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Paridade e género: uma nova igualdadenodesporto
PATRÍCIA CARDOSO DIAS
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 2 · 1
st
July Julho – 31
st
December Dezembro 2020 · pp. 95‑143
A heteronormatividade parte da premissa que homens e mulheres são intrinsecamente
diferentes, encontrando-se, todavia, subjacente a esta conceção a tradicional prevalência
do “homem” em relação à “mulher”, devendo esta adaptar-se às regras de regime criadas
sob a égide do padrão masculinizado
6
.
O paradigma igualitário, nas declarações que sobre o mesmo versam, fornecem arti-
ficialmente os termos de comparação da discursividade heteronormativa
7
se não se apre-
sentarem densificados por um critério de igualdade fáctica.
Em bom rigor, a discursividade igualitária formal das mais diversas áreas – v.g. jurí-
dica
8
, médica
9
, religiosa
10
– reforça a criação de identidades normativas binárias, vislum-
brando-se a estigmatização, mais ou menos velada, face às diversas perceções sociais e
hierarquização valorativa entre seres superiores e inferiores, entendendo-se, rectius, as mulheres como seres
negativamente diferentes; na segunda, a igualdade relacionou-se com a identidade, passando a entender-se que
todos tinham direito a ser tratados como iguais na exata medida em que cumprissem os critérios da identidade,
realçando-se nesta fase as semelhanças entre as pessoas como forma de obstar às desigualdades suscitadas na
primeira etapa; na terceira etapa a diferença assume-se como um fator correlativo com a igualdade, assumindo-
se por princípio que todos gozam do direito a ser tratados de forma igual, proporcionalmente às suas diferenças,
de forma a promover a realização de cada necessidade pessoal. Cfr. RAPOSO, Vera Lúcia Carapeto – «Paridade,
a Outra Igualdade». In: Ciências Jurídicas Civilísticas: Comunitárias; Económicas; Empresariais; Filosóficas; Históricas;
Políticas; Processuais. Coimbra: Edições Almedina, 2005,p. 572.
6 A hegemonia masculina no desporto, suportada por uma desigualdade socialmente construída, é em bom rigor
tolerada conforme resulta da recessão crítica a Sex Segregation in Sports: Why Separate is Not Equal. «(…) a wrester
[sic] in 2011 who refused to compete against a girl in a collegiate tournament; he did so purely based on her
sex. Their question was, why would a male wrestler be applauded for refusing to compete against a woman,
when would have been condemned for his choice were it based on race, sexual orientation, or nationality?».
SAPPENFIELD, Kourtney – Adrienne Miller and Jomills Braddock II: Sex Segregation in Sports: Why Separate is
Not Equal,p. 2479.
7 A igualdade de género é, assim, uma das prioridades globais da UNESCO, encontrando-se em curso o designado
UNESCO Priority Gender Equality Action Plan for 2014-2021, cuja construção e garantia da igualdade de género como
princípio de direitos humanos e fundamento da democracia, tem como objetivo o alcançar de uma igualdade
substantiva (na vertente jurídica e de facto).
8 A identidade jurídica de acordo com o sexo bio anatómico é atribuída à nascença, conforme resulta das disposições
conjugadas no n.º 1 do art.º 101.º – A (requisitos gerais) e alínea b) do n.º 1 do art.º 102.º (requisitos especiais), às
quais acresce a exigência prevista na alínea a) do n.º 2 do art.º 103.º (todos do Código do Registo Civil) em relação
à composição do nome próprio, que não deve suscitar dúvidas sobre o sexo do registando.
9 SCHWEND, Amets Suess – «Trans Health Care from a Despathologization and Human Rights Perspective».
In: Public Health Reviews. Vol. 41, N.º 3, (2020), pp.2-3; «No geral, os médicos e alunos de medicina assumem que
têm pouca ou nenhuma preparação no que concerne à abordagem em contexto clínico da orientação sexual e de
assuntos relacionados com a identidade de género. (…). O facto de nos movimentarmos numa sociedade hétero e
cisnormativa cria desigualdades importantes para todos aqueles que se sentem excluídos desta «normalidade».
No contexto clínico o tema é tanto mais importante quanto pode condicionar o grau de exposição e de confiança
do doente perante os profissionais de saúde, o que em última análise nos afasta de uma saúde centrada no doente
e nos coloca perante uma situação de não respeito pelo princípio da equidade.». Cfr. MACEDO, Ana – Identidade
de Género e Orientação Sexual na Prática Clínica. Lisboa: Edições Sílabo, 2018, pp.66 e 68.
10 Em 2019 o Vaticano publicou um documento da Congregação para a Educação Católica, cujo título é “Homem
e Mulher os Criou”, cuja matriz antropológica cristã conservadora apela, naturalmente, à manutenção adstrita
da identidade pessoal à diferença biológica entre masculino e feminino. Cfr. CONGREGAÇÃO para a Educação
Católica – Homem e Mulher os Criou.