GALILEU · e‑ISSN 2184‑1845 · Volume XXI · Issue Fascículo 1 · 1
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A dinâmica de construção constitucional
do Brasil império: entre liberalismo
edescentralização
Brazils constitutional building dynamics between liberalism
and decentralization
LUCIENE DAL RI
1
luciene.dalri@univali.br
JAILSON PEREIRA
2
jailson@jailsonpereira.com.br
GALILEU–REVISTA DE DIREITO E ECONOMIA · eISSN 2184‑1845
Volume XXI · 1
st
January Janeiro–30
TH
June Junho 2020 · pp. 7‑29
DOI: https://doi.org/10.26619/2184‑1845.XXI.1.1
Submitted on March 27
th
, 2020 · Accepted on June 4
th
, 2020
Submetido em 27 de Março, 2020 · Aceite a 4 de junho, 2020
RESUMO O objetivo deste artigo é analisar o movimento constitucionalista brasileiro a
partir da sua permeabilidade com o liberalismo e outros movimentos constitucionalistas,
principalmente durante a primeira metade do século XIX. Utilizando-se do método de
pesquisa indutivo observou-se o reflexo da contraposição de valores e de interesses entre
os conservadores e os liberais, na construção constitucional brasileira. A proclamação
de independência do Brasil fomenta a contraposição política que vem à contextualizar a
resistência à Constituição promulgada em 1824, evidenciando-se assim a busca por um lado
para manter o poder tão somente nas mãos do Imperador e por outro para limitar o poder do
Estado e promover a descentralização do governo central para as províncias e os municípios.
PALAVRASCHAVE Liberalismo. Constitucionalismo. Monarquia. Descentralização.
1 Doutora em Direito pela Università degli Studi di Roma – La Sapienza; Mestre em Estudos Medievais pela Ponti-
ficia Università Antonianum. Professora no Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica da Univer-
sidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) e na graduação em Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina.
Opresente artigo se insere nas atividades de pesquisa do Programa de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurí-
dica, UNIVALI, em específico na linha de pesquisa em Constitucionalismo e Produção do Direito e no grupo de
pesquisa emEstado, Constitucionalismo e Produção de Direito; e nas atividades do grupo de pesquisa Direito na
aceleração da dinâmica social e as novas tecnologias, da Escola de Direito da Católica/SC em Joinville.
2 Doutorando do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica pela UNIVALI (CAPES 6) e pela De-
laware Law School (doutorado sanduíche), na linha de pesquisa Constitucionalismo e Produção do Direito. Mestre
em Ciência Jurídica pela UNIVALI (CAPES 6), Advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de
Santa Catarina e Seção de São Paulo, Membro do Instituto dos Advogados de Santa Catarina. Professor e Coorde-
nador do Curso de Direito na Faculdade Capivari – FUCAP – Univinte.
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ABSTRACT The purpose of this article is to analyze the Brazilian constitutionalist movement
from its permeability with liberalism and other constitutionalist movements during the
first half of the nineteenth Century. Using the inductive research method, a reflection of
the opposition of values and interests between conservatives and liberals was observed in
the Brazilian constitutional construction. Brazil’s proclamation of independence promotes
political opposition that contextualizes the resistance to the Constitution promulgated in
1824, thus evidencing the search on the one hand to maintain power only in the hands of
the Emperor and on the other hand, to limit state power and promote decentralization from
central government to provinces and municipalities.
KEYWORDS Liberalism, Constitucionalism, Monarchy, Decentralization.
I. Introdução
A concepção moderna de constituição é inseparável dos movimentos constitucionalistas
e liberais, que visam limitar o poder do Estado e garantir direitos aos indivíduos. Nesse
sentido, constata-se que não existe um constitucionalismo, mas diversos movimentos
ou doutrinas constitucionalistas que se permeiam. No Brasil, o movimento constitu-
cionalista, na primeira metade do século XIX, denota tanto matizes nacionais quanto
a permeabilidade com movimentos constitucionalistas de outros países, antes e depois
da proclamação da independência. Os movimentos constitucionalistas e os princípios
liberais que o influenciaram eram contrapostos ao absolutismo e à consequente nega-
ção ou incerteza de direitos, que não permitia regras claras e segurança nas relações
econômicas.
A oposição da monarquia lusitana aos movimentos constitucionalistas atrasou a ela-
boração de uma constituição e gerou verdadeiras revoluções em Portugal e no Brasil, oca-
sionando que o primeiro texto sistematizado de natureza constitucional lusófono fosse a
“Súplica” à Napoleão (1808)
3
.
3 CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Direito constitucional e Teoria da Constituição. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1993,
p.149. Na proposta apresentada pelos portugueses a Napoleão não havia a pretensão de convocar uma assembleia
constituinte, mas simplesmente o pedido de concessão de uma carta normativa. A “Súplica” era uma proposta que
buscava a introdução em Portugal de formas representativas e princípios de igualdade civil e fiscal, liberdades e
educação. BONAVIDES, Paulo – Teoria constitucional da democracia participativa. São Paulo: Malheiros, 2001, p.192.
HESPANHA, Manuel – «Sob o signo de Napoleão. A Súplica constitucional de 1808». In: Almanack braziliense. São
Paulo. ISSN 1808-8139. V.8, 2008, p.80-101.
9
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Por sua vez, o primeiro ato voltado à confecção de uma constituição em terras brasi-
leiras ocorreu por meio da Revolução Pernambucana, movimento de cunho liberal, sepa-
ratista e republicano que não só estabeleceu o Governo Provisório da República de Per-
nambuco, como decretou em março de 1817 uma Lei orgânica
4
. A Lei orgânica da República
de Pernambuco constava de 28 artigos e pode ser considerada como um ato constituinte
provisório, visto que se almejava a elaboração de uma Constituição, por uma Assembleia
Constituinte
5
.
O ato constituinte provisório pernambucano teve a participação de Antônio Carlos
Ribeiro de Andrada Machado e Silva
6
, posteriormente deputado na assembleia constituinte
brasílica. O texto evidencia concepções de clara inspiração na Revolução Francesa, como a
concepção de soberania popular, a liberdade de imprensa e religiosa (mantendo, porém, a
religião de Estado), e a referência aos direitos do homem
7
.
Os ideais de liberdade e a sacralidade da propriedade encontram, porém, sérias dificul-
dades em lidar com interesses escravocratas e aristocráticos. Os proprietários rurais per-
nambucanos tinham como principal atividade o cultivo da cana de açúcar, com mão de obra
escrava, e viam na possível abolição da escravatura a inviabilidade da plantação canavieira.
O choque de interesses levou os revolucionários republicanos a dialogar com os pro-
prietários rurais, visando acalmá-los diante da proclamação do governo provisório que
atestava a igualdade dos homens, independentemente de cor, muito embora aceitasse e
“defendesse” a sacralidade e a inviolabilidade da propriedade. Impelida pelos interesses
opostos, o governo, então, defendeu um processo de abolição “lento, regular e legal”
8
.
O caráter liberal da Revolução Pernambucana, apesar de esbarrar nos interesses das
elites dos proprietários agrícolas, ainda refletia a influência francesa e estadunidense e se
refletiu em outros movimentos, como a independência do Brasil e a abdicação de Dom
Pedro I, em 1931.
9
4 Dentre os fatores que causaram a revolta pernambucana estão os gastos da Corte no Rio de Janeiro; a rivalidade
entre Brasileiros e Portugueses; a influência da Independência dos EUA; a influência da Revolução Francesa e a
independência de algumas colônias espanholas. BONAVIDES, Paulo – «As nascentes do constitucionalismo luso-
brasileiro, uma análise comparativa». [Consultado em 03 de Novembro de 2019] Disponível em: https://archivos.
juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/4/1510/9.pdf.
5 BONAVIDES, Paulo – Teoria constitucional da democracia …, p.193.
6 Antonio Carlos Ribeiro de Andrada e Silva nasceu em Santos, em 1773, estudou em Coimbra e participou da
revolução pernambucana de 1817. Com o insucesso da revolta foi condenado a 4 anos de prisão.
7 BONAVIDES, Paulo – Teoria constitucional da democracia …, p.193.
8 Proclamação do Governo Provisório aos patriotas pernambucanos – In BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto
(orgs.) – Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho editorial, 2002, p.481.
9 FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder. Formação do patronato político brasileiro. 5.ª ed. Rio de Janeiro: Editora
Globo, 2018, p.301: “A aliança entre propriedade agrária e liberalismo, visível nos demagogos letrados, entrelaçada
pelos padres cultos, pelos leitores dos enciclopedistas e pelos admiradores da emancipação norte-americana,
ensaia seus primeiros e vigorosos passos, que darão os elementos de luta nos dias agitados de 1822 e expulsarão
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II. Da vigência da Constituição de Cádiz à Constituição Vintista
Antes mesmo da independência do Brasil, D. João VI, em 21 de abril de 1821, por meio de
decreto, ordenava a vigência interina da Constituição espanhola de 1812, desde a data do
decreto “até a instalação da Constituição em que trabalharão as cortes atuais de Lisboa
10
.
Muito embora tenha vigorado apenas um dia, o decreto sobre a Constituição de Cádiz evi-
denciou a influência do constitucionalismo espanhol sobre aquele português e brasileiro,
trazendo à público as linhas mestras da elaboração da constituição “vintista” e posterior-
mente da constituição brasileira de 1824
11
.
A primeira Constituição portuguesa foi fruto das Cortes gerais, extraordinárias e cons-
tituintes, eleitas pela Nação e compostas por 130 deputados de Portugal e 75 provenientes do Brasil.
O trabalho das Cortes Gerais foi sentido no Brasil também pela intrincada participação dos
deputados brasileiros que tentaram manter a autonomia nacional e a união constitucional dos
dois reinos, mas defrontaram-se com uma política de governo portuguesa centralizadora e que bus-
cava reduzir o status político do Brasil.
Se no jogo de forças políticas os liberais estavam comprometidos com a soberania popu-
lar, os conservadores por sua vez fixavam suas forças na mantença das tradições da monar-
quia e, nesse cenário discutia-se também fortemente a organização do poder do Estado e
a centralização ou descentralização político administrativa do império português e poste-
riormente do Brasil.
Tal fato fomenta ainda mais a luta pela autonomia política brasileira em relação à Portu-
gal, ao ponto de antes mesmo da independência ter-se a convocação da ”Assembleia Geral
Brasílica e Constituinte e Legislativa, por meio do decreto de 03 de junho de 1822. Eviden-
cia-se ainda que apenas três meses após a convocação da assembleia constituinte e sem
o imperador em 1831”. Alerta Faoro, porém, que a aliança não teve a capacidade de promover a organização do
estado na forma como pretendia, mas que o movimento é uma “...amostra de uma tendência possível, como
possível foi o processo de independência e de fragmentação do mundo americano espanhol. ” E continua: “A
Revolução de 1817 deixou no solo germes de revivescimento, que se prolongarão em 1824, na Confederação do
Equador. Definiu num ideário, que se prolonga no curso de todo o Império, com o liberalismo forrado de energia
republicana”. FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder…. 5.ªed., p.303.
10 BRASIL. Decreto de Dom João VI, de 21 de abril de 1821. In BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto (orgs.) – Textos
Políticos da História …, p.493. Sobre a Constituição de Cádiz e seu influxo na América Latina, ver: RESTREPO,
Ricardo Sanín «A Constituição de Cadiz ou a antimatéria da Democracia Latino-Americana». In: Revista NEJ –
Eletrônica. ISSN Eletrônico 2175-0491, Vol. 16 – n. 3 – p.305-315 / set-dez 2011.
11 A constituição espanhola previa em seu artigo 4.º“A nação está obrigada a conservar e proteger, por leis sábias
e justas a liberdade civil, a propriedade e mais direitos legítimos de todos os indivíduos que a compõem.
Constituição de Cádiz, Constituição Política da Nação Espanhola (19 de março de 1812). “A Constituição de
Cádiz fora deveras relevante em determinar as bases liberais da primeira Carta Magna de Portugal: a chamada
‘Constituição vintista’ de 23 de setembro de 1822”. A constituição portuguesa de 23 de setembro de 1822 foi vigente
durante dois curtos períodos, entre 1822 e 1823, e de 1836 a 1838. BONAVIDES, Paulo – «A evolução constitucional
do Brasil». In: Estudos Avançados. São Paulo. ISSN 0103-4014. Vol. 14, N. .º40, 2000, p.156. BONAVIDES, Paulo –
Teoria constitucional da …, p.194.
11
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luta armada, houve a proclamação da independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822,
afastando o Brasil da promulgação da Constituição portuguesa, que ocorreu em outubro
de 1822.
O texto constitucional “vintista, desde o preâmbulo, denota a influência do movimento
liberal, presente na conspiração de Gomes Freire, em 1817, e na Revolução do Porto, de 1820,
assegurando ‘direitos do cidadão’ e ‘leis fundamentais da monarquia’, e na Constituição
de Cádiz, de 1812 que propunha conservar e proteger a liberdade civil, a propriedade e os
demais direitos legítimos dos cidadãos espanhóis
12
.
O movimento liberal português para a afirmação de uma constituição e de direitos indi-
viduais não se reflete, portanto, numa política de descentralização de governo e devido a
tal fato afasta-se daquele brasileiro, que teve forte influência no âmbito jurídico e político
da independência
13
.
III. A Independência e o Movimento Constitucionalista
Se como evidencia Vieira
14
, a orientação dada às constituições brasileiras tem sido, em
linhas gerais, orientada por princípios liberais como a separação de poderes, os direitos
individuais e a representação política, mas também seguiu a linha traçada pelos demais
países latino-americanos, durante a sua formação, onde a ordem liberal possibilitou a sua
integração em nível internacional; para Bonavides
15
, as formas como o Brasil e os demais
países latino-americanos adequaram-se ao constitucionalismo são sensivelmente diferen-
tes. O Brasil não rompeu com o passado europeu, com o antigo regime, mas o transformou
dentro do que era necessário para a sua sobrevivência.
Nesse contexto, denota-se que o processo de independência e de constitucionalização
brasileiro é autônomo e original, se comparado aos países hispano-americanos que “foram
teatro de um confronto armado com a metrópole colonial, verdadeira revolução da inde-
12 A declaração de “direitos e deveres individuais”, da Constituição, assegura nos seus artigos 1.ºao 19.ºa liberdade,
igualdade, segurança e propriedade de todos os cidadãos. Nesta, extinguia-se a tortura, previa-se o direito de
petição e a inviolabilidade de domicílio e de correspondência, bem como se quebrava a concepção de cargo ou
função pública como patrimônio pessoal de seu ocupante.
13 LOPES, José Reinaldo de Lima – O Direito na História: lições introdutórias. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p.255.
14 Vieira evidencia o debate sobre a articulação do modelo liberal nas constituições brasileiras. Segundo o autor
podemos reduzir o debate a três linhas teóricas: 1 – afirma que os princípios liberais tornaram-se algo abstrato
e formal nas constituições brasileiras devido à incapacidade das elites e a inexistência de uma ordem burguesa;
2 – afirma que a ordem liberal foi “importada, sendo “ideias fora do lugar”; 3 – afirma que a ordem liberal surge
na sociedade brasileira como fruto das articulações sociais das relações de produção. VIEIRA, José Ribas – O
autoritarismo e a ordem constitucional no Brasil. São Paulo: Renovar, 1988, p.47 e 53.
15 “O influxo europeu, inglês e continental sobre o constitucionalismo brasileiro é traço marcante dos primeiros
momentos de definição do nosso estatuto institucional”. Cf. BONAVIDES, Paulo – «A evolução constitucional do
Brasil». In: Estudos Avançados. São Paulo. ISSN 0103-4014. Vol. 14, N. .º40, 2000, p.156.
12
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pendência” e que implicou desde o princípio em uma ruptura sem alternativa, com o reino
de Espanha
16
.
No mesmo sentido, para Faoro, “O regime colonial não se extingue, moderniza-se; os
remanescentes bragantinos se atualizam, com a permanência do divórcio entre o Estado,
monumental, aparatoso, pesado e a nação, informe, indefinida, inquieta
17
.
Mesmo com essas possíveis vertentes quanto ao constitucionalismo brasileiro, o libe-
ralismo revela-se nesse primeiro momento amplamente vinculado à temas da autonomia
nacional, de patriotismo e de ruptura do domínio português, sendo contrário ao sistema
colonial mais do que à monarquia. Buscava-se maior autonomia para o comércio, a justiça,
e a administração pública
18
. O ideal republicano, que insurgia nas revoluções, não era com-
partilhado por todos os opositores da política e da administração reacionária portuguesa
19
.
O controle e a limitação do poder são elementos mais importantes para o liberalismo do
que a definição de quem detém o poder
20
. Nesse sentido, o constitucionalismo tornou-se o
instrumento de consubstanciação do liberalismo, defendia a descentralização do Estado, o
sistema bicameral (enfraquecendo o legislativo), o sufrágio eleitoral com um baixo censo, a
independência judicial e o sistema de júri, e a proteção de opinião pública, por meio de leis
de imprensa
21
. A limitação do poder e a luta pela autonomia nacional são elementos comun-
gados por todos os liberais naquele momento histórico.
A Assembleia instaurada apenas em 1823 deveria ter sido composta por 100 membros
eleitos indiretamente, mas acabou sendo composta apenas por 89 representantes das pro-
víncias. O primeiro projeto de constituição brasileira teve forte influência do constitucio-
nalismo europeu, tanto continental quanto inglês e foi muito marcada pela convicção libe-
ral dos Andradas
22
.
16 FRANCO, Afonso Arinos de Melo – Introdução. In O Constitucionalismo de D. Pedro I no Brasil e em Portugal.
Brasília: Ministério da Justiça, 1994, p. 22. BONAVIDES, Paulo – «As nascentes do constitucionalismo luso-
brasileiro…», p.200. [Consultado em 03 de Outubro de 2019] Disponível em: https://archivos.juridicas.unam.mx/
www/bjv/libros/4/1510/9.pdf.
17 FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder. Formação do patronato político brasileiro. 5.ªed. Rio de Janeiro:
Editora Globo, 2018, p.331.
18 BONAVIDES, Paulo – História constitucional do Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p.6.
19 Sobre liberalismo e democracia no século XIX, ver BOBBIO, Norberto – Liberalismo e Democracia. São Paulo:
Brasiliense, 2000, p.53.
20 BOBBIO, Norberto – Liberalismo e Democracia, p.55; CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Direito constitucional….
6. ed., p.54.
21 HESPANHA, António Manuel – «Pequenas repúblicas, grandes Estados. Problemas de organização política
entre antigo regime e liberalismo». In: Brasil. Formação do Estado e da Nação. São Paulo-Ijuí: Ed. Unijuí, 2003, p.103.
22 PIRES, Alex Sander Xavier; TRINDADE, Carla Dolezel; AZNAR Filho, Simão – Constitucionalismo Luso-Brasileiro
– leitura normativa no âmbito do domínio da lei e da humanização das relações. Rio de Janeiro, 2017, p. 17: “Se a
Constituição Portuguesa de 1822 não produziu seus regulares efeitos no Brasil, ao menos serviu de inspiração
para a Assembleia Constituinte Brasileira reunida para elaborar um texto constitucional específico para o novo
Estado independente”.
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Em sua atuação, optando por uma tendência liberal e democratizante, a assembleia pri-
vou o monarca da faculdade de vetar os decretos da casa, afirmando a soberania do colé-
gio em detrimento das competências imperiais
23
. A pluralidade de funções fez com que a
Assembleia Geral, em sua primeira sessão ordinária cria-se a Comissão de Constituição,
para a confecção do projeto constitucional, sendo composta por Antônio Carlos Ribeiro
de Andrada, Antônio Luís Pereira da Cunha, Pedro de Araujo Lima, José Ricardo da Costa
Aguiar, Manoel Ferreira da Câmara Bithencourt e Sá, Francisco Muniz Tavares e José Boni-
fácio de Andrada e Silva
24
.
No projeto apresentado pela Assembleia, o imperador seria uma autoridade sagrada e
inviolável, que não poderia ser responsabilizada por seus atos. O imperador então exerceria
o poder executivo, mas seus atos seriam obrigatórios apenas com o referendo dos ministros
de governo, que lhe assumiriam a responsabilidade
25
. A autoridade inviolável e não respon-
sável do imperador era então distinta da autoridade dos ministros de governo, afastando-o
do exercício direto da atividade governamental. Diminuiu-se consideravelmente também
seu poder em relação à atividade parlamentar e aos parlamentares, como bem se observa
com a dispensa da ratificação imperial para a validade de normas jurídicas provenientes da
Assembleia Geral e a impossibilidade de dissolver a Câmara dos Deputados
26
.
Diante do esboço apresentado e devido a sua limitação de poderes, o imperador dissol-
veu a Assembleia Geral e criou o Conselho que passou a desenvolver o texto da Constituição
23 A Assembleia promulgou seis leis, sem a sanção do imperador, ampliando a divergência entre a Coroa e a
Assembleia, que resultou na sua dissolução. “Juridicamente a razão estava com a Coroa. A Constituinte não era
depositária única da soberania, visto que sua existência dependera da convocação da Coroa preexistente, que ela
reconhecera pelo simples fato de haver atendido à convocação. Sobretudo, depois de ocorrida a independência e
aclamado o Imperador, a Coroa, não como pessoa, mas como órgão, era parte da soberania do Estado”. FRANCO,
Afonso Arinos de Melo – «Introdução». In: O constitucionalismo de D. Pedro I no Brasil e em Portugal. Brasília:
Ministério da Justiça, 1994, p.24.
24 BRASIL. Congresso Nacional. Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo
da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823 [recurso eletrônico] / Câmara dos
Deputados. – 2. ed., rev. e reform. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. – (Série coleções
especiais. Acervo arquivístico; n. 2), p. 39, 49 s., p.67. Disponível em https://arquivohistorico.camara.leg.br/atom/
AC1823/sobre/Inventario_AnaliticoAcervoConstituinte1823.pdf. Acesso em 14/01/2019.
25 Ver Versão do Projeto de Constituição para o Império do Brazil, publicado em BRASIL. Congresso Nacional.
Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823 [recurso eletrônico] / Câmara dos Deputados. – 2. ed., rev. e
reform. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. – (Série coleções especiais. Acervo arquivístico;
n. 2), artigos 138, 139, 174 e 175 [Consultado em: 14 de Outubro de 2019] Disponível em https://arquivohistorico.
camara.leg.br/atom/AC1823/sobre/Inventario_AnaliticoAcervoConstituinte1823.pdf.
26 Ver Versão do Projecto de Constituição para o Império do Brazil, publicado em BRASIL. Congresso Nacional.
Câmara dos Deputados. Coordenação de Arquivo. Inventário analítico do arquivo da Assembleia Geral
Constituinte e Legislativa do Império do Brasil, 1823 [recurso eletrônico] / Câmara dos Deputados. – 2.ªed., rev. e
reform. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2015. – (Série coleções especiais. Acervo arquivístico;
n. 2), artigos 110-121. [Consultado em 14 de Outubro de 2019] Disponível em https://arquivohistorico.camara.leg.br/
atom/AC1823/sobre/Inventario_AnaliticoAcervoConstituinte1823.pdf.
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outorgada
27
. O esboço de 1823 foi, porém, amplamente considerado pelo Conselho de Estado
que lhe fez aperfeiçoamentos técnicos de sistematização e linguagem, ampliou a atribuição
de poderes e manteve a irresponsabilidade dos atos do imperador, por meio da introdução
do Poder Moderador
28 .
O Poder Moderador não fazia parte do constitucionalismo português e a sua presença
na Constituição brasileira de 1824 ocorreu por meio dos trabalhos de revisão do projeto
constitucional pelo Conselho de Estado, remontando à teoria do poder neutro, de Benjamin
Constant e com claro apelo ao constitucionalismo inglês
29
.
Na teoria de Constant, o poder
neutro também seria um dos mecanismos para evitar o despotismo do povo, garantindo
junto com os direitos civis, a limitação da soberania popular.
O Poder Moderador é apresentado no texto constitucional como “chave de toda a orga-
nização Política, tendo competências que permitiram sob Dom Pedro I e a primeira parte
do reinado de Dom Pedro II a ingerência imperial sobre os poderes legislativo, executivo e
judiciário
30
. A vantagem do poder neutro estava exatamente na sobreposição do monarca e
27 - Sobre a instalação e dissolução da Assembleia Constituinte de 1823, bem como a outorga da Constituição de
1824, ver: Silva (1998, p.76), CERQUEIRA, Marcello – Cartas Constitucionais: Império, República e Autoritarismo. Rio
de Janeiro: Renovar, 1997, p.33 e Lopes (2008, p.258).
28 A redação final da Constituição de 1824 teria sido atribuída à Maciel da Costa e Carneiro de Campos. Sobre a
formação do Conselho de Estado, ver TORRES, João Camilo de Oliveira – A democracia coroada [recurso eletrônico]:
teoria política do Império do Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2017, p. 526 ss. Sobre
proximidades e diferenças entre o Projeto apresentado por Antonio Carlos e a Constituição de 1824, ver MELLO,
F.I. Marcondes Homem de – Escriptos históricos e literários. 2.ªed. Rio de Janeiro, 1866, p.57 ss. BONAVIDES, Paulo
– «As nascentes do constitucionalismo luso-brasileiro, uma análise comparativa», p.227. [Consultado em: 30 de
Agosto de 2019] Disponível em https://archivos.juridicas.unam.mx/www/bjv/libros/4/1510/9.pdf: “O novo projeto foi
enviado para às câmaras municipais para aprovação”.
29 Considerando que a influência não implica necessariamente em fidelidade à teoria de Constant, observa-se
dissonância na doutrina sobre o tema, por um lado alegando que a teoria foi desfigurada devido à pretensão
absolutista ou por outro afirmando que houve apenas as necessárias adaptações ao contexto brasileiro,
mantendo uma monarquia limitada. O primeiro posicionamento é defendido por: CARNEIRO DA CUNHA,
Pedro Octavio– «A Fundação de um Império Liberal». In: S. B. de Holanda (org.). História Geral da Civilização
Brasileira. 6.ªed. São Paulo: Difel, Tomo II, vol. 1, 1985, p.256); BONAVIDES, Paulo – «O poder moderador na
Constituição do Império». In: Revista de informação legislativa. Janeiro à março de 1974, p.28. FAUSTO, Bóris –
História do Brasil. 7.ªed. São Paulo, Editora da USP, 1999, p.152. FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder…. 5.ªed.,
p.333. Nas palavras de Bonavides, porém, o poder moderador possuía “primazia sobre os demais poderes, o
que sem dúvida se arredava da teorização de Benjamin Constant, contrariando-a desde as bases”. O segundo
posicionamento é defendido por: PIMENTA BUENO, José Antônio – Marquês de São Vicente. São Paulo: Editora
34, 2002, p.96. LYNCH, Christian Edward Cyril – «O Discurso Político Monarquiano e a Recepção do Conceito
de Poder Moderador no Brasil (1822-1824)». In: DADOS – Revista de Ciências Sociais. Rio de Janeiro, Vol. 48, n o 3,
2005, p.642.
30 Os dispositivos de divisão de poderes acabam encontrando eficácia apenas a partir de 1826, quando é instalado
o Parlamento e dois anos mais tarde quando se cria o Supremo Tribunal de Justiça, no Brasil. NOGUEIRA,
Octaviano – 1824. 3.ª ed. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2018, p. 18. BRASIL.
Constituição Política do Império do Brazil, 1824, ver artigos 98 e 101: “nomear os Senadores; convocar a
Assembléa Geral extraordinariamente nos intervalos das Sessões; sancionar os Decretos e Resoluções da
Assembléa Geral, para que tenham força de Lei; aprovar, e suspender as Resoluções dos Conselhos Provinciais;
prorrogar, ou adiar a Assembléa Geral, e dissolver a Camara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação
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se perderia se houvesse o rebaixamento do poder real ao nível do poder executivo, pois duas
questões indissolúveis surgiriam: a destituição do poder executivo e a responsabilidade do
monarca
31
.
A oposição ao texto constitucional e ao Poder Moderador são evidenciadas nos deba-
tes políticos de época. A defesa do Poder Moderador e da separação em quatro poderes,
por meio da forte referência ao modelo inglês, era presente entre os conservadores
32
. As
atribuições do Poder Moderador seriam então necessárias, pois não poderiam ser exerci-
das pela nação em massa, cabendo a sua delegação apenas ao imperador
33
.
Nesse sentido, a
inviolabilidade do imperador não é derivada da responsabilidade dos ministros pelos atos
de governo, mas é consequência do princípio da representação nacional, assim como da
perpetuidade do chefe de Estado nas monarquias
34
.
Paulino José Soares de Sousa, Visconde do Uruguai, com frequência comparava o sis-
tema brasileiro àquele inglês, francês e americano, com clara preferência ao modelo britâ-
nico. Nesse contexto e tendo a referência à Constant, o Visconde defendia o Poder Modera-
dor como instrumento mediador dos conflitos políticos e independente do referendo dos
ministros do Poder Executivo
35
.
Por sua vez, na pauta comum aos liberais, encontra-se a defesa da limitação dos poderes
imperiais, por meio da afirmação “o rei reina e não governa, difundindo-se a crítica de atri-
buição do poder executivo ao imperador, mesmo que condicionado à atuação dos ministros
de Estado.
Indo além do Poder Moderador, observa-se que a Constituição Política do Império do
Brazil, de 1824, correspondia às expectativas da época, apresentando além da soberania
nacional e da irresponsabilidade imperial, a separação de poderes, o bicameralismo legisla-
tivo, as eleições para ambas as casas, com censo baixo, bem como um considerável capítulo
sobre direitos civis, reconhecendo direitos políticos também aos analfabetos.
O texto reflete
também a inspiração nos princípios do constitucionalismo inglês ao afirmar que é consti-
do Estado e convocar outra, que a substitua; nomear, e demitir livremente os Ministros de Estado; suspender os
Magistrados quando houver queixas contra eles; perdoar, e moderar as penas impostas; conceder Amnistia em
caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado”.
31 CONSTANT, Benjamin – Principes de politique applicables a tous les gouvernemens représentatifs et particulièrment a la
constitution actuelle de la France. Paris: Ches Alexis Eymery, De l’imprimerie de Hocquet, 1815, p.40: “Le roi, dans
un pays libre, est un être à part, supérieur aux diversitès des opinions, n’ayant d’autre intérêt que le maintien
de l’ordre, et le maintien de la liberté, ne pouvant jamais rentrer dans la condition commune, inaccessible em
conséquence à toutes les passions que cette condition naître, et à toutes celles que la perspective de s’y retrouver
nourrit nécessairement dans le coeur des agens investis d’une puissance momentanée”.
32 PIMENTA BUENO, José Antônio – Marquês de São …, p.107.
33 PIMENTA BUENO, José Antônio – Marquês de São …, p.284.
34 BRAZ, Florentino Henrique de Souza – Do poder moderador. Recife: Typographia Universal, 1864, p.66 e 70 s.
35 URUGUAI, Visconde do – Visconde do Uruguai. Org. e introd. de José Murilo de Carvalho. São Paulo: Editora 34,
2002, p.323, 339 357 ss. e 401 ss.
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tucional apenas o que concerne aos poderes do Estado e aos direitos e garantias individuais,
contribuindo para a longevidade do texto constitucional brasileiro
36
.
A gradual inserção de direitos nos constitucionalismos francês, estadunidense, espa-
nhol e português fundamenta histórica e juridicamente a presença de direitos e garantias
na Constituição brasileira
37
. A influência liberal por meio da declaração de direitos civis,
muito embora seja reverenciada, está presente apenas no último artigo do texto constitu-
cional, contrastando com a constituição portuguesa “vintista” (1822) que a prevê desde seu
primeiro artigo da Constituição. Mesmo a participação da população na “comunhão polí-
tica, por meio do voto censitário e indireto, é descrita apenas a partir do artigo 91.
Não ocorre, porém, na Constituição de 1824, menção alguma à liberdade dos negros,
pois os artigos do projeto de 1823 que tratavam sobre a sua emancipação foram retirados
do texto constitucional outorgado. As linhas gerais dos direitos presentes na Constituição
imperial eram voltadas a afirmar um forte individualismo econômico, bem observado por
meio da legitimação do “cidadão-proprietário” e a exclusão dos direitos políticos da maioria
da população do país, porquanto seriam reconhecidos apenas aos cidadãos que, por atingi-
rem certa renda, seriam ‘independentes’
38
.
O texto constitucional segue, então, uma filosofia política de aguçamento da concepção
de liberdade civil com base econômica, presente nas obras de James Harrington, de Imma-
nuel Kant e de Benjamin Constant que justificam a condição censitária dos direitos polí-
ticos com a necessidade de confiar o direito de voto somente aos cidadãos que usufruam
de certa “independência civil”, porque titulares de bens que substancialmente os tornem
senhores de si mesmos
39
.
36 NOGUEIRA, Octaviano – 1824. 3.ªed., p.10.
37 Os direitos civis dos cidadãos brasileiros têm por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade.
Direitos típicos do liberalismo e das Declarações de direitos do século XVIII. Ver: BRAZIL, Constituição Política
do Império do Brasil, 1824, “Art. 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos Brasileiros, que
tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela
maneira seguinte”. The Virginia declaration of rights (1776) e a Declaration des Droits de l’homme et du Citoyen (1789).
38 WOLKMER, Antonio Carlos – História do Direito no Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: ed. Forense, 2009, p.108. Sobre
a construção da cidadania e de direitos no Brasil, ver DAL RI, Luciene – «A construção da cidadania no Brasil:
entre Império e Primeira República». In: Espaço Jurídico Journal of Law [EJJL]. Joaçaba. E- ISSN 2179-7943,vol.
11(1), p.7-36, 2011.
39 A ideia concernente à importância de uma mínima condição econômica dos cidadãos é presente na obra de
Aristóteles (Politica. 4. ed. Roma-Bari: Laterza, 1997, p.135). Para o filósofo grego a melhor forma de chegar à
constituição ideal, harmônica e, portanto, estável, ocorre através da construção de uma ampla classe de cidadãos
com uma situação econômica mediana, que lhe permita uma vida independente, formando um forte elemento
de moderação do conflito social. O aguçamento da concepção de liberdade civil com base econômica é bem
presente nas obras de James Harrington (The Commonwealth of Oceana, disponível em: http://www.constitution.
org/jh/oceana.htm), Immanuel Kant (Über den Gemeinspruch ‘Das mag in der Theorie richtig sein, taugt aber nicht fûr
die Praxis’. Frankfurt-am-Main: Klostermann, 1992, p.62) e Benjamin Constant (Escritos de política. São Paulo:
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A distinção entre a cidadania passiva, que abarca a todos os nacionais da nação, e a
cidadania ativa (política), privilégio de alguns, fundamenta o enfoque “juridicista” em que
a cidadania reduz-se ao vínculo jurídico com o Estado-nação, em cuja “comunhão política
não todos necessariamente participam
40
.
Nesse sentido, a cidadania passiva constitui o laço jurídico por meio do qual todos os
cidadãos recebem as garantias jurídicas do Estado e tem como direito mais fortemente pre-
sente a liberdade
41
.
O Brasil muito embora tenha incorporado elementos das revoluções liberais por meio
da presença de direitos em sua primeira constituição, manteve aspectos da monarquia por-
tuguesa, como a clara tendência ao absolutismo monárquico
42
. Muito embora, o fraciona-
mento da América espanhola e as ‘juntas provisórias de governo independente’, decretadas
por D. João VI, em 1821, tivessem dado força para o fracionamento político e administrativo
do território brasileiro, essa aspiração foi embargada pela reação conservadora, que man-
teve a centralização do poder e a forma unitária do Estado.
Martins Fontes, 2005, p.282), que apresentam a condição censitária dos direitos políticos como a necessidade
de confiar o direito de voto somente aos cidadãos que usufruam de certa independência civil, porque titulares
de certa propriedade, que substancialmente os torne senhores de si mesmos. Com mais detalhes sobre o tema:
FERREIRA, Manuel Rodrigues – A evolução do Sistema Eleitoral Brasileiro. Brasília: Senado Federal, 2001,
p.130; FIORAVANTI, Maurizio – Costituzione. Bologna: Il Mulino, 1999, p.20, p.89; DAL RI Jr., Arno – «Evolução
histórica e fundamentos políticos-jurídicos da cidadania». In: DAL RI JR., Arno; OLIVEIRA, Maria Odete de (org.)
– Cidadania e Nacionalidade: efeitos e perspectivas: nacionais – regionais – globais. Ijuí: Unijuí, 2002, p.66;
HESPANHA, António Manuel – «Pequenas repúblicas, grandes Estados. Problemas de organização política
entre antigo regime e liberalismo». In: Brasil. Formação do Estado e da Nação. São Paulo-Ijuí:Ed. Unijuí, 2003, p.104.
40 CORRÊA, Darcísio – A construção da cidadania. Reflexões histórico-políticas. Ijuí: Unijuí, 2006, p. 218. A
distinção entre cidadania ativa e passiva foi apresentada por Sieyes em (1789, p.36):“Tous les habitants d’ un
pays doivent y jouir des droits de citoyen passif: tous ont droit à la protection de leur personne, de leur propriété,
de leur liberté, etc; mais tous nont pas droit à prendre une part active dans la formation des pouvoirs publics:
tous ne son pas citoyens actifs. Les femmes, du moins dans l’état actuel, les enfants, les étrangers, ceux encore
qui ne contribueroient en rien à soutenir l’établissement public, ne doivent point influer activement sur la chose
publique. Tous peuvent jouir des avantages de la société; mais ceux-là seuls qui contribuent à l’établissement
public, sont comme les vrais actionnaires de la grande entreprise sociale. Eux seuls sont les véritables citoyens
actifs, les véritables membres de l’association.
41 Sobre direito políticos no Brasil imperial, ver DAL RI, Luciene – «Os direitos políticos no Brasil Imperial: entre
constitucionalismo e liberalismo». In: Direitos Fundamentais & Justiça. Porto Alegre. ISSN 0100-9079, vol. 18,
2012, p.129-148,
42 “Foi uma constituição liberal, no reconhecimento de direitos, não obstante autoritária, se examinarmos a
soma de poderes que se concentram nas mãos do Imperador. É verdade que instituiu a supremacia do homem-
proprietário. Só este era full-member (isto é membro completo) do corpo social. Mas nisto fez coro a Locke e
à ideologia liberal. Esta marcou sua profunda influência no processo da independência e formação política
do Brasil, como bem sustentou Vicente Barreto”. “As instituições brasileiras dariam continuidade ao direito
português” também no Direito público (HERKENHOFF, João Baptista – Como funciona a cidadania. 2 ed. Manaus:
Editora Valer, 2001, p.67). Ver sobre o tema: CERQUEIRA, Marcello – Cartas Constitucionais: Império, República e
Autoritarismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p.33; HORTA, José Luiz Borges – Direito Constitucional da Educação.
Belo Horizonte: Editora Decálogo, 2007, p. 39; NOGUEIRA, Octaciano – «Voluntarismo jurídico e o desafio
institucional». In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1.ªRegião. Brasília, Vol. 9, n. 3, 1997, p.26.
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A manutenção da monarquia com a Independência e após ela, objetivava maior estabi-
lidade em relação à república, visto as experiências da França revolucionária e dos demais
países latino-americanos. A pretensão de estabilidade não é, porém, concretizada a fundo
por conta das revoluções e crises institucionais que surgem durante todo o primeiro
período imperial.
IV. Da Resistência à Constituição e ao Poder Moderador
Durante o primeiro reinado, o liberalismo era quase uma ideia subversiva no primeiro rei-
nado, por buscar uma ulterior ruptura com Portugal e fomentar várias manifestações que
visavam um novo embasamento para a organização social e política do Brasil. A descentra-
lização era uma das pautas mais frequentes, com fortes críticas ao Poder Moderador, ao
Senado vitalício e ao Conselho de Estado
43
. De fato, a abdicação de Dom Pedro I é ocasio-
nada em grande parte por revoltas, pela crise econômica e pela pressão dos proprietários
agrários para liberalizar a política.
A centralização política do texto constitucional e a manutenção do poder nas mãos
no monarca fez eclodir, em 1824, o movimento da Confederação do Equador, uma revolta
armada, liderada entre outros por Frei Caneca, onde foi firmada forte oposição liberal à
constituição e ao Imperador.
44
Denotando liberalismo radical, Frei Caneca evidenciava as
distorções brasileiras diante da teoria de Benjamin Constant. A contrariedade à centraliza-
ção política imposta pelo Imperador D. Pedro I, assim como a contínua influência de Portu-
gal na vida política brasileira, mesmo já independente, insuflaram a revolta
45
.
43 Dentre os liberais, evidencia-se: Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva, Manuel Alves Branco,
Holanda Cavalcanti, Teófilo Ottoni, Zacarias de Góis e Vasconcelos, Nabuco de Araújo. Martinho Campos,
Visconde de Sinimbu, José Antonio Saraiva, Souza Franco, Silveira Martins e Rui Barbosa.
44 CANECA, Frei Joaquim do Amor Divino – Frei Joaquim do Amor Divino Caneca. Organização e Introdução Evaldo Cabral
de Mello. São Paulo: Editora 34, 2001, p.486 e 561. Frei Caneca foi um dos líderes da revolta ‘Confederação do
Equador’ (1824), com críticas apresentadas à Constituição Imperial: A constituição não garantia a independência
do Brasil, pois não definia com clareza o território nacional, a constituição também era contrária à liberdade
das províncias pelo excesso de centralismo e não era liberal principalmente por admitir o poder moderador
com capacidade de dissolver a Câmara. O argumento mais forte era a imposição do texto constitucional pelo
Conselho de Estado e não a promulgação pela Assembleia Constituinte e Legislativa.
45 Em manifesto na reunião popular no Recife para deliberar-se sobre o juramento do Projeto de Constituição,
Frei Caneca assim expos suas ideias: “O poder moderador de nova invenção maquiavélica é a chave mestra da
opressão da nação brasileira e o garrote mais forte da liberdade dos povos. Por ele o imperador pode dissolver a
câmara dos deputados, que é a representante do povo, ficando sempre no gozo dos seus direitos o senado, que
é a representante dos apaniguados do imperador. Essa monstruosa desigualdade das duas câmaras, além de se
opor de frente ao sistema constitucional, que se deve chegar o mais possível à igualdade civil, dá ao imperador,
que já tem de sua parte o senado, o poder de mudar a seu bel prazer os deputados, que ele entender, que se
opõem a seus interesses pessoais, e fazer escolher outros de sua facção, ficando o povo indefeso nos atentados
do imperador contra seus direitos, e realmente escravos, debaixo porém das formas da lei, que é o cúmulo da
desgraça, como tudo agora está sucedendo na França, cujo rei em Dezembro passado dissolveu a câmara dos
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Os idealistas da Confederação do Equador não eram separatistas desde o início, pois
apoiaram a Assembleia Constituinte e concordavam com a opção pela monarquia, porém,
não concordavam com a centralização do poder estabelecida. As lideranças exaltavam ainda
o sistema norte-americano em detrimento dos sistemas europeus que conheciam, os quais,
segundo eles, mantinham a centralização política e desprezavam a democracia
46
.
O movimento tornou-se separatista em razão da outorga da Constituição e tentou então
estabelecer uma união formada pelas províncias do norte do Brasil, intituladas de Confede-
ração do Equador, em projeto desenvolvido pelo então presidente deposto de Pernambuco
Manuel de Carvalho Paes de Andrade
47
. As províncias de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio
Grande do Norte consideravam ilegítima a constituição por ter sido outorgada despre-
zando o esboço constitucional de 1823 e pela criação do Poder Moderador.
A presença do Poder Moderador era considerada o principal instrumento para a
manutenção do poder centralizado nas mãos do Imperador e tolher os direitos do povo.
As tendências centralizadoras denotadas no texto constitucional ficaram ainda mais evi-
denciadas com a reação violenta e autoritária do Império à revolta pernambucana, que foi
sufocada militarmente.
O fim da Confederação do Equador não silencia a oposição liberal que desenvolve
então novos interesses e assume duas correntes políticas: a primeira contra a monarquia
e a sua tendência absolutista; e a segunda contra a centralização nacional buscando o
federalismo.
deputados, e mandando-se eleger outros, foram ordens do ministério para os departamentos a fim de que os
prefeitos fizessem eleger tais e tais pessoas para deputados, declarando-se lhes logo, que quando o governo
empregava a qualquer, era na esperança de que este marchará por onde lhe mostrassem a estrada.” CANECA,
Frei Joaquim do Amor Divino – «Manifesto». In: BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto (orgs.) – Textos Políticos
da História do Brasil. Brasília: Senado federal, Conselho editorial, 2002, p.779.
46 Do manifesto de Proclamação da Confederação do Equador, pelo seu Presidente Manuel de Carvalho Paes
de Andrade, em 02 de julho de 1824, extraímos: “ Brasileiros! Salta aos olhos a negra perfídia, são patentes
os reiterados perjuros do imperador, e está conhecida nossa ilusão ou engano em adotarmos um sistema de
governo defeituoso em sua origem, e mais defeituoso em suas partes componentes. As constituições, as leis e
todas as instituições humanas são feitas para os povos e não os povos para elas. Eia, pois, brasileiros, tratemos
de constituir-nos de um modo análogo às luzes do século em que vivemos; o sistema americano deve ser
idêntico; desprezemos instituições oligárquicas, só cabidas na encanecida Europa”. ANDRADE, Manuel
de Carvalho Paes de – «Manifesto de Proclamação da Confederação do Equador». In: BONAVIDES, Paulo;
AMARAL, Roberto (orgs.) – Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado federal, Conselho editorial,
2002, p.786.
47 “Os rebeldes de 1824 não eram desde sempre separatistas. Apoiaram a Constituinte e aceitavam a unidade da
América sob o governo do Rio de Janeiro. Não eram sequer irredutivelmente republicanos. Concordavam coma
opção monárquica, desde que adotada a federação. Derrotados com o fechamento da Assembleia e a outorga da
Carta optaram pela separação e a república”. Cf. DOLHNIKOFF, Miriam – História do Brasil Império. São Paulo:
Editora Contexto, 2019, p.42.
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A maior autonomia das províncias era um interesse comum aos dois grupos, sendo que
na segunda vertente a luta pela descentralização política não era contrária à monarquia e
defendia uma monarquia federativa
48
.
Após a promulgação da Constituição de 1824 inicia-se seu processo de sua implemen-
tação e observa-se a realização de uma série de leis ordinárias e complementares que dão
dinâmica à ordem constitucional
49
.
V. O Ato Adicional e a ‘Monarquia Federalista’
A estrutura político-social do império, modifica-se consideravelmente, porém, desde o
período regencial, em 1831, evidenciando novas influências de constitucionalismo e mol-
dando a interpretação da constituição
50
.
Após a abdicação de Dom Pedro I e com o objetivo de diminuir tensões locais, entre os
conservadores e os liberais, foi proposta a Lei de Autorização da Revisão da Constituição,
em 1832
51
, que culminou na alteração da Constituição de 1834, ampliando a dimensão das
reformas liberais.
Cabe evidenciar que “a Constituição do império não estabelecia restrições ao poder
constituinte derivado. Todos os dispositivos, portanto, eram reformáveis, inclusive o que
consagrava a monarquia como forma de governo” e que o Imperador não podia negar a
sanção, se aprovada por duas legislaturas seguintes
52
.
48 Sobre a concepção de federalismo no século XIX ver PADOIN, Maria Medianeira – «República, federalismo e
fronteira». In: História Unisinos 14(1), Janeiro/Abril 2010, p.50: “O federalismo – ou a Federação – era concebido,
especialmente antes da Carta Constitucional dos Estados Unidos, como um conceito independente do regime
político, ou seja, da organização monárquica ou republicana, pois estava vinculado especialmente aos laços ou
alianças que congregavam povos e estados, tanto no sentido interno de organização estatal como no aspecto
externo. Da mesma forma, o conceito de República como forma de governo ainda não era o único apresentado
nos discursos. Sua fundamentação enquanto sociedade/comunidade/estado organizado pela vontade da
maioria do seu “povo”, em que todos obedecem às mesmas leis (inclusive aquele que a mesma escolhe para
governá-la) – de forma que uma monarquia pode ser formada por várias repúblicas –, estava presente inclusive
nos discursos de alguns farroupilhas”.
49 A legislação ‘constitucional’ que se desenvolve durante o primeiro reinado e o período regencial prevê a
responsabilização dos ministros e conselheiros de Estado (lei de 15/10/1827), a criação e definição de atribuições
do Supremo Tribunal de Justiça (lei de 18/09/1828), a criação das câmaras municipais (lei de 01/10/1828), a criação
do segundo Conselho de Estado (lei n. 234 de 23/11/1841), cabe aqui evidenciar ainda o decreto n. 523 de 1947 que
cria o presidente do Conselho de Ministros.
50 “a verdade político-constitucional é, a maior parte das vezes, uma história externa aos documentos
constitucionais […] um conceito operativo de constituição, no plano historiográfico, deve aproximar-se da forma
estrutural político-social de uma época, o que aponta para uma noção de constituição mais ampla do que a de
simples documento escrito”. Cf. CANOTILHO, José Joaquim Gomes – Direito constitucional. 6.ªed., p.247.
51 A lei preparatória de reforma da constituição do império, de 12 de outubro de 1832, aprovada na Câmara e no
Senado, determinava os artigos da Constituição que seriam objeto de reforma.
52 NOGUEIRA, Octaviano – 1824. 3.ªed., p.51.
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O projeto debatido entre as casas legislativas tinha como principais pontos a descen-
tralização do governo, a extinção do Poder Moderador e do Conselho de Estado. A intenção
federalista já era clara
53
.
Nicolau Vergueiro, Senador que integrou a Regência Trina provisória, um dos líderes na
defesa do projeto de revisão constitucional afirmava:
“O único meio de conservarmos unidas todas as nossas províncias consiste
em habilitá-las para poderem curar de suas necessidades e promover a sua pros-
peridade por meio da influência dos seus próprios governos”
54
.
O clamor democrático do projeto de revisão constitucional a ser proposto e discutido
entre a Câmara dos Deputados, de maior influência liberal, e o Senado, conservador por
excelência, restava claro pois os dois partidos influentes concordavam em adotar as bases
necessárias para um governo descentralizado e sua aprovação tinha a intenção de diminuir
as tensões políticas que existiam no país, após a abdicação de D. Pedro I em 1831.
Em discurso proferido quando da apresentação do Ato Adicional à Regência pela Câmara
dos Deputados, Antonio Paulino Limpo de Abreu, a quem viria a ser concedido o título de
Visconde de Abaeté, confirma a intenção dos então deputados com as alterações propostas:
“Senhor, esta obra verdadeiramente da nação, organizada pelos representan-
tes a quem ela delegou esta missão importante, oferece a estrutura de um gover-
no que parece ter sido até agora na Europa o sonho de alguns políticos, mas que
vai ser uma realidade na América, uma monarquia sustentada por instituições
populares”
55
.
Houve muita moderação e restrição de propostas revisionistas. O desentendimento
das casas levou à aprovação final em 9 de agosto de 1834, do Ato de revisão somente pela
53 Nesse sentido, observa-se que a Lei orçamentária de 1832 já previa a divisão entre receitas gerais e provinciais, no
final do período regencial observa-se a Lei orçamentária n. 108, de 20 de maio de 1840, que trouxe a classificação
dos tributos em receitas gerais, provinciais e municipais. Sobre o movimento federalista na segunda metade do
século XIX, no Brasil.Cf. FRAGA, Andrey J. Tafner; DAL RI, Luciene – «A construção do federalismo brasileiro e
a constituição de 1891». In: OLIVIERO, Maurizio; LOCCHI, Maria Chiara (org.) – Democracia e constitucionalismo:
novos desafios na era da globalização, p.09-32; BALTHAZAR, Ubaldo Cesar – História do tributo no Brasil. Florianópolis:
Fundação Boiteux, 2005, p.85.
54 DOLHNIKOFF, Miriam – História do Brasil …, p.51.
55 ABREU, Antonio Paulino Limpo de – «Apresentação do Ato Adicional à Regência pela Câmara dos Deputados».
In: BONAVIDES, Paulo; AMARAL, Roberto (orgs.) – Textos Políticos da História do Brasil. Brasília: Senado federal,
Conselho editorial, 2002. p.931.
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Câmara dos Deputados, gerando debate sobre a sua constitucionalidade, visto que a norma
também deveria ter sido aprovada pelo Senado. Tal dúvida foi sanada logo em seguida, em
23 de agosto de 1834 quando o Senado reconheceu a constitucionalidade do Ato Adicional,
não se opondo juridicamente a sua aplicação.
As propostas mais extremistas não foram acatadas, sendo mantido o Poder Moderador,
a vitaliciedade do mandado dos senadores, assim como a exclusão do uso da expressão
“monarquia federativa”
56
.
Entre liberais e conservadores um sentimento permanecia: o Ato Adicional não atendeu
ao que almejavam os liberais ao tempo que ultrapassou os limites que os conservadores
entendiam ser aceitável para aquele momento
57
. Para os liberais a necessidade de superar o
colonialismo ainda esbarrava na estrutura patrimonialista do poder
58
.
O Ato Adicional de 1834 rompeu com a tradição portuguesa de centralização do poder
político, criou as assembleias legislativas provinciais, com considerável autonomia para
legislarem, e inseriu a participação constitucional do presidente da província na atividade
legislativa, bem como unificou a Regência
59
.
56 “Entre o fascínio norte-americano, que já cega muitos teóricos e parlamentares, e a pasmaceira luso monárquica,
prevaleceu a permanência do Poder Moderador, do Senado vitalício e a descentralização, esta a verdadeira
conquista dos moderados, descentralização que tocaria na estrutura política do edifício monárquico. Todas as
reformas teriam uma inspiração maior, que seria o seu limite: a união das províncias, desafogadas de opressivos
freios, para melhor garantir a integridade territorial”. Cf. FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder, p.354.
57 Nas palavras de Nogueira: “O Ato Adicional, no entanto, como momento de transação entre os dois extremos,
um que desejava tudo modificar e o outro que nada admitia mudar, terminou apenas abrandando o rigorismo
centralista e instituindo Assembleias Legislativas Provinciais, em lugar dos Conselhos Gerais de Província,
que na verdade eram simples órgãos consultivos, sem poderes. As demais aspirações liberais terminaram, na
verdade, umas adiadas e nunca realizadas; outras colocadas em ação pela força dos costumes, mas sem se mexer
na Constituição, e outras momentaneamente apenas realizadas. Enquanto os liberais exaltados achavam que
nada se tinha conseguido, os conservadores radicais acreditavam que se tinha ido longe demais”. Cf. NOGUEIRA,
Octaciano – «Voluntarismo jurídico e o desafio institucional». In: Revista do Tribunal Regional Federal da 1.ªRegião.
Brasília. ISSN 0103-703-X. Vol. 9, N. .º3, 1997, p.51.
58 WOLKMER, Antonio Carlos – História do Direito no Brasil. 5.ªed. , p.79.
59 Lei n. 16 – Ato adicional à Constituição do Império (12 agosto 1834) art. 10 e 11. Segundo Vieira (VIEIRA, José Ribas
– O autoritarismo e a ordem constitucional no Brasil. São Paulo: Renovar, 1988, p.54) “o colapso da estrutura
político-jurídica do Brasil-monárquico não se deve a essas meras crises formais, e sim ao surgimento de novas
forças sociais. Elas representam o deslocamento do processo social brasileiro, tanto a nível geográfico, do Vale
Paraíba para São Paulo, quanto a mudança dos interesses representados no nível político-social”. Faoro, que
não contempla com muito entusiasmo o Ato Adicional, diz que ele foi “[...]arrancado não às convicções, mas
ao medo dos moderados, procura organizar um feixe de poderes, concentrados nas províncias, de cuja aliança
se firmaria o Império. O esquema visa a desmontar, pela descentralização, quase federativa, mas adversa à
federação, o centralismo bragantino, ao tempo que foge da fragmentação municipal. Obra de convicção liberal –
aproximar o governo do povo – e obra de contemporização – fugir do extremado federalismo, casado com ideias
republicanas”.Cf. FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder…. 5.ªed., p.354.
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O redator do Ato Adicional à Constituição do Império, Bernardo Pereira de Vasconcelos
era tido como liberal moderado, mas assumiu a posição de líder dos conservadores em 1835.
A redação da única emenda constitucional deixa em dúvida sua real posição política
60
.
Por mais que a criação das assembleias legislativas provinciais pudesse representar um
grande salto para a descentralização, pois permitiam legislar sobre diversos e importantes
assuntos, como por exemplo a divisão judiciária, civil e eclesiástica das províncias, a ins-
trução pública, a desapropriação por utilidade municipal ou provincial; criação e nomeação
para os empregos municipais e provinciais, entre outros
61
, sua funcionalidade não aconte-
ceu, ante as incertezas das atribuições de cada membro
62
.
A ideia da descentralização das províncias era um clamor dos liberais desde a indepen-
dência, pois a Constituição imposta por D. Pedro I as deixou presas à administração do
Imperador
63
. A descentralização trazida com a alteração constitucional era tida por alguns,
60 Bernardo Pereira de Vasconcelos foi deputado geral (1834-1837), apresentou os projetos do Código Criminal do
Império do Brasil (1830) e do Ato Adicional (1834), que alterou a Constituição de 1824 e ampliou a dimensão das
reformas liberais até então empreendidas. Após 1834 distanciou-se do grupo liberal moderado que integrava,
assumindo a liderança conservadora da oposição ao governo do regente Diogo Feijó (1835-37). Voltou ao governo
com a renúncia de Feijó e a subida ao poder do conservador Pedro de Araújo Lima, tendo sido indicado secretário
de Estado dos Negócios da Justiça (1837-1839) e do Império (1837-1839). Foi nomeado senador (1838-1850) e
integrou o Conselho de Estado (1842-1850). Foi reconduzido à pasta do Império em 1840, onde permaneceu por
algumas horas, na tentativa de impedir a maioridade de d. Pedro. Com o Golpe da maioridade afastou-se do
governo, mas manteve sua atuação política no Senado e no Conselho de Estado. Cf. CARVALHO, José Murilo
de –Bernardo Pereira de Vasconcelos. São Paulo: Editora 34, 1999.
61 Lei do Ato Adicional à Constituição do Império (1834), artigos 10, 11 e 12.
62 “Os conselhos-gerais das províncias se elevam a assembleias legislativas provinciais, mantida a nomeação dos
presidentes. As províncias, embora desprovidas de autogoverno, ganham o poder legislativo emancipado, com
largas interferências e geral tutela sobre os municípios. Entre os três focos verticais do poder – o município, a
província e o Império – restaram, entretanto, zonas indefinidas, pelas quais se iriam infiltrar reinvindicações
revolucionárias e a pesada mó centralizadora. Sobretudo, as áreas dos governos geral e provincial não lograram,
na prática do sistema, fixar um mecanismo de harmonia e entendimento. O quadro constitucional não se
mostrou apto a estabelecer a partilha das forças em contraste, de articulação mal definida, num momento em
que falta uma estrutura homogênea na sociedade e na economia. ” In FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder….
5.ªed, p.355.
63 Foi o Ato Adicional, segundo Tavares Bastos “[...]redigido sobre a constituição preparada em 1832. Com quanta
inexatidão, pois, afirmar-se-ia que ele é obra da precipitação e do acaso, concessão às paixões do dia, não
fruto de ideias amadurecidas! Embora a obscureçam algumas ambiguidades e vícios, aliás de fácil reparação,
abençoemos a gloriosa reforma que consumou a independência do Brasil. Não foi o ato adicional, não, um
pensamento desconexo e isolado na história do nosso desenvolvimento político. Foi elaborado, anunciado, por
assim dizer, pela legislação que o precedera. Inspirou-o a democracia. Ele aboliu o Conselho de Estado, ninho
dos retrógrados auxiliares de D. Pedro; decretou uma regência nomeada pelo povo, e permitiu que nossa pátria
ensaiasse o governo eletivo durante um grande número de anos; fez mais, criou o poder legislativo provincial.
Não é lícito menosprezar obra semelhante“. Cf. TAVARES BASTOS, A. C. – A Província. São Paulo: Companhia
Editora Nacional, 1975.p. 63.
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como Visconde de Uruguai
64
, como excessiva pois “entregava às facções que se levantassem
nas províncias o Poder Executivo Central de mãos e pés atados”
65
.
O Ato Adicional foi, portanto, um importante marco para as mudanças nas atribuições
político-administrativas tanto das províncias quanto do governo central, porém, o cres-
cimento da instabilidade política gerado pelas revoltas em diferentes províncias – Caba-
nagem no Pará (1835), Farroupilha no Rio Grande do Sul (1835), a Balaiada no Maranhão
(1838) e a Sabinada na Bahia (1837), demonstrou de que a descentralização poderia ser uma
ameaça ao regime da Monarquia. O Ato Adicional para muitos trouxe uma “anarquia legis-
lativa, ao passo que pairavam muitas dúvidas acerca das atribuições da assembleia geral e
sua possível intervenção nas atribuições das assembleias provinciais
66
.
A vitória liberal então durou pouco tempo e recebeu o contragolpe conservador, por
meio da Lei de Interpretação do Ato Adicional de 1834, promulgada em 1840, que estabelecia
a restrição dos poderes das câmaras provinciais, em proveito da autoridade central, bem
como reduzia os poderes do presidente da província
67
.
64 Visconde de Uruguai e Tavares Bastos travaram grandes debates acerca da centralização e descentralização no
Império. O debate entre ambos vem exposto na obra de Ferreira (1999, p.78) “A diferença entre os olhares de um e
outro pode ser localizada no fato de que Uruguai, ao contrário de Tavares Bastos, toma o nosso “caráter nacional”
– a falta de tradição de autogoverno, a carência de educação cívica do povo – como o elemento explicativo
central de toda a sua análise e argumentação. O erro histórico dos liberais, pensava ele, era considerarem que
o despotismo provinha sempre de cima, do abuso da autoridade, e nunca do povo, independentemente de sua
educação e seus hábitos. No caso brasileiro, a reforma descentralizadora procurara adaptar instituições próprias
dos Estados Unidos em um país que não tinha as pré-condições básicas para suportá-las. Assim é que o chamado
Código de Processo, de 1832, entregara importantes atribuições aos juízes de paz, filhos da eleição popular e,
portanto, “criaturas da cabala de uma das parcialidades do lugar”. Independentes do Poder Administrativo por
serem eletivos, eram eles autores dos maiores arbítrios e atentados aos direitos individuais. Do mesmo modo, o
Ato Adicional de 1834, e principalmente a “inteligência” que lhe foi dada – atribuindo às Assembleias Provinciais
o poder de legislar e nomear para empregos relativos a objetos do Poder Central criou uma descentralização
excessiva”.
65 URUGUAI, Visconde de – Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa
Nacional, 1960, p.380.
66 Tavares Bastos descreve alguns exemplos acerca das dúvidas em relação à competência legislativa daquele
período: “A Câmara dos Deputados em 1836 adia certa proposta do governo sobre habeas- corpus até que se
adotasse uma medida sobre a lei de 14 de junho de 1835 da assembleia provincial de Pernambuco. Adia em 1837
um projeto sobre a formação da culpa até que se decidisse a questão sobre empregados gerais e provinciais.
Adia, no mesmo ano, outro que elevava a renda para ser jurado, por duvidar-se da competência da assembleia
geral para legislar sobre este cargo. O próprio Senado, em 1836, adiara projeto de suas comissões relativo a
juízes de paz, municipais e de direito, considerando muitos dos oradores a matéria primitiva das assembleias
provinciais”. Cf. TAVARES BASTOS, A. C. – A Província, p.64.
67 - “Quanto a nós, não nos limitaremos a pedir a execução da lei e o abandono de práticas perniciosas; vamos
também propor o complemento do sistema esboçado no ato adicional. Este sistema supõe nas províncias um
poder legislativo e uma administração próprios: que falta para que funcionem com regularidade? Até onde
devemos chegar no empenho de reabilitá-los? Quais as circunscrições da descentralização que os liberais
promovem? [...] É tempo! De sobra temos visto uma nação jovem oferecer aos olhos do mundo um espetáculo
da decrepitude impotente. Na América, onde tudo devera de ser novo, pretendem que o despotismo se perpetue
perpetuando a centralização. O que somos nós hoje? Somos os vassalos do governo – da centralização“. Cf.
TAVARES BASTOS, A. C. – A Província, p.78.
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A citada lei que restringia os efeitos da única emenda constitucional imperial, trouxe o
restabelecimento do Conselho de Estado, muito embora sem a obrigatoriedade de consulta
por parte do Imperador. Os liberais por outro lado sentiram o retrocesso, pois pela legisla-
ção que ora se impusera “não se interpretava, amputava-se o ato adicional; e tudo sem os
trâmites de uma reforma constitucional: obra por esses dois motivos odiosa
68
.
Tido com o “o ato mais enérgico da reação conservadora, a limitação da autoridade das
assembleias provinciais entregou novamente a administração da polícia e da justiça para
o governo central, com o fundamento da necessidade de manter a integridade da monar-
quia
69
.
A Lei de Interpretação de 1840, ao lado da Reforma do Código de Processo e do restabe-
lecimento doConselho de Estado entregou rumos à estrutura política do Segundo Reinado,
pois adequou a autonomia provincial à centralização pretendida, trazendo para o governo
central a administração da polícia e da Justiça, bem como todos os empregos voltados ao
exercício das atribuições do poder central
70
.
Sua promulgação foi fruto de um trabalho dos conservadores na defesa da centralização
e, ainda que não revisse a autonomia concedida às províncias pelo Ato Adicional, mantendo
o pacto federalista, promoveu os recuos necessários à manutenção do poder da monarquia.
Os debates acerca do binômio centralização/descentralização no império, porém, não
acabaram com o Ato Adicional. Os liberais continuaram a buscar a democratização das ins-
tituições por meio da descentralização e a restituição da autonomia para as províncias.
Árduo defensor da descentralização, Tavares Bastos
71
por um lado entende a Lei de
Interpretação como um grande retrocesso para as assembleias provinciais, por outro reco-
68 TAVARES BASTOS, A. C. – Cartas do Solitário. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1975, p.61.
69 FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder…. 5.ªed., p.380.
70 A lei de interpretação (12 de agosto de 1840), elaborada na esteira da apostasia regressista e conservadora de
Bernardo Pereira de Vasconcellos, sob o inocente pretexto de elucidar o Ato Adicional, infunde ao estatuto de
1834 alma oposta ao seu contexto. As assembleias provinciais, centro do poder local, cedem, em favor do poder
legislativo geral. A polícia e os empregos voltam à corte, duas molas que, desarticuladas do provincialismo,
levarão, mais tarde, a justiça e a Guarda Nacional aos pés do ministro da Justiça. A liberdade vigiada, a
descentralização consentida, a tutela do alto e de cima ensaiam as primeiras estocadas, prenunciando o quadro
fechado da organização política. [...] Duas colunas hão de emergir do aviltamento provincial, para sustentar o
edifício imperial: o Conselho de Estado, renascido com a Lei de 23 de novembro de 1841, e a reforma do Código
de Processo, renascido com a Lei de 3 de dezembro do mesmo ano. ” In FAORO, Raymundo – Os Donos do Poder….
5.ªed., p.379.
71 Para Tavares Bastos, deputado provincial que profundamente estudou os maiores sistemas políticos à sua época,
como Estados Unidos, Grã-Bretanha, Canadá e Austrália, entre outros países, a descentralização administrativa
era imperativa, e afirmava: “Apreciai as vantagens incomparáveis da administração independente, das liberdades
civis e políticas: com menos da metade da nossa população, o Canadá, essa terra hiperbórea da neve, dos lagos
e rios gelados, tinha há quatro anos, um movimento comercial igual ao nosso. As sete colônias da Austrália, a
quem aliás se dão somente 2.000.000 de habitantes, mais favorecidas pela natureza, mas também muito mais
distantes, já faziam em 1866 um comércio duplo ao Brasil, e seus governos já dispunham de rendas superiores às
nossas. Pungente paralelo!”. Cf. TAVARES BASTOS, A. C. – A Província, p.56.
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nhece que havia a necessidade de melhor interpretar o que prescrevia aquela norma, sua
crítica, porém, continua por entender que a necessária interpretação foi realizada ao avesso
da natureza da lei em que foi criada
72
.
Se por um lado a articulação da Regência em meio à tensão liberal-conservadora permi-
tiu o diálogo, ou administração das diferenças entre as linhas políticas, fortalecendo politi-
camente o país, legitimando o poder e superando a herança absolutista portuguesa. Tal fato
não impediu, porém, a proclamação da maioridade de Dom Pedro II, diante do perigo de des-
membramento
73
. A manobra liberal, que buscou o fim das regências, viu-se, porém, às voltas
com a política moderada e tendencialmente conservadora do Imperador Dom PedroII
74
.
VI. Considerações finais
O constitucionalismo brasileiro, que nasce e se desenvolve de forma permeada com o cons-
titucionalismo europeu e particularmente português tenta erguer o princípio do governo
limitado, dentro de um sistema impregnado de centralização do poder, em acertos e desa-
certos com os interesses liberais.
O liberalismo na ordem sócio-política brasileira agiu para a independência nacional,
mas não impôs inicialmente a república, como nos demais países latino-americanos,
lutando pela autonomia, segurança e expansão das relações econômicas e financeiras, bem
como pela inserção de direitos e garantias individuais que limitassem o poder do Estado.
Observa-se, portanto, desde os primeiros atos constitucionais brasileiros a tendência a
ordenar, fundar e limitar o poder político e reconhecer e garantir os direitos e liberdades
do indivíduo.
A comunhão de experiência constitucional entre Brasil e Portugal torna-se ainda mais
evidente quando da outorga, em Portugal, em 1826, da Carta Constitucional para o Reino
72 A censura que se faz à lei de 1834, cabe melhor, em verdade, à de 1840. Entretanto, devemos confessá-lo, a
experiência havia manifestar a necessidade de interpretar os citados §§ do ato adicional; havia ela patentear que
se devia tirar às assembleias dominadas pela paixão centralizadora pretextos para embaraçarem a autonomia do
município”. Cf. TAVARES BASTOS, A. C. – A Província, p.103.
73 SCHWARCZ, Lilia Moritz – As barbas do imperador: Dom Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo:
Companhia das Letras, 1998, p.74.
74 A influência liberal não ocorreu somente a nível político-constitucional e buscou a regulação da propriedade
em âmbito civil. Nesse sentido, ocorreram após o período regencial alguns movimentos infraconstitucionais
importantes, como a conversão das sesmarias em propriedade absoluta e individual moderna, com a lei de 1850
e de 1864 colocando em evidencia a influência do liberalismo muito além da constituição (VARELA, 2005, p.125);
e a acomodação de parte dos liberais aos interesses conservadores quando se tratava da “abolição lenta e regular
da escravidão” (Lei Feijó de 1831, Lei Eusébio de Queiroz de 1850, Lei Nabuco de Araújo de 1854, Lei do Ventre
Livre de 1871, Lei dos Sexagenários de 1885, Lei Áurea de 1888), denotando que o patrimonialismo exacerbado se
impôs mesmo diante dos valores de liberdade e de vida humana. Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu – A Constituição
na vida dos povos. São Paulo: Editora Saraiva, 2010, p.99.
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de Portugal, Algarves e seus domínios, com texto muito similar à Constituição Política do
Império do Brasil, de 1824.
O liberalismo que fomentou a independência e foi pouco aceito durante o primeiro
reinado, influenciou fortemente a elaboração e a dinâmica constitucional sob os demais
períodos do Império. A prática constitucional após a abdicação de Dom Pedro I foi além de
instrumentos absolutistas, desenvolvendo dinâmica específica. Nesse sentido, observou-
-se durante o período regencial não apenas descentralização político-administrativa, por
meio do Ato Adicional de 1834, mas também práticas constitucionais que aproximaram o
Brasil de uma ‘experiência republicana’. As aspirações pelo modelo estatal descentralizado
e a forma federalista não era unânime nem mesmo entre os liberais, promovendo amplo
debate político e doutrinário no Brasil durante todo o segundo reinado.O florescer liberal
foi de certa forma contido pelo movimento conservador por meio da Lei de Interpretação,
promulgada em 1840, que restringia os poderes das câmaras provinciais e do presidente da
província, bem como a declaração da maioridade do Imperador não implicou em grande
abertura aos ideais do liberalismo, considerando a postura política moderada e tendencial-
mente conservadora do Imperador Dom Pedro II.
A prática imperial, porém, desenvolveu sensibilidade não apenas aos interesses dos
conservadores e assumiu postura constitucional de forte inspiração inglesa, consubstan-
ciando-se em árbitro na organização política brasileira.
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A dinâmica de construção constitucional do Brasil império: entre liberalismo edescentralização
LUCIENE DAL RI | JAILSON PEREIRA
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