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O Intervalo Descompassado entre a vigência e a efetividade da norma– A (Re)emergência da questão ressocializadora
INÊS FARINHA
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
st
January Janeiro – 30
th
June Junho 2020 · pp. 142‑158
por “dever-ser”
6
, uma norma tem de conter em si mesma um referente superior que a legi-
tima e a densifica para que possa ser exigida como válida
7
.
Neste sentido como bem referencia J R
, “a necessidade de cada norma estar
fundada na existência de outra norma de grau – necessariamente – superior que a autoriza
e lhe confere legitimidade, importa que o sistema normativo corresponda a uma estrutura
encadeada de comandos sucessivos, na qual cada norma de grau superior autoriza a norma
inferior”, rectius, a norma fundamental, a qual é, diz o mesmo autor “fundamento da obriga-
toriedade de cumprimento das normas constitucionais”.
O que, levado ao extremo, quererá dizer que a conduta que se extrai do ato normativo
deve ser considerada obrigatória “não apenas do ponto de vista do indivíduo que põe o ato,
mas também de um ponto de vista de um terceiro desinteressado”
9
, que se nivelará por uma
norma de valor superior
10
.
Donde, para afirmarmos que uma norma é válida, e, portanto, vigente, deverá ter um
mínimo de eficácia
11
. Como já referimos, para K, a validade (ou a vigência) de uma
norma “consiste na existência da norma jurídica, ou seja, em sua entrada regular dentro de
um sistema jurídico”
12
.
Se atentarmos no teor do artigo 40.º, n.º1 do Código Penal
13
, verificamos que o seu
escopo é o de estipular as finalidades das penas. Por um lado, reconhecendo que da sua
aplicação se protegerão bens jurídicos, e que, por outro, se visará a reintegração do agente
na sociedade.
K, Hans – Teoria Pura do Direito 6.ªEdição. Tradução de João Batista Machado. São Paulo: Martins Fontes,
1998, p.7.
6 K, Hans – Teoria Pura..., p.7.
7 Estamos aqui a referir-nos ao que Kelsen concetualiza como norma fundamental – Grundnorm – a qual é o
fundamento da obrigatoriedade de cumprimento das normas constitucionais e, por essa via, legitima todas as
normas integradas no sistema. Vide R, José Joaquim Monteiro – «A dupla perspetiva da norma fundamental
em Hans Kelsen». In: Politeia – Estudos Comemorativos dos 30 Anos do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança
Interna e dos 10 anos da Politeia, Volume I, Studia Varia, Ano X-XI-XII, 2013-2014-2015, p.221.
8 R, José Joaquim Monteiro – «A dupla perspetiva...» p.219.
9 K, Hans – Teoria Pura..., p.6.
10 O que, no caso português, encontra albergue constitucional por via do artigo 30.º, n.º 5 da Constituição da
República Portuguesa, uma vez, como refere: “Os condenados a quem sejam aplicadas pena ou medida se segurança
privativas da liberdade mantêm a titularidade dos direitos fundamentais (...)”.
11 Para K – Teoria Pura..., p.8: “Uma norma jurídica é considerada como objetivamente válida apenas quando a
conduta humana que ela regula lhe corresponde efetivamente, pelo menos numa certa medida. Uma norma que
nunca e em parte alguma é aplicada e respeitada, isto é, uma norma que – como costuma dizer-se – não é eficaz
em uma certa medida, não será considerada como norma válida (vigente)”.
12 B, Eduardo – «A Justiça Kelsiana». In: Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 96,
p.544-545.
13 O artigo 40.º, n.º1 do CP refere o seguinte: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens
jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”.