GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
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O aproveitamento ilícito da semelhança com
amarca de prestígio – O acórdão Gullón-OREO
The unfair advantage taken of reputed marks similarity
–TheGullón-OREO case
RUBEN BAHAMONDE
1
rbahamonde@autonoma.pt
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · e‑ISSN 2184‑1845
Volume XXI · 1
st
January Janeiro–30
TH
June Junho 2020 · pp. 180‑186
DOI: http://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXI.1.9
Submitted on June 6
th
, 2020 · Accepted on June 15
th
, 2020
Submetido em 6 de junho, 2020 · Aceite a 15 de junho, 2020
Introdução
No dia 28.05.2020 a Sétima Secção do Tribunal Geral proferiu o acórdão que será objecto
deste comentário, onde se julgou improcedente o recurso interposto pela sociedade Galle-
tas Gullón S.A., inconformada com a decisão da Segunda Sala de Recurso da EUIPO, que
recusou o registo de uma marca da União correspondente a um signo figurativo por exis-
tir uma marca anterior registada de prestígio “OREO” da International Great Brands LLC
2
.
A relevância desta decisão resulta da delimitação da protecção conferida pela normativa
comunitária às marcas de prestígio
3
, fornecendo parâmetros concretos para identificar a
existência de uma marca de prestígio, ainda quando este prestigio advenha da utilização
conjunta com outra marca, bem como da verificação das condições ou elementos que per-
mitem constatar a existência de um sinal distintivo idêntico ou semelhante posterior, que
possa implicar uma utilização parasitária ou “free riding problem.
1 Professor Associado da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL). Diretor e investigador do Ratio Legis – Centro
de Investigação em Ciências Jurídicas da UAL.
2 Processo T-677/18 – Galletas Gullón/EUIPO – Intercontinental Great Brands (gullón TWINS COOKIE SANDWICH),
disponível em: http://curia.europa.eu/juris/liste.jsf?oqp=&for=&mat=or&jge=&td=%3BALL&jur=C%2CT%2CF&nu
m=T-677%252F18&page=1&dates=&pcs=Oor&lg=&pro=&nat=or&cit=none%252CC%252CCJ%252CR%252C2008E%25-
2C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252C%252Ctrue%252Cfalse%252Cfalse&language=pt&avg=&cid=6573263
3 Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da
União Europeia (DO 2017, L 154, p.1).
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Antecedentes
Em 26.03.2015, a sociedade Galletas Gullón S.A. apresentou um pedido de registo de marca
da União Europeia perante o Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUI-
PO)
4
para a classe 30 de Nice, que corresponde, entre outras descrições, a «biscoitos»
5
. A
marca solicitada, onde se reivindicaram as cores verde, amarelo, branco, azul e castanho
escuro foi a seguinte:
Após a publicação do pedido de registo no Boletim de Marcas Comunitárias, a Interna-
tional Great Brands LLC apresentou em 07.08.2015 oposição com fundamento na titularidade
das marcas anteriores registadas seguintes:
1 2
A marca figurativa da União registada em 22.02.2010, com o n.º8566176, «Primeira
marca anterior», e a marca figurativa espanhola registada em 22.06.2009 com o n.º2845539
«Segunda marca anterior» ambas para os produtos da classe 30.
Em 07.09.2017 a Divisão de Oposição aceitou a oposição com base no n.º5 do artigo 8.ºdo
Regulamento (UE) 2017/1001 e com fundamento na marca figurativa da União n.º8566176
4 A normativa em vigor à data do pedido era o Regulamento (CE) N.º207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de
2009, sobre a marca da União Europeia (DO 2009, l78, p.1), posteriormente substituído pelo Regulamento (UE)
2017/1001. Todas as referências neste documento serão feitas ao Regulamento atualmente em vigor.
5 Classificação Internacional de Produtos e Serviços para o Registo de marcas, de 15 de junho de 1957, na sua versão
actual (11.ªEd.).
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(1ª), não permitindo o registo da marca solicitada pela Galletas Gullón S.A.. Inconformada
com esta decisão a Gullón recorreu da mesma perante a EUIPO, nos termos dos artigos
66.ºa 71.ºdo mencionado Regulamento, mas a Segunda Secção de recurso desestimou-o na
sua decisão de 05.09.2018, considerando que a marca solicitada obteria uma vantagem des-
leal do prestígio da primeira marca anterior, sufragando assim o entendimento da Divisão
de Oposição. Continuando inconformada, a Gullón recorreu esta nova decisão em 19.11.2018
perante o Tribunal Geral no âmbito do processo T-677/18, cujo acórdão é objecto do pre-
sente comentário, pedindo a anulação da decisão impugnada com base na violação do n.º5
do artigo 8.ºdo Regulamento (UE) 2017/1001.
Os contornos do litígio
O n.º5 do artigo 8.ºdo Regulamento (UE) 2017/1001 estabelece especificamente a seguinte
tutela para as marcas de prestígio:
o pedido de registo de uma marca idêntica ou semelhante à marca anterior é rejei-
tado, independentemente de essa marca se destinar a ser registada para produtos ou ser-
viços idênticos, afins ou não afins àqueles para os quais a marca anterior foi registada,
sempre que, no caso de uma marca da UE anterior, esta goze de prestígio na União ou,
no caso de uma marca nacional anterior, esta goze de prestígio no Estado-Membro em
causa, e sempre que a utilização injustificada da marca para a qual foi pedido o registo
tire
6
indevidamente partido do caráter distintivo ou do prestígio da marca anterior ou lhe
cause prejuízo
7
Este preceito pressupõe a verificação cumulativa da (1) existência de semelhança ou
identidade das marcas em conflito (2) verificação de uma marca de prestígio anterior legi-
timadora da oposição e (3) a constatação da possibilidade de que um uso injustificado do
signo permita retirar uma vantagem desleal ou possa causar prejuízo ao carácter distintivo
ou prestígio da marca anterior.
6 A versão original em inglês utiliza a conjugação verbal “would take” e a espanhola a conjugação verbal “pretendiera
obtener” o que resulta mais adequado para a interpretação que é dada a este requisito. O artigo 235.º do DL
n.º110/2018, de 10 de dezembro (CPI) utiliza um tempo verbal mais adequado que a tradução do Regulamento,
nomeadamente “procure tirar partido”, o que muito abono para uma maior harmonização e clareza.
7 É importante sublinhar que na sua versão espanhola, o Regulamento foi traduzido fazendo referência às marcas
de «renombre» adotando para as marcas nacionais a mesma nomenclatura (artigo 8.ºda Ley 17/2001, de 7 de
diciembre, de Marcas). Já em Portugal, os artigos 234.ºe 235.ºdo CPI mantém a confusa dicotomia entre marcas
notórias e de prestígio.
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A Gullón fundamentou o seu recurso nos seguintes argumentos relativos à primeira
marca anterior: (1) Falta do carácter distintivo da forma da bolacha; (2) falta de prestígio; (3)
Inexistência de semelhança e (4) inexistência de prejuízo.
No que diz respeito ao primeiro fundamento, a recorrente afirmou que nenhum opera-
dor pode deter um direito de exclusivo sobre a forma de uma bolacha redonda, preta e com
recheio de creme branco. Considerando que o elemento distintivo da primeira marca ante-
rior se baseava na palavra “oreo” escrita sobre a forma tridimensional em causa, e não a pró-
pria forma tridimensional. No entanto, este fundamento foi recusado por estar-se perante
uma marca tridimensional anterior registada, cujo carácter distintivo resulta demonstrado
pela análise realizada aquando da sua concessão.
No que respeita à inexistência de semelhança entre a marca anterior e a marca solici-
tada, o Tribunal pontualizou que o grau de semelhança entre as marcas para aplicação do
n.º5 do artigo 8.ºdo Regulamento é inferior ao grau de semelhança exigido na alínea b)
do n.º1 do mesmo artigo, onde esta semelhança deve implicar um risco de confusão no
espírito do público. No caso dos autos, nas marcas de prestígio, não é preciso que a seme-
lhança existente crie risco de confusão, basta com que tal semelhança exista. O exame da
semelhança entre as marcas deve ser efectuado no seu conjunto tendo em consideração a
impressão que deixa na memória do público pertinente.
No caso em apreço, a marca anterior consiste num sinal tridimensional composto pela
forma de duas bolachas pretas com recheio de creme branco, formato sandwich. As faces da
bolacha têm uma borda vincada, um interior cheio de elementos geométricos e no centro
um óvalo com o elemento denominativo «OREO».
A marca solicitada consiste numa marca composta, constituída pela imagem de duas
bolachas sandwich, com uma borda vincada, um interior cheio de elementos geométricos e
no centro um círculo. Esta marca também continha as palavras “Gullón, “twins”, “cookies”
e “sandwich, assim como duas setas e diversas cores.
Neste particular, o Tribunal começou por estabelecer que, se é certo que em princípio, os
elementos denominativos são mais distintivos do que os elementos figurativos, nada obs-
taria a que no caso concreto, o elemento figurativo fosse mais distintivo do que o elemento
denominativo. Ou seja, no caso em apreço, tratava-se de estabelecer se o elemento figurativo
– imagem tridimensional da bolacha -, era aquele mais distintivo nas marcas em confronto,
ou se porventura, seria o elemento denominativo, em cujo caso a diversidade e diferença de
palavras utilizadas pela Gullón permitiriam sustentar a inexistência de semelhança entre as
marcas quando apreciada no seu conjunto. O Tribunal entendeu que os elementos predo-
minantes na marca solicitada eram as duas bolachas, a palavra twins, cookies, sandwich e a
palavra gullón. Dentro deste conjunto, as duas bolachas castanhas escuras, com bordas vin-
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cadas e faces com figuras geométricas tinham uma posição relevante na percepção da marca
solicitada. Por seu turno, na marca anterior, a designação «OREO» aparece quase disfarçada
dentro do óvalo existente na face com formas geométricas e borda vincada da bolacha san-
dwich, pelo que também neste caso, não se pode considerar que o elemento denominativo
fosse nem o único, nem o mais distintivo, nem o mais predominante.
Feitas estas considerações, em termos visuais, e apesar da diversidade de elementos
denominativos e figurativos que acompanham a imagem das bolachas controvertidas na
marca solicitada, o Tribunal sufragou o entendimento da Sala de Recurso ao constatar uma
semelhança baixa com a marca anterior. No que respeita à semelhança conceitual das mar-
cas, tendo em consideração que a marca anterior sugere uma bolacha sandwich escura com
recheio branco e faces com desenhos, tal conceito também surge na marca solicitada, podendo
constatar-se in casu, uma escassa semelhança conceitual dos sinais em conflito devido à diver-
sidade de elementos que acompanham esta última. Assim, pese embora de forma escassa ou
baixa, foi ratificada a existência de semelhança entre os signos conflituantes.
No tocante à falta de prestígio da primeira marca anterior, o Tribunal relembra que o
preenchimento deste requisito implica que a marca anterior seja conhecida por uma parte
significativa do público destinatário dos produtos ou serviços designados por ela. Para esta
aferição será relevante a quota de mercado da marca anterior, a intensidade, a difusão geo-
gráfica e a duração do seu uso, assim como os investimentos realizados para a sua promo-
ção. Neste ponto, a recorrente afirmou que da documentação junta aos autos apenas resul-
taria a constatação do prestígio da marca denominativa «OREO» e não o da marca anterior
ora em conflito. Na sua fundamentação, o Tribunal relembra que quando uma marca de
prestígio, no caso «OREO», é utilizada em conjunto com outra marca anterior figurativa
com a imagem da bolacha, esta pode adquirir o carácter distintivo e prestígio daquela, sem-
pre que o público interessado continue aferindo que os produtos de que se trate provêm
da mesma empresa
8
. Nesta sequência, e face aos documentos juntos aos autos, o Tribu-
8 Acórdão de 28.02.2019, PEPERO, original, T.459/18, ponto 131. Nesta situação, a sociedade Lotte Corp. em 21.11.2008,
solicitou o registo de uma marca da união composta pela forma tridimensional de um conjunto de bolachas tipo
palitos cobertas nas suas três quartas partes por uma camada de chocolate e o sinal denominativo PEPERO. Em
22.03.2015 a sociedade Générale Biscuit-Glico France, detentora da marca figurativa consistente numa bolacha
tipo palito coberta de chocolate nas suas três quartas partes, associada à marca nominativa MIKADO, solicitou a
nulidade da mara figurativa PEPERO, por violação do actual n.º5 do artigo 8.ºdo Regulamento Regulamento (UE)
2017/1001. Na sua decisão final, o Tribunal confirmou a anulação da marca figurativa PEPERO (com os desenhos das
bolachas palito) com base na existência da marca figurativa anterior “bolacha tipo palito coberta de chocolate nas
suas três quartas partes” uma vez que esta tinha adquirido a qualidade de marca de renome ao ser comercializada
associada à marca nominativa MIKADO, cujo renome estava amplamente acreditado. Vid. http://curia.europa.
eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=E25AFDE5A5FA30E67AA0BA46BF7EA1A9?text=&docid=211222&pageIndex
=0&doclang=FR&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=9385440.
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nal acompanhou o anterior posicionamento da Sala de Recurso, considerando ser a marca
anterior, devido ao seu uso prolongado e intensivo, uma marca de prestígio excepcional.
Chegados a este ponto, o Tribunal debruçou-se sobre o quarto fundamento do recurso,
baseado na inexistência de vinculação entre as marcas em conflito, a existência de justa
causa para a utilização da marca posterior, a inexistência de prejuízo para a marca anterior
e a falta de obtenção de uma vantagem desleal. Antes de prosseguir para esta análise, o Tri-
bunal esclarece que para aplicação da tutela do n.º5 do artigo 8.ºdo Regulamento 2017/1001,
basta que concorra apenas uma das três infrações previstas, i.e., (1) prejuízo causado ao
carácter distintivo da marca anterior, (2) prejuízo causado ao renome desta marca, ou (3) a
vantagem desleal que seja obtida do carater distintivo e prestígio da marca.
No que diz respeito ao risco de vinculação entre as marcas em conflito, foi sufragado o
entendimento da Sala de Recurso, ao concluir que o público pertinente iria associar a marca
solicitada com a marca anterior devido aos seguintes seis factores: (1) As marcas têm um ele-
mento figurativo preponderante, bolacha preta/escura tipo sandwich com decoração seme-
lhante, (2) a primeira marca goza de prestígio, (3) o objeto das marcas é o mesmo, bolachas, (4)
por serem produtos de consumo diário os consumidores não terão um elevado nível de aten-
ção, (5) nos pontos de venda os produtos aparecerão lado a lado, e (6) as semelhanças visuais
ganharão maior relevância uma vez que o método de compra dos produtos é o auto-serviço.
Confirmada a vinculação entre as marcas, a infracção que se verificou nos presentes
autos foi o possível aproveitamento de uma vantagem desleal com a utilização da marca
solicitada. Neste ponto, a recorrente alegou que os elementos denominativos da marca
solicitada “Gullón, “twins”, “cookies” e “sandwich, assim como as duas setas permitiam
claramente que os consumidores identificassem a origem empresarial do produto, sem o
confundir com a primeira marca registada. No entanto, neste particular, embora o Tribunal
concorde com este argumento, não deixa de frisar que tais elementos denominativos não
evitam o risco de parasitismo na medida em que o consumidor irá ver o produto idêntico
da recorrente como um possível substituto do produto oferecido pela titular da primeira
marca anterior e entenderá que têm características semelhantes. Nesta situação, a recor-
rente irá aproveitar-se do prestígio e do investimento em publicidade da marca anterior
para vender o seu próprio produto
9
.
9 Vid. pontos 122 e 128 do acórdão. De relevo também o ponto 125 de onde resulta que, versando as marcas sobre
idênticos produtos e apesar da escassa semelhança entre elas mercê da diversidade de elementos introduzidos
na marca posterior, o certo é que essa escassa semelhança se circunscreve à utilização de formas tridimensionais
para representar bolachas sandwich que são muito semelhantes à marca anterior. Por outras palavras, apesar
de a recorrente ter introduzido muitos elementos diferenciadores na marca solicitada, o certo é que continuou
a utilizar uma imagem muito semelhante à da marca anterior. Assim, entendemos que se a recorrente apenas
tivesse solicitado o registo da marca composta pela imagem de duas bolachas sandwich, com uma borda vincada,
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Por último, e no que diz respeito à existência de justa causa, a recorrente invocava que
a recorrida não pode monopolizar a imagem de uma vulgar bolacha sandwich redonda de
cor preta, pelo que a sua utilização seria justa. No entanto, o Tribunal clarifica que existem
marcas registadas que integram imagens de bolachas sandwich redondas e de cor preta,
mas nada justificava que a recorrente imitasse e se aproximasse tanto do desenho da marca
anterior em causa.
Conclusão
Esta decisão não é inovadora, no sentido de ter sido a primeira vez que a problemática foi
analisada pelo Tribunal de Geral, mas a sua relevância decorre do contributo para a solidifica-
ção da tutela conferida aos sinais distintivos que gozam de prestígio. Com efeito, na senda já
trilhada no caso PERERO, é reforçada a estratégia empresarial de utilizar vários sinais distin-
tivos registados individualmente, denominativos, figurativos, etc., e utilizados em conjunto,
podendo verificar-se nestes casos a transferência/partilha do prestígio entre o sinal presti-
gioso e o outro com o que se associe, conferindo assim ao seu titular um maior acervo de
direitos com a tutela alargada prevista no n.º5 do artigo 8.ºdo Regulamento 2017/1001.
Outro ponto importante da decisão prende-se com o facto de clarificar que a utilização
de sinais semelhantes a outros anteriormente registados, pese embora mitigada pela adi-
ção de novos elementos, quer figurativos quer denominativos, e ainda que sendo escassa a
semelhança, pode, no entanto, ser suficiente para acionar a proteção adicional das marcas
de prestígio. A este respeito, resulta interessante verificar que bastou à gullón modificar a
imagem das duas bolachas sandwich, agora sem borda vincada e com uns desenhos inte-
riores geométricos mais claramente diferenciados para diminuir drasticamente a eventual
semelhança com a marca anterior controvertida
10
.
Por fim, se é certo que os elementos desprovidos de carácter distintivo que integram
uma marca registada ou que se refiram às características do produto, não conferem ao seu
titular o direito de proibir a terceiros a sua utilização, como poderia ser a imagem de uma
bolacha, também é certo que esse sinal figurativo pode ter ganho um merecido prestígio
alicerçado no investimento e utilização intensiva que deve ser necessariamente tutelado.
Encorajar a iniciativa privada e a actividade económica que acrescenta valor também passa
pela repressão dos oportunismos e parasitismos.
um interior cheio de elementos geométricos e no centro um círculo, para a classe em causa, a semelhança com o
signo anterior seria obscena.
10 https://gullon.es/pt-pt/producto/twins-pt/bolachas-especialidades/twins/.