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RECENSÕES
REVIEWS
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
st
July Julho – 31
th
December Dezembro 2019 · pp. 192‑196
Nesse contexto, impende analisar a teo-
ria sistémica-funcional formulada por Niklas
Luhmann, cujos traçados fundamentais e
suas implicações no universo jurídico, evi-
denciados por António Manuel de Almeida
Costa
11
, demonstram como essa corrente fun-
cionalista sustentada por Günther Jakobs, em
que o juízo de antijuridicidade recai sobre o
autor, e a culpabilidade cede lugar à perigo-
sidade e à previsibilidade de sua conduta, faz
com que o Direito penal tenha como função
a proteção de suas próprias normas. Em face
disso, há de se perguntar se a teoria sistêmica
luhmanniana se aplica ao Direito Penal, se o
Direito se comporta como um sistema auto-
poiético
12
ou autorreferencial. A conclusão
é pela negativa de aplicação da teoria, por-
quanto a “neutralidade axiológica e ideoló-
gico-política”
13
e a funcionalização da pessoa
que desveste o homem de sua individualidade
permitem a indiferença ao autoritarismo e,
consequentemente, permitem que a confec-
ção de normas penais fiquem ao sabor de
decisão política do legislador, sem que haja,
no organismo social, instâncias de críticas a
esse positivismo. Portanto, o Direito Penal,
11 COSTA, António Manuel de Almeida – O Funcionalismo Sistémico de N. Luhmann …, pp.42 e ss.
12 Niklas Luhmann desenvolveu a teoria dos sistemas, sob o conceito de autopoiese, ao argumento de que a
comunicação é a base operacional de uma sociedade (funcionalismo sistémico). O autor compreende o Direito
como um sistema autopoiético. Autopoiesis é um termo grego adaptado à sociologia, por Luhmann, inspirado em
dois biólogos chilenos, Umberto Maturana e Francisco Varela, conforme esclarece HESPANHA, António Manuel
– O Caleidoscópio do Direito – O Direito e a Justiça nos dias e no mundo de hoje. 2.ªed. Coimbra: Almedina, 2019, p.216.
13 COSTA, António Manuel de Almeida – O Funcionalismo Sistémico de N. Luhmann …, p.76.
14 Nessa obra clássica da Sociologia, o autor chama a atenção para a percepção que se tem do mundo atual, das
sociedades, percepção essa moldada pelos perigos e riscos que nos cercam, tanto os naturais como os gerados
pelo próprio homem, a exemplo das alterações ambientais e climáticas, do terrorismo, das crises financeiras,
dos crimes transnacionais, que nos fazem buscar a segurança a qualquer preço, mesmo que em detrimento
das liberdades. BECK, Ulrich – Sociedade de risco mundial – em busca da segurança perdida. Lisboa: Edições 70, 2016.
pp.22-56.
que sabidamente sofre influências políti-
cas e econômicas, não pode ser entendido
como um sistema fechado, pois sua função
garantista está, dentre outras, em restringir
o âmbito de incidência de imposições penais
despropositadas, injustas e antidemocráticas.
Tem-se que a função essencial do Direito
penal é a de limitar o poder soberano de punir
e o excesso de ação punitiva estatal. Entre-
tanto, a percepção de risco e da “sociedade
de risco”
14
, nos tempos atuais, tem levado a
uma hipertrofia legislativa e vulgarização
das normas penais, ao aparecimento de tipos
penais de perigo abstrato que prescindem
da ocorrência de dano material efetivo, a um
recrudescimento da criminalização, com inci-
dência de penas que justificam a prevenção
geral positiva e o controle social. O delin-
quente passa a ser visto como um inimigo
da sociedade, não como um Ser Humano que
deve ser tratado dignamente, mas como uma
coisa, uma não-pessoa, em total discordância
com os direitos e garantias fundamentais do
cidadão. O Direito penal é a ultima et extrema
ratio e, como tal, a ele se aplica o princípio da
subsidiariedade, e não o da prima solo et unica