GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
st
January Janeiro – 30
th
June Junho 2020 · pp. 52‑76 52
Pandemia e teletrabalho no Brasil:
aspectosgerais
1
Pandemia and tele-work in Brazil: general aspects
BRUNA CASIMIRO SICILIANI
2
bruna.siciliani@gmail.com
BRUNA DIER
3
LUCIANE CARDOSO BARZOTTO
4
lcardoso@trt4.jus.br
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXI · 1
st
January Janeiro–30
TH
June Junho 2020 · pp. 52‑76
DOI: http://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXI.1.3
Submitted on March 27
th
, 2020 · Accepted on June 4
th
, 2020
Submetido em 27 de Março, 2020 · Aceite a 4 de junho, 2020
SUMÁRIO I. Introdução. II. Teletrabalho antes da pandemia. III. Teletrabalho depois
da pandemia. IV. Direitos fundamentais do teletrabalhador em tempos de pandemia.
V.Aimportância da negociação coletiva. VI. Conclusão. VII. Índice bibliográfico.
I. INTRODUÇÃO
De acordo com a Organização Internacional do Trabalho – OIT, o COVID ‑19, também
conhecido popularmente no Brasil como Coronavírus, vai acabar com até 195 milhões de
empregos globalmente apenas no segundo trimestre de 2020. A partir de uma legislação
emergencial de calamidade pública, o teletrabalho tem sido utilizado em vários países do
mundo, em maior ou menor grau, como forma de manutenção do emprego, em função do
isolamento social e confinamento necessários para evitar a disseminação do vírus. Esta
inserção se dá num contexto de digitalização sempre maior no mundo do trabalho, no para
1 O presente artigo é versão atual ampliada da publicação “Teletrabalho antes e depois da pandemia: a importância
da negociação coletiva” na Revista Justiça do Trabalho, v. 37, 2020.
2 Doutoranda em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestrado em Direito pela Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Especialização em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio
Grande do Sul.
3 Mestrado em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Especialização em Direito do Estado pela
Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
4 Professora adjunta da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora permanente do Programa de Pós‑
‑Graduação em Direto da UFRGS. Doutorado em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pós ‑doutorado
pela Universidade de Edimburgo. Juíza do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.
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digma da indústria 4.0, como o modelo de produção em que tudo está conectado, se comu
nica e é compartilhado.
De modo geral, o teletrabalho foi o principal meio adotado pelas empresas para tentar
manter parte da sua capacidade produtiva no momento de isolamento do coronavírus. No
entanto, é evidente que o seu impacto não foi igual nas diversas sociedades, por diversas
razões: dificuldades para “controle de produtividade, estranhamento do teletrabalhor, difi
culdades técnicas, econômicas, sociais, em razão da estagnação da produção do consumo
de bens e serviços.
Além disso, existem profissões extremamente presenciais que impedem o uso do tele
trabalho – e especial referem ‑se ao setor da saúde. Portanto, estamos diante muitas empre
sas que correm o risco fechar as portas de forma temporária e até definitiva, durante este
estado de calamidade que dura até dezembro de 2020, no caso brasileiro.
Sobre o teletrabalho, a Reforma Trabalhista, Lei n.13.467/2017 acrescentou 05 (cinco) arti
gos na CLT. Na MP 927, alguns destes artigos foram relativizados enquanto duraroestado
de calamidade pública, mediante a regulação do teletrabalho nos artigos3.º, 4.º e 5.º.
Ao que se compreende, diferentemente, de outras estratégias para o enfrentamento dos
impactos da pandemia do Coronavírus, o teletrabalho não parece ser um fenômeno ocasional.
Verifica ‑se que o teletrabalho veio para se estabelecer e modificar as relações de trabalho. Se
o seu tratamento antes era de exceção, agora está sendo a regra e, talvez, permaneça deste modo
para algumas atividades. Empregadores que antes não visualizavam o teletrabalho como uma
oportunidade, pois a presença dos seus empregados era a forma de controlar o desempenho
e produtividade de seus trabalhadores, atualmente se veem na obrigação de se ajustar e apos
tar nas ferramentas tecnológicas para prosperarem com suas empresas e manter empregos.
Diante desse cenário, a negociação coletiva revela sua importância como instrumento
eficaz para a regulamentação das relações trabalhistas em regime de teletrabalho devido
ao uso dos meios telemáticos por elevado número de categorias profissionais. Embora não
obrigatória, a participação do sindicato é bem vinda para a garantia dos direitos fundamen
tais dos trabalhadores que foram lançados no mundo do teletrabalho.
Por isso, neste curto artigo, por meio do método dedutivo e valendo ‑se de revisão biblio
gráfica, será analisado o regramento do teletrabalho, antes e depois da pandemia, no con
texto da legislação brasileira
5
, para então tecer considerações acerca da relevância da nego
ciação coletiva neste panorama.
5 No Brasil o Decreto Legislativo no 6, de 20 de março de 2020, do Congresso Nacional reconheceu o estado de
calamidade pública. Seguiram ‑se as seguintes normas, até 7 de abril de 2020: Leino 13.979, de 6 de fevereiro de
2020, Leino 13.982, de 2 de abril de 2020, Decretono 10.278, de 18 de março de 2020, Decreto n.º 10.288, de 22.3.2020,
Decreto n.º 10.289 de 24.3.2020, Decreto n.º 10.300, de 30.3.2020, Decreto n.º 10.285, de 20.3.2020, Decreto n.º
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II. TELETRABALHO ANTES DA PANDEMIA
Precisamos situar o teletrabalho num contexto de economia do compartilhamento que se
digitaliza cada vez mais
6
.
Mudanças de paradigma produtivo como se tem referido à da indústria 4.0 e gig eco
nomy se expressam no termo digitalização do mundo do trabalho.
Teletrabalho é uma das expressões da digitalização do mundo do trabalho, o qual se
insere, atualmente neste contexto maior, da digitalização do mundo do trabalho. O teletra
balho pode se dar modernamente mediante crowdwork, o chamado trabalho da multidão,
o qual expressa o trabalho digital tanto da forma o via aplicativos (sob demanda), como da
forma on line, através de plataformas, em uma espécie de fragmentação de uma determi
nada atividade, a qual é desempenhada por micro tarefas fatiadas, divididas e distribuídas
entre uma série de trabalhadores
7
. Mas também pode referir ‑se a qualquer trabalho feito
mediante tecnologia da informação.
O que se observa no trabalho remoto e no trabalho tecnológico em geral é o problema
da regulação insuficiente, ou ausência de fiscalização que tende a levar o trabalhador a um
excesso de produtividade e talvez de esgotamento por se dar longe do controle físico do
empregador ou tomador de serviços.
Em 2017, a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho e a
Organização Internacional do o relatório sobre “trabalhando a qualquer hora, em qualquer
lugar: os efeitos no mundo do trabalho”
8
. Ironicamente alguns referem que teletrabalho e
trabalho com tecnologia, na revolução 4.0, como se denomina a revolução tecnológica, a
exemplo do crowdworking e trabalho em plataformas, em diversos espaços e tempos, pode
riam configurar o um trabalho a todo tempo e todo o lugar, expressando a exaustão dos
trabalhadores tecnológicos neste macro cenário. Este relatório investiga a influência do
trabalho móvel com recursos de tecnologia e meios informatizados no mundo laboral. O
10.284, de 20.3.2020, Decreto n.º 10.283, de 20.3.2020, Decreto n.º 10.282, de 20.3.2020, Medida Provisória n.º 924,
de 13.3.2020, Medida Provisória n.º 925, de 18.03.2020, Medida Provisória n.º 926, de 20.3.2020, Medida Provisória
n.º 926, de 20.3.2020, Medida Provisória n.º 945, de 04.04.2020, Medida Provisória n.º 930, de 30.03.2020, Medida
Provisória n.º 931, Medida Provisória n.º 936, de 01.04.2020, Medida Provisória No 938, de 2 de abril de 2020,
Medida Provisória no 944, de 3 de abril de 2020, Medida Provisória n.º 946, entre outras que se sucederam.
6 RIFKIN, Jeremy – The zero marginal cost society: the internet of things, the collaborative commons, and the
eclipse of capitalism. New York: Palgrave Macmillan. 2014.
7 BARZOTTO, L. C.; LANNER, M. B – Fraternidade e trabalho digital na Constituição da Organização Internacional
do Trabalho. In:I Congresso Internacional, Interinstitucional e Interdisciplinar de Pesquisadores em Direito e
Economia, 2019, Belo Horizonte. Belo Horizonte: Universidade Federal de Minas Gerais, 2019. Veja ‑se também a
dissertação de Maíra Lanner. LANNER, Maíra Brecht –Trabalho decente em meio ambiente digital. 2019. 134 f.
Dissertação (Mestrado). Curso de Direito, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.
8 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E EUROFOUND – Relatório “Trabalhando a qualquer hora,
em qualquer lugar: os efeitos no mundo do trabalho”. [Consultado em: 26/07/2018]. Disponível em: http://www.
ilo.org
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ritmo acelerado da aplicação de tecnologias para se trabalhar à distância está mudando
o modelo tradicional da relação de trabalho em que o empregado se concentra na sede e
na estrutura empresarial. Tal mudança pode vir a melhorar a harmonia entre a família,
vida pessoal e profissional, como também atenuar o deslocamento trabalho/casa e, como
ponto de vantagem, aumentar a produtividade do trabalhador. No entanto, há desvanta
gens acerca do teletrabalho como elevar o número de horas trabalhadas, e o isolamento de
se trabalhar em casa.
De acordo com o relatório, as conclusões sobre os efeitos da tecnologia da informação
e comunicação não passam uma mensagem unívoca. Refletem ambiguidades e, a despeito
do local de trabalho indicam efeitos inespecíficos e revelam a inexatidão das fronteiras
entre a vida profissional e familiar. Porém, não sem nega que as tecnologias de informação
e comunicação ajudam as pessoas a organizar o trabalho com mais flexibilidade e permi
tem que o trabalho possa ser realizado a qualquer momento e em qualquer local, ofertando
certa autonomia no tempo de labor
9
.
O resumo executivo
10
deste relatório analisa que as Tecnologias da Informação e Comu
nicação (TICS) são mais comuns entre gestores e administradores, sendo expressivo da
mesma forma entre os trabalhadores de apoio administrativo e comerciais.
O que se observa é a ocupação digital se expandindo paulatinamente, com um desem
penho notável na última década. Como elucida Ramalho
11
, o fenômeno do teletrabalho teve
como suporte os progressos tecnológicos na área da informática e das telecomunicações
e a sua difusão, desde a décadas de oitenta
12
se fundamentou em razões econômicas e de
gestão.
9 EUROFOUND – Trabalhar a qualquer hora, em qualquer lugar e seus efeitos no mundo do trabalho. [Consultado
em: 26/07/2018]. Disponível em: https://www.eurofound.europa.eu
10 Cf. EUROFOUND – Trabalhar a qualquer hora, em qualquer lugar e seus efeitos no mundo do trabalho.
[Consultado em: 26/07/2018]. Disponível em: https://www.eurofound.europa.eu. Importante trazer alguns dados
como a incidência do uso das tecnologias da informação e comunicação, pois variam substancialmente, de
2% a 40% de todos os funcionários, dependendo da determinado país e a frequência com que os funcionários
executam o uso das tecnologias. Em toda a União Europeia, estima ‑se que pelo menos um total de cerca de 17%
empregados fazem o uso de tecnologias. Quando ocasionais as tecnologias da informação e comunicação, como
telefonemas ou e ‑mails fora do escritório, o número sobe para cerca de 40% de todos os funcionários no Japão
e nos EUA.
11 Cf. RAMALHO, Maria do Rosário Palma – Estudo de Direito do Trabalho. V. 1. Livraria Almedina, Coimbra: 2003,
p. 197.
12 Alguns autores como Jack M. Nilles, indicam que o teletrabalho surgiu por volta de 1973, quando este autor
desenvolveu seus estudos sobre política federal em relação à substituição do transporte pelas telecomunicações.
Logo veio o resultado quando trabalhou no Desenvolvimento de Políticas Relativas à Substituição do Transporte
pelas Telecomunicações, criando um conceito para tal nomenclatura que se chamou telecommuting, acompanhado
depois por teleworking para descrever aplicações mais amplas. NILLES, Jack M – Fazendo do teletrabalho uma
realidade: um guia para telegerentes e teletrabalhadores. Tradução Eduardo Pereira e Ferreira. São Paulo: Futura,
1997, p. 10.
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No Brasil
13
, a Reforma trabalhista mantém a distinção entre o teletrabalhador e o traba
lhador a domicílio, optando por configurar o teletrabalho com espécie de contrato de traba
lho subordinado
14
, com certas especificidades que são basicamente duas: exercício fora da
empresa e com utilização de meios telemáticos.
Como expresso no artigo 75 ‑B, Capítulo II ‑A da CLT
15
, “considera ‑se teletrabalho a
prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a
utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se
constituam como trabalho externo. O parágrafo único do referido artigo dispõe ainda que
“o comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades especí
ficas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime
de teletrabalho”.
Dessa forma, o estudo do teletrabalho após a Reforma Trabalhista, Lei n. 13.467/2017 da
CLT, deve ser conjugado com outros dispositivos desta Consolidação, como por exemplo
o art. 6.º da CLT, conferida pela Lei n. 12.551/2011, que alude sobre o trabalho realizado por
meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão equivalendo ‑se ao
trabalho subordinado, bem como o novo inciso III do art. 62 da CLT, que trata do não con
trole de jornada de trabalho do teletrabalhador
16
.
Por meio da reforma, fugiu ‑se da teoria da parassubordinação
17
, uma espécie de ter
ceiro gênero, entre trabalho autônomo e subordinado, adotado na Itália, a qual possui como
características a continuidade, a pessoalidade e a coordenação, ao invés da subordinação.
Ou seja, não há hierarquia entre colaborador e tomador, deixando ‑se ao último certa auto
nomia quanto ao modo de prestar seu serviço. Portanto, no Brasil, não se adotou este meio‑
‑termo entre o trabalho autônomo e o trabalho subordinado, optando ‑se por classificar o
teletrabalho na categoria de trabalho subordinado.
18
13 FINCATO, Denise Pires –Teletrabalho na Reforma Trabalhista Brasileira. Revista Magister de Direito do
Trabalho, n.º 82, Jan ‑Fev/2018, p. 58.
14 WINTER, Vera Regina Loureiro –Teletrabalho: Uma forma alternativa de emprego. São Paulo: LTr, 2005, p. 91.
15 BRASIL – Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto ‑Lei n. 5.452, de 1.º de maio de 1943. [Consultado em:
25/05/2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br
16 CARELI, Rodrigo – O teletrabalho. In: Resistência: aportes teóricos contra o retrocesso trabalhista. Coordenadores:
Jorge Luiz Souto Maior, et alii. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular: 2017, p. 333. O autor acredita que a inclusão
dos teletrabalhadores nessas hipóteses elencadas é inconstitucional uma vez que a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 é expressa no sentido de que a duração do trabalho é limitada em oito horas diárias
e 44 horas semanais (artigo 7.º, inciso XIII).
17 Cf. OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio – Relação de emprego, dependência econômica e subordinação
jurídica: revisitando os conceitos – critérios de identificação do vínculo empregatício. Curitiba: Juruá, 2014, p,
72. Explica o autor que a pequena parcela de autonomia do trabalhador que é parassubordinado decorre do poder
de organizar o seu trabalho de colaboração, o que afastaria a possível configuração da relação de emprego.
18 Cf. CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa; JORGE NETO – Francisco Ferreira. Uma reflexão sobre
a “Subordinação” como elemento essencial da relação de emprego. In: CLT – 70 anos de Consolidação: Uma
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O contrato de trabalho é norteado pelo consenso entre as partes, sendo desnecessárias, a
princípio, quaisquer formalidades, conforme o caput dos artigos 442 e 443 da CLT. No entanto
o contrato de teletrabalho é um contrato formal, como se verifica no art. 75 ‑C caput da CLT.
Tal artigo dispõe que a modalidade do regime de teletrabalho deva constar expressa
mente no contrato individual de trabalho, especificando as atividades que serão desenvol
vidas pelo teletrabalhador. Além do mais, poderá haver alteração entre os regimes desde
que exista mútuo acordo entre empregador e empregado e que tal alteração conste em um
aditivo contratual. Expressa a lei que tal novação para um regime presencial por imposi
ção do empregador, seja realizada num prazo mínimo de 15 dias para ocorrer a transição e
mediante um aditivo contratual.
O artigo 75 ‑D da CLT
19
prevê que o teletrabalhador, através de um contrato escrito, fique
responsável pela aquisição, manutenção e fornecimentos dos equipamentos tecnológicos e
da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho à distância. Observa ‑se que
tal artigo é uma inovação nas relações de trabalho quanto ao ônus do empreendimento
20
,
que em regra, é atribuído ao empregador no qual tem responsabilidade direta pelos riscos
da atividade econômica, conforme o caput do art. 2.º, da CLT
21
.
O artigo 75 ‑E prevê que o empregador instrua os empregados que trabalhem em regime
de teletrabalho “quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de tra
balho”, determinando dessa forma que o empregado assine um termo de responsabilidade.
A escassa regulamentação do regime de teletrabalho encontrada somente nos artigos 75 ‑A
a 75 ‑E não exime o empregador na aplicação das normas fundamentais de proteção ao empre
gado e, no que concerne ao empregado, este não se desonera de realizar a atividade de forma a
respeitar o poder de comando do empregador, à luz do art. 7.º da Constituição Federal de 1988.
Por fim, a expectativa do ordenamento jurídico trabalhista, ao ter inserido o teletra
balho no rol do artigo 611 ‑A, inciso VIII, oportuniza aos envolvidos nessa relação ajusta
rem de forma mais real as condições de trabalho do teletrabalhador, mediante negociação
reflexão social, econômica e jurídica. Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante e Marcos Antônio Cesar Villatore
(Organizadores). São Paulo: Atlas, 2013, p. 98.
19 BRASIL – Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto ‑Lei n. 5.452, de 1.º de maio de 1943. [Consultado em:
25/05/2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br.
20 Cf. SIQUEIRA, Rodrigo Espiúca dos Anjos – A duração do trabalho na Lei 13.467/2017. In: Reforma trabalhista
na visão acadêmica. Gilberto Stümer e Leandro do Amaral Dorneles de Dorneles (Organizadores). Porto Alegre:
Verbo Jurídico, 2018, p. 93 – 118.
21 BRASIL – Consolidação das Leis do Trabalho – Decreto ‑Lei n. 5.452, de 1.º de maio de 1943. [Consultado em:
25/05/2018]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br
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coletiva
22
. Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT)
23
, o teletrabalho é uma alter
nativa viável para se conciliar o trabalho e a família, sendo assim desenvolvido graças ao
rápido desenvolvimento das TICs (Tecnologias da Informação e da Comunicação), fazendo
com que o teletrabalho cresça consideravelmente nos últimos anos. Como os estudos já
mencionados no relatório da EUROFOUND, a OIT confirma que o labor telepresencial per
mite diminuição do custos da locomoção ao trabalho, ou mesmo a eliminação destes, tanto
em termos financeiros como de tempo, permitindo a adaptação de horários de trabalho a
tarefas domésticas e responsabilidades familiares. Para as empresas, o teletrabalho pode
reduzir custos de espaço de escritório embora sua continuidade por longo tempo possa
levar ao isolamento e a jornadas de trabalho muito extensas devido à ausência de uma
separação clara entre o tempo de trabalho e o tempo livre.
A OIT não possui uma Convenção sobre teletrabalho, mas há uma compreensão geral de
que a Convenção sobre trabalho a domicílio se aplicaria ao teletrabalhador.
Conforme a Convenção sobre o trabalho a domicílio de 1996, n. 177, a expressão trabalho
em domicílio significa o trabalho que uma pessoa, designada como trabalhador em domi
cílio, realiza: (i) em sua casa ou em outras instalações que escolher, além das instalações de
trabalho do empregador; (ii) em troca de remuneração; (iii) com o propósito de produzir um
produto ou prestar um serviço de acordo com as especificações do empregador, indepen
dentemente de quem fornece o equipamento, materiais ou outros elementos utilizados, a
menos que essa pessoa tenha o grau de autonomia e independência necessário ser conside
rado trabalhador independente ao abrigo da legislação nacional ou de decisões judiciais[...].
(Tradução nossa)
24
.
Ou seja, a definição do trabalhador à domicílio para OIT é diversa legislação brasileira, mas
como ponto de identidade tem a equiparação no quesito de dependência ou subordinação.
22 Cf. STÜMER, Gilberto – Relações Coletivas e teletrabalho. In: IV Congresso Ibero ‑Americano de teletrabalho e
Teleatividades. Porto Alegre: Magister, 2011, p. 73.
23 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – Notas da OIT, trabalho e família n.5: Alternativas que
podem facilitar a conciliação entre o trabalho e a família. [Consultado em: 25/02/2018]. Disponível em: http://
www.ilo.org. As Notas da OIT sobre trabalho e família baseiam ‑se na série Work and Family Information Sheets
do Programa sobre Condições de Trabalho e Emprego (TRAVAIL). Sua tradução e adaptação ao contexto da
América Latina e do Caribe foram realizadas pelo Programa Regional de Gênero e Trabalho Decente. A adaptação
para o português foi realizada no âmbito do projeto “Gender equality within the world of work”, financiado pelo
Governo Norueguês. Esta iniciativa teve a participação do Escritório da OIT ‑Lisboa.
24 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – Convenio sobre el trabajo a domicilio, 1996 (núm. 177).
[Consultado em: 27/06/2019]. Disponível em: http://www.ilo.org (a) la expresióntrabajo a domiciliosignifica el
trabajo que una persona, designada como trabajador a domicilio, realiza: (i) en su domicilio o em otros locales
que escoja, distintos de los locales de trabajo del empleador; (ii) a cambio de una remuneración; (iii) con el fin de
elaborar un producto o prestar un servicio conforme a las especificaciones del empleador, independientemente
de quién proporcione el equipo, los materiales o otros elementos utilizados para ello,a menos que esa persona
tenga el grado de autonomía y de independencia económica necesario para ser considerada como trabajador
independiente en virtud de la legislación nacional o de decisiones judiciales [...].
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Ainda em termos de normativas gerais, a comunidade europeia constituiu uma comis
são que propôs um relatório sobre a implementação do Acordo ‑Quadro sobre o teletrabalho,
também conhecido como Acordo Marco Europeu, para estabelecer o seguinte: a) definir
o conceito de teletrabalho para abranger uma variedade de novas formas de trabalho; e
(b) estabelecer uma série de princípios gerais a serem observados pelos empregadores e
trabalhadores que executam o teletrabalho. Esses princípios precisariam cobrir: a natu
reza voluntária do teletrabalho e o direito de retorno, garantia de manutenção do status do
empregado, garantias de igualdade de tratamento, informações a serem fornecidas ao tele
trabalhador, cobertura de custos pelo empregador, garantia de treinamento específico, pro
teção no domínio da saúde e segurança, expediente, protecção da privacidade e protecção
de dados pessoais, manter contato com a empresa, direitos coletivos dos teletrabalhadores,
acesso ao teletrabalho. (Tradução nossa)
25
.
A comissão ainda considerou três fatores como essenciais na definição do conceito de
teletrabalho como o desempenho do trabalho à distância e a utilização da tecnologia da
informação e transmissão eletrônica de dados. Além disso, analisou se a atividade do tra
balhador é de forma estável, com alguma permanência ou continuidade no tempo. E, por
último, se o teletrabalhador devia estar numa relação de trabalho.
A intenção da comissão era a de fornecer uma base para a discussão para futuramente
fazer ajustes alinhados com o desenvolvimento tecnológico que possibilitassem a inclusão
de novas formas de trabalho.
Assim, os parceiros sociais europeus em sua cláusula 2 do Acordo ‑Quadro definiram o
conceito de teletrabalho como:
O teletrabalho é uma forma de organização e/ou realização de trabalhos, uti
lizando tecnologia da informação, no contexto de um contrato/ relação de traba
25 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS – Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) a Confederação
das Empresas Europeias (UNICE), o Centro Europeu das Empresas com Participação Pública e das Empresas de
Interesse Económico Geral (CEEP); Associação Europeia de Artesanato, Pequenas e Médias Empresas (UEAPME).
Relatório sobre a implementação do Acordo ‑Quadro sobre o Teletrabalho de 16 de julho de 2002. [Consultado em:
28/04/2020]. Disponível em: http://repertoriojuslaboral.blogspot.com. (a) defining the concept of telework to cover
a variety of new forms of work; and (b) laying down a number of general principles to be observed by employers
and workers performing telework. These principles would need to cover: – the voluntary nature of telework
and the right to return; – a guarantee of maintenance of employee status; – guarantees of equal treatment; –
information to be provided to the teleworker; – coverage of costs by the employer; – a guarantee of specific
training; – protection in the field of health and safety; – working time; – protection of privacy and protection of
personal data; – keeping in contact with the firm; – collective rights of teleworkers;– access to telework.
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lho, onde o trabalho, que também pode ser realizado nas instalações do empre
gador, é realizado fora dessas instalações numa base regular. (Tradução nossa)
26
.
Portanto, ao examinar as normativas europeias entende ‑se que o Brasil não fica dis
tante das mesmas, sendo que, em recente pesquisa
27
, a SAP Consultoria em recursos huma
nos em parceria com a SOBRATT – sociedade brasileira de teletrabalho e teleatividades,
mostrou que do ano de 2016 até 2018, houve um crescimento de 22% das empresas que
adotaram o teletrabalho.
Porém, num contexto de pandemia, muitas destas orientações europeias estão sendo
flexibilizadas, e no Brasil, a alteração contratual passou ser determinada pelo empregador,
como se passa a analisar, como forma de manutenção do emprego e renda.
III. TELETRABALHO DEPOIS DA PANDEMIA
Visando evitar as demissões e amenizar o impacto econômico e social, o governo brasileiro
lançou a Medida Provisória 927/2020, a qual elenca soluções para os empresários enfrenta
rem a pandemia. Portanto, ainda estamos vivendo o teletrabalho no período de calamidade
pública que foi declarado até o final de 2020.
Aqui a crítica a esta medida provisória é no sentido que o Estado se retira num pri
meiro momento da manutenção do emprego e lança para o empregador os mecanismos do
próprio contrato, via interrupção das atividades, pensando ‑se estritamente na manutenção
relação de emprego e da renda do trabalhador, como um ônus para as empresas. Isso, num
primeiro momento assustou os pequenos negócios e empresas, os quais representam 60%
da economia brasileira.
26 COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS – Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) a Confederação
das Empresas Europeias (UNICE), o Centro Europeu das Empresas com Participação Pública e das Empresas
de Interesse Económico Geral (CEEP); Associação Europeia de Artesanato, Pequenas e Médias Empresas
(UEAPME). Relatório sobre a implementação do Acordo ‑Quadro sobre o Teletrabalho de 16 de julho de 2002.
[Consultado em: 28/04/2020]. Disponível em: http://repertoriojuslaboral.blogspot.com Telework is a form of
organizing and/or performing work, using information technology, in the context of an employment contract/
relationship, where work, which could also be performed at the employer’s premises, is carried out away from
those premises on a regular basis.
Importante destacar que o relatório afirma que a definição de teletrabalho escolhida pelos parceiros sociais
europeus exclui claramente o teletrabalho independente, que está fora do âmbito dos parceiros sociais. Por
conseguinte, as medidas nacionais de execução não abordam a situação dos trabalhadores independentes. O
risco inerente a essa abordagem é que, ao concordar com o teletrabalho, ex ‑funcionários possam ser encorajados
a se tornarem autônomos e, com isso, perderem os direitos e a proteção concedidos pela legislação trabalhista
geral e pelo Acordo ‑Quadro. Isto parece ser confirmado pela evidência de um alto índice de trabalho autônomo
entre os teletrabalhadores em vários países.
27 SAP CONSULTORIA EM RECURSOS HUMANOS – Pesquisa Home Office Brasil 2018. [Consultado em:
08/01/2019]. Disponível em: https://sapconsultoria.com.br
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Ou seja, o Estado, em lugar de adotar as medidas para solucionar a crise financeira,
optou por transferir a tomada de decisão em questões tão críticas para os particulares,
como medida de austeridade e enfrentamento da crise.
28
Após esta Medida Provisória o
Estado brasileiro entrou em jogo, pela MP 936 de 1/04/2020, garantindo a participação sua
com aporte financeiro em caso de suspensão das atividades.
Porém, nos deteremos na análise da MP 927, de 22 de março de 2020, a qual elenca o
teletrabalho como hipótese de manutenção de emprego e renda.
Durante o período de calamidade pública, num contexto de força maior, o art. 3° da MP
927 estabelece diversas medidas para minimizar os efeitos econômicos e tentar preservar o
emprego. Dentre elas figura o teletrabalho.
Nos atentaremos apenas à medida do teletrabalho, recordando que a palavra medida
refere a um tipo de legislação muito próxima a administrativa, mediante a qual se realizam
políticas públicas. Por isso, sendo uma legislação feita às pressas possui algumas impre
cisões que devem ser complementadas à luz das normas anteriores sobre teletrabalho, as
quais, por sua vez também são criticadas por excesso de lacunas.
29
Alterando a regra do art. 468 da CLT, no sentido da novação contratual bilateral, o art. 4.º
da MP 927 permite que o empregador mude de forma unilateral, ou seja pelo jus variandi do
empregador, o regime de trabalho presencial para o teletrabalho.
Apesar da técnica do artigo, parece que o legislador regulou o teletrabalho como gênero
de trabalho remoto e à distância. Convém lembrar que home oce é modalidade de teletraba
lho, desde que o profissional realize qualquer tipo de atividade intelectual e utilize os siste
mas de informação e comunicação. Neste sentido, se distingue de um trabalho à domicílio
que é o realizado por costureiras, por exemplo.
Ainda temos, nos diversos parágrafos do artigo quarto, a seguintes medidas de teletra
balho trazidas pela MP 927, sobre as quais teceremos rápidos comentários
30
:
O parágrafo primeiro distingue o teletrabalho de outro trabalho externo, aquele, em
tese, feito sem controle de jornada. Portanto, o teletrabalho da legislação emergencial da
MP é localizado, via de regra, pelo que se observa, na residência ou domicílio do empregado,
mantendo a orientação do art.75 da CLT.
O parágrafo segundo prevê o ajuste rápido entre empregado e empregador para iniciar
o regime de teletrabalho em 48 horas, o que pode ser feito com meios telemáticos.
28 FERREIRA, António Casimiro – Sociedade da austeridade: e direito do trabalho de exceção. Porto: Vida
Económica, 2012.
29 Neste sentido, um belo exemplo de legislação é o Código do Trabalho de Portugal que traz o teletrabalho
regulamentado nos art.165 a 171.
30 MIZIARA, Raphael; UMBERTO, Antonio; COELHO, Fabiano; GASPAR, Danilo –Medida Provisória 927 de 2020:
comentários artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. Thomson Reuters, 2020, p. 121.
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O parágrafo terceiro permite que o empregado ajuste por aditivo contratual como serão
ressarcidos os seus custos, a título indenizatório.
O parágrafo quarto prevê que, enquanto não forem instalados os equipamentos, pela
ausência de adaptação do meio ambiente de trabalho, o empregado fica à disposição do
empregador, o que significa que, mesmo sem trabalho, ele tem direito ao salário pela inter
pretação do art. 4 da CLT. Estas tratativas devem ser formalizadas em 30 dias. Seria interes
sante que a empresa destinasse uma ajuda de custo para indenizar o uso de equipamentos
e gastos com internet, o que um acordo coletivo se ocupasse disso.
§ 5.º O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da
jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, re
gime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo indi
vidual ou coletivo.
A redação do parágrafo quinto parece confusa, visto que, por certo momento, encami
nha que o empregado em teletrabalho não tenha controle de jornada, mas, por outro lado,
a lei indica que há controle e limita que o empregado exija horas extras de prontidão ou de
sobreaviso.
O artigo 5.º da MP 927 permite a adoção do regime de teletrabalho para estagiários
e aprendizes. No Brasil o contrato de aprendizagem diz respeito a um contrato de traba
lho especial, focado na aprendizagem profissional definido no art.428 da CLT. Já a na Lei
n.º 11.788/08 define o estágio como ato educativo, focado na experiência profissional como
complemento curricular de cursos. Todos estes trabalhadores podem exercer o teletrabalho
e na eventual impossibilidade de desenvolver a ocupação costumeira, subsiste um dever da
empresa de fornecer espécie de treinamento, a ser feito de forma à distância, segundo nossa
interpretação, aproximando o estagiário e o aprendiz de atividades de formação, por aplica
ção analógica ao artigo 16 da MP 927, norma que refere treinamentos em saúde e segurança.
Em síntese, para possibilitar a rápida adoção dessa modalidade de trabalho, a MP 927
dispensou a exigência de registro prévio no contrato de trabalho para alterações do regime
de trabalho presencial para teletrabalho ou seu retorno ao presencial, reduziu a antecedên
cia mínima de notificação do empregado para 48 horas para tais modificações, as quais
passaram a poder ser definidas unilateralmente pelo empregador, além de permitir sua
aplicação a estagiários e aprendizes, sem a necessidade do sindicato participar deste ajuste.
Ainda, como se verifica do texto da lei o empregador emprestará os equipamentos ao empre
gado e prevê certo reembolso das despesas. Fala ‑se em jornada normal do trabalho, motivo
pelo qual se pressupõe que o trabalho seja de 8 horas, para aqueles que foram colocados em
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trabalho remoto, por interpretação conforme o art. 7.º, inciso XIII da Constituição Federal
de 88. Pela redação confusa dos parágrafos do art. 4.º da MP, discute ‑se a possibilidade ou
não de controle de horário do teletrabalhador. Isso é importante porque a MP 936 permite
que o empregado receba um benefício se reduzir salário e jornada, medida para a qual não
fica excluído o teletrabalhador.
Além das medidas legislativas, até 21.08.2020, foram celebrados ao todo 625 negocia
ções coletivas sobre teletrabalho no Brasil. A consulta foi realizada no Sistema de Nego
ciações Coletivas de Trabalho – MEDIADOR
31
do Ministério realizadas entre 11.03.2020
até 21.08.2020, mencionando a palavra teletrabalho. O número se revela importante, pois
demonstra o avanço das negociações coletivas para regulamentar esta nova forma de tra
balho após o início da pandemia.
Analisam ‑se algumas cláusulas negociais na seqüência: a) algumas mencionam que
o regime de teletrabalho poderá ser estendido para os estagiários e aprendizes, conforme
já trazia a previsão legal contida no artigo; b) outras adotam flexibilização do período de
transição previsto no § 2.º do art. 75 ‑C da CLT no caso de teletrabalho iniciado em razão
da pandemia: o retorno do empregado poderá ocorrer imediatamente após a requisição do
empregador, sem a necessidade de se aguardar o período mínimo de quinze dias; c) várias
negociações trazem regras atinentes ao uso da imagem do empregado e acidentes de traba
lho, como se transcreve:
“c) A EMPRESA deverá instruir os empregados, de maneira expressa e osten
siva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de traba
lho, a partir de quando se presumirá que as doenças e os acidentes, que somente
poderiam ter origem no descumprimento dessas instruções, foram concebidos
ou agravados por culpa exclusiva do empregado, independentemente de prova
de fiscalização por parte do empregador, impedido de adentrar à casa do empre
gado pela garantia constitucional da inviolabilidade de domicílio.
d) O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo‑
‑se a seguir as instruções fornecidas pela empresa.
e) Fica ajustado que a visualização das imagens capturadas em eventual
chamada por vídeo com o empregado, equivalem a uma reunião pública, ocor
rida no interior da empresa, podendo ser gravada e utilizada para fins lícitos de
31 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO. Sistema de Negociações Coletivas de Trabalho – MEDIADOR.
Disponível em: http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador/. Acesso em: 22 agosto 2020
Estes dados podem sofrer revisões futuras devido à incorporação de negociações coletivas que ainda não haviam
sido depositados no sistema à época da consulta.
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exercício do poder empregatício, sendo dever do empregado, livrar o ambiente
filmado de acontecimentos íntimos e de sua vida privada.
f) A aceitação de chamadas por vídeo dependerá de ato próprio do emprega
do, ficando proibida a ativação remota da câmara pelo empregador para qual
quer finalidade”.
Da análise dos trechos transcritos, verifica ‑se que direitos com base em direitos cons
titucionais já assegurados ao teletrabalhador aparecem nas normas coletivas e inclusive
direitos novos que estão contemplados na LGPD, Lei n. 13.709/2018, atinentes à imagem e
regulamentos que dizem respeito à vida privada.
Tanto a CLT como a MP 927/20 deixaram ao mútuo consentimento ou ao empregador a
decisão de adotar o teletrabalho. No entanto diversas normas coletivas têm regulado a pos
sibilidade de tal iniciativa partir do empregado, criando a figura do teletrabalho eventual.
Da mesma consulta realizada no Sistema Mediador retromencionada, onze negocia
ções coletivas trazem a previsão do teletrabalho eventual, assim conceituado:
“O Teletrabalho Eventual é aquele que ocorre de forma não programada, em
virtude de solicitações pontuais do EMPREGADO ou de situações emergenciais,
tais como paralisação de transporte público, bloqueio de vias de acesso, condi
ções climáticas, etc, devidamente analisadas e aprovadas pelo gestor imediato.
No teletrabalho eventual o EMPREGADO mantém todos os seus benefícios, in
clusive o vale transporte quando ordinariamente fornecido”.
O que se nota é que este teletrabalhador eventual é na verdade um trabalhador hídrido
(presencial e teletrabalhador) cujos direitos fundamentais devem ser os mesmos do traba
lhador celetista normal. Corre ‑se o risco, se isto não for reconhecido, de deixar este teletra
balhador à mercê de uma desproteção, ao não se reconhecer a ele um status nem de teletra
balhador, nem de trabalhador a domicílio. Veja ‑se que o trabalhador à domicílio segundo a
OIT é o que habitualmente trabalha em casa, segundo Convenção 177. Também a Recomen
dação 184 da OIT dispõe que a ocasionalidade desconfigura o trabalho a domicílio. Por isso
no pós ‑pandemia urge a necessidade em falar ‑se e de regular o teletrabalho, o que, aliás, já
foi feito pela legislação mexicana
32
.
32 OPERAMUNDI. México aprova lei para que empresas paguem luz e internet de trabalhador em home office.
[Consultado em: 12/12/2020]. Disponível em: https://operamundi.uol.com.br/politica ‑e ‑economia/67779/mexico‑
‑aprova ‑lei ‑para ‑que ‑empresas ‑paguem ‑luz ‑e ‑internet ‑de ‑trabalhador ‑em ‑home ‑office
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VI. DIREITOS FUNDAMENTAIS DO TELETRABALHADOR EM TEMPOS
DE PANDEMIA
Teses de constitucionalistas afirmam que o período que vivemos todos os direitos funda
mentais se reorganizam em torno da supremacia do interesse público que é a manutenção
da saúde do trabalhador
33
. Ou seja, o direito social à saúde passa momentaneamente na
frente dos demais direitos, por Medidas provisórias que atendem a necessidade e cor
respondem aos requisitos de relevância e urgência, previstos na Constituição Federal. A
pandemia na legislação que lhe regula não suprime as garantias do trabalho contidas no
arts.6.º, 7.º e 8.º da Constituição Federal, além das garantias individuais, as quais são repu
tadas como direitos inespecíficos do trabalhador, aqueles que possui como cidadão.
Importante sinalizar, que o teletrabalho, em tempos de pandemia, encontrou um tele
trabalhador de emergência, despreparado. Por isso é necessário frisar que o momento
admite excluir ‑se um trabalhador que esteja despreparado para o teletrabalho, podendo o
empresário remetê ‑lo a outros mecanismos de manutenção de renda, como férias, suspen
são do contrato, banco de horas. Ao contrário, alguns estarão aptos a serem incluídos, e até
mesmo uma série de ocupados vulneráveis teriam a chance de serem incorporados, ainda
que transitoriamente, em trabalhos temporários, conforme refere a OIT.
Para OIT a vivência da humanidade neste momento é de um desastre e, mesmo nesta
situação, aponta para a necessidade de que se tenha como meta o trabalho decente. Vale
recordar o conceito de trabalho decente no âmbito da OIT: O trabalho decente é definido
como “aquele desenvolvido em ocupação produtiva, justamente remunerada e que se
exerce em condições de liberdade, eqüidade, seguridade e respeito a dignidade da pessoa
humana
34
”.
Recentemente, atualizando este conceito, a OIT emitiu a Recomendação 205 – Reco
mendação de emprego e trabalho decente para a paz e a resiliência, 2017 (n.º 205), consi
derando o impacto e as consequências que os conflitos e desastres têm sobre pobreza e
desenvolvimento, direitos humanos e dignidade, trabalho decente e negócios sustentáveis.
Por este documento, Recomendação 205 da OIT, a situação vivenciada por todo o mundo
referente à pandemia pode ser classificada como um desastre em proporções globais que
não dispensa a proteção dos trabalhadores. Para a OIT “o termo “desastre” designa uma per
turbação grave do funcionamento de uma comunidade ou sociedade em qualquer escala,
33 SARLET, Ingo – Direitos Fundamentais e Democracia em tempos de pandemia. [Consultado em: 01/05/2020].
Disponível em: http://fcr.edu.br/direitos ‑fundamentais ‑e ‑democracia ‑em ‑tempos ‑de ‑pandemia ‑e ‑tema ‑de ‑live‑
‑promovida ‑pela ‑faculdade ‑catolica ‑de ‑rondonia/
34
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – Documento GB 280/wp/sdg/1, de março de 2001.
[Consultado em: 29/04/2020]. Disponível em: http://www.ilo.org
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devido a fenômenos perigosos que interagem com as condições de exposição, vulnerabili
dade e capacidade, causando um ou mais dos seguintes fatores: perdas e impactos huma
nos; materiais, econômicos e ambientais;” já o “termo ‘resiliência’ designa a capacidade de
um sistema, comunidade ou sociedade exposta a uma ameaça de resistir, absorver, adaptar,
transformar e recuperar seus efeitos de maneira oportuna e eficiente, principalmente atra
vés da preservação e restauração de suas estruturas e funções básicas através do gerencia
mento de riscos”.
A OIT refere que epidemias e crises econômicas podem ter um impacto desproporcio
nal em certos segmentos da população
35
. Desencadeia ‑se, provavelmente, neste contexto,
o agravamento da desigualdade. Com base em experiências anteriores e informações
atuais sobre a pandemia do COVID ‑19, vários grupos de trabalhadores seriam potencial
mente identificados como possíveis incluídos pelo teletrabalho, a partir de um recurso de
capacitação. Listamos alguns, segundo nosso entendimento, os quais seriam candidatos a
serem aproveitados, pelo acréscimo de demanda de trabalho tecnológico no momento da
pandemia
36
: a) aqueles empregados com condições de saúde precárias e idososcom maior
risco de desenvolver sérios problemas de saúde; b) os jovens, que já enfrentam taxas mais
altas de desemprego e subemprego, os quais são mais vulneráveis à queda da demanda de
trabalho, como testemunhado durante a crise financeira global; c) as mulheresque estão
presentes em setores mais afetados (como serviços) ou em ocupações que estão na linha
de frente de lidar com a pandemia (por exemplo, enfermeiras); d) trabalhadores desprote
gidos, incluindo trabalhadores independentes, casuais, informais, os quais serão provável e
desproporcionalmente atingidos pelo vírus, pois não têm acesso a mecanismos de licença
remunerada ou por doença e são menos protegidos por mecanismos convencionais de pro
teção social e outras formas de renda, mas poderão ser incorporados em serviços temporá
rios; e e) os trabalhadores migrantes, os quais são particularmente vulneráveis ao impacto
da crise do COVID ‑19, que restringirá sua capacidade de acessar seus locais de trabalho nos
países de destino e retornar para suas famílias.
A inclusão de mulheres, idosos, de pessoas com deficiência e jovens no mercado de tra
balho poderá ser uma realidade para as economias que adotarem o regime de teletrabalho
como atividade central para o período de pandemia.
35 BARZOTTO, L.. C. ; RECKZIEGEL, T. – Coronavírus e OIT ‑ Organização Internacional do Trabalho. In: Ricardo
Calcini. (Org.). Coronavírus e OIT. 1ed. São Paulo: JH Mizuno, 2020, v. 1, p. 7505 ‑7679.
36 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – Como o COVID ‑19 afetará o mundo do trabalho?
[Consultado em: 29/04/2020]. Disponível em: https://www.ilo.org/global/topics/coronavirus/impacts ‑and‑
‑responses/WCMS_739047/lang ‑ ‑en/index.htm
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A ampla adoção dessa estratégia no atual momento, apresenta ‑se mais como um ele
mento de aceleração de um processo já em curso, de digitalização da economia diante da
chamada indústria 4.0, do que como um evento situacional, por isso importante a manu
tenção de suas bases de trabalho decente. Por isso é interessante que se contemplem garan
tias fundamentais ou direitos fundamentais para estes prestadores de serviços telemáticos.
A adoção do teletrabalho por um número tão grande de trabalhadores, especialmente
de maneira tão repentina, exigiu diversas adaptações por parte não somente dos emprega
dos, mas também dos empregadores. Inicialmente, pode excluir do trabalho aqueles que
estiverem despreparados, ao invés de ser forma de inclusão. Para o uso de meios telemá
ticos, Aguiar explica que as mudanças decorrentes da tecnologia, de velocidade incrível,
devem encontrar as relações de trabalho capazes de se adaptar, envolvendo empregadores
e empregados. Necessita ‑se de uma capacitação transversal, como um processo de com
plementação multifuncional de desenvolvimento profissional obrigatório para enfrenta
mento dessas novas alterações funcionais
37
. Não houve, entretanto, tempo suficiente para
esta passagem, no período de pandemia, embora o teletrabalho tenha vindo para ficar.
Além do problema da formação emergencial do teletrabalhador, os outros direitos
sociais, como moradia, alimentação, lazer, que devem ser garantidos pelo Estado, em pri
meiro lugar, clamam pela participação subsidiária do setor privado, sobrecarregando ‑se
de demandas. Verifica ‑se que, para o exercício do teletrabalho, o qual transformou ‑se em
trabalho em domicílio, reinventam ‑se os lares, os quais se tornaram espaços públicos/pri
vados, espécie de coworking de famílias e empresas, nos quais os pais tem que regular suas
atribuições e garantir educação, saúde, alimentação aos seus dependentes, neste espaço
confinado. Isso exige uma reorganização dos espaços e tempos, para o que a OIT indica a
urgência de divisão equânime de tarefas e responsabilidades familiares, para que o espaço
da microeconomia seja compatível com o mundo laboral, conforme orienta a Convenção
146, e Convenções 100 e 111.
Neste espaço doméstico do teletrabalhador podem conviver pessoas que ficam impacta
das de forma diferente pelas restrições sociais. Ainda que trabalhando em ambiente virtual
com colegas, estamos participando de uma experiência presencial e conjunta com os fami
liares os quais se tornam espécie de colegas nem sempre colaborativos. A partir experiência
do confinamento, e, especialmente pela pandemia do COVID ‑19, deve ‑se repensar a saúde
mental de todos, mas em especial, de um outro grupo de pessoas, as que vivem sós. Con
forme Hold ‑Lustad
38
, o isolamento social atua como fator de risco extremamente danoso
37 AGUIAR, Antonio Carlos – Direito do Trabalho 2.0 digital e disruptivo. São Paulo: LTr, 2018, p. 93.
38 HOLT ‑LUNSTAD, J.; SMITH, T. B.; LAYTON, J. B – Social Relationships and Mortality Risk: A Meta ‑analytic
Review. PLoS Medicine, vol. 7, n. 7, 2010. e1000316. doi:10.1371/journal.pmed.1000316.
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para o adoecimento da população em geral, em função da invisibilidade do trabalhador.
O isolamento reflete na ocupação ativa e no trabalho feito em casa de forma remota em
períodos normais e isto acentua ‑se no período de calamidade pública declarado pela OMS.
Outros problemas, além da educação para o teletrabalho e a reorganização do espaço pri
vado do lar como espaço social do trabalho, podem ser apontados pela dificuldade de garan
tia de alguns direitos previstos na Constituição, no art. 7.º, como os incisos XXI e XXVII. O
art. 7.º, inciso XXII prevê a redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de
saúde, higiene e segurança. Quanto aos riscos, temos a dificuldade de garantir ao teletraba
lhador a fiscalização do trabalho, mas também uma obrigação de todos de zelar pelo meio
ambiente do trabalho. Como fazer isso no espaço da vida privada? O art. 7.º, incisoXXVII
prevê a proteção em face da automação, na forma da lei. Para o período do isolamento há os
problemas da desconexão e limitação de jornada. Quanto à esta proteção em relação à auto
mação temos um risco, para um período pós ‑pandemia, de que o empregador descubra for
mas que prescindam do empregado teletrabalhador. E aqui, na ausência de lei que garanta
ao teletrabalhador proteção em face da automação está o risco de desemprego futuro deste.
Ainda outros direitos fundamentais devem ser lembrados e protegidos. A Constituição
Federal prevê, em seu art. 5.º, parágrafo X, serem invioláveis “a intimidade, a vida privada, a
honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral
decorrente de sua violação, por isso o direito aos dados do empregado e da invasão do lar fora
dos momentos ajustados deve ser observada. Neste sentido, a Constituição Federal, seu art.
5.º, XII, também dispõe ser “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegrá
ficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial (...)”.
Na França temos a discussão do uso do domicílio pelo teletrabalho e também do ponto
de vista dos direitos fundamentais há um direito de retirada que é o empregado negar ‑se a
trabalhar se houver perigo grave e iminente para a vida e saúde.
Em Portugal o teletrabalho pode ser pedido por qualquer uma das partes da relação de
emprego. E, na família, o teletrabalhador pode ter apoio financeiro do Estado para cumular
o cuidado com os filhos.
O Ministro do Trabalho alemão, Hubertus Heil, afirmou que pretende inserir na legis
lação da Alemanha o direito de trabalhar em casa após a pandemia. Ou seja, haverá um
direito ao teletrabalho. O avanço do teletrabalho, que já era tido como algo quase que certo
para o futuro do trabalho, conforme documentos da OIT, parece que foi impulsionado pela
situação atual.
39
39 BURKE, Jackson – As working from home becomes more widespread, many say they don’t want to go back.
[Consultado em: 29/04/2020]. Disponível em: https://www.cnbc.com/2020/04/24/as ‑working ‑from ‑home‑
‑becomes ‑more ‑widespread ‑many ‑say ‑they ‑dont ‑want ‑to ‑go ‑back.html Importante também destacar a
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Portanto, recorda ‑se que o período de desastre global não autoriza a dispensa de prote
ção do teletrabalhador, o qual merece um trabalho decente em período de crise.
V. A IMPORTÂNCIA DA NEGOCIAÇÃO COLETIVA
O crescente aumento do uso do teletrabalho como forma de prestação laboral tem exigido
uma regulamentação minuciosa por parte do ordenamento jurídico. Na falta de uma legis
lação específica, segundo Fincato e Bublitz
40
, encontra ‑se na negociação coletiva o instru
mento mais eficaz na realidade brasileira para preencher as lacunas legislativas a respeito
da regulamentação do teletrabalho, trazendo segurança jurídica aos empregados e empre
gadores em seu relacionamento. O direito comparado nos traz a experiência do Acordo
Marco Europeu sobre Teletrabalho,
41
que estabeleceu o marco geral e mínimo sobre esta
forma de prestação de trabalho no âmbito europeu.
Apesar de ser de adesão voluntária dos Estados membros da Comunidade, o acordo
tem sido utilizado por vários países da Europa, assim como por entidades de representação
trabalhista e patronal nas negociações coletivas, como norte para o estabelecimento das
relações de teletrabalho. Cita ‑se particularmente a Itália como um bom exemplo de comple
mentação da legislação sobre teletrabalho via negociação coletiva, que rege a matéria pelo
chamado Acordo Interconfederativo, de 9 de Junho de 2004, e que também tem como norte
o Acordo Marco Europeu
42.
A Convenção 154 da OIT,
43
em seu artigo 2.º, compreende a expressão negociação cole
tiva como todas as negociações entre uma parte, um empregador, um grupo de emprega
dores ou uma organização ou várias organizações de empregadores, e, de outra parte, uma
ou várias organizações de trabalhadores, com fim de: a) fixar as condições de trabalho e
emprego; ou b) regular as relações entre empregadores e trabalhadores; ou c) regular as
entrevista de um Ministro Alemão que apoia a lei a fim de incentivar o trabalho em casa. Disponível em: https://
abcnews.go.com/Business/wireStory/german ‑minister ‑backs ‑creating ‑legal ‑work ‑home ‑70351904. Consultado
em: 29/04/2020.
40 FINCATO, Denise Pires; BUBLITZ, Michelle Dias – A negociação coletiva como ferramenta regulamentadora de
norma aberta: o teletrabalho e a lei 12.551/2011. In: Revista Do Direito UNISC, Santa Cruz do Sul n.º. 44, set ‑dez
2014, p.127.
41 CONFEDERACIÓN EUROPEA DE SINDICATOS – Acuerdo Marco Europeo sobre Teletrabajo. [Consultado em:
29/04/2020]. Disponível em: https://www.ccooservicios.es/archivos/bbva/20110727_acuerdo_marco_europeo_
teletrabajo.pdf
42 FINCATO, Denise Pires; BUBLITZ, Michelle Dias – A negociação coletiva como ferramenta regulamentadora de
norma aberta: o teletrabalho e a lei 12.551/2011. In: Revista Do Direito UNISC, Santa Cruz do Sul n.º. 44, set ‑dez
2014, p.122 ‑128.
43 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO – Convenção n. 154 – Fomento à Negociação Coletiva.
[Consultado em: 19/07/2018]. Disponível em: http://www.ilo.org.
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relações entre os empregadores ou suas organizações e uma ou várias organizações de tra
balhadores, ou alcançar todos estes objetivos de uma só vez.
No âmbito brasileiro, a negociação coletiva se apresenta como a opção mais articu
lada para que seja estabelecida a regulação da matéria. A inserção do teletrabalho no rol
do artigo 661 ‑A certamente é um indício desta opção para a criação de mecanismos como
forma de solucionar ou minimizar as questões controvertidas que forem surgindo, con
forme as necessidades das categorias profissionais, especialmente quando este dispositivo
legal prevê a prevalência da negociação sobre a lei, ainda que não criada.
Em um mundo anterior à pandemia do COVID 19, o desafio residia exatamente no fato
de que o teletrabalhador encontra ‑se em situação de maior vulnerabilidade por estar dis
tanciado da coletividade de classe. Conforme Stürmer
44
, a atividade e a dinâmica sindical
perderiam espaço ao não poder identificar os postos e locais de trabalho onde seus repre
sentados exercem suas atividades. O Acordo Marco Europeu aparenta ter pensado em uma
solução, ao prever em seu item 11 que seja informado às representações sindicais acerca da
introdução do regime de teletrabalho. A toda evidência, convém aos sindicatos a aproxima
ção com seus representados e a sua integração e sentimento de pertencimento à categoria
profissional, uma vez que, segundo o próprio item 11, o teletrabalho não pode ser obstáculo
para a comunicação com as representações sindicais.
Por outro lado, a pandemia do COVID ‑19 que acometeu o mundo transformou rapi
damente as relações de trabalho diante da necessidade de se laborar em regime de tele
trabalho, devido à efetivação do isolamento social como forma de prevenção e contenção
do vírus. A internet deixou de ser uma ferramenta de distanciamento para proporcionar o
contato social e familiar em tempos de pandemia, ainda que de forma telemática. De igual
modo, trabalhadores passaram a utilizar espaços virtuais para se encontrar com colegas de
trabalho e executar as suas atividades.
Em consulta ao Sistema de Negociações Coletivas de Trabalho – MEDIADOR
45
, do
Ministério do Trabalho e Emprego, foram localizados 210 instrumentos coletivos regis
trados no período de 11/03/2020 a 30/04/2020 e vigentes, cujo título constasse a palavra
“teletrabalho”. Foi escolhida a data inicial de 11/03/2020 por se tratar do dia em que a OMS
declarou a pandemia de Coronavírus.
44 STÜRMER, Gilberto. Relações Coletivas e Teletrabalho – In: IV CONGRESSO IBERO ‑AMERICANO DE
TELETRABALHO E TELEATIVIDADES PORTO ALEGRE. Anais do IV congresso ibero ‑americano de teletrabalho
e teleatividades. Porto Alegre: Lex Magister, 2011, p. 73.
45 MINISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO – Sistema de Negociações Coletivas de Trabalho – MEDIADOR.
[Consultado em: 30/04/2020]. Disponível em: http://www3.mte.gov.br/sistemas/mediador/
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Destes, 8 (oito) instrumentos foram registrados no período de 11/03/2020 a 21/03/2020,
mas apenas 3 (três) dizem respeito a termos aditivos celebrados para iniciar o regime de
teletrabalho especificamente em razão da pandemia do COVID ‑19, expressamente men
cionando este fato. Tratam ‑se de aditivos à convenções coletivas de trabalho, celebradas,
portanto entre os sindicatos dos empregadores e dos empregados, todos situados no Estado
do Rio Grande do Sul, registrados em 17/03/2020 e 19/03/2020. Embora pequeno o número, o
dado é importante, pois revela a percepção e o diálogo entre as coletividades para a preser
vação e garantia do direito fundamental à vida, à saúde, de forma conciliada com o direito
ao trabalho, ambos direitos fundamentais do trabalhador, antes mesmo da promulgação da
MP 927.
Conforme previsto pela MP 927, ainda que seja unilateral a determinação de home oce,
alguns doutrinadores têm apontado que verbas como auxílio ‑alimentação, convênios e
auxílios como creches só poderiam ser retirados pela negociação coletiva revisada, caso
decorra dela estes direitos. Também seria interessante se a negociação coletiva previsse
cláusulas que determinem que o empregador arque com os custos de utilização de luz, tele
fone e outras adaptações funcionais do teletrabalho.
Convém lembrar que o artigo 11, §4.º, da MP 936, que impõe expressamente que os
acordos individuais celebrados na MP 927, inclusive sobre questões de teletrabalho, “deve
rão ser comunicados pelos empregadores ao respectivo sindicato laboral, no prazo de até
dez dias corridos, contado da data de sua celebração. Neste sentido, alguns doutrinadores
entendem que a obrigação de submeter o acordo individual ao sindicato [...] “integra a pró
pria essência do acordo individual, já que foi a forma encontrada pelo governo para evitar
a inconstitucionalidade dos acordos individuais, por afronta ao artigo 7.º, VI, da Constitui
ção”, como menciona Cesar Zucatti Pritsch
46
.
Apesar das divergências motivadas pela MP 936, que restringiu o papel negocial dos
sindicatos durante a crise do Coronavírus, e da decisão liminar do E. STF na ADI n. 6.363,
que havia decidido, num difícil exercício de equilíbrio entre atuação sindical e governa
mental, pela necessidade da anuência sindical nos contratos individuais firmados entre
empregado e empregador para redução de jornada e salário, parece que a mais adequada
negociação na crise do Coronavírus é com a participação sindical, a qual, aliás, é incenti
vada pela interpretação do art. 2 da MP 927
47
.
46 PRITSCH, Cesar Zucatti – MP 936: acordos individuais impedem a atuação dos sindicatos? [Consultado em:
29/04/2020]. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020 ‑abr ‑28/pritsch ‑acordos ‑individuais ‑impedem‑
‑atuacao ‑sindicatos.
47 MELO, Raimundo Simão de. Negociações coletivas na crise do Coronavírus. Disponível em: https://www.conjur.
com.br/2020 ‑abr ‑17/negociacoes ‑coletivas ‑crise ‑coronavirus. Consultado em: 29/04/2020.
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Aliás cumpre lembrar que sindicatos profissionais e econômicos
48
, na crise do Coro
navírus podem e devem exercer o diálogo social fixando tempo, horário e remuneração,
mediando o afastamento presencial de trabalhadores de grupos de risco como por exem
plo, pessoas com idade superior a 60 anos, com deficiência, doenças degenerativas, dentre
outras.
Se houver banco de horas para o teletrabalho, ou mesmo fixação regular de jornada,
como alguns admitem para efeitos da MP 936, seria importante a atuação sindical para
a sua fixação. Isso porque a lei não veda redução de jornada e salários inclusive para o
teletrabalhador, a partir da interpretação da MP 936 e da Portaria 10.486 que regula o
BEM (benefício emergencial). Ainda que o teletrabalhador fosse receber férias coletivas,
seria interessante o sindicato se fazer presente, nos termos da previsão do art.139daCLT
e mesmo que o art. 11 da MP 927 o dispense. Indicação semelhante é feita para o vale‑
‑transporte e alimentação, para o adiantamento do período de férias, para a flexibilização
de horários, e para as normas de saúde, segurança e medicina do trabalho, reguladas no
art.154e ss. daCLT. Otrabalho em casa, por meio remoto e digital, deverá ser privilegiado,
e novas plataformas de trabalho deverão ser desenvolvidas, sendo que o sindicato pode e
deve atuar neste novo cenário.
Na rede mundial de computadores assiste ‑se tendências opostas; isolacionismo ou uma
nova consciência fraterna, a qual vem se formando
49
, com mais velocidade e ímpeto a ser
visto pelas ações concretas de solidariedade para com os atingidos pela pandemia. A expe
riência conjunta do isolamento social alavancou a implementação do regime de teletraba
lho, que certamente não será mais a mesma após a epidemia. Novas formas de se relacionar
e de laborar de modo não presencial estão se desenvolvendo, superando as dificuldades
impostas pelo afastamento, que certamente refletirão nas relações coletivas.
Em um momento em que as próprias centrais sindicais estão realizando suas reuniões
por videoconferência
50
, votações de assembleias, as negociações coletivas no contexto do
teletrabalho revelam o debate atual de coordenação das ações sindicais com a nova reali
48 SANTOS, Enoque Ribeiro dos – O Direito Coletivo do Trabalho em tempos de Coronavírus. [Consultado em:
29/04/2020]. Disponível em: https://genjuridico.jusbrasil.com.br/artigos/822599511/o ‑direito ‑coletivo ‑do‑
‑trabalho ‑em ‑tempos ‑de ‑coronavirus.
49 Ver FINCATO, Denise Pires – O Valor Social do Trabalho e o Princípio da Fraternidade: Reflexões sobre o
Teletrabalho. In Compedi Law Review. v. 1, n. 6, 2015, p. 105 ‑128. Veja ‑se a também em FINCATO, Denise. O
valor social do trabalho e o princípio da fraternidade: reflexões sobre o teletrabalho. In: GUEDES, Priscila Dal
Ponte Amado; GUEDES, Gabriel Pinto; BARZOTTO, Luciane Cardoso (org.). Direito e fraternidade: em busca de
respostas. Porto Alegre: Sapiens, 2016, pp. 76 ‑78.
50 SINDICATO DAS METALÚRGICAS – MPT e Centrais sindicais debatem atuação conjunta em defesa da classe
trabalhadora frente crise do Coronavírus. [Consultado em: 29/04/2020]. Disponível em: https://ctb.org.br/sem‑
‑categoria/formacao ‑sindical ‑ctb ‑inaugura ‑reuniao ‑por ‑videoconferencia ‑nesta ‑sexta/.
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dade na qual foi mergulhado o mundo. É conveniente ainda que os sindicatos aproveitem
a experiência telemática para ensaiar práticas não apenas de regulamentação dos direitos
dos teletrabalhadores, mas também de proteção e prevenção de conflitos e repressão con
dutas antissindicais que possam surgir no futuro próximo, relacionado ao teletrabalho.
Enquanto durar a necessidade de isolamento, ainda que de forma intermitente, as nego
ciações coletivas acerca da implementação do teletrabalho ficam à disposição como instru
mentos ágeis para regulamentar as particularidades de cada categoria econômica e social, e
prometem ser importantes ferramentas para a efetivação massiva deste regime.
VI. CONCLUSÃO
Parece que o resultado dos estudos do futuro do trabalho, levados a efeito pela OIT e que
apontavam o teletrabalho como uma forma essencial de ocupação e renda para 2030, foi
antecipado pelos tempos da epidemia global. A massiva contratação de trabalhadores em
regime de teletrabalho e conversão de trabalhos presenciais nesta espécie de home oce
forçada poderá influenciar o futuro do trabalho, após a situação de surto, motivo pelo qual
urge a sua regulamentação com maior detalhamento e cuidado.
Dentre os americanos que passaram a realizar o teletrabalho a partir da pandemia de
COVID ‑19, 24% dos entrevistados afirmaram que gostariam de continuar trabalhando em
casa, de forma integral ou parcial, após a pandemia. Nessa mesma pesquisa, 60% dos entre
vistados afirmam que sua produtividade está igual ou superior à de quando trabalhavam
fora de casa.
Embora não tenhamos dados suficientes no Brasil, acredita ‑se que a introdução ao tele
trabalho na América do Norte pode ter efeito bastante semelhante nos trabalhadores daqui,
o que indica a ideia de permanência deste regime após a vigência do estado de calamidade e
além da produtividade mencionada nas pesquisas, outros benefícios podem advir da explo
ração deste instrumental.
Ademais, empresas buscam alternativas para atuar no mercado de trabalho de um eco
nomia, a qual passa também por este desafio de se modificar, de se inovar, cooperar para a
prosperidade, paz e resiliência de todos, encontrando no teletrabalho uma de suas melho
res opções.
Nesse diapasão, o papel negocial dos sindicatos revela ‑se não apenas relevante do ponto
de vista normativo, como ferramenta para a regulamentação dos direitos dos teletrabalha
dores, como também do ponto de vista econômico e social, fomentando o diálogo e a paci
ficação entre empregados e empregadores, de modo a impulsionar o crescimento fraterno
da sociedade em tempos tão difíceis.
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June Junho 2020 · pp. 52‑76
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