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A especialização do advogado emviolênciadoméstica
EMANUEL CARVALHO
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
st
January Janeiro – 30
th
June Junho 2020 · pp. 111‑141
rida em 2013, a tutela da vítima passou a abranger as relações de namoro
28
. E por outro, ao
atribuir uma tutela particular às vítimas que estejam numa situação de especial vulnerabi-
lidade em função da “idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica”.
Assente a conceitualização de violência doméstica, importa agora reflectir sobre os
bens jurídicos tutelados pelo artigo 152.ºdo CP. Neste âmbito, o pensamento doutrinal e a
jurisprudência não convergem e, em síntese, apontam-se as principais posições.
No entendimento do professor Taipa de Carvalho, a par de demais ilustres penalistas,
o bem jurídico tutelado centra-se na saúde da vítima. No entanto, refere tratar-se de um
bem jurídico complexo uma vez que considera englobar a saúde física e psicológica. E, na
situação particular dos menores, defende mesmo que serão ilícitas as condutas que impos-
sibilitem ou restrinjam o desenvolvimento normal e saudável daqueles
29
.
O professor e magistrado Pinto de Albuquerque defende uma multi-tutela de bens,
desde a integridade física e psíquica, passando pela liberdade pessoal e, liberdade e autode-
terminação sexual, até à honra
30
.
Nos tribunais portugueses tem sido, ainda, preconizado que o artigo 152.ºdo CP visa
tutelar não só a saúde, mas igualmente a integridade pessoal, que merece dignidade cons-
titucional conforme o seu artigo 25.º
31
.
De todo o modo, seja por força da tutela da dignidade humana
32
ou da integridade pes-
soal
33
, o bem ou os bens jurídicos tutelados pela referida norma penal encontram expressão
e protecção na nossa Lei Fundamental.
Em remate, a estatuição da violência doméstica desdobrada entre normas de cariz nacio-
nal e transnacional exige ao advogado (e demais profissionais que actuem nesta área) uma
28 A Lei n.º19/2013, conferiu à alínea b), do n.º1, do artigo 152.ºdo CP a seguinte redacção: b) A pessoa de outro ou do
mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges,
ainda que sem coabitação. (sublinhado nosso) Afastando-se, assim, a versão anterior nos seguintes termos: b) A
pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges,
ainda que sem coabitação.
29 C, Taipa de – «Artigo 152.ºdo CP». In: Comentário Conimbricense do Código Penal – Tomo I, Coimbra:
Coimbra Editora, 1999, p.332. Comungam desta posição: S G, Catarina – O Crime de Maus Tratos Físicos e
Psíquicos Infligidos ao Cônjuge ou ao Convivente em Condições Análogas às dos Cônjuges, Lisboa: AAFDL, 2004, página
59; F, Plácido Conde – «Violência Doméstica: novo quadro penal e processual penal». In: Revista do
CEJ, n.º8, Lisboa, 2004, p.305; G, M. Miguez, R, J. M. Castela – Código Penal Anotado. Coimbra: Almedina,
2015, em notas ao artigo 152.º. Conferir os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo
n.º176/11.1SLPRT.P1, de 26/09/2012 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo. n.º182/06.8TAACN,
de 19/11/2008 (consultado a 01/05/2020). Disponível em: http://www.dgsi.pt/.
30 Conferir nota 2 da obra citada na nota de rodapé n.º15.
31 Conferir o ponto I do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º3/16.0T.L1-9, citado na
nota de rodapé n.º26.
32 Artigo 1.ºda CRP. C, Gomes e M, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada Artigos 1.ºa
107º, Volume I, 4.ªedição revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp.193-203.
33 Artigo 25.º, n.º1 da CRP.