento da UE15.
Isto é, as acções serão complementares às políticas nacionais, e deverão incidir na pre-
venção das doenças e afecções humanas e na redução das causas de periculosidade a saúde.
Os atos da UE devem abranger a luta contra os grandes flagelos, a investigação sobre
suas causas, formas de transmissão e prevenção, tal qual a informação e a educação sani-
ria e a vigilância destas ameaças graves para a saúde com dimensão transfronteiriça, o
alerta em caso de tais ameaças e o combate contra estas.
Dessa maneira, é imprescindível as práticas do bloco para um seguimento conjunto
das nações em busca da mitigação possível dos danos causados pela pandemia, não só um
caminho futuro, como um plano de recuperação económica, mas no presente, com dire-
trizes em comum. Diferentemente do que acontece, como o exposto nos casos da França,
Portugal, Itália e Hungria.
Também destaque ao texto normativo presente no art. 352 do Tratado de Lisboa, TFUE,
a dar a possibilidade da competência implícita da União Europeia para a garantia do mer-
cado comum e alcançar os objectivos da organização supranacional, com respeito aos prin-
cípios da subsidiariedade e proporcionalidade16.
3.1. Acções da União Europeia
A pandemia do coronavírus demonstrou que, apesar de todo texto normativo e tratados
da UE, é nítida a falha no sistema de resposta, ou seja, houve uma demora na resposta do
bloco, que poderia ter decrescido o célere contágio dentro do continente europeu.
Pode-se considerar o contexto actual como imprevisível e de natureza atípica da situa-
ção sanitária mundial, contudo, este cenário já foi conhecido, precisamente há um século
atrás, com a conhecida Gripe Espanhola, que teve seu início dentro da Europa. Dessa
maneira, esperava-se uma atitude prévia em conjunto do bloco.
15 Artigo 168.º (ex-artigo 152.º TCE), n.º 1: Na definição e execução de todas as políticas e acções da União será assegurado um
elevado nível de protecção da saúde.
16 Artigo 352.º (ex-artigo 308.o TCE):
1. Se uma ação da União for considerada necessária, no quadro das políticas definidas pelos Tratados, para atingir um dos ob-
jetivos estabelecidos pelos Tratados, sem que estes tenham previsto os poderes de ação necessários para o efeito, o Conselho,
deliberando por unanimidade, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu, adotará as disposições
adequadas. Quando as disposições em questão sejam adotadas pelo Conselho de acordo com um processo legislativo especial, o
Conselho delibera igualmente por unanimidade, sob proposta da Comissão e após aprovação do Parlamento Europeu.
2. No âmbito do processo de controlo do princípio da subsidiariedade referido no n.o 3 do artigo 5.o do Tratado da União Europeia,
a Comissão alerta os Parlamentos nacionais para as propostas baseadas no presente artigo.
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Até porque, deve-se levar em consideração a livre circulação dentro da Europa, um dos
pilares da União Europeia, que se choca com a propagação do vírus. A presidente da Comis-
são Europeia, Ursula von der Leyen, admitiu a lentidão na demora de resposta em con-
junto, enfatizando a priorização das nações em problemas domésticos, sem pensar que, no
final das contas, é um óbice europeu17.
3.2. SOFT LAW como providência
Uma das acções que se pode constatar pela União Europeia é no sentido de informação às
pessoas, seja dentro do bloco ou para países terceiros, quanto a situação pandêmica euro-
peia com o mapa único, Combined Indicator, a dividir por zonas os locais de maior e menor
contágio pela Covid-19 e as possibilidades de ingresso nos países.
Tal medida, pode ser considerada como uma soft law, em combinação com as recomen-
dações da Organização Mundial da Saúde, sempre implementadas pela União Europeia.
Este instrumento, trata-se de figura normativa com força limitada, não é vinculante
ou produz sanções, contudo, acarreta certos efeitos aos destinatários. Trata-se de termo
recente no âmbito jurídico, contudo, seu surgimento remonta-se ao final da Segunda
Guerra Mundial.
A grande qualidade da soft law confere em sua flexibilidade para as regulações de
direito internacional, surgidas com esse novo cenário, e que, muitas vezes, por conta da
rápida troca de informações e do rápido desenvolvimento científico e tecnológico18.
O procedimento encaixa-se perfeitamente com o cenário pandêmico da actualidade,
que muda constantemente em virtude de novas descobertas sobre o vírus, vacinas e
outras formas de prevenção da doença.
O processo de gênese e alteração de leis e tratados é moroso se comparado ao da soft
law. A categoria punitiva das normas é pouco flexível e genérica, completamente inverso
da soft law, que pode ser encaixada apenas quando esta for útil a cada caso concreto.
Neste caso, além de meios de informação referentes à situação actual, este método
deveria ser utilizado como diretriz da própria UE para lidar com o contexto migratório, a
exemplo a regularização para uma vacinação eficiente e, assim, a possível eliminação de
novas variantes e em respeito ao Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça.
17 FERREIRA, Beatriz – Ursula von der Leyen admite falhas na ajuda aos italianos e promete: “Agora, a Europa está
ao lado da Itália. Disponível em: https://observador.pt/2020/04/02/ursula-von-der-leyen-admite-falhas-na-ajuda-aos-ita-
lianos-e-promete-agora-a-europa-esta-ao-lado-de-italia/.[Consultado em: 25 de março de 2021].
18 COSTA, Carlos Fernando da Cunha – Fontes do Direito Internacional do Meio Ambiente: do rol originário às
novas fontes. In: MAZZUOLI Valério de Oliveira (Org.). O Novo Direito Internacional do Meio Ambiente. Curitiba:
Juruá, 2011, p. 145.
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3.3. Possibilidades e Sugestões
Há de se destacar a possibilidade da ausência de utilização do Sistema de Alerta Rápido
e Resposta (SARR), originado pela Decisão 2119/98/CE de vigincia epidemiológica e de
controle das doenças transmissíveis. Do qual teve forte ressalto em 2004, durante a epide-
mia da SARS, também ocasionada por um coronavírus, a servir de fluxo de comunicações
constante entre a Comissão e as autoridades de saúde pública de cada nação europeia.
O uso do sistema poderia ter sido grande valia para uma rápida resposta à actual pan-
demia. A fim de conhecimento sobre os riscos do alcance do vírus em solo europeu e de
recomendações aos Estados-Membros
Bem como vale salientar a Decisão n. 1082/2013/EU abrange situações como ameaças
biológicas, vigincia epidemiológica e planeamento da preparação e da resposta, com
ênfase na coordenação à escala da UE para reforçar as medidas de cada país. A destacar-se
o dever da União Europeia de solidariedade para com os Estados-Membros.
Com o surgimento da situação pandêmica da Covid-19, e em conformidade com a deci-
são acima mencionada, surgiu a Recomendação (UE) 2020/518 da Comissão de 8 de abril de
2020 relativa a um conjunto de instrumentos com vista à utilização de tecnologias e dados
para combater a crise da COVID-19 no respeitante às aplicações móveis e à utilização de
dados de mobilidade anonimizados.
Apenas a informação e compartilhamento de dados entre as nações e a União Europeia
não são suficientes para um combate efectivo à doença. Evidentemente, dada a gravidade
da situação, e por força de sua competência, a UE deveria tomar medidas mais eficazes e
precisas ao combate de facto.
A exemplo de um regimento de combate, não só a minutar sobre a informação, mas
com acções públicas acerca do distanciamento e classificações hábeis para a ordem de
vacinação da população europeia, a levar em consideração o labor e a essencialidade de
suas actividades, bem como idade e comorbidades.
Um rol normativo à luz da soft law, visto que não há nenhum impedimento na transfor-
mação do instrumento em um tratado. O procedimento serve como um preliminar cami-
nho para as nações se adequarem a suas diretivas.
E, assim, a levar por base princípios como o da solidariedade entre os Estados-Mem-
bros, agir pela adopção de medidas efectivas por sua atribuição de competências forne-
cidas pelos entes estatais nos tratados firmados, a partir do respeito ao regramento vin-
culado aos seus objetivos e valores, que levantam bandeiras como mercado comum, a
dignidade da pessoa humana e liberdades fundamentais.
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Conclusão
A livre circulação é princípio basilar dentro do ordenamento de constituição e funciona-
mento da União Europeia, a servir, principalmente, como elemento de crescimento do
bloco e de seu mercado interno, a fortalecer as Nações signatárias.
Uma vez do surgimento de efectiva barreira para este pilar de sustentação do bloco,
no caso a pandemia da Covid-19, a UE, a partir do conhecimento destas singularidades,
possui como obrigação a realização de políticas públicas para, não apenas informar aos
Estados-Membros a situação atual, mas de combate concreto a doença, com diretivas com-
plementares as resoluções da Organização Mundial da Saúde, como formas correctas de
distanciamento social e ordem de vacinação.
A exemplo da utilização do instrumento da soft law, que surgiu como alternativa mais
eficaz para a resolução dos problemas mundiais. Instrumento que serve de parâmetro, um
ponto inicial para a construção de diretrizes a serem seguidas pelo Poder Público Estatal
no presente. Sendo esta disposição um dever da União Europeia, não apenas projectar um
plano de recuperação futuro económico.
Visto que para se prognosticar uma situação futura, a actual deve ter sido superada,
quadro este que vem a ser alargado com as várias vagas que se sucedem há, pelo menos,
mais de um ano.
A União Europeia deveria demonstrar sua pujança, com a solidificação da sa epígrafe,
a união na diversidade, a partir da integração entre as Nações signatárias, os povos e as
culturas, a servir não apenas para o cunho económico, bem como para o bem-estar, a dig-
nidade da pessoa humana, e, principalmente, pela preservação da vida.
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RECENSÃO CRÍTICA DA OBRA CADEIA DE CUSTÓDIA DA PROVA
CRITICAL REVIEW OF THE BOOK «CHAIN OF CUSTODY OF THE EVIDENCE»
1 Licenciada em Direito pela Universidade Europeia. Mestrando em Direito, especialidade em Ciências Jurídico-
-Criminais pela Universidade Autónoma de Lisboa
2 V M M G – C  C  P ª E C A 

3 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes – Cadeia da Custódia da Prova. 2.ª Ed. Coimbra: Almedina, p. 18.
INÊS ALEXANDRA FERREIRA ESPADILHA1
ines_espadilha@hotmail.com
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXII · 1st January Janeiro–30TH June Junho 2021 · pp. 148‑151
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXII.1.01
Submitted on January 12th, 2021 · Accepted on February 18th, 2021
Submetido em 12 de Janeiro, 2021 · Aceite a 18 de Fevereiro, 2021
A obra Cadeia da Custódia da Prova, de
MANUEL MONTEIRO GUEDES VALENTE2,
visa apresentar o instituto da prova penal
como um dos elementos essenciais do pro-
cesso penal. No decorrer da obra, é visível a
posição do autor quanto à admissibilidade da
prova no processo penal, referindo as regras
relacionadas com a legitimidade, a legalidade
e a licitude, cujas quais são cruciais num
processo penal de um Estado Constitucional
Democrático.
O autor, MANUEL VALENTE, inicia a obra
colocando três questões que o ajudaram a
desenvolver o tema da prova, desenvolvendo
os seus parâmetros durante os dois primeiros
capítulos e respondendo, concretamente, a
cada questão, de uma forma direta, no ter-
ceiro, e último, capítulo da obra.
No primeiro capítulo da obra, intitulado
Do instituto da prova penal: princípios e cadeia de
custódia”, MANUEL VALENTE faz um enqua-
dramento prévio do tema em questão, desta-
cando que “o processo penal é por excelência,
o Direito dos inocentes”3. Ainda dentro deste
capítulo, e conforme indica o título, o autor
enuncia os princípios inerentes à prova penal
e, consequentemente, a Cadeia de Custódia da
Prova, princípios esses que colocam limites
intransponíveis, cujos quais, segundo o autor,
servem para que a justiça criminal não pros-
siga de qualquer maneira.
O segundo capítulo da obra, intitulado
“Ilegitimidade, Ilegalidade e Ilicitude da
prova, podemos considerar como o ponto
fundamental do tema, ou seja, nesta parte da
obra, o autor teve uma especial atenção para
tratar as regras fundamentais do processo
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penal, mais propriamente sobre a Cadeia de
Custódia da Prova.
O terceiro, e último, capítulo, intitulado
“Conclusões”, o autor, Manuel Valente, faz
um apanhado do exposto ao longo da obra,
respondendo às questões iniciais, que consti-
tuem de alavanca para desenvolver esta obra
da Cadeia de Custódia da Prova.
Primeiramente, há que compreender o
porquê de o autor ter escolhido o título de
Cadeia de Custódia da Prova. Se olharmos para
o sentido figurativo da palavra Cadeia, esta
dá a entender um conjunto de coisas que se
interligam entre si e entende-se pela palavra
Custódia como algo que se encontra guardado
em segurança. Sendo assim, podemos com-
preender que a intenção do autor com este
título seria ilustrar de que forma que a prova
deve ser processada ao longo do processo
penal, isto é, a Cadeia de Custódia da Prova deve
ser entendida como algo que se encontra con-
servado e conforme as regras de legitimidade,
legalidade e licitude, tal como indica o autor.
O autor começa a abordar a prova como
sendo o “epicentro da concordância prática
(…) que vai conduzir a uma decisão judicial
final”4, ou seja, Manuel Valente entende que
o instituto da prova é um instrumento utili-
zado para formar a convicção do tribunal ou
resultado, isto é, resultado no sentido da con-
vicção da entidade decisora acerca da existên-
4 Idem, p. 21.
5 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes – Escutas Telefónicas: Da Excepcionalidade à Vulgaridade. 2.ª Edilção. Coimbra:
Almedina, 2008, p. 25
6 VALENTE, Manuel Monteiro Guedes – Cadeia da Custódia da Prova. 2.ª Ed., p. 22
7 Ibidem.
cia ou não de factos jurídico-criminais. Neste
sentido, John Gilssen menciona que a prova
funciona como “um mecanismo pelo qual se
tenta restabelecer a verdade de uma alegação
de um direito ou de um facto5.
Neste sentido, Manuel Valente menciona
que a “prova real não significa verdade real,
pois são dimensões materiais dogmáticas
jurídicas distintas”6, ou seja, o autor considera
que “a verdade real não existe num processo-
-crime”7. Ora há que compreender que apesar
de a verdade ser o objetivo primordial de um
processo-crime, o que se tenta atingir é uma
verdade processual. Sendo assim, não será
correto afirmar que uma prova obtida cor-
responda a verdade real, ou seja, uma prova
poderá ser obtida e nada poderá ter a ver com
o processo. Assim sendo, compreendemos a
intenção do autor expressar que a prova real
e a verdade real são duas dimensões jurídicas
diferentes é que em processo penal o que se
apura com as provas é uma verdade fáctica e
não uma verdade real, cujo processo penal, e
segundo o entendimento da prova, entende
como inexistente, pois é uma verdade difícil
de alcançar.
Ora, como já foi mencionado, MANUEL
VALENTE escreveu um capítulo com as
regras de que o instituto da prova, e conse-
quentemente a Cadeia de Custódia da Prova,
está condicionada - que são a legitimidade, a
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legalidade e a licitude -, e que caso não este-
jam verificados estes pressupostos a conse-
quência será a inadmissibilidade da prova no
processo, isto é, a prova perde o seu valor em
sede de processo-crime levando assim a sua
nulidade, sendo esta uma nulidade insanável,
que após de arguida não pode ser corrigida,
tornando-se nula.
De acordo com a doutrina tradicional a
ilegitimidade é a resultado da violação das
normas e regras do processo penal. Este vício
caracteriza-se ainda, segundo o autor, pela
violação dos princípios do processo e pelos
princípios constitucionalmente consagra-
dos tendo como consequência a inexistência
daquela prova, na sua totalidade.
Esta violação do processo pode gerar, por
si só, três categorias de vícios que são as irre-
gularidades, que para MANUEL VALENTE
parece não existir, contudo, HENRIQUE
EIRAS menciona que apesar de lei não con-
siderar este vício uma nulidade, tendo ape-
nas uma natureza residual, considera que a
irregularidade é um ato viciado que deve ser
arguido pela parte interessada, tendo ainda a
possibilidade de ser sanável, considerando-se
o ato menos grave dos vícios; as nulidades
sanáveis e as nulidades insanáveis.
Ainda na doutrina tradicional, MANUEL
VALENTE menciona o vício da ilegalidade
com sendo uma consequência da violação
dos pressupostos materiais e formais proces-
suais penais. Este vício da prova ocorre com
mais frequência quando estamos perante as
8 Idem, p. 84.
competências da polícia criminal e a sua pros-
secução de obtenção de meios de prova e na
sua materialização. Por norma este vício gera
uma nulidade insanável pelo facto de violar
os pressupostos supramencionados, e, em
determinados casos pode gerar ainda uma
proibição da prova obtida, pelo facto desse
vício colidir, de uma maneira mais agressiva,
com a dignidade da pessoa humana.
Como se verificou, a doutrina tradicional
apenas menciona as regras da legitimidade
e da legalidade, e em relação a questão da
licitude da Cadeia da Custódia da Prova nada é
mencionado. MANUEL VALENTE introduz
esta questão da ilicitude na doutrina como
uma forma de inadmissibilidade, tanto a
nível da produção como ao nível de valoração
da prova, expressando que “o vício da ilicitude
é consequência da produção de prova8, em
duas vertentes, por um lado pela prática de
condutas delituosas, i.e., a prova obtida teve
como ponto de partida a prática de um crime,
como, por exemplo, a tortura; por outro lado,
a violação dos princípios que configuram
uma figura do processo penal como um pro-
cesso justo, baseados não só nos princípios do
processo como também nos princípios cons-
titucionais aplicáveis.
Podemos assim considerar que, a conse-
quência jurídica da violação desta regra é a
proibição da utilização da prova no processo
penal. Perante o exemplo supramencionado
verificamos que uma prova obtida mediante
tortura é uma prova nula, não podendo esta
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ser utilizada, tal como menciona o art. 126.º
do CPP, pois se considera que a prova obtida
é fruto da árvore envenenada, i.e., não sendo
admissível o meio de obtenção da prova
então, por consequência, também não será
admitida a prova obtida. Para fundamentar
a sua teoria o autor baseia-se no acórdão do
STJ onde é dito que este tipo de prova não es
conforme a dogmática processual penal nem
com a jurisprudência do TEDH.
Para MANUEL VALENTE, este vício gera
a “mais grave das consequências jurídico-pro-
cessuais-penais”9, sendo uma nulidade quali-
ficada, i.e., uma proibição total de se poder
admitir a valoração da prova processual. Pare-
ce-nos que esta questão, inserida na doutrina,
abrange e explora melhor os conceitos rela-
cionados com a Cadeia de Custódia da Prova,
pois, enquanto a doutrina tradicional abran-
gia questões relacionadas com as normas e
os pressupostos do processo penal, a questão
levantada pelo autor abrange questões rela-
cionas com os princípios da boa fé, lealdade
e confiança que são base de um Estado de
Direito Democrático, acabando por estender
os pressupostos de admissibilidade da prova
no processo penal.
Em suma, o que se pode retirar desta obra
é que o autor teve a intenção de intensificar
a expressão de Henkel, “o Direito Processual
Penal é o Direito Constitucional Aplicado”,
i.e., sendo a prova um dos elementos, senão
O elemento, fundamentais do processo penal,
então importa que esta esteja condicionada
9 Idem, p. 8.
aos princípios constitucionais. Assim sendo,
parece-nos que a introdução da figura da lici-
tude em relação à prova veio reforçar a ideia
da admissibilidade da prova, e da sua cadeia
de custódia, em sede de processo penal e que
a sua violação levará à invalidade da prova
nesse mesmo processo.
Sendo assim, esta obra considera-se ade-
quada, para efeitos académicos, pois permite
ao leitor uma aprendizagem fundamentada
sobre um dos pressupostos mais influentes
no iter processualis, seja qual for o ordena-
mento jurídico que se esteja a tratar.
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VALENTE, Manuel Monteiro Guedes – Escutas
Telefónicas: Da Excepcionalidade à Vulgaridade.
2.ª Edição, Coimbra: Almedina, 2008.198p.
Código do Processo Penal.