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A dinâmica de construção constitucional do Brasil império: entre liberalismo edescentralização
LUCIENE DAL RI | JAILSON PEREIRA
GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
st
January Janeiro – 30
th
June Junho 2020 · pp. 7‑29
outorgada
27
. O esboço de 1823 foi, porém, amplamente considerado pelo Conselho de Estado
que lhe fez aperfeiçoamentos técnicos de sistematização e linguagem, ampliou a atribuição
de poderes e manteve a irresponsabilidade dos atos do imperador, por meio da introdução
do Poder Moderador
28 .
O Poder Moderador não fazia parte do constitucionalismo português e a sua presença
na Constituição brasileira de 1824 ocorreu por meio dos trabalhos de revisão do projeto
constitucional pelo Conselho de Estado, remontando à teoria do poder neutro, de Benjamin
Constant e com claro apelo ao constitucionalismo inglês
29
.
Na teoria de Constant, o poder
neutro também seria um dos mecanismos para evitar o despotismo do povo, garantindo
junto com os direitos civis, a limitação da soberania popular.
O Poder Moderador é apresentado no texto constitucional como “chave de toda a orga-
nização Política”, tendo competências que permitiram sob Dom Pedro I e a primeira parte
do reinado de Dom Pedro II a ingerência imperial sobre os poderes legislativo, executivo e
judiciário
30
. A vantagem do poder neutro estava exatamente na sobreposição do monarca e
27 - Sobre a instalação e dissolução da Assembleia Constituinte de 1823, bem como a outorga da Constituição de
1824, ver: Silva (1998, p.76), CERQUEIRA, Marcello – Cartas Constitucionais: Império, República e Autoritarismo. Rio
de Janeiro: Renovar, 1997, p.33 e Lopes (2008, p.258).
28 A redação final da Constituição de 1824 teria sido atribuída à Maciel da Costa e Carneiro de Campos. Sobre a
formação do Conselho de Estado, ver TORRES, João Camilo de Oliveira – A democracia coroada [recurso eletrônico]:
teoria política do Império do Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2017, p. 526 ss. Sobre
proximidades e diferenças entre o Projeto apresentado por Antonio Carlos e a Constituição de 1824, ver MELLO,
F.I. Marcondes Homem de – Escriptos históricos e literários. 2.ªed. Rio de Janeiro, 1866, p.57 ss. BONAVIDES, Paulo
– «As nascentes do constitucionalismo luso-brasileiro, uma análise comparativa», p.227. [Consultado em: 30 de
Agosto de 2019] Disponível em https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/4/1510/9.pdf: “O novo projeto foi
enviado para às câmaras municipais para aprovação”.
29 Considerando que a influência não implica necessariamente em fidelidade à teoria de Constant, observa-se
dissonância na doutrina sobre o tema, por um lado alegando que a teoria foi desfigurada devido à pretensão
absolutista ou por outro afirmando que houve apenas as necessárias adaptações ao contexto brasileiro,
mantendo uma monarquia limitada. O primeiro posicionamento é defendido por: CARNEIRO DA CUNHA,
Pedro Octavio– «A Fundação de um Império Liberal». In: S. B. de Holanda (org.). História Geral da Civilização
Brasileira. 6.ªed. São Paulo: Difel, Tomo II, vol. 1, 1985, p.256); BONAVIDES, Paulo – «O poder moderador na
Constituição do Império». In: Revista de informação legislativa. Janeiro à março de 1974, p.28. FAUSTO, Bóris –
História do Brasil. 7.ªed. São Paulo, Editora da USP, 1999, p.152. FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder…. 5.ªed.,
p.333. Nas palavras de Bonavides, porém, o poder moderador possuía “primazia sobre os demais poderes, o
que sem dúvida se arredava da teorização de Benjamin Constant, contrariando-a desde as bases”. O segundo
posicionamento é defendido por: PIMENTA BUENO, José Antônio – Marquês de São Vicente. São Paulo: Editora
34, 2002, p.96. LYNCH, Christian Edward Cyril – «O Discurso Político Monarquiano e a Recepção do Conceito
de Poder Moderador no Brasil (1822-1824)». In: DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 48, n o 3,
2005, p.642.
30 Os dispositivos de divisão de poderes acabam encontrando eficácia apenas a partir de 1826, quando é instalado
o Parlamento e dois anos mais tarde quando se cria o Supremo Tribunal de Justiça, no Brasil. NOGUEIRA,
Octaviano – 1824. 3.ª ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2018, p. 18. BRASIL.
Constituição Política do Império do Brazil, 1824, ver artigos 98 e 101: “nomear os Senadores; convocar a
Assembléa Geral extraordinariamente nos intervalos das Sessões; sancionar os Decretos e Resoluções da
Assembléa Geral, para que tenham força de Lei; aprovar, e suspender as Resoluções dos Conselhos Provinciais;
prorrogar, ou adiar a Assembléa Geral, e dissolver a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação