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GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
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July Julho – 31
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December Dezembro 2019 · pp. 188‑190
Medidas de prevenção e vigilância no contexto do surto
de COVID‑19 consistentes em operações de tratamento
de dados pessoais no contexto das relações laborais
Prevention and surveillance measures in the context of the COVID‑19 outbreak
consisting of operations involving the processing of personal data in the context
ofindustrial relations
1 Doutoranda e Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões”. Professora Convidada
na Universidade Autónoma de Lisboa “Luís de Camões”.
2 Comité Europeu de Proteção de Dados, «Declaração sobre o tratamento de dados pessoais no contexto do surto
de COVID-19», (https://edpb.europa.eu/sites/edpb/files/files/file1/edpb_statementreopeningbordersanddataprotection_
pt.pdf), p.2, acesso em 2020-03-20.
3 Oportunamente a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) pronunciou-se quanto à recolha de dados de
saúde dos trabalhadores a 23 de abril de 2020, de forma a garantir a conformidade do tratamento de dados de s-
de e a reserva da vida privada dos trabalhadores com o regime geral de proteção de dados pessoais. Cfr. Comissão
Nacional de Proteção de Dados, «Orientações sobre a recolha de dados de saúde dos trabalhadores), (https://www.
cnpd.pt/home/covid19/covid19.htm), acesso em 2020-04-26.
PATRÍCIA CARDOSO DIAS
1
padias@autonoma.pt
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXI · 1
st
January Janeiro–30
TH
June Junho 2020 · pp. 188‑190
DOI: http://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXI.1.10
Submitted on March 27
th
, 2020 · Accepted on June 4
th
, 2020
Submetido em 27 de março, 2020 · Aceite a 4 de junho, 2020
No âmbito das relações jurídico laborais
o tratamento de dados pessoais de saúde
pode ser necessário para cumprimento de
obrigações legais a que o empregador se
encontre sujeito.
Estas obrigações podem resultar de
dispositivos legais relativos à segurança e
saúde no trabalho, ou inclusivamente por
razões de interesse público, tal como é o
caso de patologias/doenças ou quaisquer
outras ameaças à saúde
2
.
Contudo, há que ter presente a dis-
ciplina legal tanto em sede de direito do
trabalho e como a disciplina relativa à
medicina e segurança no trabalho não
produzem efeitos isoladamente, tendo
necessariamente de ser apreciadas conju-
gadamente com a disciplina legal relativa à
proteção de dados pessoais
3
.
No contexto da retoma das atividades
económicas e transição progressiva do
regime de teletrabalho para o presencial as
entidades empregadoras implementaram
medidas tendentes a prevenir o contágio
entre os trabalhadores (v.g. organização do
espaço de trabalho, aquisição de soluções
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alcoólicas de desinfeção, reforço dos ser-
viços de limpeza e higienização)4, desig-
nadamente, a recolha e registo de dados
relativos à saúde suscetíveis de indiciar a
infeção provocada pelo SARS-COV-2, como
seja a temperatura corporal dos trabalha-
dores.
Mera consulta como operação de trata-
mento de dados pessoais
Ora, conforme se alcança do n.º 2 do
artigo 4.º do RGPD a mera visualização
(recolha), através da medição da tempe-
ratura consiste numa operação de trata-
mento de dados pessoais porquanto incide
diretamente em relação a uma pessoa sin-
gular identificada, ressalvando a particular
sensibilidade desta categoria de dado por
respeitar à saúde, estando por isso sujeita a
um regime jurídico reforçado de proteção.
Resulta do princípio da proporciona-
lidade que o empregador apenas poderá
exigir informações de saúde/sanitárias na
medida em que o direito nacional o per-
mita, sendo que informações relativas a
esta categoria de dados deve apenas ser
utilizada para cumprir obrigações legais,
bem como para organizar o trabalho em
conformidade com a legislação nacional
5 6.
4 Para os devidos efeitos consultar mais detalhadamente a Orientação 6/2020, de 26 de fevereiro da DGS. Direção
Geral de Saúde, «Orientação N.º006/2020 – Procedimentos de Prevenção, controlo e vigilância em empresas»,
(https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/orientacoes-e-circulares-informativas/orientacao-n-0062020-de-26022020-pdf.aspx),
acesso em 2020-04-26.
5 Comité Europeu de Proteção de Dados, «Declaração sobre o tratamento de dados pessoais no contexto do surto
de COVID-19», (https://edpb.europa.eu/sites/edpb/files/files/file1/edpb_statementreopeningbordersanddataprotection_
pt.pdf) acesso em 2020-03-20, p.3-4.
6 Com relevância para as relações jurídicas de trabalho as disposições conjugadas da alínea b) e h) do n.º2 do artigo
9.ºdo RGPD e n.º1 do artigo 28.ºda Lei N.º58/2019, de 8 de agosto, e artigo 16.ºe n.º1 e 2 do artigo 17.ºdo Código
do Trabalho.
Da recolha de temperatura corporal
Com efeito, atendendo à natureza do
dado que procede da recolha da tempera-
tura corporal, revelador de aspetos de vida
privada do trabalhador que pode potenciar
discriminação, não tem aquele de ser do
conhecimento da entidade empregadora,
conforme resulta das disposições conjuga-
das do n.º1 do artigo 28.ºda Lei N.º58/2019,
de 8 de agosto e do n.º1 do artigo 17.º da
Código do Trabalho (CT), donde resulta
que a entidade empregadora não conhece
dados relativos à saúde, nem pode por isso
recolher ou registar dados de saúde do tra-
balhador, conforme é o caso da tempera-
tura corporal.
O estado de exceção, em sentido estrito
e em sentido lato, não pode per se legitimar
a adoção de quaisquer medidas por parte
das organizações, particularmente as que
se afastem dos termos previstos em lei
nacional, que apenas permite a recolha de
informação de saúde no contexto da medi-
cina no trabalho.
Conforme observado pela CNPD em
orientação adotada a 23 de abril de 2020
«(…) o legislador nacional não transfe-
riu para as entidades empregadoras uma
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função que é exclusiva das autoridades de
saúde, nem estas delegaram tal função nos
empregadores»
7
, não se justificando assim
a adoção de quaisquer atos que se encon-
trem no âmbito da competências atribuí-
das às autoridades de saúde ou, enquanto
mecanismo de autorresponsabilização, em
procedimento de auto monitorização, con-
forme se verifica na medição da tempera-
tura corporal.
Fica, em todo o caso, salvaguardada a
eventualidade de no âmbito da medicina no
7 Comissão Nacional de Proteção de Dados, «Orientações sobre a recolha de dados de saúde dos trabalhadores),
(https://www.cnpd.pt/home/covid19/covid19.htm), p.2, acesso em 2020-04-26
trabalho um profissional de saúde avaliar o
estado de saúde do trabalhador através da
recolha das informações necessárias para
avaliar a aptidão para o exercício da pres-
tação da atividade, nos termos das dispo-
sições conjugadas do n.º2 do artigo 17.ºdo
CT e da Lei N.º102/2009, de 10 de setembro,
na versão introduzida Lei N.º79/2019, de 2
de setembro relativa à segurança e saúde
no trabalho.