GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
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A especialização do advogado
emviolênciadoméstica
The lawyers specialization in domestic violence
EMANUEL CARVALHO
1
emanuelcarvalho-44900p@adv.oa.pt
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXI · 1
st
January Janeiro–30
TH
June Junho 2020 · pp. 111‑141
DOI: http://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXI.1.5
Submitted on March 23
th
, 2020 · Accepted on June 4
th
, 2020
Submetido em 23 de Mao, 2020 · Aceite a 4 de junho, 2020
RESUMO A erosão do tecido social português provocado pela violência doméstica é actual,
complexa e inquietante. Urge apreender o fenómeno e avoca-se, fundamentalmente, para
observação a dimensão técnico-jurídica, tão determinante para garantir a tutela efectiva
da vítima. Identifica-se, por sua vez, a meta-especialização em violência doméstica pelos
profissionais, que (em rede) amparam a vítima – em particular, do advogado –, como
desígnio de asseverar-se a evolução político-jurídica vigente rumo à afirmação da advocacia
como profissão baluarte na tutela dos direitos, liberdades e garantias fundamentais da
vítima. Pensar na especialização do advogado em violência doméstica é um desafio, sinuoso
entre proficuidades e percalços, que sendo bem-sucedido sobreleva o espírito e missão da
advocacia para o altar do humanismo.
PALAVRASCHAVE violência doméstica; tutela da vítima; técnico de apoio à vítima; advogado
especialista.
ABSTRACT In Portugal, the erosion of social fabric caused by domestic violence is current,
complex and unsettling. It’s priority to understand that phenomenon and about that,
technical-legal angle will be, essentially, the field of observation because is so important to
guarantee the effective protection of the victim. Then, the analysis of meta-specialization in
domestic violence by professionals, who, in cooperated, support the victim – in particular,
the lawyer – is the purpose to ensure the current political-legal development towards the
affirmation of advocacy as a beacon profession for safeguarding basic rights, freedoms
and legal guarantees of victims. Thinking about the lawyers specialization in domestic
1 Advogado desde 2006. Doutorando em direito pela Universidade Autónoma de Lisboa desde 2018. Jurista em casa
de abrigo de vítimas de violência doméstica desde 2017
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violence is a serious challenge in a winding itinerary, with many twists and turns, which,
if will successfully, elevates the spirit and mission of advocacy to the altar of humanism.
KEYWORDS domestic violence; rights of victim; victim support technician; expert lawyer.
I. Intróito
Hoje e mais do que em qualquer outro período passado, urge a especialização do advogado
em violência doméstica, sendo que consubstancia um desafio seriamente exigente para a
profissão. Existirão, seguramente, advogados exímios na profissão, existirão profissionais
extraordinários na prestação de apoio à vítima de violência doméstica e existirão, diferen-
tes daqueles, os advogados especialistas em violência doméstica, focando-se entre estes
especialmente os que patrocinam a pessoa lesada.
A competência, disponibilidade e ponderação são chaves mestras para uma interven-
ção eficaz e efectiva por parte do advogado junto da vítima, sendo mister que tais traços
se estendam igualmente aos inúmeros profissionais que integram a cadeia operacional
existente para a protecção da vítima
2
. Noutro prisma, a vítima obtém confiança, segurança
e, até, conforto diante do advogado que evidencia conhecimento de causa e experiência
aprofundada sobre a temática, e promove uma concretização imediata dos direitos “espe-
ciais”
3
que lhe assistem, alicerçado num patrocínio sagaz e pragmático, bem como ajustado
e tendo em conta o contexto vivencial envolvente.
Há, assim, um elo fundamental que aproxima, ainda que de modo oposto, o advogado
da vítima de violência doméstica. Ao primeiro, como à Ordem dos Advogados, compete
promover a tutela dos direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas e, assim,
contribuir para a sustentação do nosso Estado de direito democrático
4
. Para a vítima é con-
ditio sine qua non que a referida tutela seja efectiva de modo a que, por um lado, o estado de
vulnerabilidade e desigualdade que a consome seja comutado por um ambiente de paz,
liberdade e saúde. E por outro, o cepticismo que paira sobre a eficiência do sistema judicial
e que, malogradamente, continua a constituir uma razão de desmotivação para a vítima
2 Ex: polícias, procuradores do Ministério Público, juízes, médicos, enfermeiros, professores, educadores sociais,
professores, psicólogos, terapeutas familiares, assistentes sociais, et caetera.
3 A atribuição do estatuto de vítima é conditio sine qua non para aquela exercer os direitos vertidos no “regime
jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas”, aprovado pela
Lei n.º112/2009, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º180 – 16 de Setembro de 2009.
4 Artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e artigo 3.º, alínea a) do Estatuto da Ordem dos
Advogados (EOA).
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denunciar o crime às autoridades seja de vez afastado e, assim, se contribua para a almejada
mudança de mentalidade com o desígnio de, no futuro, a tolerância ser igual a zero diante
de uma situação de violência doméstica.
Nesta esteira, eleva-se a simbiose entre o advogado e a vítima dado que se tem reconhe-
cido socialmente a nobreza e a audácia daquele profissional em tomar frequentemente a
iniciativa de promover as contendas judiciais que visem proteger plenamente a dignidade
da pessoa humana constitucionalmente consagrada. Sendo que por vezes, mais frequente
do que raro, o advogado tem de actuar singularmente ou, comummente, “contra a maré, e
demonstrar mesmo a sua máxima resiliência porquanto essas batalhas implicam a obriga-
ção de percorrer diversas instâncias jurisdicionais, internas e internacionais, com o tempo
que aquelas usualmente muito consomem.
Ademais, a vítima encontra-se, habitualmente, isolada das suas relações de confiança
por força da actuação do agressor, sobressaindo-se daquelas as pessoas com as quais possua
vínculo familiar, profissional ou pessoal. Como tal, a vítima carece vitalmente de suporte
profissional que seja, sobretudo, pela sua constância e confiabilidade capaz de assumir-se
como uma espécie de referência suficientemente motivadora para a mesma quebrar defi-
nitivamente o ciclo de violência.
Em suma, o papel do advogado representa para a vítima de violência doméstica uma
espécie de reduto de defesa indispensável (sendo, por vezes, mesmo o derradeiro) para
aquela obter o afastamento do agente do crime. De todo o modo, o apoio prestado pelo advo-
gado deve ser promovido, de preferência, num contexto de cooperação interprofissional
com as diferentes entidades que constituem a malha institucional de protecção da vítima.
II. Problemática
A violência doméstica é um flagelo social extremamente complexo que dificulta a padroni-
zação do perfil do agressor ou da vítima. Admite-se, em tese, que aquela pode ser infligida
por qualquer pessoa, independentemente da sua origem, residência permanente, cultura,
língua, religião, instrução, capacidade económica, profissão, religião, idade, orientação
sexual, saúde, et caetera
5
, sem descurar que na praxis os indicadores divulgados pelas auto-
ridades conduzem ao traçar de características predominantes que marcam a vítima ou o
agente do crime.
5 C, Emanuel – «Violência doméstica e estrangeiros em Portugal». In: Galileu – Revista de Direito e Economia,
Volume XX, 1.ºsemestre 2019, p.123.
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No que respeita em particular à qualidade profissional inerente ao advogado, esta não
configura excepção à possibilidade de ser vítima ou agressor. Em detalhe, os conhecimen-
tos superiores na área do direito e, até, do modus operandi da prática judiciária, detidos pelo
advogado, muito acrescidos face ao comum dos cidadãos, não o dota de meios de defesa
que o tornem imune, assim como não o inibe de praticar o crime, sendo que neste último
caso até o pode (lamentavelmente) apetrechar de técnicas para aquele ser concretizado de
modo a que as provas sejam de difícil (para não afirmar, de impossível) obtenção ou mesmo
ilícitas.
Atenta a referida complexidade, observar os indicadores respeitantes à violência domés-
tica configura um precioso meio para apreender o fenómeno. Contudo, é importante ter
consciência que essa ferramenta, focando-se nos casos reportados, vai ficar sempre aquém
da realidade e, consequentemente, da verdadeira quantidade e gravidade das situações
ocorridas.
Ainda assim, os indicadores denunciadores da violência doméstica em Portugal revelam
dados manifestamente inquietantes e têm, por isso, merecido uma intervenção do legisla-
dor, bem como uma frequente e ampla cobertura pelos mass media (se bem que esta tenha
sido concretizada em tons muito alarmistas
6
). Ao passo que se tem tornado numa temática
debatida frequentemente na nossa sociedade, desde contextos informais até científicos.
Oficialmente, os dados mais recentes (isto é, de 27/03/2020) divulgados pela Direcção-
-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, no Portal do Governo Português, dão conta que
a criminalidade associada à violência doméstica registada no 4.º trimestre do ano 2019
ampliou face ao anterior período homólogo
7
. O relatório sintetiza que se verificou um
aumento:
dos reclusos, quer em prisão efectiva (+14,1%), quer em prisão preventiva (+80,4%);
da aplicação de medidas de coacção de afastamento, ora com vigilância electrónica
(+63,1%), ora sem aquele controle (+24,2%);
6 A violência doméstica tem merecido um amplo destaque nos meios de comunicação social portugueses dada a
gravidade e frequência dos casos enquadrados nesse tipo de situações. Recentemente, a Entidade Reguladora
para a Comunicação (ERC) divulgou um estudo – denominado “Representações da Violência Doméstica nos
telejornais de horário nobre” – mediante o qual concluiu, globalmente, que aquela temática não foi abordada,
em diversas ocasiões, de modo adequado e apresentou um conjunto de recomendações para os referidos meios
evitarem exposições que conduzam a uma espécie de sensacionalismo noticioso (consultado a 01/05/2020).
Disponível em: https://www.flipsnack.com/ERCpt/representa-es-viol-ncia-dom-stica-nos-telejornais-de-hnobre/
full-view.html.
7 Comunicado do Governo Português com os dados da criminalidade associada à violência doméstica registados
no 4.ºtrimestre do ano 2019 (consultado a 01/05/2020) Disponível em: https://www.portugal.gov.pt/download-
ficheiros/ficheiro.aspx?v=8ed0c295-d1c7-4c67-be38-a179413ade57.
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de pessoas sujeitas a programas de reabilitação para agressores
8
(+28,2%);
de vítimas de violência doméstica apoiadas por meios técnicos de teleassistência
(+52,4%).
Do mesmo relatório resulta que, no ano 2019, as autoridades receberam 29.473 partici-
pações enquadradas no crime de violência doméstica, o que revela uma média aproximada
de 87 sinalizações por dia ou de 3 casos por hora. E, face ao ano precedente, verificou-se
um aumento de 11,5% de participações, dado que foram registados 26.483 casos, conforme
consta também do Relatório Anual de Segurança Interna referente ao ano 2018
9
.
Ainda que resulte do referido relatório um ligeiríssimo decréscimo de vítimas mortais,
designadamente de 37, em 2018, para 35, em 2019 (se bem que, no plano do género feminino,
verificou-se o inverso, tendo aumentado de 24 para 26), é factor de elevada consternação
social ter ocorrido uma média de 2 a 3 homicídios por mês.
É certo que a média do morticínio é impactante, porém não se deve menosprezar toda as
demais formas que constituem violência doméstica porque os efeitos negativos decorren-
tes, por exemplo, de abusos sexuais, actos de tortura, violência psicológica ou emocional,
privações de liberdade ou isolamento social forçado podem consubstanciar danos irrepará-
veis e com sequelas prolongadas ao longo da vida da vítima.
A par dos registos públicos têm emergido relatórios divulgados por organizações não-
-governamentais (ONG’s)
10
, que se dedicam a apoiar as vítimas de crimes, abrangendo as
situações de violência doméstica. Estes registos representam uma mais-valia complemen-
8 Em Portugal, a reabilitação dos agressores consubstancia uma resposta judicial muito recente (identificando-
se como pioneiros o programa “Contigo” aplicado desde 2009 nos Açores e desde 2010 em Cascais), ao invés
dos sistemas judiciais norte-americano e do Reino Unido que vêm desenvolvendo essa intervenção desde a
década de 70 e 80 do século passado. Neste sentido consultar: R, Daniel; C, Marta – «A reabilitação
dos agressores conjugais: dos modelos tradicionais de reabilitação ao Programa Português para Agressores de
Violência Doméstica (PAVD)». In: Ousar Integrar – Revista de Reinserção Social e Prova, Ano 5, n.º11, Jan. 2012, pp.83
a 97.
Identificam-se teoricamente diferentes modelos de intervenção – tais como, modelos cognitivo-
comportamentais, modelos psicodinâmicos, modelos de ventilação ou modelos de interação – e chama-se
à colação um dos modelos cognitivo-comportamentais mais populares nesta área designado por programa
“Duluth”, quiçá, pelos resultados prácticos satisfatórios decorrentes da sua aplicação (consultado em 01/05/2020).
Disponível em: https://www.theduluthmodel.org/wheels/. Apreciar em detalhe o referido programa mediante
consulta de: C, Emanuel – «Violência doméstica …». In: Galileu – Revista de Direito e Economia, Volume
XX, 1.ºsemestre 2019, p.128.
9 Direcção-Geral de Política de Justiça – Relatório Anual de Segurança Interna de 2018, página 17 (consultado a
01/05/2020). Disponível em: https://www.portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=ad5cfe37-0d52-
412e-83fb-7f098448dba7.
10 Destacam-se do universo das organizações não-governamentais, que se manifestam activamente contra a
violência doméstica, a Associação Ilga Portugal (AIP), a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV),
a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), a Associação Portuguesa de Mulheres Juristas (APMJ) e a
União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR).
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tar aos dados oficiais porque, habitualmente, reportam dados temporalmente recentes
e retratam com elevada minudência os perfis das pessoas agressoras e ofendidas com o
intuito de descreverem os contextos e as características das dinâmicas da violência domés-
tica.
Entre estes últimos registos não-oficiais chama-se à colação o “Relatório Preliminar (01
de Janeiro a 12 de Novembro de 2019)”, divulgado pelo Observatório de Mulheres Assassi-
nadas da União de Mulheres Alternativa e Resposta. Este relatório revela terem ocorrido
naquele período 27 tentativas de femicídio e detalha que 28 dos 30 femicídios aconteceram
em contexto de relações de intimidade e familiares
11
.
Conjugando-se os indicadores oficiais com os relatos das ONGs amplia-se o retrato da
violência doméstica em Portugal (admitindo-se que qualquer pequena divergência exis-
tente entre os indicadores constitua um mal menor) e, assim, potencia-se a evolução de
implementação de normas, medidas e até prácticas que contribuam para prevenção do
fenómeno, protecção da vítima e efectiva responsabilização do autor do crime.
III. Conceitualização
No ordenamento jurídico português, a violência doméstica obteve (somente) expressão em
2007 com a tipificação legal do respectivo crime, mediante a vigésima terceira alteração
ao Código Penal
12
(CP), introduzida pela Lei n.º59/2007
13
. Em detalhe, a referida lei inseriu
uma redacção integralmente nova ao artigo 152.ºdo CP, desde a sua epígrafe, consagrando
literalmente a expressão “Violência Doméstica, até ao corpo da norma.
O texto normativo, que vigorava até essa alteração legal, foi projectado para o artigo
subsequente, embora o legislador tenha optado apenas por uma espécie de renumeração
alfabética e tenha atribuído ao tipo legal de crime de “Maus tratos” o artigo 152.º-A. É seguro
afirmar que este último artigo foi criado ex novo pela referida alteração ao CP, contudo ao
absorver maioritariamente o teor do anterior artigo 152.º, que tinha por epígrafe “Maus tra-
11 O referido relatório revela que “entre 2004 e 12 de Novembro de 2019 o Observatório de Mulheres Assassinadas
(OMA) registou um total de 531 vítimas de femicídio nas relações de intimidade (RI) e relações familiares (RF)
e 618 vítimas de tentativa de femicídio nas RI e RF” – página 2 (consultado a 01/05/2020). Disponível em: http://
www.umarfeminismos.org/images/stories/oma/Relat%C3%B3rio_OMA_2019.pdf.
12 O CP foi aprovado pelo Decreto-Lei n.º400/82 e publicado em Diário da República, 1.ªsérie, 1.ºsuplemento –
N.º221 – 23 de Setembro de 1982, somando até ao presente mais de 40 alterações.
13 A Lei n.º59/2007 foi publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º170 – 4 de Setembro de 2007.
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tos e infracção de regras de segurança
14
, provocou uma mudança atípica na sistematização
do CP porquanto fez antepor a forma de crime especial face ao crime geral
15
.
Retomando o artigo 152.ºdo CP em vigor, que já contou com duas alterações desde
2007
16
, contém – no seu n.º1 – o que se pode considerar como sendo uma definição legal
de violência doméstica
17
. Porém, importa ter presente que tal definição, sendo de natureza
penal, foi construída tendo subjacente o princípio da intervenção mínima ou ultima ratio
da política criminal imposta pelo artigo 18.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa
(CRP), esta enquanto fonte de legitimação material da lei penal
18
.
Mais tarde, em 2013, por força de Portugal ter sido o primeiro Estado da União Europeia
a aderir
19
à “Convenção do Conselho de Europa para a Prevenção e o Combate à Violência
contra as Mulheres e a Violência Doméstica, comummente assinalada por Convenção de
Istambul, passou a estar internacionalmente vinculado a esse instrumento e, por conse-
guinte, vigora, desde então, no nosso ordenamento jurídico mais uma definição de violên-
cia doméstica
20
.
Realçada a Convenção de Istambul não se deve preterir que esse instrumento repre-
senta uma materialização dos princípios basilares consagrados na Declaração Universal
dos Direitos Humanos (DUDH), a qual pela mesma razão apontada possui plena efectivi-
14 D, Figueiredo – Comentário Conimbricense do Código Penal – Tomo I. Coimbra, Coimbra Editora, 1999, p.332.
15 A, Paulo Pinto de – Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção
Europeia dos Direitos do Homem. Lisboa: Universidade Católica Editora, 2015, pp.588 a 596.
16 A redacção imposta ao artigo 152.ºdo CP pela Lei n.º59/2007 foi sujeita a duas alterações legais. A primeira
introduzida pela Lei n.º19/2013, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º37 – 21 de fevereiro de 2013, e a
segunda pela Lei n.º44/2018, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º153 – 9 de Agosto de 2018.
17 Artigo 152.º
Violência doméstica
1 – Quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais,
privações da liberdade e ofensas sexuais:
a) Ao cônjuge ou ex-cônjuge;
b) A pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de
namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação;
c) A progenitor de descendente comum em 1.ºgrau; ou
d) A pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou
dependência económica, que com ele coabite;
é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave lhe não couber por força de outra
disposição legal.
18 B, Nuno – «Bem Jurídico e Direitos Fundamentais entre a Obrigação Estadual de Protecção e a Proibição
do Excesso». In: Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Manuel da Costa Andrade. Coimbra: Instituto Jurídico, 2017,
página 239-266.
19 Por Decreto do Presidente da República n.º13/2013, publicado em Diário da República, 1.ªsérie – N.º14 – 21 de
janeiro de 2013, foi ratificada a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência
contra as Mulheres e a Violência Doméstica, adotada em Istambul, a 11 de maio de 2011, aprovada pela Resolução
da Assembleia da República n.º4/2013, em 14 de dezembro de 2012.
20 Artigo 8.º, n.º2 da CRP.
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dade no nosso ordenamento jurídico
21
, segundo a qual todas as pessoas são livres e iguais
em dignidade, devendo as relações assentar num espírito de fraternidade
22
. Nesta esteira,
a referida convenção reflecte, ainda, os ditames contemplados ora na Convenção Europeia
dos Direitos Humanos (CEDH), ora na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia
(CDFUE) dado que ambas enaltecem a dignidade do ser humano
23
.
Apreciando-se, agora, o artigo 152.ºdo CP, a par do artigo 3.º, alínea b)
24
, da Convenção de
Istambul, constata-se uma significativa similitude conceitual. Contudo, qualquer divergên-
cia existente, atenta a coexistência e vigência de ambas as normas no nosso ordenamento,
deve merecer uma interpretação subjugada ao princípio da unidade do sistema jurídico
25
.
Da conjugação dos elencados preceitos torna-se, assim, viável construir um conceito
de violência doméstica mais robusto. E desta harmonização identifica-se em comum que
a violência doméstica subdivide-se entre uma dimensão subjectiva – assente na relação
existente entre a pessoa que controla ou exerce poder sobre outra, isto é, entre o agente do
crime e a ofendida – e uma dimensão objectiva – composta pelas condutas que preenchem
a sua ilicitude.
Na dimensão objectiva, a violência doméstica pauta-se por um comportamento lesivo
singular ou reiterado
26
. Ainda que o iter criminis usual em situações de violência domés-
tica seja aquele desenvolvido por acções sistemáticas e repetidas infligidas pelo agente do
crime sobre a vítima, o legislador foi claro em impor censura sobre qualquer acto grave
ainda que este seja denunciado como uma conduta singular.
21 Artigo 8.º, n.º1 da CRP.
22 Artigo 1.ºda DUDH, proclamada pela Resolução n.º217-A da Assembleia-Geral das Nações Unidas, de 10/12/1948.
23 Preâmbulo da CEDH (assinada pelo Conselho da Europa em 04/11/1950, ratificada pela Lei n.º65/78, publicada
em Diário da República I Série, n.º236, de 13/10/1978) e artigo 1.ºda CDFUE (publicado no Jornal Oficial da União
Europeia n.ºC 83 de 30/03/2010).
24 Artigo 3.º
Definições
b) «“violência doméstica” designa todos os actos de violência física, sexual, psicológica ou económica que
ocorrem no seio da família ou do lar ou entre os actuais ou ex-cônjuges ou parceiros, quer o infractor partilhe
ou tenha partilhado, ou não, o mesmo domicílio que a vítima»
25 Artigo 9.º, n.º1, do Código Civil (CC).
26 A jurisprudência tem considerado que, após a entrada em vigor da Lei n.º59/2007 que introduziu no nosso
ordenamento o tipo legal de crime de violência doméstica, foi dissipada a querela que pairava sobre o anterior
artigo 152.ºdo CP – “Maus Tratos” – dado que a actual redacção do artigo é expressa em considerar que, para o
preenchimento do mencionado tipo de crime, pode ser suficiente a práctica de um só acto ou pode ocorrer com
a repetição de condutas ilícitas. Conferir neste sentido os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal da Relação
de Guimarães, no processo n.º639/08.6GBFLG.G1, de 15/10/2002; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa,
no processo n.º 3/16.0PAPST.L1-9, de 01-06/2017; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo
n.º1290/12.1PBAVR.C1, de 29/01/2004 (consultado a 01/05/2020). Disponível em: http://www.dgsi.pt).
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Na mesma dimensão, a violência doméstica pode ser traçada pelo tipo de dano provo-
cado na vítima, sendo que pode afectar a sua saúde – física e psicológica – e a sua condição
socioeconómica.
Em pormenor, o legislador reprova, primeiro, comportamentos que lesem a integridade
física da pessoa, independentemente da intenção (negligência ou dolo) ou intensidade
(simples ou grave) do seu autor.
Segundo, o legislador censura ofensas de natureza verbal (por exemplo, a injúria) que
afectem a vítima no plano psíquico ou emocional.
Terceiro, o legislador desaprova as condutas que coartem a liberdade e a autonomia da
vítima, quer aquelas sejam enquadradas no condicionamento da sua independência, quer
assumam um modo de coacção sobre a vítima para agir contra a sua vontade.
Quarto, o legislador condena a violação da liberdade sexual da vítima.
Quinto (e último), o legislador proíbe condutas que desrespeitem a autonomia finan-
ceira da vítima e sujeitem esta ao isolamento social
27
.
Na dimensão subjectiva, a violência doméstica assenta em relações pessoais, podendo
estas assumir o grau de parentesco (por exemplo, a relação entre cônjuges ou entre pais e
filhos, embora a relação entre o progenitor e descendente em linha recta não deva ir além
do primeiro grau), ou não (por exemplo, unidos de facto ou numa relação de namoro).
É consabido que a relação entre cônjuges, assumindo o marido o papel de agressor e
a esposa o papel de vítima, constituiu a forma em que a violência doméstica mais ocorre,
quer à escala global, quer em Portugal. De todo o modo e por força do princípio da igualdade
está tutelada a defesa de todas as pessoas, independentemente do género do agressor ou da
vítima, contemplando-se expressamente os mesmos direitos para as pessoas lésbicas, gays,
bissexuais, transexuais, intersexuais, et caetera.
O legislador decidiu conferir à dimensão subjectiva uma amplitude elevada ao prever,
por um lado, que a violência doméstica pode ocorrer em circunstâncias de coabitação, ou
não, entre o alegado agressor e a vítima. Neste sentido e a partir da alteração ao CP ocor-
27 A jurisprudência tem afirmado recorrentemente que a violência doméstica pode configurar-se mediante uma
“agressão económica” e, em exemplo, dessa dimensão autónoma tem sido decidido que se preenche o tipo
legal previsto no artigo 152.º quando o comportamento do agente impossibilita a ofendida de gerir os seus
rendimentos. Conferir neste sentido os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no
processo n.º663/16.5PBCTB.C1, de 07/02/2018, e o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo
n.º201/16.06GBBCL.G1, de 06/02/2017 (consultado a 01/05/2020). Disponível em: http://www.dgsi.pt/).
Em sentido diferente, o Professor e Magistrado Pinto de Albuquerque afirma que a agressão financeira “deve
ser subsumida aos maus-tratos psíquicos, isto é, a uma particular modalidade de violência psicológica em
consonância com o conceito amplo de violência doméstica da Convenção de Istambul”. Conferir nota 7 do artigo
152.ºda obra citada na nota de rodapé n.º15.
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rida em 2013, a tutela da vítima passou a abranger as relações de namoro
28
. E por outro, ao
atribuir uma tutela particular às vítimas que estejam numa situação de especial vulnerabi-
lidade em função da “idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica”.
Assente a conceitualização de violência doméstica, importa agora reflectir sobre os
bens jurídicos tutelados pelo artigo 152.ºdo CP. Neste âmbito, o pensamento doutrinal e a
jurisprudência não convergem e, em síntese, apontam-se as principais posições.
No entendimento do professor Taipa de Carvalho, a par de demais ilustres penalistas,
o bem jurídico tutelado centra-se na saúde da vítima. No entanto, refere tratar-se de um
bem jurídico complexo uma vez que considera englobar a saúde física e psicológica. E, na
situação particular dos menores, defende mesmo que serão ilícitas as condutas que impos-
sibilitem ou restrinjam o desenvolvimento normal e saudável daqueles
29
.
O professor e magistrado Pinto de Albuquerque defende uma multi-tutela de bens,
desde a integridade física e psíquica, passando pela liberdade pessoal e, liberdade e autode-
terminação sexual, até à honra
30
.
Nos tribunais portugueses tem sido, ainda, preconizado que o artigo 152.ºdo CP visa
tutelar não só a saúde, mas igualmente a integridade pessoal, que merece dignidade cons-
titucional conforme o seu artigo 25.º
31
.
De todo o modo, seja por força da tutela da dignidade humana
32
ou da integridade pes-
soal
33
, o bem ou os bens jurídicos tutelados pela referida norma penal encontram expressão
e protecção na nossa Lei Fundamental.
Em remate, a estatuição da violência doméstica desdobrada entre normas de cariz nacio-
nal e transnacional exige ao advogado (e demais profissionais que actuem nesta área) uma
28 A Lei n.º19/2013, conferiu à alínea b), do n.º1, do artigo 152.ºdo CP a seguinte redacção: b) A pessoa de outro ou do
mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges,
ainda que sem coabitação. (sublinhado nosso) Afastando-se, assim, a versão anterior nos seguintes termos: b) A
pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação análoga à dos cônjuges,
ainda que sem coabitação.
29 C, Taipa de – «Artigo 152.ºdo CP». In: Comentário Conimbricense do Código Penal – Tomo I, Coimbra:
Coimbra Editora, 1999, p.332. Comungam desta posição: S G, Catarina – O Crime de Maus Tratos Físicos e
Psíquicos Infligidos ao Cônjuge ou ao Convivente em Condições Análogas às dos Cônjuges, Lisboa: AAFDL, 2004, página
59; F, Plácido Conde – «Violência Doméstica: novo quadro penal e processual penal». In: Revista do
CEJ, n.º8, Lisboa, 2004, p.305; G, M. Miguez, R, J. M. Castela – Código Penal Anotado. Coimbra: Almedina,
2015, em notas ao artigo 152.º. Conferir os seguintes arestos: Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo
n.º176/11.1SLPRT.P1, de 26/09/2012 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo. n.º182/06.8TAACN,
de 19/11/2008 (consultado a 01/05/2020). Disponível em: http://www.dgsi.pt/.
30 Conferir nota 2 da obra citada na nota de rodapé n.º15.
31 Conferir o ponto I do sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º3/16.0T.L1-9, citado na
nota de rodapé n.º26.
32 Artigo 1.ºda CRP. C, Gomes e M, Vital – Constituição da República Portuguesa Anotada Artigos 1.ºa
107º, Volume I, 4.ªedição revista, Coimbra: Coimbra Editora, 2007, pp.193-203.
33 Artigo 25.º, n.º1 da CRP.
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intervenção técnica complexa e exigente. Por outro prisma, uma intervenção profissional
menos rigorosa conduz a uma diminuição do exercício dos direitos, liberdades e garantias
fundamentais que se quer plena na assistência da vítima, sendo que no caso particular da
vítima de violência doméstica contribuiu para o enfraquecimento da sua posição que, por
essência, já é débil.
IV. Tutela da vítima de violência doméstica
A tutela da vítima da violência doméstica em Portugal emergiu, em 2007, por via da intro-
dução do respectivo tipo legal de crime no CP. A inserção do crime de violência domés-
tica no catálogo do CP não veio colmatar uma lacuna legal e deve ser apreciada como uma
tutela especial, embora essa opção legislativa possa consubstanciar um reflexo do desig-
nado fenómeno da “hiper-criminalização”
34
. Com isto se pretende afirmar que a conduta
passível, desde então, de preencher os elementos previstos no artigo 152.ºdo CP merecia
anteriormente tutela penal, ainda que para o efeito uma acção pudesse ser subsumida
simultaneamente a diferentes tipos legais de crime (tais como a ofensa à integridade física,
a injúria, a ameaça, entre outros).
A criminalização da violência doméstica abriu caminho para uma sucessiva e múltipla
legiferação tendente a contribuir para a macro erradicação do presente flagelo social e para
a protecção individual da vítima. Neste sentido, começa-se por destacar a Lei n.º112/2009
35
,
dado ter consagrado um regime jurídico focado especificamente na prevenção da violência
doméstica e, na protecção e assistência das respectivas vítimas”.
O referido regime provocou uma alteração substancial no nosso ordenamento jurídico
e constituiu, antecipa-se, uma manifesta optimização no desígnio para o qual foi projec-
tado, dado que traçou e concentrou, estruturadamente, uma tutela politica-jurídico-crimi-
nal em abono da vítima de violência doméstica.
Em detalhe, sobressai-se, primeiro, a obrigação governamental de elaboração de um
“Plano Nacional Contra a Violência Doméstica” (PNCVD)
36
e, de promoção pela educação e
sensibilização-informação da sociedade sobre a presente temática
37
.
34 A possibilidade de uma conduta ser subsumida, simultaneamente, a diferentes tipos legais de crime pode dar
azo ao denominado fenómeno da “hiper-criminalização”. E no que respeita, por exemplo, à tutela da “integridade
física, enquanto bem jurídico, aquela não deve oscilar em função da relação entre o agente do crime e a pessoa
ofendida. V, Manuel Monteiro Guedes – Direito Penal do Inimigo e o Terrorismo. Coimbra: Almedina, 2017,
p.21.
35 Conferir nota de rodapé n.º3.
36 Artigos 3.º, alínea g) e 4.º, n.º1 da Lei n.º112/2009.
37 Artigos 3.º, alínea a), 77.ºe 78.ºda Lei n.º112/2009.
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Segundo, a possibilidade das autoridades atribuírem um estatuto de vítima
38
, que con-
fere um conjunto considerável de direitos exclusivos à vítima, embora determinadas prer-
rogativas poderão manter-se após a cessação do estatuto
39
.
Terceiro, a previsão de um serviço complementar de teleassistência que a vítima pode
accionar em qualquer instante, leia-se, em modo de socorro
40
.
E, por fim, a definição de medidas e direitos projectados para garantir a máxima pro-
tecção policial, bem como a tutela judicial e social da vítima
41
, que se justificam pela sua
relevância apreender-se de imediato ainda com mais minúcia.
No âmbito da protecção policial realça-se a intervenção das autoridades mediante a
apresentação de um plano de segurança – com orientações de autoprotecção – ajustado à
situação vivencial de cada vítima
42
. E por outro, a obtenção de prova no mais breve período
de tempo (sem exceder as 72 horas) é um procedimento capital para a tomada das medidas
de protecção à vítima e as medidas de coacção ao arguido mais adequadas
43
.
Neste domínio poder-se-ia apresentar mais prerrogativas pro bono da vítima, porém e
sem menosprezo pelas mesmas, o que se revela peculiar na intervenção policial é medir
onde esta é verdadeira e positivamente impactante na vida da vítima.
Se há exemplo distinto no seio da intervenção policial é o caso afecto à concretização do
direito de recuperação dos bens e pertences da vítima, retidos habitualmente na residên-
cia onde permanece o agressor e fruto daquela não ter tido oportunidade ou capacidade
para planear uma saída de casa. Ainda que a lei apenas preveja a presença policial quando
seja efectivamente necessária, as autoridades policiais têm no “terreno” revelado progres-
sivamente, maior voluntariedade no acompanhamento da vítima à residência
44
. Sem pre-
terir a consabida limitação dos recursos humanos das autoridades, bem como o constran-
gimento no serviço que a disponibilidade para esse acompanhamento pode causar, não
soçobra dúvida que uma diligência desta natureza sem a presença policial consubstancia
uma abordagem perigosa para a integridade da vítima. Ademais, a mediação policial é pre-
38 No seguimento do disposto no artigo 83.º, n.º1 da Lei n.º112/2009, foi publicada a Portaria n.º229-A/2010 em
Diário da República, 1.ªsérie, 1.ºSuplemento – N.º79 – 23 de Abril de 2010, mediante a qual foram aprovados
“os modelos de documentos comprovativos da atribuição do estatuto devitima”. O Despacho n.º 7108/2011,
publicado em Diário da República, 2.ªsérie, – N.º91 – 11 de Maio de 2011, estabeleceu “os critérios de atribuição
do estatuto de vítima, pela Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, à vítima de violência doméstica.
39 Artigos 14.º, n.º3 e 24.º, n.º3 da Lei n.º112/2009.
40 Artigos 20.º, n.º5 e 35.º, n.º3 da Lei n.º112/2009. No seguimento destes normativos foi publicada a Portaria
n.º 220-A/2010 em Diário da República, 1.ªsérie, 1.º Suplemento – N.º74 – 16 de Abril de 2010, mediante a
qual foram estabelecidas “as condições de utilização inicial dos meios técnicos de teleassistência” e os “meios
técnicos de controlo à distância”.
41 Secção II (artigos 25.ºa 40.º) e Secção III (artigos 41.ºa 52.º) do Capítulo IV da Lei n.º112/2009.
42 Artigo 27.º-A, n.º2 da Lei n.º112/2009.
43 Artigo 29.º-A, n.º1 da Lei n.º112/2009.
44 Artigo 21.º, n.º4 da Lei n.º112/2009.
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ponderante para a efectivação da restituição dos bens, o que por si só confere dignidade à
posição da vítima (sem negligenciar pela indispensabilidade da vítima ter acesso a bens
estritamente pessoais ou essenciais para cuidados de saúde), como representa uma acção
em que o agressor sendo intimado in loco a respeitar os direitos da vítima contribuiu para o
restabelecimento da igualdade entre ambos, sob pena de ser detido em flagrante delito pela
tentativa ou práctica de qualquer delito.
No domínio da tutela judicial ressaltam-se as declarações para memória futura
45
e, o
recurso à videoconferência ou à teleconferência
46
. A primeira é um procedimento proba-
tório que pode ocorrer na fase de inquérito, em ambiente informal, reservado e, desde que
autorizado pelo tribunal, com a presença de um técnico de apoio à vítima ou outro profis-
sional que preste apoio à vítima. É consabido que este tipo de prova potencia a dispensa-
bilidade da presença da vítima em sede de audiência de julgamento. Considerando que
essa exoneração afasta a designada revitimização secundária da vítima – tão peculiar nesta
forma de violência
47
e, in casu, provocada habitualmente por ser sujeita a recontar os factos
denunciados e, concomitantemente, a reviver memórias traumatizantes –, torna-se impe-
rioso ponderar mais assiduamente o seu recurso.
Por sua vez, o recurso à videoconferência ou à teleconferência, marcado pelo depoi-
mento da vítima ser concretizado à distância, constituiu um meio de prova abonador da
serenidade e consequente objetividade testemunhal, bem como garantidor da segurança
na deslocação ao tribunal e do sigilo acerca do paradeiro da vítima, eliminando qualquer
modo de perseguição. Pelas mais-valias descritas em prol da vítima, este é um procedi-
mento probatório que é recomendável ser amplamente requerido, do mesmo modo que a
eventual objecção deve merecer uma fundamentação minuciosa, quer de direito quer de
facto, da obrigação presencial da vítima. Nesta esteira, sendo a vítima compelida a compa-
recer na audiência de julgamento e, portanto, inevitável a possibilidade de confronto com
o arguido, impunha-se a tomada oficiosa do mais amplo conjunto de medidas de protecção
que fomentassem a entrada, permanência e saída da vítima em torno de elevados níveis
de segurança, reserva e bem-estar, convocando-se assim o uso das medidas presentes no
âmbito do regime de protecção de testemunhas em vigor
48
. Paradoxalmente, vive-se tem-
45 Artigo 33.ºda Lei n.º112/2009.
46 Artigo 32.ºda Lei n.º112/2009.
47 Q, Carina – «Violência Doméstica: As expetativas das vítimas e o papel das forças de segurança». In:
Politeia, Ano IX – Edição Especial, Lisboa: ISCPSI, 2014, p.45.
48 A Lei n.º93/99, publicada em Diário da República, 1.ªsérie-A – N.º162 – 14 de Julho de 1999, veio regular “a
aplicação de medidas para protecção de testemunhas em processo penal”. Posteriormente, o diploma foi sujeito
a duas alterações legais. A primeira imposta pela Lei n.º29/2008 (publicada em Diário da República, 1.ªsérie –
N.º128 – 4 de Julho de 2008) e a segunda introduzida pela Lei n.º42/2010 (publicada em Diário da República,
1.ªsérie – N.º172 – 3 de Setembro de 2010).
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pos em que são mais notórias as providências de protecção dirigidas, em Portugal, aos gru-
pos organizados de adeptos à entrada e saída de um estádio de futebol do que às vítimas de
violência doméstica no percurso até à domvs ivstitiæ.
Na área da tutela social começa-se por salientar, pela relevância do seu desígnio e por
constituir uma resposta que ainda continua a escapar ao conhecimento comum do cidadão,
a criação de uma rede nacional de casas de abrigo
49
.
Segundo, a isenção de taxas moderadoras foi aprovada para evitar qualquer entrave
económico à vítima na obtenção dos necessários cuidados de saúde, assim como na recolha
de prova tão crucial para a sustentação ab initio da denúncia e, a posteriori, da acusação e da
fundamentação subjacente à decisão de condenação
50
.
Terceiro, a prioridade no acesso às ofertas de emprego ou programas de formação, sob a
gestão do Instituto de Emprego e Formação Profissional, constituiu um modo de acelerar a
obtenção de autonomia financeira da vítima
51
.
Por fim, a justificação das faltas, com remuneração integral garantida durante 30 dias
52
,
consubstancia um suporte económico para a vítima, ao mesmo tempo que lhe confere pro-
tecção pois é altamente expectável que o agressor tente localizar o paradeiro daquela junto
da sua entidade patronal.
49 O Decreto Regulamentar n.º2/2018 (publicado em Diário da República, 1.ªsérie – N.º17 – 24 de Janeiro de 2018)
veio regular “as condições de organização e funcionamento das estruturas de atendimento, das respostas de
acolhimento de emergência e das casas abrigo que integram a rede nacional de apoio às vitimas de violência
doméstica, prevista na Lei n.º112/2009. Aquele diploma foi sujeito a uma correcção de natureza meramente
nominal imposta pela Declaração de Retificação n.º11/2018, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º57
– 21 de março de 2018.
50 Artigo 50.ºda Lei n.º112/2009. Neste sentido, o Despacho n.º20509/2008 (publicado em Diário da República,
2.ªsérie – N.º150 – 5 de Agosto de 2008) veio determinar o regime de isenção das taxas moderadoras às vítimas
de violência doméstica.
51 Artigo 48.ºda Lei n.º112/2009. Nesta esteira apontam-se duas medidas concretas: em concretização do Decreto-
Lei n.º132/99 (publicado em Diário da República, 1.ªsérie-A – N.º93 – 21 de Abril de 1999) que “estabelece os
princípios gerais de enquadramento da política de emprego”, foi aprovada a Portaria n.º20-A/2014 (publicada
em Diário da República, 1.ª série, 1.º Suplemento – N.º 21 – 30 de Janeiro de 2014, procedendo à segunda
alteração àPortaria n.º204-B/2013, de 18 de Junho, que criou “a medida Estágios Emprego”) que determina “a
comparticipação financeira do Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P., nas despesas com a bolsa de
estágio, subsídio de alimentação e despesas ou subsídio de transporte visando abranger as vítimas de violência
doméstica como destinatárias da medida; em realização do Decreto-Lei n.º220/2006 (publicado em Diário da
República, 1.ªsérie – N.º212 – 3 de Novembro de 2006) que “estabelece o regime jurídico de protecção social da
eventualidade de desemprego dos trabalhadores por conta de outrem…, foi aprovada a Portaria n.º20-B/2014
(publicada em Diário da República, 1.ªsérie, 1.ºSuplemento – N.º21 – 30 de Janeiro de 2014) para proceder à
integração de vítimas de violência doméstica nos “Contrato emprego-inserção” e “Contrato emprego-inserção+”.
52 Artigo 43.º da Lei n.º 112/2009. AAVV – Violência Doméstica – implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas do
fenómeno – Manual Pluridisciplinar, Paulo Guerra e Lucília Gago (Coord.), Centro de Estudos Judiciários, Lisboa,
2016, página 339-348 (consultada a 01/05/2020). Disponível em: http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/outros/
Violencia-Domestica-CEJ_p02_rev2c-EBOOK_ver_final.pdf.
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Chegado a este ponto conclui-se que o referido regime jurídico consubstancia, de facto,
um progresso normativo na tutela da vítima de violência doméstica, porém já evoluiu para
corrigir imperfeições e adaptar-se ao tecido social
53
. Tanto assim é que, por exemplo, a Lei
n.º129/2015, de 03/09
54
derrogou o encontro restaurativo ou a mediação penal em casos de
violência doméstica. E a Lei n.º24/2017, de 24/05
55
, compeliu o Ministério Público da juris-
dição criminal a comunicar a aplicação de medidas de coacção que impeçam os contactos
entre os progenitores ao seu homólogo da jurisdição de família e menores, de modo a ser
urgentemente instaurado o “respetivo processo de regulação ou alteração da regulação do
exercício das responsabilidades parentais“
56
.
Em simultâneo foi aprovado outro regime jurídico em tutela da vítima de violência
doméstica marcado, essencialmente, pelo procedimento de “concessão de indemnização”
57
pro bono da vítima. A tramitação encontra-se a cargo de uma comissão específica, decorre
num registo de celeridade e assenta numa lógica de adiantamento monetário a favor da
vítima por parte do Estado, ficando reservado a este ente a possibilidade de sub-rogar-se
nos direitos da pessoa lesada
58
.
O exercício dos direitos por parte da vítima de violência doméstica não dispensa, até
pelo emaranhado de regimes jurídicos que visam a sua tutela, a consulta de um profissio-
nal e, neste sentido, o legislador acautelou que fosse assegurada à vítima uma consulta com
prontidão por um advogado
59
. Seguindo a mesma linha de celeridade, a concessão de apoio
judiciário tem um carácter urgente e da praxis decorre a impressão (dada a ausência de
53 A Lei n.º112/2009 foi objecto, por ordem cronológica crescente, das seguintes alterações:
– Lei n.º19/2013, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º37 – 21 de Fevereiro de 2013;
– Retificação n.º15/2013, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º55 – 19 de Março de 2013;
– Lei n.º82-B/2014, publicada em Diário da República, 1.ªsérie, 1.ºSuplemento – N.º252 – 31 de Dezembro de
2014;
– Lei n.º129/2015, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º172 – 3 de Setembro de 2015;
– Lei n.º42/2016, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º248 – 28 de Dezembro de 2016;
– Lei n.º24/2017, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º100 – 24 de Maio de 2017.
54 Conferir nota de rodapé n.º53.
55 Conferir nota de rodapé n.º53.
56 Artigo 31.º, n.º4 da Lei n.º112/2009, na redacção imposta pela Lei n.º24/2017.
57 A Lei n.º104/2009, publicada em Diário da República, 1.ªSérie – N.º178 – de 14 de Setembro de 2009, aprovou o
“regime de concessão de indemnização às vítimas de crimes violentos e de violência doméstica. Em seguimento
desta lei foi aprovado o Decreto-Lei n.º120/2010, publicado em Diário da República, 1.ªSérie – N.º209 – de 27
de Outubro de 2010, que “ regula a constituição e o funcionamento da Comissão de Proteção às Vítimas de
Crimes”. Por sua vez, a Portaria n.º403/2012, de 7 de dezembro, publicada em Diário da República, 1.ªSérie –
N.º237 – de 7 de Dezembro de 2012, aprovou “os modelos de requerimento para a concessão do adiantamento da
indemnização por parte do Estado pelas vítimas de crimes violentos e de violência doméstica”.
58 Artigo 15.ºda Lei n.º104/2009.
59 Artigo 25.º, n.º1 da Lei n.º112/2009
Artigos 14.ºe 15.ºda Lei n.º34/2004 (publicada em Diário da República, 1.ªSérie-A – N.º177 – de 29 de Julho
de 2004), na redação dada pela Lei n.º47/2007 (publicada em Diário da República, 1.ªSérie – N.º165 – de 28 de
agosto de 2007), que define o regime de acesso ao direito e aos tribunais.
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A especialização do advogado emviolênciadoméstica
EMANUEL CARVALHO
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
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estatísticas) do deferimento ser ágil e em prazo inferior a 30 dias, ressalvando-se que ainda
há situações em que o imbróglio burocrático prevalece. E recentemente foi introduzido,
mediante a aprovação do Orçamento de Estado para 2020, a presunção que a vítima de vio-
lência doméstica se encontra em situação insuficiência económica até prova em contrário
por forma a que a concessão do referido apoio seja efectivamente expedita
60
.
O legislador estabeleceu, ainda, a possibilidade do mesmo advogado acompanhar a
vítima nos diferentes processos conexos com a situação de violência doméstica
61
. Contudo,
ossos do ofício revelam que são raros os casos em que se verifica essa espécie de nomeação
múltipla, qui sapit por razões afectas à burocratização dos procedimentos interinstitucio-
nais (que se estabelecem, essencialmente, entre Segurança Social, Ordem Advogados, Tri-
bunais e Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça). Deste modo, crê-se que
uma imposição, por via legal, da obrigatoriedade do patrocínio multiprocessual teria sido
um regime mais favorável à vítima.
A vítima de violência doméstica conta, ainda, com o apoio informativo exercido sobre-
tudo pelas ONG’s, destacando-se o serviço de atendimento telefónico permanente assegu-
rado pela Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV)
62
.
Percorrer os dois principais regimes jurídicos vocacionados especificamente para a
tutela da vítima de violência doméstica teve como propósito evidenciar os mecanismos e
direitos mais relevantes que lhe assistem, porém serve para atestar que a dimensão norma-
tiva subjacente a esta temática não se cinge à mera criminalização da conduta prevista no
Artigo 1.º, n.º4, da Portaria n.º10/2008, publicada em Diário da República, 1.ªSérie – N.º2 – de 3 de Janeiro de
2008, que regulamenta o regime de acesso ao direito e aos tribunais.
60 A Lei n.º2/2020, publicada em Diário da República, 1.ªsérie – N.º64 – 31 de Março de 2020, aprova o Orçamento
do Estado para 2020 e provoca através dos artigos 389.ºe 390.º, respectivamente, um aditamento à Lei n.º34/2004
e uma alteração à Lei n.º112/2009 nos seguintes termos:
Lei n.º34/2004
Artigo 8.º-C
Vítimas de violência doméstica
1 – No caso de atribuição do estatuto de vítima do crime de violência doméstica previsto no artigo 152.ºdo
Código Penal, nos termos da Lei n.º112/2009, de 16 de setembro,presume-se, até prova em contrário, que a
vítima se encontra em situação de insuficiência económica.
2 – Nos casos previstos no número anterior,é garantida à vítima a célere e sequente concessão de apoio
judiciário, com natureza urgente.
Lei n.º112/2009
Artigo 25.º
[...] 1 –É garantida à vítima, com prontidão, consulta jurídica a efetuar por advogado, bem como a célere e
sequente concessão de apoio judiciário, com natureza urgente,nos termos legais. [...]
61 Artigo 25.º, n.º2, da Lei n.º112/2009.
62 O Protocolo n.º17/2000, publicado em Diário da República, 2.ªsérie – N.º118 – 22 de Maio de 2000 – foi celebrado
entre o Ministro da Justiça, a Ministra para a Igualdade e a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) com
o desígnio de consagrar o serviço de atendimento telefónico permanente às vítimas de violência doméstica.
Consultar, em particular, a cláusula 2.ª, alínea b).
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artigo 152.ºdo CP. Com isto se pretende afirmar que a especialização na área da VD vai mais
além do aludido conhecimento penal, sendo este apenas uma parte de um todo e é crucial
para o apoio profissional à vítima ser assertivo que o conhecimento do técnico seja o mais
denso e assente numa fluente articulação entre os diferentes instrumentos normativos.
Acresce que o contexto de violência doméstica que envolve a vítima é tão singular que
pode impor a necessidade de também ser apoiada na resolução – múltipla e em simultâneo
– de conflitos que implicam um enquadramento normativo mais vasto do antes retratado.
Provando com exemplos, a vítima de violência doméstica pode ser parte activa ou passiva
– para além do processo-crime – em processos (ora de natureza cautelar, ora definitiva)
de divórcio, de prestação de alimentos, de regulação das responsabilidades parentais ou
de promoção e protecção de menores (quando estes estejam sob a sua responsabilidade),
de partilha patrimonial, de insolvência pessoal, de execução de dívidas, de despedimento
laboral, de despejo habitacional, et caetera.
Em remate, a tutela da vítima de violência doméstica implica um apoio técnico pluri-
disciplinar que, também, se reflecte na dimensão jurídica dado que pode carecer de patro-
cínio em diversos processos, que cobrem diferentes áreas do direito para a qual o mesmo
advogado pode consubstanciar uma mais valia. Ademais, urge a presença obrigatória do
advogado, particularmente no âmbito penal e de família e menores, desde a fase processual
preliminar.
V. Apoio técnico-jurídico prestado à vítima de violência doméstica
O apoio técnico conferido à vítima de violência doméstica desdobra-se, consoante os casos,
em diferentes valências profissionais. Entre estas têm assumido maior protagonismo as
funções prestadas pelo polícia, médico (especialmente, o psicólogo), advogado e assistente
social, sem menosprezo pelas demais que avocam para si igual distinção, consoante as
necessidades que a vítima pretende colmatar.
Soma-se à multidisciplinaridade a complementaridade profissional. Somente um apoio
integrado (ou em rede) e sincronizado pode conduzir a vítima a obter maior estabilidade e
confiança, sendo estas atributos essenciais para o afastamento daquela do contexto mar-
cado pela violência doméstica.
Prova concreta deste aspecto extrai-se da situação em que a vítima recusa peremptoria-
mente apresentar queixa contra o agressor. Esta posição assumida configura um momento crí-
tico ou, mesmo, decisivo, para a assertividade da intervenção dos profissionais que a rodeiam.
Neste âmbito, é importante que o profissional reconheça, após tomar conhecimento do
crime practicado e da intenção vítima não apresentar queixa, o dever de denunciar a situa-
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ção às autoridades competentes, dado tratar-se de um crime de natureza pública
63
. É seguro
afirmar que ao jurista ou ao advogado é confortável, por hábito, medir as implicações que
envolvem a apresentação, ou não, de uma queixa-crime. Porém, igual dever germina para
os demais profissionais que naquele contexto contactem com a vítima.
Posto isto e ainda que exista o referido ónus de denúncia, tem sido praxis nos serviços
especializados de apoio às vítimas de violência doméstica efetuar-se uma espécie de gestão
do momento adequado para a denúncia sem desrespeito pelo prazo de seis meses, ao fim
do qual extingue-se o direito à queixa
64
. Para o efeito, tem sido considerado capital que a
denúncia ocorra somente após o momento em que já se tenha implementado uma estraté-
gia de protecção da vítima, dado que a natureza pública do crime promove o “accionamento
de várias medidas de protecção
65
. Com tal conduta pretende-se evitar que o conhecimento
da queixa por parte do autor do crime coloque a vítima numa situação de maior perigo do
que a vivida antes da respectiva participação.
Em particular, o advogado deve neste cenário assumir um papel igualmente proactivo,
sem descurar a reserva da factualidade encoberta pelo segredo profissional
66
, razão pela
qual se pensa que o levantamento do sigilo deve merecer um tratamento processual ágil
(dispensando-se procedimentos excessivamente burocráticos) em prol da tutela da vítima
de violência doméstica.
Aprofundando o apoio técnico-jurídico prestado à vítima de violência doméstica, alme-
ja-se destrinçar três tipos de profissionais: o técnico de apoio à vítima (comummente apeli-
dado pela sigla TAV), o jurista e o advogado.
O TAV é, em termos legais, “a pessoa devidamente habilitada que, no âmbito das suas
funções, presta assistência direta às vítimas”
67
. Os pressupostos e o procedimento a cum-
prir na aspiração a TAV
68
, controlados actualmente pela Comissão para a Cidadania e Igual-
dade de Género
69
, implicam que o candidato seja, por um lado, portador de uma habilitação
63 A natureza pública do crime de violência doméstica decorre da alteração provocada ao CP pela Lei n.º59/2007 e
é uma expressão de protecção máxima da dignidade da pessoa humana (artigo 1.ºda CRP).
64 Artigo 115.º, n.º1, do Código Penal.
65 Alves, Flávio Santos – «Resposta Organizacionais da PSP em Relação ao Crime de Violência Doméstica». In:
Politeia, Ano IX – Edição Especial, Lisboa: ISCPSI, 2012, p.79.
66 Artigo 92.º, n.º1, do EOA estatui que: “o advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional,
desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do
próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho
regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
67 Artigo 2.º, alínea c), da Lei n.º112/2009.
68 Artigo 83.º, n.º5, da Lei n.º112/2009.
69 Alínea a), do Ponto 1-, do Despacho n.º6810-A/2010, publicado em Diário da República, 2.ªsérie, 1.ºSuplemento
– N.º74 – 16 de Abril de 2010, que “define os requisitos e qualificações necessários à habilitação dos técnicos de
apoio à vítima”. No que respeita ao nível da habilitação, o Ponto 4- do mesmo diploma contemplou a seguinte
excepção: “as pessoas que, à data da entrada em vigor do presente despacho, sejam detentoras de habilitação
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académica de nível superior, preferencialmente na área das ciências sociais e humanas
ou, em alternativa a esta, deter experiência profissional relevante no domínio da violência
doméstica. E, por outro, o candidato deve obter aprovação numa formação teórico-práctica,
com a duração de 90 horas
70
.
Cruzando essa função com os recursos humanos admitidos em casas de abrigo, descor-
tina-se que esta resposta social dá preferência à contratação de TAV
71
. E adensa a mesma
quanto às habilitações, dando prevalência às áreas de serviço social, psicologia, educação
social e direito
72
.
O jurista ou jurisconsulto é um profissional habilitado, após a conclusão da formação
superior em direito, a proferir pareceres sobre questões de índole jurídica. Em contexto
de violência doméstica, destaca-se o papel de informar a vítima sobre os seus direitos e
deveres. Porém, esta função informativa não se deve equiparar à consulta jurídica que está
reservada ao advogado, como mais adiante se irá dar conta com detalhe, ressalvando-se
a situação especial dos “juristas de reconhecido mérito” e dos “mestres ou doutores em
Direito
73
.
O jurista pode prestar o referido apoio de modo individual ou institucional, sendo que
nesta última dimensão ressalta, logo, de exemplo a sua intervenção no âmbito da casa de
abrigo.
O advogado, considerado comummente como jurista particularmente qualificado, é
o profissional a quem está exclusivamente reservada a práctica dos denominados “actos
próprios dos advogados”
74
. Destacam-se destes “o exercício do mandato forense, “a con-
sulta jurídica
75
e “todos aqueles que resultem do exercício do direito dos cidadãos a fazer-se
acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”
76
.
A consulta jurídica reservada ao advogado
77
é uma actividade que funde os elementos de
interpretação das normas e respectiva aplicação em tese, tal como o jurista está apto a exe-
de nível secundário e exerçam, comprovadamente, a função de técnico de apoio à vítima ficam dispensadas do
cumprimento do requisito da posse de habilitação de nível superior previsto na alínea a) do n.º1.
70 Alínea b), do Ponto 1-, do Despacho n.º6810-A/2010.
71 Artigo 44.º, n.º1, do Decreto Regulamentar n.º2/2018.
72 Artigo 44.º, n.º2, do Decreto Regulamentar n.º2/2018.
73 Artigo 1.º, n.º2, da Lei n.º49/2004 (publicada em Diário da República, 1.ªsérie-A – N.º199 – 24 de Agosto de 2004)
e artigo 200.º, da Lei n.º145/2015 (publicado em Diário da República, 1.ªsérie – N.º176 – 9 de Setembro de 2015),
usualmente referida por Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA).
74 Artigo 1.º, da Lei n.º49/2004 e artigo 66.º, n.º1, do EOA.
75 Artigo 1.º, n.º5, da Lei n.º49/2004.
76 Artigo 1.º, n.º9, da Lei n.º49/2004.
77 Em modo de excepção, o advogado estagiário pode prestar consulta jurídica desde que esteja sob a orientação do
respectivo patrono – artigo 196.º, n.º1, alínea b), e n.º2 do EOA.
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cutar, com o de aconselhamento do modo como, a partir da casuística apresentada, devem
ser exercidos os direitos e satisfeitas as pretensões que legalmente assistem ao cliente
78
.
O referido aconselhamento pressupõe, em regra, uma remuneração
79
e é desencadeado
por uma solicitação, como reza a lei, “de terceiro”, no qual se inclui obviamente a vítima.
Por fim, o advogado pode conceder a consulta ora no âmbito do acesso ao direito, como
dever-desígnio diante da comunidade
80
, ora em modo individual ou liberal, sendo certo que
em ambos o exercício da advocacia comunga exactamente dos mesmos princípios deonto-
lógicos.
A consulta jurídica pode representar a antecâmara, ou não, do mandato forense que
venha a ser atribuído pela vítima ao advogado. Estando este devidamente mandatado pode,
destaca-se, exercê-lo diante de qualquer tribunal – mandato judicial – e actuar em repre-
sentação do mandante para negociar a constituição, alteração ou extinção de relações jurí-
dicas – mandato com representação
81
. Esta representação adquire, no âmbito da violência
doméstica, limitações e a melhor prova da indisponibilidade dos direitos da vítima é a sus-
pensão provisória do processo-crime depender da sua livre e esclarecida vontade
82
.
O mandato forense inicia-se por livre escolha do cliente ou por nomeação atribuída pela
entidade legalmente competente
83
. A execução do mandato pauta-se pelo equilíbrio entre,
por um lado, a liberdade, independência, isenção e plena autonomia técnica do advogado
84
,
e, por outro, a responsabilidade daquele prosseguir interesses estritamente profissionais
que visem defender os direitos, liberdades e garantias fundamentais do cliente, ao mesmo
tempo que pugna pela aplicação célere e mais adequada das normas (legais e deontológi-
cas)
85
.
Para finalizar, o TAV não tem de ser, necessariamente, expertise em direito, embora possa
ser jurista e não há impedimento legal para, simultaneamente, ser advogado da vítima. O
jurista pode aspirar a ser TAV e cumular funções com a advocacia. O advogado é o único
78 Artigo 3.ºda Lei n.º49/2004 e artigo 68.ºdo EOA.
79 A consulta jurídica prestada no âmbito do acesso ao direito confere ao advogado uma retribuição de 1/4 UC
(Unidade de Conta), que corresponde à módica quantia de 25,50€ – artigos 6.º, n.º1, 14.ºe 15.ºda Lei n.º34/2004,
e Ponto 11-, do Anexo da Portaria n.º1386/2004 (publicada em Diário da República, 1.ªsérie-B – N.º264 – 10 de
Novembro de 2004) por força do artigo 25.º, n.º1, da Portaria n.º10/2008 (publicada em Diário da República,
1.ªsérie – N.º2 – 3 de Janeiro de 2008). E fora daquele âmbito é, igualmente, saldada em dinheiro e esta quantia
deve obedecer à “compensação económica adequada pelos serviços prestados” – artigo 105.º, n.º1 do EOA -, salvo
se o advogado actuar a título do comummente designado pro bono.
80 Artigo 90.º, n.º2, alínea f), do EOA e artigo 20.º, n.º1 e n.º2 da CRP.
81 Artigo 67.º, n.º1, alíneas a) e b) do EOA e artigo 2.º, da Lei n.º49/2004.
82 Artigo 281.º, n.º7, do Código de Processo Penal.
83 Artigo 98.º, n.º1, do EOA.
84 Artigo 81.º, n.º1, e artigo 97.º, n.º2, do EOA.
85 Artigo 90.º, n.º1 e n.º2 alínea g), do EOA.
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profissional que pode prestar consulta jurídica à vítima e representá-la em juízo, porém
não está impedido de habilitar-se a ser TAV e exercer funções de jurista.
VI. A especialização do advogado em violência doméstica
A par da probidade, rectidão e honestidade
86
, a especialização do advogado é um factor de
interesse para o cliente dado que representa um estímulo à sua confiança
87
saber que, ao
solicitar os serviços de advocacia, pode estar diante de um profissional que apresente, ou
não, credenciais diferenciadas por domínio acrescido da área do direito em que vai operar.
Por princípio, está vedado ao advogado invocar uma área que considere ser a sua espe-
cialidade, particularmente por meios publicitários. Para divulgar a sua qualidade especial
carece de autorização da Ordem dos Advogados
88
.
O Estatuto da Ordem dos Advogados vigente expressa, desde 2015, diversas áreas em
que o advogado pode identificar-se como especialista
89
, as quais se crê subdividirem-se
entre as designadas áreas clássicas – tais como, o Direito Constitucional, Administrativo,
Fiscal, Financeiro e do Trabalho – e áreas contemporâneas – Direito Europeu e da Concor-
rência
90
.
A posteriori foi aprovado o “Regulamento Geral das Especialidades”, provocando uma
evolução no sentido de consagrar as áreas já reconhecidas – Direito Constitucional, Admi-
nistrativo, Fiscal e do Trabalho –, de ampliar e, assim, prever novas especialidades – Direito
da Família e Menores, do Consumo, do Ambiente, da Igualdade de Género, da Saúde e Bioé-
tica, Criminal e Societário – e de ajustar algumas áreas consagradas à realidade presente –
Direito da Propriedade Intelectual, Industrial e da Concorrência, e Direito Europeu (sendo
86 Ponto 2. das notas do artigo 97.ºdo EOA in Magalhães, Fernando Sousa – Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado,
14.ªEdição, Coimbra, Edições Almedina, 2019, página 156.
87 Artigo 97.º, n.º1, do EOA.
88 Artigo 70.º, n.º3, e artigo 94.º, n.º2, alínea f), do EOA.
89 O EOA vigente veio tornar expressa a especialização do advogado no seu artigo 70.º, ao invés do EOA precedente
(Lei n.º15/2005, publicada em Diário da República, 1.ªSérie-A – N.º18 – 26 de Janeiro de 2005) que remetia para
regulamento autónomo essa abordagem. Encontra-se no Regulamento n.º204/2006 (publicado em Diário da
República, 2.ªsérie – N.º209 – 30 de Outubro de 2006) o regime de atribuição do título de advogado especialista
e as áreas de práctica consideradas especialidades, que por sinal são idênticas às expressas na Lei n.º15/2005. É
necessário recuar ao Regulamento n.º15/2004 (publicado em Diário da República, 2.ªsérie – N.º81 – 5 de Abril
de 2004) para encontrar uma lista de especialidades mais resumida composta pelas seguintes áreas: Direito
administrativo; Direito fiscal; Direito do trabalho.
90 Artigo 70.º, n.º3, do EOA.
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que esta última área foi autonomizada da anterior)
91
. Neste domínio, a mais recente altera-
ção determinou o reconhecimento da especialidade de Direito Marítimo
92
.
Releva, agora, prender-se com detalhe ao referido regulamento para apreciar os moldes
de atribuição do título de “especialista. Este impõe, essencialmente, que o advogado exerça
há pelo menos dez anos e de modo ininterrupto na área de que pretende arrogar essa qua-
lidade. Além disso, o advogado deve demonstrar competência teórico-práctica na especia-
lidade a que se candidata, sendo necessário para o efeito advogar e acumular formação
93
.
A obtenção do título de advogado especialista assenta num procedimento exigente pois,
além do dever de comprovar documentalmente a sua formação e práctica na área jurídica
a que se propõe
94
, que pode ser complementada com declarações abonatórias de terceiros
95
,
o advogado é sujeito a uma prova oral pública para esclarecer o seu currículo profissional e
demonstrar domínio da respectiva especialidade
96
.
Após a atribuição do título de especialista, o advogado deve apresentar, ao fim de 5 anos,
um “curriculum profissional” que dê mostras de ter acumulado experiência profissional e
formação teórica na mesma área, sob pena de caducar automaticamente
97
.
Posto isto, afirmar que um advogado seja especialista em violência doméstica não tem
sustento normativo (ora estatutário, ora regulamentar). Ainda que o cliente possa ques-
tionar ao advogado pelo grau de domínio em assuntos afectos à violência doméstica, é
seu dever esclarecer que a Ordem dos Advogados não reconhece aquela especialidade. No
entanto, o advogado não está impedido de expor ao seu cliente que tem acumulado práctica
forense, sobretudo judicial, na tutela das vítimas de violência doméstica, ao mesmo tempo
que tem acolhido formação teórica na área (como é exemplo notório o curso TAV).
De todo o modo, importa equacionar, em tese, a viabilidade do advogado requerer à
respectiva Ordem que seja reconhecido a qualidade de especialista em violência doméstica
pelo acumular, há mais de dez anos, de experiência teórico-práctica nesse âmbito.
Antevê-se, desde logo, o indeferimento liminar dessa pretensão como reacção prelimi-
nar e imediata do Conselho Geral da Ordem dos Advogados, caso o candidato invoque espe-
cificamente a especialidade em “violência doméstica”, a qual não é legalmente reconhecida
consoante já foi frisado
98
.
91 Artigo 5.ºe Anexo do Regulamento n.º9/2016 (publicado em Diário da República, 2.ªsérie – N.º3 – 6 de Janeiro
de 2016).
92 Deliberação n.º1004/2016 (publicado em Diário da República, 2.ªsérie – N.º116 – 20 de Junho de 2016).
93 Artigo 3.ºe 4.º, n.º1, do “Regulamento Geral das Especialidades” (RGE).
94 Artigo 6.º, n.º2 e n.º3, e artigo 7.ºdo RGE.
95 Artigo 6.º, n.º4, do RGE.
96 Artigo 10.º, n.º2, do RGE.
97 Artigo 4.º, n.º2, do RGE.
98 Artigo 6.º, n.º3, do RRGE.
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Avançando na equação explora-se, agora, em que medida a experiência acumulada no
âmbito da violência doméstica pode constituir fundamento para o advogado ser conside-
rado especialista numa área efectivamente reconhecida, testando-se – por razões óbvias – o
“Direito Criminal”, o “Direito da Família e Menores” e o “Direito da Igualdade de Género”.
Seguindo a linha de pensamento anteriormente explanada, não restam dúvidas que a
violência doméstica emergiu no nosso ordenamento pelo Direito Criminal, com a introdu-
ção do tipo legal de crime que visa reprimir aquela conduta. Porém, a violência doméstica
é um flagelo social que não se resume ao foro criminal até porque a recusa da vítima na
denúncia do crime (e este configura um cenário mais real do que hipotético) exclui a inter-
venção penal, ainda que não elimine a qualidade de pessoa ofendida. Acresce que a tutela da
vítima implica, consoante os casos, o recurso judicial por áreas do direito distintas da penal,
sobressaindo-se o domínio da família e de menores.
A mesma linha de raciocínio desenvolvida serve para vetar a candidatura do advogado
à especialidade em “Direito da Família e Menores”. E dado que o regulamento sub judice não
contempla uma candidatura conjunta a diferentes especialidades, julga-se insustentável
que o advogado com experiência acumulada em violência doméstica aglomere a qualidade
de especialista em “Direito Criminal” e “Direito da Família e Menores”. Analisando por
outro prisma, a candidatura às especialidades invocadas pode ser efectuada em simultâneo
e separadamente, porém crê-se improvável o deferimento pelo Conselho Geral da Ordem
dos Advogados, dado que a experiência afecta à violência doméstica funda-se exactamente
na mesma experiência e curriculum.
Por fim, a especialidade advocatória em “Direito da Igualdade de Género” não se coa-
duna com a violência doméstica. Ainda que esta se reproduza, pelos indicadores aludidos,
em larga escala no seio das relações conjugais, evidenciando a desigualdade ou o predo-
mínio do género masculino sobre o feminino, a dimensão pessoal subjacente à violência
doméstica é mais ampla, sendo a violência filio-parental um claro exemplo
99
.
Para concluir, conjecturam-se os obstáculos à inclusão da violência doméstica na refe-
rida lista da especialidade do advogado. Esta temática não corresponde a uma disciplina
autónoma do direito, além de que a defesa da vítima pode alastrar a intervenção por diver-
sos domínios jurídicos, sendo que determinados destes já estão reconhecidos como espe-
cialidades da advocacia (como, reitera-se, o direito criminal e, o direito de família e meno-
res). Em sentido inverso, a admissão da especialidade “Direito da Igualdade de Género” é
99 Conferir o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º2255/15.7T9PRT.P1, de 12/10/2016
(consultado a 01/05/2020) Disponível em: http://www.dgsi.pt.
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um sinal claro da especialidade do advogado não ter, forçosamente, de corresponder a uma
típica área do direito.
Em suma, o “Regulamento Geral das Especialidades” não contempla a especialização do
advogado em violência doméstica, ainda que esse reconhecimento consubstanciasse um
reforço condigno da tutela da vítima, além de ampliar a sua confiança no advogado.
VII. Considerações ad futurum
Pensar na especialização do advogado em violência doméstica é uma cogitação focada
na posição da advocacia, quer na matriz institucional a cargo da Ordem dos Advogados,
quer na matriz individual exercida pelo advogado, enquanto profissão indispensável para
a efectivação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais da vítima de violência
doméstica
100
.
Dado que a violência doméstica não é, aos dias de hoje, uma área reconhecida pela
Ordem dos Advogados que conduza à atribuição de um título de especialista, tem-se de
situar a apreciação do à-vontade do advogado no domínio da temática mediante duas pers-
pectivas: o da competência e o da disponibilidade
101
.
A disponibilidade é conditio sine qua non para o advogado aceitar o patrocínio. Contudo,
o advogado, ainda que preveja impossibilidade ou mera restrição que o afaste da gestão
imediata do assunto que lhe seja confiado, pode aceitar o patrocínio desde que actue con-
juntamente com outro colega que apresenta essa disponibilidade.
Este panorama de cooperação entre advogados, cujos moldes é desnecessário neste
momento verter, é uma práctica rotineira da actividade. Sucede, porém, que no âmbito da
violência doméstica, a referida actuação conjunta pode comprometer o apoio mais ade-
quado à vítima.
É consabido que a vítima procura obter suporte em determinada pessoa ou profissional,
que constitua a alavanca para abandonar definitivamente a relação marcada pela violência.
O advogado pode assumir ou, até, ser um forte candidato a desempenhar esse papel,
considerando a importância de deter elevados conhecimentos jurídicos. Indubitavelmente
está reservado ao advogado a capacidade para informar a vítima, esclarecer os procedimen-
tos e timings judiciais, bem como prestar as orientações que salvaguardem os interesses
da mesma conduzindo-a para uma situação futura em que venha a obter segurança e paz.
Desse modo, o vínculo entre o advogado e a vítima supera o patamar da confiança, a qual
100 Artigo 3.º, alínea a) e artigo 90.º, n.º1, do EOA.
101 Artigo 98.º, n.º2, do EOA.
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(reitera-se) ser essencial e recíproca para a harmonia da relação, e eleva-se para o grau de
“referência.
São vários os indicadores que revelam as circunstâncias em que o advogado se assume
diante da vítima como uma espécie de “técnico de referência.
Primeiro, a relação torna-se unidireccional e a vítima jamais toma uma decisão sem a
respectiva validação pelo advogado.
Segundo, a indispensabilidade da presença do advogado na fase pré e pós-judicial para a
efectiva tutela da vítima equipara-se à sua obrigatoriedade de estar em juízo
102
.
Terceiro, os atendimentos são, por norma e como costume da profissão
103
, executados
de modo presencial e em sessões contínuas, com um carácter de periodicidade frequente,
embora, adaptável às circunstâncias (oscilando, assim, entre o mínimo de 1 a 2 sessões
semanais, até ao máximo de um contacto quinzenal).
Quarto, qualquer diligência que exija a presença da vítima diante das autoridades é
cumprida sempre com o acompanhamento do advogado, ainda que a intervenção deste não
seja exigida por lei ou, tenha uma dimensão e oportunidade diminuta.
Quinto, o pedido de indemnização (em dinheiro) a favor da vítima não deve resumir-se
ao arbitramento oficioso
104
. O advogado deve trabalhar a motivação da vítima na formula-
ção desse pedido quando esta manifeste a habitual recusa ou desinteresse pelo ressarci-
mento. Para determinar esta transformação, é imperioso dar inicialmente por assente que
a compensação financeira nunca há-de representar uma digna alternativa à reconstituição
natural da realidade passada. A partir deste ponto, importa consciencializar a vítima que
a auto-negação do ressarcimento é abdicar de um direito que corrói o binómio “liberda-
de-responsabilidade” – princípio elementar e indispensável à convivência social – e, por-
ventura, com repercussões futuras em alterações normativas que diminuam a tutela das
demais vítimas. Neste âmbito, assinala-se que, em certos casos, tem obtido resultados prác-
ticos profícuos expor-se à vítima que o modo de pagamento pode ser concretizado com
base num adiantamento por parte do Estado Português
105
(o que afasta a indisponibilidade
102 A fase pré-judicial é marcada, basicamente, pelo direito à informação para capacitar ou empoderar a vítima na
adopção de condutas que contribuam para a erradicação da violência doméstica. Esta fase pode consubstanciar
a antecâmara da fase judicial, marcada pela propositura e prosseguimento de processos judiciais. E a fase pós-
judicial verifica-se após o trânsito em julgado de todos os processos e foca-se no apoio à vítima para em face
da evolução das circunstâncias ser apreciado quaisquer alterações que possam justificar nova intervenção
judicial.
103 M, Fernando Sousa – Estatuto da Ordem dos Advogados Anotado, 14.ªEdição, Coimbra: Almedina, 2019,
p.96 – ponto 9. das notas do artigo 68.ºdo EOA.
104 Conferir nota de rodapé n.º57.
105 Conferir nota de rodapé n.º57 e 58.
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financeira do efectivo responsável) e da indemnização consubstanciar um apoio extrema-
mente útil para a autonomização da vítima, dado ser frequente a sua fragilidade financeira.
Por fim, a advocacia deve assumir-se como um meio efectivo de suporte para a vítima
cambiar a violência pela paz doméstica e, quando este cenário se concretiza, a vítima vai
seguramente enaltecer o resultado obtido destacando o contributo do advogado.
Posto isto, o patrocínio aceite por um advogado na condição de ser exercido por outro,
que demonstre tal disponibilidade, pode constituir dois dilemas que merecem de seguida
atenção.
No momento em que a indisponibilidade do advogado ocorre ab initio, a vítima pode
ver gorada a confiança depositada no profissional que escolheu para o seu patrocínio. Em
sequência, antevê-se que a intenção da vítima em exercer os seus direitos seja enfraque-
cida, além de que compromete a futura confiança no advogado recomendado. Descendo à
realidade, pense-se na situação típica da vítima que vive anos a fio (para não dizer décadas)
sem se libertar da relação abusiva e, quando obtém coragem para dar esse passo, pode escu-
tar uma resposta ”meio-termo”.
Por sua vez, no momento em que a indisponibilidade do advogado se verifica a poste-
riori ou durante o decurso do processo judicial, o sentimento de insegurança e descrédito
no advogado mandatado apossam-se da vítima e, em sequência, compromete-se a qualidade
de intervenção judicial e, concomitantementem a diminuição das respetivas garantias. Con-
cretizando, não é recomendável o advogado prescindir a reunião presencial com a vítima em
momento prévio à intervenção judicial e tão-pouco não estabelecer contacto com aquela antes
dessa diligência. Não é, de todo, recomendável que a vítima, em cumprimento de convocató-
ria para diligência judicial, seja, somente nesse momento, confrontada com a representação
por advogado, com base em substabelecimento, diferente daquele inicialmente mandatado.
No que concerne à competência, o advogado, nos mesmos moldes antes elucidados
quanto à disponibilidade, pode aceitar o patrocínio desde que actue conjuntamente com
outro colega que apresente essa aptidão.
A competência do advogado representa no apoio conferido à vítima de violência domés-
tica a outra face da moeda composta pela disponibilidade. Deste modo, as observações já
apresentadas acerca da confiança e (eventual) nível de “referência” no plano da disponibi-
lidade, consideradas essenciais para a harmonia da relação advogado-cliente/vítima, são
profícuas no plano da competência do advogado, mutatis mutandis.
Sob o ponto de vista da competência, aprecia-se o conforto do profissional mediante o
domínio das diversas áreas do direito (e, quiçá, de outras áreas científicas) que abarquem as
necessidades de tutela da vítima de violência doméstica, cuja amplitude está intrinsecamente
afecta à singularidade da casuística e à mutação frequente das circunstâncias envolventes.
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No seguimento da linha de pensamento anteriormente exposta, o campo jurídico sub-
jacente a uma situação de violência doméstica não se cinge ao código penal (e, obviamente,
ao processo penal). É indiscutível que idealiza uma óptima base de conhecimento o facto
do advogado manusear assiduamente esses códigos, conjugando-os com o “regime jurídico
aplicável à prevenção da violência doméstica, à protecção e à assistência das suas vítimas”,
sem preterir o respectivo entroncamento no direito constitucional, europeu e internacio-
nal. Porém, soma-se ao dever do advogado, este estar apto para observar e invocar as nor-
mas dos demais ramos de direito em que se enquadrem as necessidades e interesses que a
vítima pretende tutelar.
O domínio e a conjugação assertiva de diversos e vastos instrumentos normativos
implicam que o serviço do advogado atinja um nível de exigência considerável. Contudo, o
raio de acção do advogado pode ser superior quando ambiciona absorver conhecimentos de
outras áreas científicas que se debruçam sobre a mesma problemática.
Este plus gnosiológico potencia a qualidade do atendimento e orientação jurídica, dado
que amplia o leque de ferramentas e saberes que permitem ao advogado compreender
melhor a situação vivencial da vítima. Neste sentido, os contributos científicos mais pro-
fícuos situam-se nos domínios da psicologia, psiquiatria, criminologia, sociologia, assis-
tência e reinserção social. Em detalhe, conteúdos associados à vitimologia, às dinâmicas
da violência doméstica e, à reinserção e prevenção da revitimização dilatam o know-how do
advogado que pretenda patrocinar uma vítima de violência doméstica.
A absorção de conhecimento extrajurídico pelo advogado representa um engrandeci-
mento ad hoc à sua formação base, o qual pode ser obtido de modo informal ou programado,
sendo que este último confere habitualmente uma certificação ou diploma. Com isto não
se pretende induzir que a especialização do advogado em violência doméstica deve passar,
forçosamente, pela frequência de formação específica nessa área (identificando-se, neste
momento, o curso TAV como o melhor exemplo possível), porém essa opção aprimora sem
dúvida a sua actuação.
Nesta esteira, o advogado deve assumir, também, uma postura de cooperação em rede
com os demais profissionais que prestem assistência e protecção à vítima. O advogado que
promova esse envolvimento em rede, amplia a segurança da vítima ao mesmo tempo que
exerce um patrocínio proactivo e, consequentemente, fortalecedor da confiança essencial
para a relação profissional
106
.
106 Por exemplo: o advogado deve informar a vítima que tem o direito de recolher os seus pertences pessoais na
residência onde permaneça o agressor e ser acompanhada, quando necessário, pelas autoridades policiais;
o advogado pode estabelecer contacto com a esquadra competente para aferir qual o modus operandi no
acompanhamento da vítima à residência, porém uma vez efectuada essa ligação com as autoridades deve,
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Posto isto, todo o advogado deve realizar, previamente à aceitação do patrocínio de uma
vítima de violência doméstica, um exercício de consciência acerca da sua disponibilidade
e competência, reconhecendo que ao assumir o serviço está a comprometer-se com uma
intervenção proactiva, meticulosa, dinâmica e harmoniosa com os diversos modos de apoio
à vítima e apta a dar cobertura nas diferentes áreas do direito necessárias à efectivação dos
direitos, liberdades e garantias fundamentais do cliente.
Ao longo do presente artigo nunca foi proferido o termo “honorários”, porém neste
âmbito é um tópico que não pode passar em branco. De todo o modo, o critério legal defi-
nido no EOA é extramente claro. Este oferece a consabida amplitude de fixação de hono-
rários, mediante a qual o advogado justifica pelo serviço prestado uma compensação eco-
nómica concreta, sendo que na práctica a conta apresentada ao cliente pode resumir-se a
umas razoáveis centenas de euros até a uns sobejos milhões
107
.
A atenção rogada não deve prender-se, assim, com o critério de fixação de honorários
porque a partir do momento que o advogado descrimine os serviços e apresente um valor
em consonância com as directrizes legais – que, topicamente, vão desde a importância,
complexidade, urgência, criatividade, resultado, tempo até à responsabilidade –, o cliente
deve compreender e aceitar (pagar).
Ainda que se equacione o cenário de uma acentuada dicotomia entre o substancial valor
apresentado a título de honorários (calculado atenta a actuação exigente e exímia do advo-
gado) e a manifesta insuficiência financeira da vítima (fruto do contexto vivencial subja-
cente à violência doméstica condicionar a sua capacidade de pagamento), não se antevê
impedimento para a apresentação de uma nota de honorários com um valor final elevado,
nem a vítima está exonerada de cumprir a sua obrigação.
Neste tópico, o alerta que se pretende assinalar tem como destinatário, por um lado, as
entidades que contribuíram para, até aos dias de hoje, estar em vigor no âmbito do acesso
ao direito uma tabela de honorários aprovada em 2004
108
. Recorda-se que esta tabela prevê
valores de compensação que podem ficar muito aquém de uma remuneração consonante a
disponibilidade e competência exigida ao advogado que patrocine uma vítima de violência
doméstica
109
. Às mesmas entidades aproveita-se para apelar que é profícua a nomeação do
mesmo advogado para acompanhar a vítima nas diversas causas que tenha necessidade de
de seguida, orientar a vítima para o efeito; o advogado pode, ainda, monitorizar (preferencialmente, de modo
presencial) a diligência de recolha dos pertences da vítima e, na eventualidade, de ocorrer qualquer entrave ao seu
sucesso, deve promover, de imediato, os procedimentos previstos na lei para a vítima efectivar o referido direito.
107 Artigo 105.º, do EOA,
108 Conferir nota de rodapé n.º79.
109 Citam-se, a título de exemplo, duas situações remuneratórias: 25,50€ pela consulta jurídica e 280,50€ pelo
processo penal cujo crime seja da competência seja do tribunal singular.
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accionar pelas razões antes expostas, porém o ónus desse patrocínio múltiplo deve, igual-
mente, proporcionar uma remuneração adequada e, como tal, mais robusta do que o mero
somatório das parcelas tabeladas no referido diploma de 2004.
E por outro, dirige-se uma mensagem de apelo ao advogado, que actua no âmbito do acesso
ao direito, para reforçar que a aceitação de defesa de uma vítima de violência doméstica seja
feita com apreço pela elevada disponibilidade e competência inerente à situação, pelas razões
já apontadas. Recomenda-se, assim, a recusa da nomeação para patrocínio oficioso pelo advo-
gado que pretenda somente cumprir “pelo mínimo” as suas obrigações legais e deontológicas.
Em respeito pelo sentido de humanismo que a advocacia deve perseguir, não soçobram dúvi-
das que, se há pessoa que carece de um apoio jurídico extremosamente afincado e balançado
para o máximo empenho profissional, uma dessas é a vítima de violência doméstica.
Não se almeja com o presente ensaio justificar-se que a violência doméstica passe a
integrar o rol de especialidades da advocacia, embora, a admitir-se futuramente esse cená-
rio, antevê-se que representaria um passo institucional para afirmar a advocacia como pro-
fissão baluarte na tutela dos direitos, liberdades e garantias fundamentais da vítima.
É certo que esta prossecução combina, por si só, com o espírito e missão da advocacia, de
todo o modo, a dignidade associada a esta nobre profissão está, permanentemente, sujeita
a teste. E uma causa desta natureza exige sempre que o advogado abrace afincadamente a
tutela da vítima dado que é o caminho necessário percorrer para erradicar a desigualdade,
a privação individual e a arbitrariedade que tortura a mesma.
É consabido que são múltiplos os profissionais indispensáveis à assistência e protec-
ção da vítima de violência doméstica. Porém, defende-se que a obtenção do comum senti-
mento de justiça que a vítima persegue, envolve necessariamente um apoio executado por
advogado expertise em violência doméstica. Deve-se, assim, encarar que o caminho rumo à
máxima prevenção e repressão de violência doméstica passa pela especialização dos recur-
sos que cooperam para amparar a vítima, inclusive o advogado.
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Jurisprudencial
Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, no processo n.º1290/12.1PBAVR.C1, de 29/01/2004.
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Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º2255/15.7T9PRT.P1, de 12/10/2016.
Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, no processo n.º201/16.06GBBCL.G1, de 06/02/2017.
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Outros documentos
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portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v =ad5c fe37-0d52-412e-83fb-7f098448d ba7.
Entidade Reguladora Para a Comunicação Social – Representações da Violência Doméstica nos telejornais de
horário nobre, disponível em: https://www.flipsnack.co m/ERCpt/representa-es-viol-ncia-dom-stica-nos-
telejornais-de-hnobre/full-view.html.
Governo da República Portuguesa – Dados Trimestrais | Violência Doméstica, disponível em: https://www.
portugal.gov.pt/download-ficheiros/ficheiro.aspx?v=8ed0 c295-d1c7-4c67-be38-a179413ade57.
União de Mulheres Alternativa e Resposta, Relatório do Observatório de Mulheres Assassinadas de 2018,
disponível em: http://www.umarfeminismos.org/images/stories/ oma/Relat%C3%B3rio_OMA_2019.pdf.